EDUARDO RODRIGUES DE MELO SOUSA
(orientador)
RESUMO: Essa pesquisa tem como tema principal o estudo da essencialidade da mineração no Brasil em decorrência da pandemia Covid-19 e tem como objetivo geral demonstrar a importância econômica e socioeconômica da atividade minerária em face da atipicidade trazida por estes tempos. A mineração incontestavelmente é uma das maiores fontes geradoras de renda e de empregos no país, além de ser uma grande fornecedora de insumos com efeito cascata a diversas cadeias produtivas no nosso país, envolvendo agricultura, alimentação, eletroeletrônica, geração e transmissão de dados, produção e transmissão de energia, entre outros. Com este pressuposto, é apresentado neste trabalho uma análise da legislação atribuída à atividade minerária, a sua participação na economia, além do papel exercido no combate à disseminação do Covid-19. Para atingir este objetivo, a proposta utiliza a análise de dados estatísticos de instituições governamentais, os pronunciamentos oficiais, a legislação histórica e contemporânea, além de reportagens jornalísticas que trataram do assunto ao longo do período analisado. A partir das informações obtidas, foi possível realizar uma reflexão acerca da importância que a mineração exerceu e exerce em prol do desenvolvimento econômico e social do país, principalmente no contexto pandêmico.
Palavras-chave: Mineração. Covid-19. Utilidade Pública. Interesse Nacional. Economia
ABSTRACT: This research has as its main purpose the study of mining essentially in Brazil as a result of COVID-19 pandemic and has as its general objective to demonstrate the economic and socioeconomic importance of mining activity in face of the atypically caused by this period. Mining is undoubtedly one of the largest sources of income, employment and provider of raw materials with cascading effect to many production chains in Brazil, involving agriculture, food, electronics, transmission and generation of data, transmission and production of energy, among others. On the basis of this assumption, it is presented in this paper an analysis about the mining activity legislation, its participation in the economy, and the role played combating the spread of Covid-19. To achieve this goal, the proposal makes use of the analysis of statistical data from governmental institutions, official statements, historical and contemporary legislation, as well as journalistic reports that dealt with this subject through the analyzed period. From the information gathered, it was possible to do a reflection about the importance that mining had and still has for the economic and social development of the country, especially given the pandemic situation.
Keywords: Mining. Covid-19. Public Utility. National Interest. Economy.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2. HISTÓRIA DA MINERAÇÃO NO BRASIL. 3 O DESEMPENHO ECONÔMICO DO SETOR DURANTE A PANDEMIA. 3.1 A importância socioeconômica. 4. ARCABOUÇO LEGAL. 4.1 Jurisprudência e doutrina. 4.2 Direito Comparado. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
O presente estudo tem como objetivo abordar a essencialidade da atividade minerária como geradora de renda e empregos, e também como fornecedora de insumos a diversas cadeias produtivas no contexto da pandemia Covid-19. Desta forma, serão analisados os dados estatísticos de instituições governamentais, os pronunciamentos oficiais, a legislação histórica e contemporânea, além das reportagens jornalísticas que trataram do assunto ao longo do período analisado.
O trabalho abordará a essencialidade da mineração e atividades acessórias, assim consideradas desde o primeiro código de mineração e incluídas em portaria ministerial, bem como decreto presidencial no auge do período pandêmico. A continuidade das atividades foi fundamental para a preservação das condições de saúde e de saneamento necessárias à população, destacando-se, neste contexto, a produção em larga escala de equipamentos médico-hospitalares, que necessitam de insumos minerais básicos para sua produção.
Os bens minerais, desde a água mineral aos materiais radioativos, são imprescindíveis à manutenção da vida humana. O interesse nacional e a utilidade pública são princípios norteadores da pesquisa e da exploração das minas e jazidas, especialmente em situações de calamidade, no suprimento de bens primários.
No Brasil são extraídas centenas deles, aplicados a diversas cadeias produtivas, atuando como insumos, além das aplicações mais óbvias, tais como agricultura, alimentação, eletroeletrônica, geração e transmissão de dados, produção e transmissão de energia, dentre outros exemplos.
