ANDRÉ HENRIQUE OLIVEIRA E LEITE[1].
(orientador)
RESUMO: Iniciada no fim de 2019, perpetrada durante todo o ano de 2020 e ainda não finalizada, a pandemia global surgida em meio a expansão do chamado Covid-19 tem feito diversas famílias se adaptarem às novas mudanças exigidas por esse contexto. Frente a esse cenário, o presente estudo tem como escopo discutir de que forma a guarda compartilhada deve ser aplicada no período de pandemia. Busca-se com esse tema, apresentar posicionamentos jurídicos e de outras áreas a fim de encontrar um caminho ideal de lidar com a questão de guarda de filhos durante o período citado. Na metodologia, tem como técnica de pesquisa a referência bibliográfica e como meio de pesquisas, sites de busca, livros, artigos científicos e a norma brasileira. Nos resultados ficou evidente constatar que a guarda compartilhada nesses casos é o melhor caminho para manter as relações familiares no período de pandemia, evitando inclusive a prática de Alienação Parental.
Palavras-chave: Guarda Compartilhada. Pandemia. Possibilidade. Direito de Família.
ABSTRACT: Begun at the end of 2019, perpetrated throughout the year 2020 and not yet completed, the global pandemic that emerged amid the expansion of the so-called Covid-19 has made several families adapt to the new changes required by this context. Faced with this scenario, this study aims to discuss how shared custody should be applied during the pandemic period. With this theme, the aim is to present legal and other positions in order to find an ideal way to deal with the issue of child custody during the aforementioned period. In the methodology, the bibliographic reference is used as a research technique and as a means of research, search sites, books, scientific articles and the Brazilian standard. The results showed that shared custody in these cases is the best way to maintain family relationships during the pandemic period, even avoiding the practice of Parental Alienation.
Keywords: Shared Guard. Pandemic. Possibility. Family right.
Sumário: Introdução. 1. Contextualização da temática. 2. Da guarda compartilhada: aspectos gerais. 3. Análise jurídica da aplicabilidade da guarda compartilhada no período de pandemia. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A união familiar é um dos objetivos encontrados na norma jurídica brasileira, ao qual traz o Direito de Família como sendo o conjunto de normas reguladoras das relações familiares. Como expressa o art. 226 do texto constitucional, a família é considerada como a base da sociedade e do indivíduo.
Apesar de seu foco ser manter a família sempre unida, na realidade social nem sempre isso acontece da forma como o Estado deseja, dado que hodiernamente o desfazimento do vínculo matrimonial é cada vez mais comum, gerando uma ruptura da entidade familiar tradicional.
As separações trazem turbulência e conflitos para a relação familiar. Agressões verbais ou até mesmo físicas entre os ex-cônjuges, disputa por dinheiro e até mesmo a prática de Alienação Parental pode ser encontrada nesses cenários. Diante disso, buscando preservar a integridade física, intelectual e emocional dos filhos, a doutrina jurídica e a jurisprudência vêm colocando como foco principal a guarda compartilhada.
Entendida como uma forma de dar aos genitores a responsabilidade por igual na criação e educação de seus filhos, ainda que não solucione totalmente o problema, a guarda compartilhada há muito vem sendo discutida como a melhor maneira de preservar os vínculos familiares.
Essa questão é ainda mais delicada quando verificada in loco numa pandemia. Iniciada no fim de 2019, perpetrada durante todo o ano de 2020 e ainda não finalizada, a pandemia global surgida em meio a expansão do chamado Covid-19 tem feito diversas famílias se adaptarem às novas mudanças exigidas por esse contexto.
Frente a esse cenário, o presente estudo tem como escopo discutir de que forma a guarda compartilhada deve ser aplicada no período de pandemia. Busca-se com esse tema, apresentar posicionamentos jurídicos e de outras áreas a fim de encontrar um caminho ideal de lidar com a questão de guarda de filhos durante o período citado.
Portanto, no decorrer de sua análise procura-se responder: quais os efeitos jurídicos e sociais da aplicação da medida da guarda compartilhada no período de pandemia?
