RESUMO: Este artigo tem a finalidade de analisar a nova Lei de drogas n° 11.343/2006 que extinguiu alguns fundamentos da antiga Lei n° 6.368/76, nesta nova lei de drogas é explicado alguns critérios que diferenciam o traficante do usuário de drogas, o artigo 28, § 2º, explica a seletividade que há no direito penal brasileiro. Para isso, foram estudadas as finalidades declaradas, e não declaradas, e a seletividade do direito penal. Também foram observados os artigos da Nova Lei de Drogas que determinam quais as condutas criminosas no que tange o uso e ao tráfico de drogas. Por fim, após estudo do processo de criminalização das drogas, analisando o estereótipo do traficante brasileiro e após observar as legislações brasileiras que discorrem sobre o tráfico e o consumo de drogas, foram identificadas, no artigo 28, parágrafo 2º, da lei 11.434/06, as expressões que levam à conclusão de que tal dispositivo é seletivo.
PALAVRAS-CHAVE: Drogas; Lei; Tráfico; Usuário.
ABSTRACT: This article aims to analyze the new Drug Law No. 11.343/2006, which extinguished some foundations of the former Law No. 6.368/76. In this new drug law, some criteria that differentiate the dealer from the drug user are explained, the article 28, § 2, explains the selectivity that exists in Brazilian criminal law. For this purpose, declared and undeclared purposes and the selectivity of criminal law were studied. Articles of the New Drug Law that determine criminal conduct with regard to drug use and trafficking were also observed. Finally, after studying the process of criminalization of drugs, analyzing the stereotype of the Brazilian trafficker and after observing the Brazilian legislation that discusses drug trafficking and consumption, they were identified in article 28, paragraph 2, of law 11.434/06 , the expressions that lead to the conclusion that such device is selective.
KEYWORDS: Drugs; Law; Traffic; User.
1.INTRODUÇÃO
O objeto de estudo dessa pesquisa será o traficante de drogas bem como o usuário de drogas, visto de forma minuciosa, desenvolvendo uma visão crítica quanto à distinção do crime de tráfico de drogas e o crime de posse de drogas para consumo pessoal.
Concentraremos nossos estudos no atual ordenamento jurídico pátrio, bem como na melhor doutrina disponível acerca do tema para que assim seja possível demonstrarmos que a despeito de existirem diversos entendimentos arcaicos por parte da população leiga, saber fazer essa diferenciação e aprofundar-se no assunto é de grande valia para se criar um senso crítico mais sistemático quanto ao tema.
Com base nisso, é realizado um breve contexto sobre o processo de criminalização das drogas, essencial para entender melhor o motivo do legislador punir de forma tão severa o tráfico, porém, por outro lado oferecer punições penais mais brandas para os usuários de drogas. Deste modo, foi verificado também o estereótipo do traficante de drogas no Brasil, o que foi feito em tendo como base as antigas legislações nacionais sobre tal assunto.
2.REVISÃO TEÓRICA
2.1 AS FINALIDADES DO DIREITO PENAL
De acordo com Fragoso (2004):
A função básica do Direito Penal é a defesa social. Ela se realiza através da chamada tutela jurídica: mecanismo com o qual se ameaça com uma sanção jurídica (no caso, a pena criminal) a transgressão de um preceito, formulado para evitar dano ou perigo a um valor da vida social (bem jurídico). Procura-se assim uma defesa que opera através da ameaça penal a todos os destinatários da norma, bem como pela efetiva aplicação da pena ao transgressor e por sua execução.
A doutrina majoritária explica que o direito penal tem como principal objetivo proteger os bens jurídicos que são fundamentais à sociedade e que não podem ser tutelados por outros ramos do direito. E, tendo como base que o direito é igual para todos, protege portanto, os cidadãos de maneira igualitária, bem como sua aplicação deve ser de forma igual, a todos os indivíduos que por ventura violarem suas normas, ou seja, todo sujeito que praticar um crime receberá o mesmo tratamento penal, será submetido a um processo e, por fim, se for condenado, sofrerá os rigores da sanção penal.
