VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI[1]
(orientadora).
RESUMO: A Lei Maria da Penha surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como consequência da condenação do país no sistema Interamericano de Direitos Humanos. Foram 20 anos de luta para que o agressor fosse punido, e isso só aconteceu quando o seu caso foi processado a nível internacional. Atualmente, existe um grande aumento das relações virtuais, os chamados Webnamoro. Podendo dar certo, mas também existir a possibilidade de ultrapassar barreiras. Esse meio de ultrapassar as barreiras do real para o ambiente virtual não inibe de nenhuma forma como atingir o psicológico da pessoa, acontece em muitos casos que pode ser considerado pior no ambiente virtual e a exposição para várias pessoas e a forma como será julgado fere de forma direta a moral. Portanto, a pesquisa desenvolve-se em uma análise bibliográfica e descritiva.
Palavras-chave: Webnamoro; Lei Maria da Penha; Violência Psicológica.
ABSTRACT: The Maria da Penha Law emerged in the Brazilian legal system as a result of the country's condemnation in the Inter-American Human Rights system. It took 20 years of fighting for the aggressor to be punished, and that only happened when his case was prosecuted internationally. Currently, there is a great increase in virtual relationships, the so-called Web Dating. It may work, but there is also the possibility of overcoming barriers. This way of overcoming the barriers of the real to the virtual environment does not in any way inhibit how to reach the person's psychological, it happens in many cases that it can be considered worse in the virtual environment and the exposure to several people and the way in which it will be judged directly harms morale. Therefore, the research is developed in a bibliographical and descriptive analysis
Keywords: WebDating; Maria da Penha Law; Psychological violence.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Lei Maria Da Penha. 2. A Influência Da Internet Nos Relacionamentos. 3. A Violência Contra A Mulher Na Era Digital: A Possibilidade Da Aplicação Da Lei Maria Da Penha No Webnamoro. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Com a evolução tecnológica a comunicação entre as pessoas se tornou algo muito mais facilitado e abrangente, em questão de segundos, atualmente uma pessoa que está no Brasil, consegue se comunicar com alguém que está do outro lado do mundo. Assim como a comunicação e informações, os relacionamentos amorosos também tomaram meio virtual, através da modalidade chamada webnamoro.
Webnamoro consiste basicamente em relacionamento à distância na era da internet, esse meio de interação através de textos, fotos e vídeos, mantendo contato mesmo que distante. Existe situações que o casal já se conhecia pessoalmente e por algum motivo adverso, acabaram ficando distantes fisicamente, de tal forma que também existe o primeiro contato através de redes sociais, sites e apps de relacionamento.
Dessa forma, novo meio de conhecer um amor e dar um “match”. Porém, nem sempre com um final tão feliz. Acontece que, existe a possibilidade de que exista relacionamentos abusivos através dessa modalidade.
Assim, se fazendo necessário o uso da Lei Maria da Penha em alguns casos. Lei Maria da Penha prevê que a violência doméstica ou familiar pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
A relevância de tal estudo, norteia em um só foco: a prevenção de práticas virtuais criminosas que desencadeiam consequências na vida do indivíduo.
Nessa pesquisa evidencia-se principalmente a mulher, discorrendo principalmente embasado em uma questão social e histórica, levando-se em conta os diversos casos onde as mesmas tiveram suas vidas retiradas de forma ardilosa e hostil, analisando sua fragilidade biológica perante a tais comportamentos principalmente aos que cometem na modalidade virtual.
1. LEI MARIA DA PENHA
Maria da Penha Maia Fernandes é brasileira, natural do Ceará, nascida em 1° de fevereiro de 1945. É farmacêutica bioquímica formada pela Universidade Federal do Ceará em 1966, e mestre em parasitologia pela Universidade de São Paulo, em 1977. Em 1974, Maria da Penha conheceu Marco Antonio Heredia, um colombiano que também cursava mestrado na USP. No mesmo ano começaram a namorar, Marco Antônio era educado, solidário e amável com todos a seu redor. Se casaram em 1976. Após o fim de seu mestrado e do nascimento da primeira filha do casal, eles se mudaram para Fortaleza, onde tiveram mais duas filhas (Instituto Maria da Penha, 2018).