Objetivando verificar os recortes dos estudos acerca Guarda Compartilhada e da pandemia provocada pelo Covid-19, a presente pesquisa almeja encontrar as medidas já utilizadas pela jurisprudência nesses casos.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a realização do presente estudo se pautou no método indutivo e qualitativo. Caracterizada como uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi feita através de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os meses de agosto e setembro de 2021.
3. CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
Para melhor compreensão da discussão da temática proposta por esse estudo, se faz necessário tecer algumas linhas gerais sobre o novo cenário social ao qual a prática da alienação parental se encontra. In casu, estar-se a falar sobre a pandemia global existente em razão da expansão do contágio da Covid-19.
Em meados de 2019 ocorreu na China uma contaminação de um vírus oriundo de morcegos (ZHANG, 2020). Até o momento não se sabe como esse vírus surgiu e de que forma ele se desenvolveu. Ocorre que no ano de 2020 tal vírus se espalhou pelo mundo, ocasionando numa pandemia global. Esse vírus ficou denominado de Coronavírus.
O Coronavírus faz parte da família de vírus (CoV) e pode causar uma série de efeitos aos seus portadores, tais como resfriados, febre, tosse chegando até mesmo a doenças mais graves como a Síndrome Aguda Respiratória Severa (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). (ZHANG, 2020).
Esse novo coronavírus recebeu a denominação SARS-CoV-2 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a doença que ele provoca ficou conhecida como Covid-19. Desde a sua expansão em território global, o coronavírus tem causado prejuízos de toda ordem, seja social, financeiro, cultural, etc. Ainda vai demorar décadas até de fato dimensionar o seu impacto (MEDEIROS, 2020).
Desde que fora descoberta e expandida, milhares de cidadãos têm sido mortos diariamente ao redor do mundo. Hospitais lotados são apenas um exemplo de como essa doença impactou e ainda assombra a sociedade. Mesmo que não se tenha a cura definitiva, a aplicação de vacinas tem sido amplamente defendida como uma importante medida de prevenção.
O fato é que a sociedade global se modificou com a existência da Covid-19. O novo ‘normal’ nos dias de hoje é a utilização constante de máscara, a aplicação de álcool em gel, o distanciamento entre indivíduos e principalmente o isolamento social, conhecido como “fique em casa”.
É nesse aspecto que a Covid-19 mais pode ser sentida pela população. Ao ter o comércio, escolas e demais estabelecimentos fechados, o isolamento social provocado pela Covid-19 trouxe uma mudança radical na convivência familiar. No período mais crucial do contágio, o comum era ter todos os membros da família no mesmo local durante um longo período (PEREIRA, 2020).
Essa situação provocou – e ainda provoca – uma série de efeitos sobre a família e a comunidade. A proximidade constante e diária dos membros familiares trouxe uma avalanche de cometimentos de diversos delitos, tais como os casos de violência familiar, de abusos sexuais, de suicídio, de abandono afetivo, alienação parental, dentre outros. Diante disso, tem-se debatido a utilização da guarda compartilhada como forma de combater essas ações. Antes, é preciso entender o que seja uma guarda compartilhada, o que será descrito no tópico seguinte.
4 DA GUARDA COMPARTILHADA: ASPECTOS GERAIS
Com o fim de uma união matrimonial, emerge no Direito de Família a “guarda” em relação aos filhos. Esse termo simboliza uma proteção, uma responsabilidade do pai ou da mãe em relação a um filho. Essa responsabilidade inclui também o afeto. E inserido no cenário de guarda encontra-se a guarda compartilhada.
Conceitualmente, a guarda compartilhada “traduz o direito de ambos os genitores de participar de tudo o que diz respeito à educação e criação dos filhos” SKONIECZNY (2015, p. 01).
Para Marques (2015) a guarda compartilhada é um dever que os genitores possuem no cuidado com os filhos, incluindo todos os aspectos da criação (saúde, educação, lazer, etc.).
Para a lei é “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (BRASIL, 2014). Em adição a esse conceito, Costa (2015, p. 01) afirma que “a guarda compartilhada é considerada a situação ideal quando mãe e pai de uma criança não vivem juntos. Ela é considerada a divisão padrão em casos de pai e mãe que não morem na mesma casa”.