Neste sentido, tendo em vista as possíveis crises financeiras no cenário pós-pandemia e a conseguinte escassez de insumos fundamentais para prevenção ao Covid-19, o governo brasileiro reconheceu a essencialidade e legitimou a continuidade das atividades minerárias.
2.HISTÓRIA DA MINERAÇÃO NO BRASIL
A extração de recursos minerais está associada (em maior ou menor grau) a todos os fenômenos sociais e há centenas de anos está intimamente ligada ao crescimento e desenvolvimento do país e, claro, do estado de Minas Gerais. A história não nos deixa mentir!
No período colonial (1500-1822), Portugal, como país colonizador, tinha grande expectativa de encontrar metais preciosos no Brasil, porém, nos primeiros anos, a exploração nas terras brasileiras se destinou, majoritariamente, ao pau-brasil e ao açúcar, como observa Guimarães e Cebada (2015). Assim, a história da mineração no território brasileiro teve seu início, de fato, em 1521, por meio das Ordenações Manuelinas, que destinavam a posse dos “veeiros de ouro ou qualquer outro metal”, como descreve Teixeira (1993), a Coroa Portuguesa, e os descobridores eram incumbidos ao direito à lavra mediante pagamento do quinto (a quinta parte dos metais extraídos).
Por conseguinte, com a independência do Brasil em 1822, temos a instauração do período imperial, que já em 1824 propõe, por meio da Constituição, a separação entre propriedade territorial e propriedade mineral, ambas sobre domínio estatal. Todavia, a exploração das minas foi exacerbadamente fomentada pela iniciativa privada, que, mediante pagamentos de altas taxas ao Estado, extraiam ferro e ouro.
Teixeira (1993) observa que a Constituição promulgada em 1891, que é marco histórico da transição da monarquia para a república, inovou adotando o sistema norte-americano de acessão, que visava ao fomento da exploração dos minérios pelos proprietários de terras. Nesses moldes o responsável pela mina também detinha posse sobre a terra que explorava, como dispõe o próprio artigo 72, parágrafo 17, da Constituição supracitada:
Art. 72, § 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indenização prévia.
a) A minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das mesmas. (BRASIL, 1891).
Entretanto, devido à escassez cada vez maior dos metais preciosos, que eram ávidos aos colonizadores, e os possíveis sinais de esgotamento destes, surge, em contrapartida, o interesse por diversos minerais (TEIXEIRA, 1993). Assim, impulsionados por novos métodos de extração, destinaram seus esforços à exploração das jazidas de ferro. Com isso, existe uma mudança nos eixos da história da mineração, que era tão somente dedicada a metais preciosos, como o ouro, pois passa a empregar uma exploração mais abrangente aos vários minerais, como o ferro, que, uma vez transformado em aço, impulsionou a criação de diversas siderúrgicas destinadas à expansão da malha ferroviária no Brasil.
Nesse sentido, a ascensão das grandes siderúrgicas demandou “a extração do carvão mineral para obtenção do coque, muito utilizado na redução dos minérios de ferro nos altos-fornos.” (TEIXEIRA, 1993, p.16). Assim, surgiram, por consequência da abertura da exploração mineral, diversas pesquisas com enfoque em descobrir novos minerais.
Outro momento importante na história da mineração se dá no governo de Getúlio Vargas, pois, em 1931, o ex-presidente já manifestava a importância da nacionalização das reservas minerais, principalmente das jazidas de ferro. Com efeito, várias foram as medidas implementadas no campo da mineração durante a presidência de Vargas, como o Decreto nº 20.223, que foi o primeiro ato visando ao desenvolvimento da economia no Brasil mediante a extração de minerais. Em 1934, foi criada a Diretoria Geral da Produção Mineral, conhecida como Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), que atuou na regulamentação da mineração no país. Além disso, houve a criação do Código de Minas no mesmo ano.
Outrossim, no ano de 1937, com a ascensão do Estado Novo, a política estatal interveio mais intensamente na economia. Assim repercutiu no setor minerário, restringindo o aproveitamento industrial das jazidas e minas a companhias brasileiras, proibindo, assim, a exploração para empresas estrangeiras. Ademais, destaca-se, no governo Vargas, a criação da Companhia Vale do Rio Doce, mineradora multinacional brasileira e uma das maiores empresas de mineração do mundo, formada por Brasil, Estados Unidos e Inglaterra.
