WELLINGTON GOMES MIRANDA[1]
(orientador)
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo estudar comparativamente se houve mudanças e real evolução no combate ao racismo na sociedade brasileira sob o aspecto de sua cronologia histórico-social. No estudo, foi utilizada pesquisa bibliográfica tratando dos reflexos e das mudanças na lei brasileira em diferentes épocas, sob o ponto de vista do racismo até os dias atuais. Primeiramente, foram abordados os fatos históricos, começando pela abolição da escravatura no país até chegar nos aspectos legais previstos na Carta Magna Brasileira de 1988. Com o auxílio dessa base de pesquisa foi possível identificar parâmetros que demonstrar até que ponto a sociedade precisa evoluir, para que sejam proporcionados direitos e garantias iguais a todos os cidadãos, sem distinção de cor, raça ou sexo. Ao término do estudo, constatou-se que muitos dos reflexos atuais negativos na população negra do Brasil, tem sua origem numa abolição sem uma estruturação científica e técnica adequada. Neste aspecto, quando realizada uma análise mais aprofundada, conclui-se que muitos dos fenômenos sociais relacionados ao racismo no Brasil, deriva de uma série de erros contínuos dos legisladores e governantes no contexto histórico sendo demonstrada uma dívida histórico-social para com a população negra desde os tempos da abolição da escravatura.
Palavras-chave: Racismo. Marginalização do negro. Sociedade brasileira.
ABSTRACT: This study aims to compare the changes and real evolutions at the fight against racism in brazilian society under the aspect of its historial-social chronology. In the study, bibliographic research was used processing reflections and changes in Brazilian Law at different times, from the point of view of racism to the currently days. First, historical facts were adressed, starting with the abolition of slavery in the country until reaching the legal aspects provided for in the Brazilian Constitution of 1988. With the support of this research base it was possible to identify parameters that demonstrate in what extent does society need to evolve, in so that equal rights and guarantees are provided to all citizens, without color distinction, race or gender. At the end of the study, it was found that many of current negative reflexes in the black population of Brazil, has its origin in an abolition without an adequade scientific and technical structure. In this respect, when a more in-deph analysis is carried out, it’s concluded that many of the social phenomenon related to racism in Brazil, derives from a serial of continuos mistakes of legislators and politicians in the historical context, a historical-social debt to the black population has been demonstrated since the abolition of slavery.
Keywords: Racism. Black Population. Brazilian Society.
INTRODUÇÃO
Diante dos fatos históricos desde à abolição da escravatura até a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 e da Lei n° 7.716/89 - que punem aqueles que cometam qualquer crime de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional - a busca por compreender a dívida histórica do país para com a população negra e os acontecimentos que levaram a nossa sociedade atual a marginalizar essa comunidade se tornou infinda.
A Lei n° 7.716/89 foi uma tentativa de promoção da igualdade entre os indivíduos e objetivou erradicar o preconceito racial contra a pessoa negra, entre outros grupos. As disposições expressas, desde seu artigo 1°, têm em vista garantir a igualdade, sendo que também houveram modificações por meio da Lei n° 9.459/97, nos dispositivos que tipificam o delito de racismo.
Apesar de algumas políticas de inclusão social, que com o passar dos anos se revelaram pouco eficazes e de resultado questionável, o cenário atual é o que pune maior quantidade de pessoas negras em relação à pessoas brancas: são mais de 60% da população de presos do país, de acordo com o site da Câmara Legislativa do Brasil, as quais em sua maioria vivem em zonas periféricas, trabalhando em subempregos.
É possível afirmar que essa marginalização se deu por uma abolição inconclusa, sendo esta, apenas um ato jurídico decorrente da luta dos próprios escravizados com a solidariedade dos chamados abolicionistas em defesa da liberdade e da dignidade humana. Após a assinatura da Lei Áurea, não foi dado nenhum suporte para que aquela população escravizada retomasse à vida com o mínimo de dignidade e, por isso, exista a mencionada dívida histórica. Assim, tendo por consequência toda uma sociedade de pele escura à margem da sociedade, por sua mera existência.
Segundo a Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cidadania, o Brasil recebeu cerca de 40% de todos os africanos deportados às Américas, assim é considerado o maior país da diáspora negra do mundo, com uma população negra ou afrodescendente numericamente superada apenas pela Nigéria.
Os afrodescendentes se constituíram um dos mais importantes componentes na formação do Brasil, dito isso, é notória a injustiça quando se observa a situação das mulheres e homens negros nesta sociedade, cuja as raízes estão manchadas com o sangue derramado de seus ancestrais nos troncos das grandes fazendas de engenho.