Deste modo, desde o primeiro contato com o processo penal, o que se retém de informação é que o direito penal é o ramo do direito essencial para a proteção da sociedade, e de todos os cidadãos, visando o combate da prática de crimes. Porém, se analisarmos o direito penal como função exclusiva de “defesa de bens jurídicos”, se compreenderá as razões pelas quais as penalidades do direito penal são aplicadas, na maioria das vezes, a um determinado grupo social e não a todos aqueles que cometem uma infração penal, praticando assim a desigualdade penal.
Zaffaroni e Pierangeli (2004), afirmam que o sistema penal tem a função de criminalizar, seletivamente, os marginalizados, e também:
(...) quando os outros meios de controle social fracassam, o sistema não tem dúvida em criminalizar pessoas dos próprios setores hegemônicos, para que estes sejam mantidos e reafirmados no seu rol, e não desenvolvam condutas prejudiciais à hegemonia dos grupos a que pertencem, ainda que tal fenômeno seja menos freqüente (criminalização de pessoas ou de grupos contestadores pertencentes às classes média e alta). Também, em parte, pode-se chegar a casos em que a criminalização de marginalizados ou contestadores não atenda a nenhuma função em relação aos grupos a que pertencem, mas unicamente sirvam para levar uma sensação de tranqüilidade aos mesmos setores hegemônicos, que podem sentir-se inseguros por qualquer razão (geralmente, por causa da manipulação dos meios massivos de comunicação)
Acerca das funções explicadas por Zafforni e Pierangeli são denominadas de doutrina de funções “não declaradas” do direito penal. De modo que o direito penal tem o objetivo, não declarado, de proteger os interesses sociais das classes dominantes, proporcionando também a reprodução dessa relação . Neste contexto, Thompson cita as seguintes palavras para quem “numa sociedade complexa, e hierarquizada, dita as leis a classe que dispõe de poder (...) com o propósito político de assegurar a conservação do status quo sócio-econômico.
No contexto da igualdade do direito penal, Baratta (2002) expõe sua crítica ao afirmar que o direito penal não possui o propósito de defender a todos, da mesma forma que não é usado exclusivamente para combater ofensas a bens essências, pelo contrário, aplica punições de maneira desigual e de modo incompleto. O autor acrescenta que “o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos” e conclui “que o direito penal não é menos desigual do que os outros ramos do direito burguês, e que, contrariamente a toda aparência, é o direito desigual por excelência”.
2.2 SELETIVIDADE PENAL
De acordo com os estudos da criminologia crítica nota-se que o sistema penal opera infelizmente de maneira desigual, selecionando injustamente àqueles que sofrerão maior incidência do poder punitivo estatal. Para isso, o processo de criminalização manifesta-se em dois momentos distintos. Primeiramente cabe ao legislador definir quais os bens que serão tutelados pelo direito penal (criminalização primária) e depois, cabe à polícia, com base em estereótipos, selecionar os indivíduos que serão submetidos a um inquérito policial e, posteriormente, a um processo penal, cabendo ao juiz exercer a mesma seletividade (criminalização secundária).
Quando se trata do processo de criminalização primária e a criminalização secundária “opera-se nos campos da quantidade e da qualidade”. Deste modo, a seletividade quantitativa “refere-se ao número de condutas caracterizadas como criminosas, bem como seus autores que são atribuídos na condição de criminoso”. Já a seletividade qualitativa relaciona-se com a não inclusão de todas as condutas socialmente nocivas como criminosas (BISSOLI FILHO, 2002).
Deste modo, esta seletividade dentro do sistema penal desenvolve as denominadas cifras ocultas e as cifras douradas da criminalidade, fazendo com que em alguns casos, crimes e muitos autores de crimes não sejam realmente investigados ou processados, ou, quando se trata da cifra dourada, algumas classes sociais são praticamente excluídas do processo de criminalização, consequentemente recaindo sobre as camadas sociais mais frágeis.