Quando Marco Antonio conseguiu sua cidadania brasileira e se estabilizou profissionalmente, as agressões começaram. Marco Antonio passou a se exaltar facilmente e a demonstrar comportamentos explosivos também com as filhas. Foi então que teve início o ciclo da violência, também chamada de “lua de mel”: aumento da violência seguida de arrependimento e comportamentos carinhosos. Foi durante essa fase, que, com a esperança de um melhor comportamento de Marco Antonio, tiveram sua terceira filha. Entretanto, em 1983, Maria da Penha passou por duas tentativas de assassinato causadas por seu marido (Instituto Maria da Penha, 2018).
Na primeira vez, ele atirou em suas costas enquanto ela dormia, o que a deixou paraplégica devido a complicações irreversíveis na terceira e quarta vértebras, também houve laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda, além das complicações físicas e dos traumas psicológicos. Marco Antonio contou à polícia que tudo foi causado por um assalto, declaração que foi desmentida pela perícia posteriormente. Após a volta de Maria da Penha para casa, depois de quatro meses passando por duas cirurgias, tratamentos e internações, ela foi mantida em cárcere privado por 15 dias, e passou por uma tentativa de eletrocussão durante o banho. Marco Antonio tentou ainda insistir para que a investigação sobre o suposto assalto não prosseguisse, forçou-a a assinar uma procuração que o autorizava a agir em seu nome e engendrou uma história sobre a perda do automóvel do casal, nesse ínterim foi descoberto que ele possuía uma amante (Instituto Maria da Penha, 2018; Ministério Público de São Paulo).
Somente em 1991, após oito anos do ocorrido, o agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, porém, devido aos recursos utilizados pela defesa, Marco Antonio saiu do fórum em liberdade. Em 1994 Maria da Penha publicou seu livro Sobrevivi... posso contar, onde relatava sua história e dava detalhes do andamento do processo. O segundo julgamento ocorreu somente em 1996, e Marco Antonio foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão, mas a sentença não foi cumprida (Instituto Maria da Penha, 2018).
Em 1998 o caso ganhou repercussão internacional. Com o auxílio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), Maria da Penha teve seu caso analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) (Instituto Maria da Penha, 2018; Ministério Público de São Paulo).
Em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos), o Estado foi responsabilizado por negligência em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018). De acordo com o Ministério Público de São Paulo, “na petição, foi alegado ‘haver tolerância à violência contra mulher no Brasil, uma vez que esse não adotou as medidas necessárias para processar e punir o agressor’. Também foi alegada a violação dos artigos: 1º; 8º; 24º; 25º da Convenção Americana, II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como dos artigos 3º, 4º a, b, c, d, e, f, g, 5º e 7º da Convenção de Belém do Pará”’ (MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, 2002).
Segundo o Ministério Público de São Paulo, em 2002 a CIDH condenou o Estado por negligencia e omissão, e fez as seguintes recomendações:
1. Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável pela agressão;
2. Realizar uma investigação séria, imparcial e exaustiva para apurar as irregularidades e atrasos injustificados que não permitiram o processamento rápido e efetivo do responsável;
3. Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações;
4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma para evitar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica;
5. Medidas de capacitação/sensibilização dos funcionários judiciais/policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;
6. Simplificar os procedimentos judiciais penais;
7. O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares;
8. Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao MP na preparação de seus informes judiciais;
9. Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará;
10. Apresentar à Comissão, dentro do prazo de 60 dias – contados da transmissão do documento ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomendações para os efeitos previstos no artigo 51(1) da Convenção Americana (MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, 2002).
Em 7 de agosto de 2006, atendendo a recomendação n°3, foi realizada uma reparação simbólica pelo Estado brasileiro, que nomeou a Lei 11.340/06, que trata de “coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres”, para “Lei Maria da Penha”. Em 2008 foi realizada a reparação material, com o pagamento de sessenta mil reais a Maria da Pena, que afirmou que “dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça” (Ministério Público de São Paulo).