2. A ESCRAVIDÃO COMO COMPONENTE DO MODELO ECONÔMICO MONÁRQUICO
Para entender o contexto no qual a escravidão se insere na economia brasileira, é importante traçar uma linha cronológica dos fatos históricos do país durante sua colonização. Em 1500, chega à costa brasileira, Pedro Alvares Cabral, acompanhado de sua esquadra, porém, a primeira atividade econômica é registrada somente três décadas depois, com o estabelecimento das capitanias hereditárias. A partir deste ponto, se inicia o chamado tráfico negreiro em direção ao Brasil, prática esta, que consistia em capturar e confinar negros africanos nos porões dos grandes navios portugueses e espanhóis. Toda a transação era feita no sistema de escambo: trocas de riquezas e negros capturados, entre traficantes e compradores.
Tendo o Brasil-Colônia, primeiramente, a produção açucareira como base da economia, viu-se a necessidade de mão de obra e foi então, em meados do século XVI, que os primeiros africanos escravizados aportaram no nordeste brasileiro para trabalhar, forçadamente, nas grandes fazendas de engenho, as quais possuíam como característica duas construções principais: a casa grande e a senzala. A primeira pertencia ao proprietário da terra, os denominados senhores, já a segunda, onde os escravos eram abrigados de forma precária. O trabalho braçal e exaustivo, consistia em tarefas diárias, sejam elas a produção direta do açúcar, desde colheita à moenda ou afazeres domésticos, função geralmente desempenhada por escravas do sexo feminino. Acredita-se que até o ano de 1580, somente em Pernambuco já haviam cerca de 66 engenhos operados por 2 mil famílias portuguesas. (GOMES, Laurentino. Escravidão. 2019. p. 230)
Sobre a escravidão nas Américas, Laurentino Gomes diz:
Nada foi tão volumoso, organizado, sistemático e prolongado quanto o tráfico negreiro para o Novo Mundo: durou três séculos e meio, promoveu a imigração forçada de milhões de seres humanos, envolveu dois oceanos (Atlântico e Índico), quatro continentes (Europa, África, América e Ásia) e quase todos os países da Europa e reinos africanos, além de árabes e indianos que dele participaram indiretamente (GOMES. 2019. p. 10)
Após essa breve síntese, é possível observar que a escravidão fora inserida na economia da época de duas maneiras, começando onde o negro era tratado como mercadoria pela prática de escambo, com transporte e moradia precários, e terminando no trabalho braçal, exaustivo e desumano.
3. A DISSONÂNCIA POLÍTICA-ECONÔMICA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
O século XIX, em seu contexto geral, traz acontecimentos importantes para a história do Brasil, que até 1808 era utilizado somente como colônia extrativista por Portugal. Entretanto, o cenário muda com a chegada da família real às Américas, que se deu em função de dois fatores primordiais: a decadência do próprio reinado português, ultrapassado, falido e indefeso e o avanço das tropas de Napoleão Bonaparte frente aquele país, o qual havia infringido o Bloqueio Continental estabelecido pelo imperador francês.
A ideia de vir para o Brasil, surgiu como que para unir o útil ao agradável, era uma terra que além de possuir riquezas naturais, apresentava maiores chances de defesa contra possíveis invasores. Uma das grandes mudanças promovidas por D. João ao atracar, foi a abertura dos portos brasileiros, onde o país passou a ter sua economia voltada para a agroexportação e assim diversificando e fortalecendo seu mercado interno, porém ainda com regime escravocrata.
Para se chegar em meados do século XIX seguindo uma linha temporal, é necessário mencionar, de forma sucinta, os principais acontecimentos históricos da primeira metade.
De acordo com Laurentino Gomes (GOMES, Laurentino. 1808. 2011. p.14):
1816- D. João VI torna-se rei de Brasil e Portugal (...)
1817- Revolução Republicana é sufocada por tropas de D. João em Pernambuco (...)
1820- Revolucionários liberais portugueses tomam o poder na cidade do Porto e exigem a volta de D. João VI à Lisboa (...)
1821- Napoleão morre na Ilha de Santa Helena (...)
D. João VI e família real retornam a Portugal;
1822- Às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, D. Pedro proclama a Independência do Brasil.