Rusche e Kirchheimer (2004), explicam a respeito da estrutura social, da estrutura do trabalho e das formas de punição, que ao longo da história, por exemplo, quando ocorreu a transição para o capitalismo, entre o século XIV e o século XV, surgiram leis penais mais rígidas e que eram aplicadas ás classes subalternas, além disso, a “burguesia urbana emergente” tinha como principal objetivo o desenvolvimento de uma lei específica para regular os crimes praticados contra a propriedade.
Nota-se que o direito penal, já nos séculos anteriores, era mais rigoroso com as classes sociais mais frágeis financeiramente, além da tutela penal dos crimes contra a propriedade manifestava exclusivamente e unicamente o interesse da burguesia em proteger seu patrimônio. A realidade brasileira não está muito diferente. Atualmente, o maior número de pessoas encarceradas cumpre pena pela prática dos “crimes contra o patrimônio”, principalmente, aqueles crimes caracterizados como roubo e furto, previstos nos artigos 157 e 155, do Código Penal brasileiro.
Mesmo que no Brasil a população carcerária seja enorme por conta dos crimes contra o patrimônio, o tráfico de drogas é outra infração penal que coloca o encarceramento no Brasil entre os dez maiores do mundo, ou seja, o tráfico de drogas é responsável pela segunda maior incidência de presos no sistema penitenciário nacional.
Andrade (2003), afirma que “o sistema penal é composto, ‘regularmente’, em todos os lugares do mundo, por pessoas que pertence aos níveis sociais mais baixos e muita das vezes sem nenhum grau de instrução” e, acrescenta, que isso “é devido a um processo de criminalização seletivo e desigual de ‘pessoas’ dentro da população total, às quais são caracterizadas como criminosos”.
Após apresentar as opiniões dos autores referente as finalidades e sobre a seletividade do direito penal, é mais fácil compreender como a Lei 11.434/06 apresenta seletividade quando descreve as diferenças entre o usuário de drogas e o traficante, bem como o poder judiciário acaba por proporcionar essa seletividade no momento em que, na prática, define essa diferenciação.
3.USUÁRIO X TRAFICANTE DE DROGAS SOB A ÓTICA DA LEI 11.343/2006
A Lei 11.343/2006, conhecida como “nova lei de drogas”, surgiu com a finalidade de substituir no Código Jurídico Penal brasileiro a antiga Lei 6.368/76 portanto, dentre tantas modificações, trouxe alterações significativas e importantes no que tange o tratamento oferecido ao usuário e ao traficante de drogas.
No artigo 28, está descrito as sanções em relação ao consumo de drogas, deste modo, o texto da lei que mais chama a atenção, esta interligado com a descriminalização ou não desta conduta, tendo em vista que dentre as sanções previstas na lei não há para o usuário de drogas pena privativa de liberdade, o que contraria totalmente a definição legal de crime prevista no artigo 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal.
Embora o usuário receba um tratamento mais brando, o tráfico de drogas passou a ser punido com mais severidade, pois a pena mínima para tal conduta, de acordo com o artigo 33, caput, passou a ser de 05 (cinco) anos de reclusão. Feitas essas considerações, abaixo será descrita todas as diferença entre o usuário e o traficante de drogas, de acordo com a nova Lei de drogas nº 11.343/2006.
3.1 O USUÁRIO DE DROGAS
O uso de drogas está caracterizado no artigo 28, da Lei 11.343/2006, que determina como usuário aquele indivíduo que obter, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, entorpecentes sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Receberá a mesma penalidade penal que o usuário aquele indivíduo que, para seu consumo próprio, semear, cultivar ou colher plantas designadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica (art. 28, § 1º).
Para o usuário, no caso de não haver pena privativa de liberdade, o juiz poderá aplicar uma advertência sobre os efeitos das drogas que poderá ser; prestação de serviços à comunidade ou uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, incisos I a III).
Para se obter a identificação do usuário, de acordo com a redação do § 2 º , do artigo 28, fica sob a responsabilidade do juiz analisar se a droga encontrada com o indivíduo era para consumo próprio ou não. Portanto, deverá ser verificado a origem e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, não deixando de lado a conduta e os antecedentes do agente.