Em outra análise, no período das três primeiras repúblicas no Brasil, ou seja, antes do golpe de 1964 que instaurou a Ditadura Militar, a mineração era predominantemente voltada para atender ao mercado interno. Todavia, com o advento da Ditadura, o sistema minerário não se destinava apenas ao abastecimento interno – extensa demanda devido à crescente infraestrutura no país –, pois com a inserção do capital estrangeiro, surgem exorbitantes empreendimentos minerários, que levam a um crescimento econômico jamais visto no país (GUIMARÃES e CEBADA, 2015).
Todavia, vale destacar que, de acordo com Guimarães e Cebada (2015), a população brasileira não desfrutou desse crescimento econômico, pois “a ideia central da Ditadura era de que o bolo precisava primeiro crescer para só depois ser dividido. Essa segunda etapa nunca chegou a acontecer e parte expressiva da população brasileira viveu abaixo da linha da pobreza.” (VILLAS-BÔAS, 1995).
Por fim, no que tange a ocupação territorial no Brasil, Guimarães e Cebada (2015) apresentam dados que atribuem à atividade minerária como uma importante fonte propulsora do crescimento estrutural e econômico do país. Nesse viés, graças a sua rica história na mineração, hoje, o Brasil figura entre os países que mais produzem e exportam metais, materiais e minérios do mundo, o que faz da mineração, juntamente com o agronegócio, um dos pilares da economia brasileira.
3 O DESEMPENHO ECONÔMICO DO SETOR DURANTE A PANDEMIA
Trazendo a narrativa para os dias atuais, de acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM)[1], a indústria mineral brasileira teve o melhor desempenho entre setores econômicos, no ápice da pandemia da Covid-19, com crescimento em todos os Estados, para além dos produtores de minério de ferro. No período, as exportações aumentaram 11% e atingiram a marca de R$ 37.000.000.000,00 (trinta e sete bilhões de reais), com 371.000.000 (trezentos e setenta e um milhões) de toneladas em remessas. O saldo da balança comercial cresceu em 28%, com superávit de US$ 32.000.000 (trinta e dois milhões de dólares).
A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, mais conhecida como CFEM, é o nome dado ao cálculo sobre o valor do faturamento líquido quando na venda do produto mineral. Nesse viés, para calcular o faturamento líquido, são deduzidos valores destinados a tributos, despesas com seguro e transporte, que, normalmente, incidem no ato da comercialização do minério.
Esse cálculo é feito pela Agência Nacional de Mineração (ANM), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), que cumpre a função de fiscalização e contabilização do que é arrecadado pela comercialização dos bens minerais. Assim, depois de contabilizados, são disponibilizados em seu site para consulta pública os números atualizados da arrecadação total da CFEM.
Nesse contexto, como destaca a matéria de Mara Bianchetti, no jornal Diário do Comércio[2], o estado de Minas Gerais registrou um aumento de 111% na arrecadação do CFEM, no primeiro bimestre de 2021, devido à alta no preço do minério no cenário internacional e à variação cambial – que gerou valorização da moeda. Não obstante, mesmo com a recente ascensão do estado do Pará como grande explorador minerário, cabe ressaltar que Minas Gerais foi, ao longo da história, o maior produtor mineral e o estado com maior arrecadação na CFEM, desde a criação dessa base de dados.
Por consequência lógica, o setor mineral também tem uma participação expressiva no recolhimento de taxas e tributos (IRPJ/CSLL, IOF, PIS/COFINS/PASEP, II, IPI, CIDE Combustíveis, IRRF Rendimento do Trabalho, IRRF Outros Rendimentos, ICMS, Taxas e Alvarás estaduais e municipais). Destaca-se que, no período analisado, o setor foi responsável pelo recolhimento recorde de cerca de R$ 1.000.000.000 (um bilhão de reais) a título apenas de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) no final de 2020, segundo a ANM[3]. No geral, estima-se que em 2020 o setor tenha recolhido 36% a mais de tributos do que em 2019[4], repassando aos cofres públicos R$ 72.000.000.000,00 (setenta e dois bilhões de reais) resultado da matriz de investimentos do setor privado no sentido da ampliação da participação da atividade extrativa mineral, na criação de valor no Brasil, intensificando a exploração de minas já operacionais, iniciando a exploração de novas jazidas, menos acessíveis e dotadas de teor mineral inferior; assim como facilitando a implantação e a ampliação de sistemas logísticos.