A primeira constituição do Brasil foi criada nos dois anos seguintes à sua proclamação de Independência e alguns mais tarde, em 1831, D. Pedro I, diante da insatisfação popular, abdica do trono, dando início ao chamado Período Regencial, o qual consistia no intervalo de transição para que Pedro Alcântara, seu filho, atingisse a maioridade e pudesse assumir o trono. Com o caos generalizado conseguinte de anos de um governo difuso, a regência optou pela antecipação da entronização do herdeiro, assim, D. Pedro II é coroado imperador com apenas 14 anos.
Dando início a segunda metade do século XIX, houve a promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, a primeira das quatro leis que aboliram de forma gradual a escravidão, proibiu o tráfico negreiro e intensificou a campanha abolicionista.
Concomitante com os avanços político-sociais do império à época, havia o progresso econômico. A Lei nº 556, de 25 de junho de 1850 proferiu o Código Comercial, um importante indicador do mercado financeiro do Brasil. No mesmo ano, em de 18 de setembro, a Lei n° 601, popularmente conhecida como Lei de Terras, foi promulgada sendo uma primeira tentativa de regulamentar a desordem fundiária existente. O grande e principal objetivo desta lei, era a compra como único meio de obter terras públicas, extinguindo os sistemas de doação ou posse para converter o terreno em propriedade privada e por consequência a arrecadação de impostos.
Aqueles que não pudessem arcar com as taxas estabelecidas pelo governo, seriam expulsos de suas propriedades, favorecendo os latifundiários, que ao perceberem a eminente abolição da escravatura, necessitavam de mão de obra barata na produção agrícola voltada para a exportação.
O Visconde de Abrantes opinou: “O preço deve ser elevado para que qualquer proletário que só tenha a força do seu braço para trabalhar não se faça imediatamente proprietário comprando terras por vil preço. Ficando inibido de comprar terras, o trabalhador de necessidade tem de oferecer seu trabalho àquele que tiver capitais para as comprar e aproveitar. Assim consegue-se que proprietários e trabalhadores possam ajudar-se mutuamente. ”
(Fonte: Agência Senado)
4. A MONARQUIA BRASILEIRA E O SEU POSICIONAMENTO FRENTE À ESCRAVIDÃO E A RECEPÇÃO SOCIAL-TRABALHISTA DOS ESCRAVOS LIBERTOS
A abolição da escravatura não era um assunto intocado dentro do Império, contudo apesar dos esforços e da pressão social externa para que fosse concluída, a ideia levou mais de meio século para amadurecer. O próprio D. João VI ao saber das cruéis torturas sofridas pelos negros africanos, publicou um Alvará em 1813, com o intuito de “protegê-los”, ainda que sem libertá-los.
D. Pedro I também ficara apreensivo com a grande questão da escravidão, entretanto não a extinguiu repentinamente temendo que o ato resultasse na desorganização da lavoura, com expressivos prejuízos para a economia do país. A emancipação deveria dar-se de forma gradativa, como realmente se sucedeu.
A Inglaterra dispôs de ação determinante quanto à proibição do tráfico negreiro, pois além de possuir interesses econômicos na ação, liderava o movimento antiescravista, tendo este início ainda no século XVIII. Na primeira metade do século XIX, o Império assinou um tratado com o país europeu, criminalizando os súditos caso fizessem tráfico de escravos na costa da África. Todavia, este teve péssimo resultado no Brasil, pois muitos achavam que caso fosse executado, ocasionaria na escassez da mão de obra negra.
Subsequente a este tratado, em 1832, foi promulgado novo decreto que declarava livres os escravos vindos de outro país e penalizava seus respectivos importadores. Porém, o número de escravizados contrabandeados continuará a aumentar chegando a 64 mil no ano de 1844, de acordo com uma comissão mista sediada na capital do Império, Rio de Janeiro. (História do Brasil, VOL. II, Bloch Editores, p. 502).
No ano seguinte, em 1845, o governo inglês aprovou uma lei que futuramente ficaria conhecida como Bill Aberdeen, a qual impunha a todos os brasileiros suspeitos de tráfico de africanos que respondessem perante os tribunais ingleses. O Brasil redigiu um protesto oficial repudiando-o e alegando que a lei afrontava a soberania do país. Apesar de sua execução rigorosa, estima-se que de 1846 à 1851 cerca de 200 mil negros escravizados aportaram em terras brasileiras. (História do Brasil, VOL. II, Bloch Editores, p. 502)
O tráfico negreiro só teve seu fim definitivo com a proibição estabelecida pela Lei Eusébio de Queiroz em 1850, que intensificou as campanhas abolicionistas. Sendo D. Pedro II um dos seus adeptos, o governo prometia liberdade aos negros que fossem à Guerra do Paraguai. Somente em 1871, enquanto o imperador viajava e a princesa Isabel, sua filha, se encontrava na regência, foi sancionada a Lei do Ventre Livre, em que todos os filhos de escravas nascidos a partir daquela data, eram libertos.