O tema da guarda compartilhada já existia na jurisprudência desde 2002, tendo já sido julgada nos Tribunais no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, pioneira nos julgamentos sobre essa matéria. No Legislativo, em 2008 foi promulgada a Lei nº. 11.698, que modificou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, que legislava apenas a guarda unilateral. Com a Lei nº. 11.698, a guarda passou a ser unilateral ou compartilhada (MARTINS, 2015).
Todavia, a supracitada lei vinha sendo entendida e aplicada de maneira equivocada. A sua aplicação, por exemplo, no caso da guarda compartilhada era feita apenas quando possível. Na mesma lei, quando ocorria o fim de uma união (civil ou união estável) ambos os pais permaneciam na titularidade do poder familiar, mas sob a iminência da guarda unilateral, onde apenas um dos pais detinha o poder de gestão dos interesses do filho (MARTINS, 2015).
Com os novos arranjos familiares surgindo e com o avanço do conceito de família e sua real responsabilidade sob o indivíduo, em 2014 foi editada a Lei nº. 13.058 que regula toda a sistemática envolvendo a guarda compartilhada. Com essa nova lei, alguns pontos sobre o assunto foram alterados. A priori, a guarda compartilhada passou a ser regra e não “sempre que possível”. Essa mudança tem provocado inúmeros debates ao redor do mundo, em especial no meio jurídico.
Costa (2015, p. 01) explica que “a lei é uma tentativa de garantir que mães e pais continuem a ser mães e pais, independentemente de haver ou não relacionamento conjugal. O objetivo é também que o filho saiba que pai e mãe têm o mesmo peso de responsabilidade na vida dele”.
Há de se frisar que a guarda compartilhada se objetiva em fazer com que os pais, mesmo diante da sua separação pessoal ou de moradias distintas, possam continuar sendo responsáveis pela formação, criação, educação e manutenção de seus filhos, seguindo responsáveis pela integral formação da prole, ainda que separados, obrigando-se a realizarem, da melhor maneira possível, suas funções parentais (DIAS, 2018).
Em vista disso, após a promulgação da Lei de Guarda Compartilhada e com a nova redação do art. 1.584, § 2º do Código Civil brasileiro, o magistrado deverá aplicar a guarda compartilhada mesmo sem consenso, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, “salvo se um dos genitores declarar ao juiz que não deseja a guarda do filho”.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. PRIMAZIA SOBRE A GUARDA UNILATERAL. DESAVENÇAS ENTRE OS CÔNJUGES SEPARADOS. FATO QUE NÃO IMPEDE O COMPARTILHAMENTO DA GUARDA. EXEGESE DO ART. 1.584, § 2º, DOCÓDIGO CIVIL. DOUTRINA SOBRE O TEMA. ANÁLISE DAS DEMAIS QUESTÕES DEVOLVIDAS. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. 1. Primazia da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, conforme de depreende do disposto no art. 1.584 do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis 11.698/08 e 13.058/14. 2. Impossibilidade de se suprimir a guarda de um dos genitores com base apenas na existência de desavenças entre os cônjuges separados. Precedentes e doutrina sobre o tema. 3. Necessidade de devolução dos autos à origem para que prossiga a análise do pedido de guarda compartilhada, tendo em vista as limitações da cognição desta Corte Superior em matéria probatória. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Resp 1560594, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. em 23.02.2016).
Diante do exposto, resta reafirmar que “na guarda compartilhada, pai e mãe têm os mesmos deveres e todas as decisões são tomadas em conjunto. Pais que moram em cidades ou até países diferentes podem dividir a guarda do filho” (KERNBEIS, 2015, p. 01).
Todavia, ainda que a guarda compartilhada seja a regra geral, é preciso que o Magistrado diante do contexto de cada caso concreto, deva observar as circunstâncias fáticas de cada família, ao ponto de decidir qual melhor guarda para o filho (a). Marques (2015) aduz que o juiz deve analisar minuciosamente cada questão relacionada à família da criança, desde questões financeiras, relações afetivas, cotidiano, dentre outros fatores. Em casos onde se verifica que a guarda compartilhada agravaria o litígio entre os genitores, prejudicando assim os interesses dos filhos, deve-se aplicar outras medidas.