3.1 A importância socioeconômica
Em se tratando dos números de empregos formais, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego apresentados pela Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG)[5], o setor de extração mineral iniciou o segundo semestre de 2019 com 173.642 (cento e setenta e três mil, seiscentos e quarenta e dois) trabalhadores diretos e finalizou com 175.942 (cento e setenta e cinco mil, novecentos e quarenta e dois), gerando 2.300 (dois mil e trezentos) novos postos de trabalho, o que representou um crescimento do setor de 1,3% no período.
Afora os expressivos números econômicos citados acima, que influenciam diretamente o Produto Interno Bruto (PIB), é importante dizer que, além de gerar empregabilidade direta, esse número é incrementado por diversos empregos indiretos decorrentes das atividades acessórias à mineração.
Outrossim, baseado no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de diversas cidades que possuem extração minerária, é possível concluir que a presença da mineração ocasiona números superiores no IDHM, em comparação a locais que não possuem essas atividades.
Um recente estudo publicado pela revista científica americana Journal of Environmental Science and Engineering [6] (em tradução livre, Jornal de Engenharia e de Ciência Ambiental), denominado ‘‘A Contribuição da Mineração para o Desenvolvimento dos Municípios’’, demonstrou que os municípios mineradores alcançam índices mais elevados em comparação com os demais de seu estado. A média geral dos municípios brasileiros é de 0,659, ao passo que, nos municípios mineradores do estado do Pará, o indicador totaliza-se em 0,670. Isso faz com que os municípios mineradores estejam em até 93% a frente dos demais do estado do Pará. No estado de Minas Gerais, o número é ainda maior: o IDHM dos municípios com atividade mineral é de 0,731, superando o indicador de 91% dos municípios do estado que não têm atividade mineral.
De modo geral, estes dados evidenciam que, nas cidades com vocação mineral, os habitantes têm maiores oportunidades de acesso à saúde, educação, cultura e lazer. Ainda, a presença da atividade é vital para o município, pois permite que seja prestado um serviço público de qualidade à população e cria uma fonte de financiamento para o desenvolvimento local, atrelada ao fomento de políticas públicas adotadas com o objetivo de ampliar a matriz produtiva do município.
No que se refere aos impactos positivos, é impossível também não citar que, durante a pandemia do Covid-19, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM)[7], o setor de mineração industrial brasileiro já fez doações que totalizam aproximadamente R$ 1.000.0000.000 (um bilhão de reais), visando tanto reduzir os riscos de contágio da população quanto proporcionar melhores condições para o atendimento aos acometidos pelo vírus, sendo um dos principais doadores nesse sentido.
Como se pode perceber, a importância da mineração para o desenvolvimento humano vai muito além do cenário econômico, pois os recursos minerais são indiscutivelmente um dos pilares da existência humana, sendo inimaginável a manutenção da sociedade (seja a passada, a contemporânea ou a futura) sem que haja tal atividade.
4 ARCABOUÇO LEGAL
A extração mineral realizada no Brasil sempre esteve atrelada a algum arcabouço jurídico que especificasse as normas para uso e exploração da propriedade mineral. Seja no período colonial, imperial, republicano democrático ou ditatorial, esse setor sempre despertou disputas na elaboração dos marcos legais e institucionais (ANTONINO, 2019).
Segundo Marques Neto (2001, p 87), “toda elaboração normativa sofre fortes influências do sistema político e ideológico dominante em cada sociedade, às quais não está isenta, por seu turno, a própria elaboração teórico-científica, que não é absolutamente neutra”.
A base normativa da mineração encontra respaldo jurídico na Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 176, “caput”, definiu-a como de “interesse nacional”: “§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional.” (BRASIL, 1988).
De acordo com artigo 5º, “f”, do Decreto-Lei 3.365, de 21/6/1941, a atividade é considerada também como de “utilidade pública”: “Art. 5º. Consideram-se casos de utilidade pública: f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;” (BRASIL, 1941).