Em 1883 foi fundada a Confederação Abolicionista, que obteve apoiantes de diversas classes, um marco histórico na luta pela liberdade. Finalmente, em 13 de maio de 1888, D. Isabel assina a Lei Áurea, alforriando os quase 800 mil escravos que viviam no país à época. O Brasil foi o último das américas a abolir a escravatura. (História do Brasil, VOL. II, Bloch Editores, p. 512)
É de suma importância considerar os movimentos realizados pelos próprios negros com o objetivo de alcançar sua liberdade, muitas vezes esquecidos pelos livros de história. O fim da escravidão não se deu somente pela ação de benevolência do Império. Era consequência de um modelo econômico exaurido e de inúmeras revoltas espalhadas pelo país, cada vez mais frequentes, marcadas por fugas de escravos para os quilombos e territórios já libertos.
A recepção social-trabalhista pós-abolição não ocorreu da maneira que os abolicionistas pretendiam. Passada a excitação dos escravos libertados após a assinatura da Lei Áurea, as quase 800 mil pessoas negras não haviam para onde ir ou sequer condições de trabalho dignas. Não houveram reformas jurisprudenciais para que os ex-escravos pudessem exercer uma função sem que os salários fossem baixíssimos. Assim sendo, muitos optaram por voltar à sua terra natal ou migrar dos locais em que foram escravizados, buscando condições melhores e como consequência, sofriam represálias por parte dos fazendeiros. Apesar da tentativa de mascarar a sombra da escravidão dentro da história do Brasil, professores e historiadores conscientes relataram as atrocidades vividas pelos negros mesmo após sua “libertação”. Diante do apanhado feito nos últimos parágrafos, fica claro que o interesse das grandes potências em acabar com a escravidão tinha apenas cunho econômico e por isso foi feito de forma tão irresponsável e perversa.
5. A INSERÇÃO SOCIAL DOS AFRODESCENTES E OS CONTEXTOS URBANOS
As sequelas em razão da maneira que a abolição se deu perpetuam até os dias de hoje. Estatísticas comprovam como é nítida a desigualdade racial nos mais importantes âmbitos da sociedade, sendo eles educação, emprego e moradia e tendo como resultado uma superior taxa de mortalidade de negros em relação a brancos.
A Constituição brasileira nos seus artigos iniciais, abre pretexto para a criação de ações afirmativas que consistem em tratar os desiguais de maneira desigual. Não podendo estas, serem ditas como favorecimento, já que as políticas públicas implementadas visam garantir a equidade considerando o histórico do grupo em questão. No que diz respeito à população negra no Brasil, as consequências de três séculos de escravidão e uma abolição na qual legislação fora criada por aqueles que os oprimiram, o sistema de cotas por exemplo, se mostra útil no quesito oportunidade. Após sua implementação, diversas famílias afrodescendentes puderam inserir seus membros nas universidades, diplomando o primeiro de no mínimo 3 gerações.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita na população branca, em 2018, supera em quase duas vezes o da população preta ou parda - R$ 1.846 x R$ 934, apesar da implantação, em 2003, da política governamental chamada Bolsa Família, a qual visa colaborar com o desenvolvimento das famílias, não se mostra suficiente e eficiente diante do cenário econômico desfavorável em virtude da inflação elevada.
No que tange às condições de moradia, cerca de 44,5% dos pretos residem em domicílios sem saneamento básico, o número entre brancos fica em 27,9%. As periferias existentes no Brasil, em sua maioria, abrigam famílias afrodescendentes que vivem ali desde o período pós-abolição, que com falta de amparo procuraram habitar as margens das cidades, fazendo construções irregulares e colocando as próprias vidas em risco. Na tentativa de amenizar a situação, o governo federal introduziu programas de habitação popular o que beneficiou cerca 14 milhões de pessoas de acordo com os dados divulgados pela a Caixa Econômica Federal. Contudo, apesar dos benefícios ligados ao aspecto da moradia, a distância e a dificuldade de mobilidade entre essas novas residências e os centros urbanos onde se encontram as melhores oportunidades de trabalho, demonstram que se trata apenas de uma política habitacional má planejada que não promove o bem-estar social nas comunidades mais desabastadas compostas em sua ampla maioria por pessoas negras.