Nesse ponto, cabe apresentar a seguinte jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. (...) FAMÍLIA. PRETENSÃO DE ADOÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA DOS FILHOS MENORES. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, COM BASE NOS ELEMENTOS E PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS, CONCLUIU QUE A GUARDA COMPARTILHADA NÃO ATENDE O MELHOR INTERESSE DOS FILHOS. (...) 2. Esta eg. Corte Superior já decidiu que a guarda compartilhada dos filhos é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar, na medida em que a lei foi criada com o propósito de pai e mãe deixarem as desavenças de lado, em nome de um bem maior, qual seja, o bem-estar deles. 2.1. Contudo, a questão envolvendo a guarda de menores não pode ser resolvida somente no campo legal, devendo também ser examinada sob o viés constitucional, consubstanciado na observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF, que também deve ser respeitado pelo magistrado, garantindo-lhes a proteção integral, que não podem ser vistos como objeto, mas sim como sujeitos de direito. 2.2. Em situações excepcionais e, em observância ao referido princípio, a guarda compartilhada não é recomendada, devendo ser indeferida ou postergada, como nos casos em que as condutas conturbadas e o alto grau de beligerância entre os seus genitores ao longo do processo de guarda não observam o melhor interesse dos filhos. 3. No caso dos autos, as instâncias ordinárias concluíram pela inviabilidade da instituição da guarda compartilhada não apenas em virtude da intransigência dos genitores das crianças, mas porque as circunstâncias do caso e a dinâmica familiar indicaram que aquele instituto não atenderia, pelo menos naquele momento, o melhor interesse dos infantes. Alterar tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor da Súmula nº 7 do STJ. (...) (STJ, AgInt no REsp 1808964/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 09/03/2020, DJe 11/03/2020). (grifo meu)
Com base no julgado acima, depreende-se que o melhor interesse da criança e do adolescente sempre deve prevalecer. Ainda que a guarda compartilhada seja a principal via de apoio familiar e de responsabilidade dos genitores, em determinados casos, como o citado acima, a sua aplicação não será indicada.
De todo modo, a guarda compartilhada ainda é o melhor caminho para que família permaneça unida e que os laços afetivos não sejam negligenciados. No caso do formato compartilhado, há a possibilidade de que a família, mesmo não tendo vínculo conjugal, exista na modalidade parental.
5. ANÁLISE JURÍDICA DA APLICABILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA NO PERÍODO DE PANDEMIA
Antes de iniciar a discussão da presente temática, importante mencionar que o direito de convivência previsto no art. 1.589, do CC, é um princípio básico do Direito de Família, extraído da tutela da proteção integral, estando nele incluídos, além da convivência, a companhia, as visitas, o contato permanente e as garantias de efetividade.
A propósito, transcreve-se o presente artigo:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. (BRASIL, 2002)
Vê-se, assim, o direito de convivência permite que ambos os pais possam intervir na formação de seu filho, a fim de exercer o poder parental e aperfeiçoamento dos vínculos afetivos, não se limitando apenas a um mero direito de visitas, já que, a mera visitação impõe uma restrição na responsabilidade dos pais e no direito de convivência que toda criança possui (VÍTOR, 2021).
Ocorre que, como descrito anteriormente, a pandemia causada pela Covid-19 trouxe uma série de consequências de toda ordem. No seio familiar, o seu impacto fora ainda mais intenso, o que acabou dificultando a convivência familiar.
Como uma das medidas de prevenção ao contágio da doença é o isolamento social, desde o início da pandemia, dentro do contexto familiar foi possível verificar uma série práticas delituosas, como por exemplo a Alienação Parental (PEREIRA, 2020).
A respeito dessa realidade, cabe citar a seguinte análise:
Diante das medidas de segurança que reverberaram no Poder Judiciário, muitos ex-casais se viram diante da necessidade de se restabelecer o diálogo (mesmo que forçadamente) para negociarem novas possibilidades para esse período, pois precisavam encontrar soluções que protegessem os filhos e, em alguma medida, atendessem às expectativas de convivência entre pais e filhos. Para aqueles que não conseguiram resolver consensualmente, o Poder Judiciário foi procurado para dar solução aos conflitos. As demandas que proliferaram nesse momento se referem, principalmente, ao exercício da convivência familiar (SANTI, 2019, p. 160).
rente a um novo cenário familiar encontrado por conta da pandemia, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário brasileiro se posicionaram, a priori, na busca de amenizar eventuais problemas. O primeiro deles foi a Recomendação emitida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre as recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia da COVID-19. No seu texto, foi possível encontrar o seguinte trecho que versa sobre este tema:
18. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações:
a. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida;
b. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável;
c. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado;
d. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado;
e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas;
f. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo.