3.2 TRÁFICO DE DROGAS
O tráfico de drogas, está previsto no artigo 33, caput, é descrito pelas seguintes ações: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer entorpecentes, ainda que de modo gratuito, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Ainda nas mesmas penas incorre quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 33.
No art. 34 a lei determina como sendo tráfico, as condutas que se abrange em fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Aquele que, conforme artigo 37, colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1 o, e 34, da Lei 11.343/2006, também tem sua conduta igualadada a do traficante.
É importante citar ainda que as condutas previstas nos artigo 35 e 36 também passaram pelos mesmas severidades penais destinados ás condutas descritas no artigo 33, caput, e parágrafo primeiro, no art. 34 e no art. 37, ou seja, no caso se associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos. 33, caput e § 1 o, e 34, ou o crime de associação para a prática reiterada do crime definido no art. 36, e nas hipóteses de financiamento ou custeio da prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1 o, e 34 da lei drogas, não terá direito a fiança, sursis , graça, indulto, anistia e liberdade provisória e ainda será proibida a conversão de suas penas em restritivas de direitos
Também existem algumas restrições quanto ao livramento condicional, que só será permitido após se cumprir o mínimo de dois terços da pena, proibindo sua concessão ao reincidente específico, de acordo com o artigo 44, da Lei 11.343/2006. É facilmente analisado, de acordo com a leitura dos dispositivos legais acima citados, que o legislador decidiu que o usuário não será submetido à pena de prisão, já ao traficante acontecerá o oposto, além da elevação das penas, vedou a concessão de benefícios que não são restringidos nem mesmo pela lei de crime hediondos, Lei 8072/90, como, por exemplo, a possibilidade de sursis e de penas restritivas de direitos.
4.QUEM SÃO OS TRAFICANTES DE DROGAS ?
4.1 O PERFIL DO TRAFICANTE DE DROGAS NO BRASIL
Antes de se fazer uma análise sobre o perfil dos traficantes de drogas no Brasil, é fundamental para toda a compreensão realizar um breve relato sobre o processo de criminalização da droga e, a partir deste contexto, mostrar como a imagem do traficante foi construida.
Del Omo (2002) explica que há alguns anos atrás as drogas não eram proibidas, pelo contrário, sempre estiveram ao alcance das pessoas e faziam parte da vida em sociedade. A autora completa que:
Para começar, gostaria de lembrar que as drogas sempre existiram. O que variou foi o papel que desempenharam e o uso que se fez delas. O ser humano as utilizou com fins mágicos, religiosos, afrodisíacos, medicinais, bélicos, etc.
A ocorrência das primeiras guerras pelo “mercado da droga”, expressão que atualmente refere-se aos conflitos gerados entre os “grandes” traficantes de drogas, localizados principalmente em favelas das grandes cidades, é preciso esclarecer que “as primeiras “guerras” envolvendo a questão das drogas eram feitas com a finalidade de que o consumo das substâncias entorpecentes fossem de livre comércio na sociedade.
Zaccone (2007), explica que as primeiras “guerras” com o objetivo de promover o livre comércio de entorpecentes foram as “Guerras do Ópio”, entre os anos de 1839 e 1856, entre a Inglaterra e a China. O ópio era produzido na costa oriental da Índia, produção fomentada pelos ingleses, que comercializavam para os chineses.
Após tantos anos de comercialização livre, incluindo os impostos que eram cobrados sobre determinadas drogas, entre as disputas lícita pelo comércio, e outros fatores, o surgimento de interesses econômicos acarretou na criminalização de alguns tipos de drogas.
Deste modo, juntamente com a Revolução Industrial veio a criminalização das drogas existentes, pois a indústria precisava de colaboradores que tivessem possibilidade e disposição para trabalhar 12 (doze) horas por dia, ou em alguns casos até mais, porém, algumas drogas, como o ópio e seus derivados, possuiam efeitos letárgicos, que prejudicava consideravelmente a jornada de trabalho da época (ZACCONE, 2007).