Na época de Maria da Penha não havia uma lei específica sobre a violência doméstica, a lei vigente abordava a violência de forma geral e caracterizava o crime como sendo de menor potencial. O processo abordava somente a parte criminal e não a violência em si. O que dificultava a denúncia, já que muitas vezes a mulher precisava conviver em casa com o agressor mesmo após a denúncia, o que podia configurar um risco ainda maior (LEITE; GUASSU, 2014).
A lei Maria da Penha foi resultado da luta e organização do movimento feminista brasileiro, que denunciou a violência cometida contra mulheres desde os anos 1970, e que em 1980 ampliou a mobilização contra a absolvição de homens que assassinaram as esposas justificando a “legitima defesa da honra” (CALAZANS; CORTES, 2011).
A lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) ampara todos os indivíduos que se identificam com o sexo feminino, incluindo homossexuais e transexuais. E não contempla somente os casos de agressão física, mas também de violência psicológica, injúrias, danos a objetos e documentos, e difamação. A vítima deve estar em posição vulnerável em relação ao agressor, e este não precisa ser somente o companheiro ou cônjuge, mas pode ser um parente ou alguém do convívio social (BEZERRA, s.d.).
A lei foi implementada com o objetivo de assegurar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. E incluir no ordenamento jurídico brasileiro um sistema de apoio, proteção e prevenção para as vítimas de violência doméstica e familiar. A partir de então a violência contra a mulher passa a ser vista como toda aquela resultante da ação ou omissão no ambiente de convívio, possuindo ou não o vínculo familiar, considerando também a relação em que o agressor não convive com a vítima. A lei também passa a reconhecer a violência psíquica, moral, patrimonial e sexual como violência doméstica e familiar (LEITE; GUASSU, 2014).
Com a implementação da Lei foram trazidas algumas novidades, como a prisão preventiva do suspeito da agressão, a violência doméstica se torna um agravante capaz de aumentar a pena, a pena não pode mais ser substituída pela doação de cesta básica, é necessária a assistência econômica em casos em que a vítima é dependente do agressor, e a ordem de afastamento cobre a vítima e seus parentes. Também foi liberado o número 180 para o Centro de Atendimento à Mulher, para que a vítima denuncie o agressor (BEZERRA; LEITE; GUASSU, 2014).
2. A INFLUÊNCIA DA INTERNET NOS RELACIONAMENTOS
A criação e popularização da internet modificou a forma como as interações afetivas ocorre entre as pessoas, transformando e facilitando as relações pessoais. O que antes podia levar dias ou meses para acontecer, pode ser mediado através de poucos cliques na rede e com a ajuda de diversos aplicativos de namoro.
Na era da internet e da tecnologia, os relacionamentos amorosos têm sido estimulados através do desenvolvimento de aplicativos, e tem como intuito aumentar a chance de encontrar pessoas com interesses semelhantes e ampliar o círculo de relacionamentos, e consequentemente a chance de encontrar um parceiro (NUNAN; PENIDO, 2019).
Nessa vertente, surge o Webnamoro, comumente conhecido como namoro virtual, devido a facilidade e praticidade de comunicação, o relacionamento amoroso se deparou com um local ideal para ser explorado: os sites e aplicativos de relacionamento. Estes ambientes marcam uma nova fase e conferem um espaço para a experimentação, onde as pessoas passam a ser notadas primeiramente pela aparência e não por quem são, já que nesses ambientes há um maior controle que na realidade (PAURA; GASPAR, 2017).
Assim conceitua JÚNIOR et. Al. (2020, p. 4 e 5):
O conceito de webnamoro, que pode ser definido como todo e qualquer relacionamento mantido pela internet e/ou pelas redes sociais e aplicativos, podendo ter iniciado nas próprias redes sociais ou fora delas. A principal característica desse tipo de relacionamento é a ausência de contato físico com o(a) parceiro(a). É o mesmo que namoro virtual. Ele só se tornou possível porque, de um lado, temos uma infraestrutura tecnológica, como os computadores, tablets, laptops e smartphones, e as plataformas digitais, como os sites, redes sociais digitais e aplicativos e, de outro lado, pessoas conectadas que desenvolvem comportamentos e modos de ser por meio da vida digital. O webnamoro coloca em movimento formas virtuais de relacionamento afetivo e sexual que, contestados por uns, são vividos intensamente por outros(as), que estabelecem relações passageiras ou duradouras com pessoas dos mais distintos e, às vezes, inacreditavelmente distantes lugares.