(BRASIL, 2020)
Nota-se pelo texto acima que se recomendara o afastamento de um dos genitores do lar para que se evite qualquer contato ou risco de contágio da Covid-19 à criança. O intuito, como bem esclarece o teor do texto é a proteção máxima de crianças e adolescentes, e para isso, uma das recomendações era de afastamento de um dos genitores do filho.
Essa recomendação gerou diversas interpretações equivocadas por parte dos operadores de direito que fixaram em suas decisões a suspensão da convivência familiar. Salientam Silva et al. (2021, p. 06) que “a recomendação em nenhum momento menciona algo que motive a suspensão da convivência de modo presencial, todavia, recomenda expressamente que não se coloque em risco as crianças e a coletividade”.
Corroborando com os autores acima citados, Vítor (2021, p. 02) afirma que a “nota não implica em uma lei ou regra temporária suspendendo a visita ou a guarda dividida. A nota apenas entrega uma sugestão, responsável, para os tempos que vivemos, mas em momento algum diminui o peso que uma relação pai/filho possui”.
Em determinados casos, onde a Justiça autorizou a suspensão de convivência familiar em decorrência de possível risco para o filho, o genitor responsável se utiliza dessa prerrogativa para aplicar ações que visem o afastamento definitivo do outro genitor, o que caracteriza a alienação parental.
Por se tratar de um cenário novo, ao qual o Poder Judiciário e nem mesmo o Legislativo poderiam esperar, o que se tem enfatizado é que a pandemia não pode e nem poderá sanar qualquer convivência familiar, uma vez que esse ato é um imperativo constitucional, regulado conforme o texto do art. 227 da Constituição Federal de 1988.
Silva et al. (2021) entendem que não se deve em hipótese alguma sanar qualquer direito da criança e do adolescente em ter convivência familiar, exceto em casos onde há uma justificativa plausível, como o ocorrido na pandemia. Mas ainda assim, defendem os autores, não há e nunca deverá haver espaço e justificativa para qualquer tipo de alienação parental.
Devido a esse fato, após essas contradições, os Tribunais têm se mostrado mais flexíveis no que tange a convivência familiar em tempos de pandemia, com o objetivo de priorizar o melhor interesse da criança e do adolescente. Algumas decisões tem caminhado no entendimento de que a pandemia não pode sobrepor aos direitos dos pais em ter a convivência familiar com seus filhos. O que se deve ter é uma adaptação temporária, a depender de cada caso concreto.
Ainda sobre esse período, em relação ao posicionamento do Poder Judiciário, o que se nota é que há pouquíssimos casos analisados que tratam diretamente a questão da guarda e convivência diante da necessidade do isolamento social. Além disso, a pesquisa é dificultada pelo fato destes processos tramitarem sobre segredo de justiça. Na maioria dos casos, só “é possível identificar o entendimento da primeira instância a partir do momento que as decisões interlocutórias são objeto de recurso” (ANGELO, 2020, p. 02).
Cita-se ainda um projeto de lei (PL nº 1.627/2020) de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS) que também sugere medidas no âmbito do direito de família e tem um capítulo específico que dispõe guarda compartilhada. Segundo a proposta, o regime de convivência de crianças e adolescentes, qualquer que seja a modalidade de guarda, poderá ser suspenso temporariamente, de comum acordo entre os pais ou a critério de um juiz, para que sejam cumpridas as determinações de isolamento social ou quarentena (BRASIL, 2020).
Dentre outras medidas, insta destacar:
Além dos próprios genitores, a doutrina tem trazido soluções bastante criativas para compatibilizar a convivência familiar com o necessário isolamento social. Por exemplo, pode-se citar a recomendação do atual período sem convivência física com um maior convívio depois a que pandemia for superada, ou analisando as possibilidades da família aplicar a regulamentação das férias, com a criança ficando períodos mais longos, geralmente 15 dias com cada um dos genitores, de modo a reduzir o deslocamento (DORIA, 2020, p. 01).