A criminalização e a proibição de tais drogas, se deu exclusivamente por interesses econômicos, e não pelos prováveis efeitos prejudiciais que a droga causava aos funcionários das indústrias. Todas as indústrias precisavam de trabalhadores que tivessem disposição de trabalhar exaustivamente, por longas jornadas, tendo em vista que ópio estava prejudicando o desempenho dos trabalhadores.
De acordo com Batista (2003), além de haver os interesses econômicos, a criminalização também passou a ser interligada com a criação dos estereótipos morais da época e da necessidade de ligar o uso de drogas exclusivamente aos “grupos perigosos”, marginalizando, assim, as classes sociais mais desfavorecidas e certos grupos étnicos. O autor Batista, completa que:
Nos Estados Unidos, conflitos econômicos foram transformados em conflitos sociais que se expressaram em conflitos sobre determinadas drogas. A primeira lei federal contra a maconha tinha como carga ideológica a sua associação com imigrantes mexicanos que ameaçavam a oferta de mão de obra no período da Depressão. O mesmo ocorreu com a imigração chinesa na Califórnia, desnecessária após a construção das estradas de ferro, que foi associada ao ópio. No Sul dos Estados Unidos, os trabalhadores negros do algodão foram vinculados a cocaína, criminalidade e estupro, no momento de sua luta por emancipação (...). Estes três grupos étnicos disputavam o mercado de trabalho nos Estado Unidos, dispostos a trabalhar por menores salários que os brancos.
Portanto, para concluir esse breve relato sobre a criminalização da droga no cenário internacional, cabe mencionar que a “guerra contra as drogas” foi declarada, nos Estados Unidos, na década de 70. A partir daí, o traficante passou a ser visto como “inimigo” e o consumo de drogas passou a ser tratado como questão de segurança nacional.
Deste modo, o Brasil adotou o discurso americano juntamente com os planos de combater o tráfico de drogas em âmbito internacional, na década de 70, foi instituido, como padrão político-criminal, conforme explica Carvalho:
(...) a ideologia da Defesa Social (nível dogmático e legislativo), corroborada pela militarização do controle, através da ideologia da Segurança Nacional (plano da Segurança Pública), e legitimada pela produção e reprodução do consenso sobre a “criminalidade” e seus estereótipos com os movimentos de “Lei e Ordem” (legitimação material).
Em junho de 1987, em Viena, ocorreu a Conferência Internacional sobre o Uso Indevido e o Tráfico de Drogas, a Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou o Plano Amplo e Multidisciplinar de Atividades Futuras em Matéria de Fiscalização do Uso
Indevido de Drogas. Esse encontro foi considerado um marco e nele foi apresentado um conjunto de recomendações “para a futura definição de políticas de controle de drogas em âmbito nacional” Conforme explica Del Omo (2002, p. 65):
(...) e segundo a mesma plataforma internacional, estava-se organizando a convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substância Psicotrópicas, que seria aprovada em Viena, em dezembro de 1988. Trata-se de um instrumento sumamente repressivo que visa a desmantelar as organizações de traficantes, através da extradição e o confisco de seus ativos, impondo às autoridades dos Estados-partes obrigações específicas ainda não contempladas pelo direito de cada país.
Destacando ainda a grande influência norte-americana que obteve grande impacto no processo de criminalização da droga e na necessidade de se combater o tráfico nacional e internacional, através das orientações do Tratado de Viena, do ano de 1988, deste modo, vários países passaram a adotar um modelo extremamente repressivo para combater o tráfico de drogas.
4.1.2 OS TRAFICANTES DE DROGAS E OS USUÁRIOS BRASILEIROS
Por muitos anos o Brasil não conseguiu diferenciar os usuários dos traficantes de drogas. A criminalização da droga estava prevista no artigo 281 do Código Penal e, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o consumo de drogas não era tido como crime, mas o tráfico era tipificado como crime. Apenas no ano de 1968, através do Decreto-Lei 385/68, o artigo 281 do Código Penal recebeu uma modificação a fim de determinar a mesma sanção penal para traficantes e para usuários. Essa alteração modificou o entendimento jurisprudencial que não considerava o uso de drogas como sendo crime.