Já no aspecto trabalhista, historicamente, a taxa de desocupação de negros ultrapassa a de brancos, atingindo seu recorde no segundo trimestre de 2020, com o agravamento da pandemia do COVID-19. O índice de desemprego entre aqueles de cor preta chegou a 17,8%, mais da metade comparado ao branco, que ficou em torno de 10,4%.
Os números exorbitantes na taxa de desocupação se dão pelo baixo índice de escolaridade dos pretos no Brasil. Conforme o IBGE, a taxa de analfabetismo entre os negros de 15 anos ou mais, é excedente ao dobro da taxa de analfabetismo entre os brancos da mesma faixa etária, respectivamente 9,1% e 3,9%. Ainda com a implementação do sistema de cotas, o número de diplomados negros permanece inferior (9,3%) quando comparados aos brancos (22%) e com isso ocupam menos cargos gerenciais: somente 11,9% das pessoas são pretas ou pardas enquanto as brancas alcançaram a proporção de 85,9%.
A violência policial contra negros muito tem sido abordada diante de casos que repercutiram no mundo inteiro, como o de George Floyd, sufocado até a morte por um policial nos estados Unidos e a família carioca fuzilada por militares com 80 tiros “por engano”. Para indicar o índice de violência, os órgãos de pesquisa e estatística utilizam a taxa de homicídio nos países e/ou grupos populacionais, no Brasil por exemplo, a cada 100 pessoas assassinadas 75 são negras. De acordo com o fórum brasileiro de segurança pública, 75,4% dos mortos em intervenções policiais entre 2017 e 2018 eram pretos.
O Brasil é um dos líderes no ranking de massa carcerária no âmbito mundial, segundo o INFOPEN - Informações e Estatísticas do Sistema Penitenciário brasileiro, de 2019, a população carcerária chega aos 773,151 mil no país, sendo 61,7% pretos ou pardos. Tal número pode ser explicado com a soma de todos os fatores que foram citados. A matemática é simples: o jovem negro periférico, vindo de família pobre, sem acesso à educação, muito menos incentivo, se vê sem perspectiva diante da marginalização e do preconceito da sociedade e acaba envolvido atividades ilícitas para adquirir o próprio sustento.
6. O PRECONCEITO RACIAL E ESTRUTURAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA E O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O RACISMO NO BRASIL
O racismo estrutural é uma ideologia que de forma consciente ou não, inferioriza a pessoa negra e advém de anos de estigmatização. A visão do branco como superior é reforçada diariamente, por exemplo, quando as telenovelas retratam os subalternos, motoristas e domésticas e criminosos na figura do negro.
Segundo Silvio Almeida: “De fato, a maioria das domésticas são negras, a maior parte das pessoas encarceradas é negra e as posições de liderança nas empresas e no governo geralmente estão nas mãos de homens brancos. Então não estariam os programas de televisão, as capas de revistas e os currículos escolares somente retratando o que de fato é realidade? Na verdade, o que nos é apresentado não é a realidade, mas uma representação do imaginário social acerca de pessoas negras”. (ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. 2019)
A visão racista não se limita somente à dramaturgia. Na vida real, os ataques e falas pejorativas protagonizam o âmbito social, seja com palavras em que o escuro tem conotação negativa ou quando centros de religião de matriz africanas são apedrejados. Os crimes de intolerância praticados contra terreiros umbandistas e candomblecistas representam uma sociedade que renega seu passado e desvaloriza a cultura de seus ancestrais. O Brasil, palco da maior diáspora negra do mundo, com sua população majoritariamente negra, discrimina a própria cultura ao queimar terreiros e reduzi-los à insignificância.
As diversas formas de manifestação do racismo se dão em hábitos do cotidiano como, por exemplo, ir numa loja fazer compras. Fato ocorrido no caso da delegada negra Ana Paula Barroso, em outubro de 2021, ao ser impedida de permanecer na unidade da loja de vestuário Zara do estado do Ceará, sob a alegação de que não estava fazendo o uso de máscara de forma adequada em virtude da pandemia do COVID-19. A delegada, entretanto, estava consumindo um sorvete e pôde observar que pessoas brancas e sem máscara também se encontravam no local. Após a conclusão do inquérito, se constatou que a abordagem do gerente foi preconceituosa e o mesmo responderá pelo crime de racismo. Outro fato apurado foi de que a loja possuía até um código denominado “Zara Zerou”, que alertava aos funcionários sobre a presença de uma pessoa “suspeita” e deveria ser acompanhada “de perto”. Segundo relatos, os clientes perseguidos normalmente tinham pele “escura” ou estavam “mal vestidos”. (BBC News. 2021)
Os casos que estampam manchetes como no abordado anteriormente, refletem apenas uma minoria dos que, sequer, são registrados. O preconceito velado que perpetua na sociedade, apesar de acontecer a todo momento, não é noticiado em redes sociais ou na grande mídia televisiva. Ele ocorre quando uma pessoa negra, transeunte numa calçada e ao cruzar com outra, aquela passa a segurar sua bolsa com mais firmeza ou mesmo quando um negro é confundido com um traficante pela polícia.