Independentemente das soluções pactuadas, é importante assegurar que não se sacrifique demasiadamente a convivência familiar, garantindo que o genitor que não reside com a criança tenha contato constante com o filho, ainda que virtual ou telefônico, a fim de que a suspensão do contato físico não implique a fragilização do vínculo afetivo.
Nesse sentido:
A questão é muito sensível e merece especial atenção. É preciso verificar se esse afastamento específico é realmente necessário para preservar a saúde do menor ou não. Em caso positivo, deve ser utilizada toda a tecnologia disponível para minimizar a distância (internet, smartphones etc.) entre pais e filhos, bem como precisam ser verificadas futuras compensações (PEREIRA, 2020, p. 02).
A compensação citada acima pode ser entendida como uma alternância de períodos com o filho. Como bem explica Pereira (2020, p. 02) para evitar que o filho tenha que se deslocar continuamente, os genitores podem entrar em acordo no sentido de que “cada um possa ficar um tempo estipulado (15 dias por exemplo) com filho, ou estipular um período maior para o filho estar com o outro genitor, após a pandemia”.
De todo modo, o importante em todos os casos é garantir o melhor interesse da criança. Em casos específicos pode-se estipular judicialmente um período de afastamento, desde que comprovada eventual risco para a criança, de um dos genitores, ou em casos mais flexíveis, estipular horários de visitas. Os aparatos tecnológicos nesses casos podem – e devem – ser utilizados de forma contínua, porque ajudam a diminuir a ausência física.
Em contraponto ao entendimento do uso da guarda compartilhada como medida para prevenção à delitos na seara familiar, como a alienação parental, a jurisprudência recente tem mantido entendimento contrário ao que vem sendo analisado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já editou entendimento de que, respeitando o princípio constitucional do melhor interesse da criança, em alguns casos, retira-se a guarda compartilhada para implementar a guarda unilateral como forma de evitar a alienação parental.
É um posicionamento contrário ao estabelecido até aqui. Para melhor exemplificar esse entendimento, cabe citar o seguinte julgado:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. AÇÃO DE GUARDA CUMULADA COM REGULAMENTAÇÃO DE REGIME DE CONVIVÊNCIA E AÇÃO DECLARATÓRIA DE ALIENAÇÃO PARENTAL. GUARDA UNILATERAL DA GENITORA. IMPOSSIBILIDADE DE GUARDA COMPARTILHADA. ALTO GRAU DE LITIGIOSIDADE ENTRE OS PAIS. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. APELOS IMPROVIDOS. 1.1 Apelação da autora requerendo a reforma da sentença no tocante à regulamentação de visitas do apelado. [...] 5. Em que pese a guarda compartilhada ser a regra, no caso dos autos não estão presentes os requisitos autorizadores da mesma. 5.1 A comunicação entre os genitores é precária, marcada por insultos e falta de compreensão entre eles. 5.2 Frente ao alto grau de litigiosidade e ausência de comunicação efetiva entre as partes, a modalidade unilateral com regulamentação de visitas é medida que se impõe para resguardar o melhor interesse dos menores e seu desenvolvimento em um ambiente sadio. (TJ-DF 00004754920170014- Segredo de Justiça 0000475-49.2017.8.07.0014, Relator: João Egmont, Data de Julgamento: 24/02/2021, 2º Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 09/03/2021). (grifo meu)
No caso acima, ficou evidente que a decisão do respectivo tribunal foi no sentido de que diante da situação fática o melhor caminho a ser adotado é a guarda unilateral, uma vez que os genitores possuem alto grau de litigiosidade. Nesse cenário, para evitar uma possível alienação parental, decidiu-se pela guarda unilateral em favor de um dos genitores, com regulamentação de visitas.
O presente julgado traz uma abertura que essa temática não é de toda unânime, devendo ser analisado cada caso concreto. No período conturbado como a de uma pandemia, a cautela em tomar decisões no âmbito familiar, deve sempre prevalecer.