No ano de 1971, ocorreu a promulgação da Lei 5.726, o Brasil apoia e passa a aplicar a orientação internacional no que diz respeito às legislações anti-drogas, passando a diferenciar o usuário do traficante. Essa diferenciação ficou descrita na Lei 6368/76, que previa no artigo 12, as penalidades para o tráfico de drogas e no artigo 16, as penalidades para o usuário.
A lei 11.343/2006, criada para revogar a lei anterior, manteve a diferenciação da lei antiga, onde o usuário não pode ser preso, por outro lado o traficante é penalisado de forma duríssima, lembando que o crime de tráfico de drogas é equiparado a crime hediondo, de acordo com o artigo 5º, XLIII, da Constituição da República.
A princípio pode representar que a nova legislação proporcionou vantagens para os usuários, pois consumir drogas no Brasil não pode ser visto como crime que leve ao cárcere. Porém, se realizada uma análise mais crítica das leis contidas no artigo 28, da Lei de Drogas, será facilmente verificado que são poucas as pessoas que serão tidas como simples consumidoras de drogas.
No Brasil a imagem do traficante, é imaginada na maioria das vezes como sendo um rapaz jovem, negro ou mulato, de roupas simples, que mora em favela. Neste contexto, muitas pessoas ligam o tráfico de drogas com as favelas, com as periferias ou em bairros considerados “carentes”.
Essa figura representada acima, é amplamente divulgada pela mídia, tendo o traficante como um indivíduo frio, temido por muitos, que controla grandes quantidades de drogas e que faz parte do “crime organizado”. O autor Batista explica que a figura do narcotraficante pode ser resumida da seguinte maneira:
(...) não tem mãe, pai muito menos, proveniente que é das favelas, capaz de controlar o crime organizado (...) apresentam uma classificação única, são todos iguais, se comportam da mesma maneira em qualquer lugar da cidade. Não têm história, não têm memória. São a encarnação do erro e apontam as baterias da sociedade para a favela, revisitadas agora como o locus do mal, viveiro de monstros.
Batista (2003, p. 81), explica que:
O processo de demonização do tráfico de drogas fortaleceu os sistemas de controle social, aprofundando seu caráter genocida. O número de mortos na “guerra do tráfico” está em todas as bancas. A violência policial é imediatamente legitimada se a vítima é um suposto traficante.
Analisando o contexto do processo penal, segundo o artigo 28, da Nova Lei de Drogas, que determina os critérios para diferenciar o usuário do traficante, é possível perceber que um dos fatores a serem levados em consideração pelo juiz é o local (onde foi realizada a apreensão) e as condições pessoais e sociais do indivíduo que foi pego com drogas ilícitas. É notório então a seletividade secundária nestes casos.
Deste modo, se uma pessoa da classe média, num bairro também de classe média, for encontrada com determinada quantidade de droga, poderá ser mais facilmente identificada como usuário (e, portanto, não será submetida à prisão) do que um pobre, com a mesma quantidade de droga, em seu bairro carente. Neste exemplo, confirma-se a seletividade secundária.
É importante citar a experiência vivida por Zaccone (p.20, 2007):
(...) um delegado do meu concurso, lotado na 14 DP (Leblon), autuou, em flagrante, dois jovens residentes na zona sul pela conduta descrita para usuário, porte de droga para uso próprio, por estarem transportando, em um veículo importado, 280 gramas de maconha (...), o que equivaleria a 280 “baseados” (...) o fato de os rapazes serem estudantes universitários e terem emprego fixo, além da folha de antecedentes criminais limpa, era indiciário de que o depoimento deles, segundo o qual traziam a droga para uso próprio era pertinente.
Ou seja, se a quantidade de maconha apreendida fosse dividida por dois, seriam 140 cigarros, mais ou menos, para cada um dos universitários presos em flagrante, mas o delegado, mesmo assim, interpretou que todos esses cigarros seriam para uso próprio.