Dentro do ordenamento jurídico, os crimes de racismo e injúria racial são diferenciados da seguinte maneira: o racismo implica na conduta discriminatória de forma ampla e está previsto na Lei n° 7.716 de 1989, onde em seu artigo 1° assevera que “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Já o crime de injúria racial é associado ao uso de palavras ou gestos depreciativos que se referem à raça ou cor e tem como intenção ofender a honra da vítima, se encontra tipificado no artigo 140 do Código Penal:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
No ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça, diferente do que a doutrina propunha, entendeu que o crime de injúria racial era imprescritível e inafiançável. Três anos depois, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário de número 983.531, validou a decisão do STJ, equiparando o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/89, ao de injúria racial, previsto no Código Penal. Sendo assim, constata-se que a injúria racial é um crime imprescritível e inafiançável.
Vale destacar que é fundamental combater qualquer tipo de manifestação que promova a segregação racial, especialmente por meio da conscientização das pessoas de que o preconceito existe e precisa ser discutido para que não seja dada continuidade a essa história de séculos de marginalização. Tem-se assim, portanto, que o fomento a melhores políticas de educação e a promoção do respeito mútuo são instrumentos essenciais no combate à desigualdade racial.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta breve síntese trazida durante este trabalho, foi possível constatar, em um primeiro instante, que a história do negro no Brasil se deu através do sofrimento, desde quando foram retirados à força de suas pátrias mães, transportados de maneira desumana nos porões de grandes naus, muitos mortos e jogados ao mar ainda na travessia. Aqueles que sobreviviam, ao aportarem em terras brasileiras, eram vendidos e forçados a trabalhar a troco de chicotadas e outros infinitos meios de tortura física e psicológica. Possuíam papéis fundamentais na economia da época, em especial a mão de obra gratuita e seu uso como mercadoria. Ainda que “libertados” em 1888, não gozaram de seus mais elementares direitos ou quaisquer benefícios, diante das atrocidades que lhes foram acometidas, haja vista que a abolição teve como principal incentivo a melhoria na economia da época, que se encontrava em declínio. Seguinte à abordagem histórica, os dados apanhados comprovam que o Estado, desde a abolição da escravatura, vem agindo de forma omissa e institucionalizando a desigualdade social e racial com políticas mal planejadas que visam apenas o bem-estar econômico dos mais ricos. No tópico subsequente, a atenção midiática aos casos de intolerância religiosa e racismo se mostra útil, trazendo esperanças quanto aos anseios do negro em, simplesmente, ser ouvido. Depois das seculares lutas pelos seus direitos, é possível observar o surgimento de um sistema jurídico que promove a mudança de paradigmas quanto ao combate à discriminação e, mesmo que a passos lentos, a contínua evolução por parte da sociedade é demonstrada por meio de manifestações em favor da representatividade, liberdade e igualdade. Como mulher negra, finalizo este trabalho alimentada pela fé em um mundo onde a cor da pele não se sobressaia ao caráter. Ademais, e em linhas conclusivas, parafraseio ainda Martin Luther King para quem “O ódio paralisa a vida; o amor a desata. O ódio confunde a vida; o amor a harmoniza. O ódio escurece a vida; o amor a ilumina”.
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WESTIN, Ricardo. Há 170 anos, Lei de Terras oficializou opção do Brasil pelos latifúndios. Brasília: Senado Federal. 2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundios> Acesso em: 28 out. 2021.
[1] Mestre em prestação jurisdicional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Escola da Magistratura Tocantinense (ESMAT) e Universidade Federal do Tocantins. Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus/DF, em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT. E-mail: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALINDO, Ana Laura Benevides Bezerra Diniz. Da abolição à lei antirracismo: a marginalização do negro na sociedade civil brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2021, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57909/da-abolio-lei-antirracismo-a-marginalizao-do-negro-na-sociedade-civil-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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