Sendo assim, cabe mencionar:
RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. GUARDA COMPARTILHADA. LAR DE REFERÊNCIA. GENITOR. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO POSTERIOR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. As partes possuem direito subjetivo à produção de provas, em atenção aos Princípios do Contraditório, da Ampla Defesa e do Devido Processo Legal, insculpidos no artigo 5º, LIV e LIV, da Constituição Federal. 2. Entendendo o Magistrado de origem estar o panorama fático devidamente demonstrado, desnecessária a realização de prova testemunhal. 3. Todo e qualquer litígio envolvendo a guarda e visitação de filho menor ou incapaz deve ser solucionado sempre no interesse deste, conforme disposição constitucional. 4. A excepcionalidade da situação de pandemia atualmente vivenciada acarreta a necessidade de maior cuidado com mudanças abruptas na rotina e referência da criança, haja vista a possibilidade de modificação do panorama fático com o retorno à normalidade. 5. As decisões que tratam de guarda e a estipulação de visitas não possuem a qualidade da inalterabilidade de seus julgamentos, mas, ao contrário, podem ser revistas a qualquer tempo, desde que modificadas as situações de fato (artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 6. Recurso conhecido e não provido. (TJDFT Processo nº 07501809520198070016 - (0750180-95.2019.8.07.0016 - Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. 8º Turma Cível. Relator: Eustáquio de Castro. Data de Julgamento: 07/07/2021. Publicado no PJe: 08/07/2021).
No julgado supracitado fica evidente observar que ainda que seja decidido pela guarda compartilhada ou pela guarda unilateral, nos casos onde se verifica a pandemia, a decisão sobre guarda pode perfeitamente ser revisada e modificada, a depender da volta da normalidade, ou seja, quando sanar a situação geradora da decisão, vide o texto do art. 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ademais, fica claro nesse estudo de que a aplicabilidade da guarda compartilhada em período de pandemia deve ser pautada em cada caso concreto, não havendo uma regra definitiva para todos os casos. Diante da situação excepcional de pandemia, deve-se apurar os fatos e frente do conjunto probatório coligido aos autos, encontrar a situação que melhor respeite o interesse do filho.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Covid-19 surgiu no fim do ano de 2019 na China. Desde então foi se expandindo para outros países até se tornar uma pandemia global. Por conta dessa situação, várias medidas foram sendo tomadas a fim de diminuir o contágio desse vírus. Dentre as medidas impostas, está o isolamento social.
O isolamento social trouxe uma série de efeitos emocionais, financeiros, estruturais e sociais para os cidadãos. No âmbito familiar, essa medida foi ainda mais intensa, principalmente quando se analisa sob o ângulo de pais morando com seus filhos, ou não.
Em casos onde há filhos de pais separados, a pandemia trouxe uma nova dinâmica nesse tipo de relacionamento. Nesse sentido, a justiça brasileira veio desde então buscando meios legais de resolver a questão da convivência e responsabilidades parentais em período de pandemia.
Desta feita, a escolha inicial desse tema se deu em decorrência de se verificar que a situação trazida pela pandemia trouxe uma nova roupagem nos assuntos de família. As relações familiares tiveram que se adaptar ao novo cenário de modo que o Direito teria que se impor na solução de eventuais conflitos.
Ampliando essa temática, escolheu-se abordar a questão aplicação da medida de guarda compartilhada no período de pandemia. O que se buscou discutir com esse tema é de que forma se efetiva essa medida, no período de isolamento e limitações sociais.
Nos resultados, o que ficou evidenciado é que as decisões judiciais a respeito da aplicação da guarda compartilhada no período de pandemia devem, sobretudo, pautadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como regra fundamental o princípio do melhor interesse da criança. Em determinados casos, é possível conceder a proibição de um dos genitores em visitar os filhos durante esse período.
De outro modo, alguns doutrinadores, como Fritz (2020) acreditam que não se deva de imediato proibir qualquer contato dos genitores nesse período. Nesse ponto, argumenta-se que a guarda compartilhada auxilia ainda mais os filhos no período de isolamento social, onde a solidão e distancia pode prejudicar o desenvolvimento emocional dos filhos.
Há, no entanto, a corrente, ao qual corrobora essa pesquisa, que entende que o melhor caminho a ser percorrido é a adaptação dessa situação, com o auxílio das redes sociais e meios diversos de comunicação nesse período. O genitor ou genitora afastado pode ainda manter contato por meio de conversas online, possibilitando o acompanhamento dos filhos.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
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