A decisão do delegado de polícia relatado acima, confirma o que diz o autor Batista (2003):
A visão seletiva do sistema penal para adolescentes infratores e a diferenciação no tratamento dado aos jovens pobres e aos jovens ricos, ao lado da aceitação social que existe quanto ao consumo de drogas, permite-nos afirmar que o problema do sistema penal não é a droga em si, mas o controle específico daquela parcela da juventude considerada perigosa.
Na verdade, não se trata de distinguir apenas o pequeno do grande traficante, é imperioso determinar quem realmente é traficante, pois é inconcebível que pessoas encontradas com até 01 (um) grama de droga seja “enquadrado” como traficante.
Conforme declara Wacquant (2007):
Não se trata de negar a realidade da criminalidade nem a necessidade de lhe dar uma resposta, ou, antes, respostas, inclusive penais, quando essas forem apropriadas. Trata-se de compreender melhor sua gênese, sua fisionomia mutante e suas ramificações, “reinserindo-as” no sistema completo das relações sociais de força e de sentido do qual ela é expressão, e que ajuda a explicar tanto a sua forma e sua incidência quanto as reações histéricas que desencadeia na conjuntura histórica desse fin-de-siécle. Para isso, é preciso parar de nos entupirmos com discursos apocalípticos e abrir um debate racional e fundamentado sobre os ilícitos (no plural), seus efeitos e seus significados. Esse debate deve esclarecer, inicialmente, porque o foco recai sobre essa ou aquela manifestação da delinqüência – mais nos corredores dos conjuntos habitacionais do que nos corredores da prefeitura, mais nos roubos de bolsas e celulares do que nas negociatas na Bolsa e nas infrações às leis trabalhistas ou tributárias.
Deste modo, levando em consideração o discurso da segurança pública e do combate á criminalidade, a Nova Lei de Drogas, proporcionou o aumento significativo da seletividade penal e para fomentar a atuação repressiva do Estado no “combate ao tráfico”.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou analisar como o direito penal brasileiro é seletivo quando determina, através da lei nº 11.343/06, os parâmetros que o juiz deve considerar para diferenciar o usuário do traficante de drogas, bem como faz uma análise da diferenciação entre o usuário e o traifcante de drogas no Brasil.
Para se chegar a tais conclusões, foi realizado uma breve contextualização referente as finalidades e sobre a seletividade do direito penal, a partir do momento em que se nota que o direito penal não é igualitário e que da prioridade aos interesses das classes sociais mais altas e criminaliza, de maneira seletiva, aqueles que pertence as classes sociais mais baixas.
A Nova Lei de Drogas, analisada em conjunto com essa pesquisa, demonstra que realmente o direito penal é seletivo, que está longe de defender a todos de maneira igualitária e que pune, de maneira desigual, aqueles que são submetidos ao sistema penal.
Portanto, quando se estuda a lei nº 11.343/2006 bem como os dados de quem está preso por tráfico de drogas no Brasil, e onde se concentrada a repressão policial e o modelo de segurança pública adotado no Brasil para o “combate às drogas”, observa-se que na realidade o que interessa para o Estado, apoiado pela mídia e por grande parcela da sociedade brasileira, é manter segregadas as classes sociais mais pobres.
REFERÊNCIAS
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BISSOLI FILHO, Francisco. in: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. (Org.). Verso e Reverso do Controle Penal: (Des) Aprisionando a Sociedade da Cultura Punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. 2.v.
DEL OMO, Rosa. A legislação no contexto das intervenções globais sobre drogas. in: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 07, n. 12. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 65.
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WACQUANT, Löic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos (a onda punitiva). 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
ZACCONE. Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.77.
ZAFFARONI. Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 5.ed. rev e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Jonatas Alves da Silva. Traficante x usuário de drogas sob a ótica da nova lei de drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2022, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57982/traficante-x-usurio-de-drogas-sob-a-tica-da-nova-lei-de-drogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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