Para Paura e Gaspar (2017), vivemos atualmente na era dos relacionamentos instantâneos, onde a tecnologia facilita progressivamente a comunicação entre as pessoas, permeando a relação sem um envolvimento emocional e sem o conceito de um compromisso, sendo que com somente um clique é possível recusar facilmente uma pessoa (PAURA; GASPAR, 2017).
A era digital nos proporciona algo que é um obstáculo no real. Para Paura e Gaspar “na relação virtual não possuímos fronteiras, as noções de espaço-tempo são dissolvidas, podemos nos comunicar com diferentes pessoas, em diferentes locais e com fusos horários diferentes, para isso basta acessar a plataforma virtual” (PAURA; GASPAR, 2017).
Existe também a facilidade da mobilidade, não é necessário estar preso ao desktop para que a comunicação ocorra, através de celulares a comunicação continua acessível no momento que quisermos (PAURA; GASPAR, 2017).
De acordo com uma pesquisa do Datafolha, em janeiro de 2014 em torno de 43 milhões de brasileiros com 12 anos ou mais utilizam a internet em dispositivos móveis. A internet tem se tornado um dos principais meios de socialização e comunicação, através dela as pessoas podem se expressar, flertar e revelar seus interesses, o que antes só era viável se estivessem no mesmo local. No entanto, isso não significa que as pessoas se encontram mais próximas uma da outra (SCHMITT; IMBELLONI, 2011).
Nota-se que as relações interpessoais têm diminuído, e a comunicação realizada pela tecnologia tem aumentado. Ao passo de aproximarem as pessoas, a era digital tem afastado-as, permitindo que haja relacionamentos sem a necessidade do envolvimento emocional, eliminando a dependência emocional um do outro, assim como o compromisso, visto que o relacionamento com o outro está a um espaço de um clique. É mais confortável o contato através de uma tela do que cara a cara. A tecnologia provoca uma relação ambígua. Ao passo em que desfaz os limites de espaço e tempo, também torna a relação tênue. Estar próximo na era digital é sinônimo de estar online, conectado. Atualmente a realidade virtual é a conexão que persiste na sociedade (PAURA; GASPAR, 2017).
Pesquisas apontam que durante o início da quarentena de 2020, realizada com o intuito de conter a contaminação do vírus sars-cov-2, o uso de aplicativos de relacionamento disparou. O aplicativo de relacionamento mais utilizado no Brasil, o Tinder, teve a maior quantidade de swipes (o arrasta para o lado) registrada em 29 de março, semanas após o início do confinamento doméstico. As conversas aumentaram em 25% e ficaram 20% mais longas (GAULIA, 2020).
Mas nem sempre o uso desses aplicativos gera o resultado pretendido. Uma pesquisa realizada com os usuários brasileiros do aplicativo Happn em agosto de 2020, mostrou que 81, 4% dos usuários passou mais tempo curtindo outros perfis que conversando, e 78,4% afirmaram que utilizam diversos aplicativos de paquera ao mesmo tempo (GAULIA, 2020).
Outros dados interessantes são do Google Trends, que revelou que no período entre 08/09/20 a 15/09/20 aumentou em 120% a busca por “aplicativos de relacionamento para casados" e em mais de 80% a busca por "baixar aplicativo de relacionamento grátis" (GAULIA, 2020).
Para Adriana Nunan, autora do livro Relacionamentos amorosos na era digital, “é cada vez maior o interesse das pessoas por esses aplicativos. Muita gente que antes tinha uma resistência pelos apps, agora aderiram a eles por falta de opção, já que representam uma forma mais segura de conhecer um parceiro neste momento. No entanto, é preciso ficar atento para os golpes amorosos, por exemplo" (GAULIA, 2020).
De acordo com Consentino (2007), a internet, por meio do computador ou celular, se torna “uma extensão da mente ou do mundo intrapsíquico de seu usuário, capaz de refletir sua personalidade, gostos, atitudes e interesses” (CONSENTINO, 2007). E de acordo com Turkle (2004), os computadores e celulares se tratam de “extensões da construção mental do pensamento”, da mesma forma que instrumentos musicais podem ser ditos como uma forma da extensão do som.
3. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ERA DIGITAL: A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NO WEBNAMORO
A violência, por ter sido calcada na cultura no decorrer da história da humanidade, não deixa de ser um fenômeno social. A violência revela vínculos de desigualdade e conflito, declarados entre os oprimidos e seus opressores. A violência contra a mulher é praticada em todo o mundo, sendo uma forma de abuso tolerado pela sociedade, e, infelizmente, tem se elevado no decorrer dos últimos vinte anos, evidenciando uma relevância global (WATTS; ZIMMERMAN, 2002).
Dados mostram que a proporção de mulheres vítimas de, ao menos, um episódio de violência ao longo da vida varia de acordo com a localidade onde vive, mas parece chegar a valores próximos de 59% (NAÇÕES UNIDAS, 2010). A violência é uma perturbação social grave, com proporções endêmicas, já que basicamente um terço de todas as mulheres, no mundo, já foram vítimas ou de violência física ou de sexual, proferida pelo companheiro com quem mantinham ou um relacionamento, ou após seu término. Em determinadas regiões do mundo tais índices alcançam 38%. Quando se considera o total de homicídios praticados contra o sexo feminino, 38% decorrem da violência doméstica (BIGLIARDI; ANTUNES; WANDERBROOCKE, 2016).
A violência contra as mulheres constitui-se como um acontecimento transnacional, que não respeita barreiras culturais ou geográficas, capaz de assumir um status de pandemia, que faz por merecer uma atenção e postura eficaz de ativistas, pesquisadoras/es e administradoras/es públicas/os a nível mundial. Em tal conjuntura, é consenso, sobretudo entre os movimentos feministas e de mulheres na busca do enfrentamento desta questão, que os Estados considerados soberanos têm a capacidade e o dever de desempenhar um papel central no cenário da sua erradicação, por meio da elaboração de leis e políticas públicas capazes de reduzir e, com sorte, exterminar, esta violência (AQUINO, 2008).
O STJ editou a Súmula nº 600, estabelecendo de uma vez por todas que "Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.".
Assim, a Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - COPEVID, elaborou o Enunciado nº 50, que dispõe: “Considera-se também relação íntima de afeto, a fim de ensejar a aplicação da Lei Maria da Penha, aquela estabelecida e/ou mantida por meio da rede mundial de computadores. (Aprovado na II Reunião Ordinária do GNDH, em 06/09/2018)".
Da mesma forma que a internet estreitou os laços de relacionamento a distância, se tornou um meio para abusos, golpes, depredação de imagem e violência contra a mulher. Lamentavelmente, a realidade virtual acaba reproduzindo o que acontece na vida real, e a violência contra a mulher também podem acontecer no mundo virtual. (NUNAN; PENIDO, 2019).
A violência doméstica pode alcançar a internet e se tornar uma via de agressão. Em casos mais graves é usada para observar e controlar a vida do companheiro, perseguindo-o digitalmente. Esse ato de perseguir o outro pela internet recebe o nome de cyberstalking (NUNAN; PENIDO, 2019).
Para Kaofeng Lee, da organização sem fins lucrativos Rede Nacional pelo Fim da Violência Doméstica (NNEDV, na sigla em inglês), a "intimidação, ameaças e acesso a informações da vítima não são táticas novas dentro do contexto da violência doméstica. Mas o uso da tecnologia significa que o assédio e abuso podem se tornar muito mais invasivos, intensos e traumatizantes” (PERASSO, 2015).
O comportamento violento online vai desde a humilhação pública até o assédio virtual, e a internet é o melhor meio para tal devido aos “Quatro As”, estabelecido pelo centro de estudos Associação pela Comunicação Progressiva, sendo eles: o anonimato, a acessibilidade, a ação a distância (se trata de uma forma de violência menos notável, sem o contato físico) e a automação (menos tempo e esforço necessários para gerar o ataque) (PERASSO, 2015). Cada vez mais entendemos que o problema não é a internet em si, mas sim o uso que fazemos dela (NUNAN; PENIDO, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, durante a presente pesquisa observa-se que existe abuso praticado também de forma virtual, devendo portanto, existir uma ampliação da aplicação da lei Maria da Penha, visto que, no próprio texto de lei dispõe, que a proteção da lei versa sobre sofrimento psicológico.
Dessa forma, na sociedade atual o ordenamento jurídico brasileiro deve acompanhar também as inovações tecnológicas resguardando o item mais precioso que o pertence – dignidade da pessoa humana – ponderando assim a prática delituosa de tal crime.
Por fim, o estudo buscou apresentar a necessidade da aplicação da lei Maria da Penha no Webnamoro demonstrando a oscilação da violência contra mulher em um duplo plano, dessa forma relativizando a interpretação da lei.
REFERÊNCIAS
BEZERRA, J. Lei Maria da Penha. Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/lei-maria-da-penha/. Acesso em 29/08/21.
BIGLIARDI, A. M.; ANTUNES, M. C.; WANDERBROOCKE, A. C. N. S. O impacto das políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher: implicações para a Psicologia Social Comunitária. v. 36, n. 91, pp. 262-285. São Paulo: Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 2016
CALAZANS, M.; CORTES, I. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, C. H. (Org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CONSENTINO, L.A.M. Relacionamentos na era digital: expressão no ciberespaço. Psic. Rev. São Paulo, volume 16, n.1 e n.2, p. 203-207, 2007.
GAULIA, L.A. Relacionamentos amorosos na era digital ganha versão e-book
2020. Disponível em: https://www.plurale.com.br/site/estante-detalhes.php?cod=1017&q=Relacionamentos+amorosos+na+era+digital+ganha+vers%C3%A3o+e-book. Acesso em 08/04/2021
INSTITUTO MARIA DA PENHA. Quem é Maria da Penha, 2018. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html.. Acesso em 27/08//21.
JÚNIOR, A. O. S.; FELIX, J.; COUTO, E. Amor, sexo e distância física: pedagogias do web- namoro na pandemia da Covid-19. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/download/21741/13360/. Acesso: 31 de outubro de 2021
LEITE, K.B; GUASSU, R. A.O. Lei Maria da Penha: uma evolução histórica, 2014. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/198444/lei-maria-da-penha--uma-evolucao-historica. Acesso em 27/08/21.
Ministério Público de São Paulo. História da Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Violencia_Domestica/Lei_Maria_da_Penha/vd-lmp-mais/Historia_da_lei. Acesso em 28/08/21.
NUNAN, A.; PENIDO, M.A. Relacionamentos amorosos na era digital. Editora dos editores, p. 20, 2019.
PAURA, M.D.C.; GASPAR, D. Os relacionamentos amorosos na era digital: um estudo de caso do site Parperfeito. Estação Científica, 2017.
PERASSO, V. Conectadas e violentadas: como a tecnologia está sendo usada para perpetrar abusos contra mulheres. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/11/conectadas-e-violentadas-como-a-tecnologia-esta-sendo-usada-para-perpetrar-abusos-contra-mulheres.html. Acesso em 09/04/2021.
TURKLE, S. Whither psychoanalysis in computer culture? Psychoanalytic Psychology, v. 21, n. 1, pp. 16–30, 2004.
WATTS, C.; ZIMMERMAN, C.. Violence againstwomen: global scope and magnitude. The Lancet, [s. l.], v. 359, n. 9313, p. 1232-1237, 6 abr. 2002. DOI: 10.1016/S0140-6736(02)08221-1. Disponível em: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(02)08221-1.pdf. Acesso em: 07/04/2021.
[1] Graduada em Direito na FAFICH (2000); Pós- Graduada em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Anhanguera (2005); Mestre em Gestão Pública pela UFT (2018); Professora na Unitins de Palmas/TO; Diretora-Geral da ESA-TO (Janeiro de 2018 à Agosto de 2021), Professor Universitário de Direito na Universidade UnirG, Gurupi/TO. E-mail: [email protected]
Graduanda do curso de Direito da Universidade de Gurupi. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Luanna Fernandes Vieira. Aplicação da Lei Maria da Penha na webnamoro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57873/aplicao-da-lei-maria-da-penha-na-webnamoro. Acesso em: 23 dez 2024.
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