E ainda o recente Regulamento do Código de Mineração, que instituiu normas sobre a pesquisa e o aproveitamento das minas e jazidas, instituído pelo Decreto nº 9.406, de 12 de junho de 2018, estabelece que: “Art. 2º São fundamentos para o desenvolvimento da mineração: I - o interesse nacional; II - a utilidade pública.” (BRASIL, 2018).
Em seara ambiental, retiramos da Resolução CONAMA 369, de 2006, a possibilidade do órgão ambiental, em casos excepcionais, autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP fulcro a utilidade pública:
Art. 2º O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, nos seguintes casos:
I - utilidade pública:
c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias minerais, outorgadas pela autoridade competente, exceto areia, argila, saibro e cascalho. (...)[8]
Como cita brilhantemente o autor José Ângelo Remédio Júnior, o novo Código Florestal inovou na matéria ao prever a mineração como uma das hipóteses para a utilização da área de preservação permanente como utilidade pública ou interesse social, de acordo com a substância objeto da mineração. Conforme disposição clara, da letra “b” do inciso VIII do art. 3º, do Novo Código Florestal, a mineração é definida como atividade de utilidade pública:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
VIII - utilidade pública:
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; (BRASIL, 2012).
Em tempos de Covid-19, foi editado o Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamentou a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, definindo os serviços públicos e as atividades essenciais, consideradas indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
No dia 28 de março de 2020, o Ministério de Minas e Energia (MME), por meio da Portaria 135/2020, reiterou a essencialidade da produção dos insumos minerais, protegendo a sua pesquisa, lavra, beneficiamento, transformação, comercialização, transporte e entrega:
Art. 1º É considerada essencial a disponibilização dos insumos minerais necessários à cadeia produtiva das atividades essenciais arroladas nos incisos do § 1º, do art. 3º, do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, e realizada, dentre outros, pelos seguintes serviços e atividades:
I - pesquisa e lavra de recursos minerais, bem como atividades correlatas;
II - beneficiamento e processamento de bens minerais;
III - transformação mineral;
IV - comercialização e escoamento de produtos gerados na cadeia produtiva mineral; e
V - transporte e entrega de cargas de abastecimento da cadeia produtiva. (BRASIL, 2020).
4.1 Jurisprudência e doutrina
A jurisprudência brasileira é cediça no sentido de reconhecer a atividade minerária como de interesse nacional e de utilidade pública, decidindo pela manutenção da continuidade das operações em face dos conflitos de interesses, tendo reconhecida este caráter até mesmo pelo Código Florestal: “[...] que é considerado como atividade de interesse nacional e de interesse público. Tanto o é, que a matéria está prevista no texto constitucional, no Decreto-Lei nº 3.365/41 e, até mesmo, no Código Florestal.” (BRASIL, 2012).
Em Minas Gerais e Pará, são inúmeras as decisões nesse sentido:
A atividade minerária é de utilidade pública, devendo o interesse público prevalecer sobre o privado. (TJ-MG - AI: 10672120311101001 MG, Relator: Leite Praça, Data de Julgamento: 22/08/2013, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/09/2013).
(...)
A instituição de servidão minerária conforma-se ... nos termos do artigo 5º, alínea f, do Decreto-Lei nº 3.365/41, em que prevalece o interesse maior dos benefícios econômicos e sociais resultantes da atividade extrativa. (TRF-1 - AMS: 19113 MG 2000.38.00.019113-0, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 24/07/2006, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 10/08/2006 DJ p.75).
Contudo, ainda que diversos textos legais tenham atribuído tamanha relevância à mineração e a atividades acessórias, isso não foi suficiente para protegê-la e, por vezes, durante o cenário de crise provocada pela Covid-19, foi necessária a judicialização de questões atinentes à continuidade da atividade minerária. Várias foram as decisões judiciais em que, reconhecendo o caráter essencial da atividade, foram providas a sua manutenção durante os períodos de isolamento social, como se depreende dos julgados a seguir, citados por William Freire (2020), em seu artigo “Retrospectiva judicial de demandas ligadas à mineração”:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA (COVID-19). DECRETO MUNICIPAL Nº 3.675/20. MUNICÍPIO DE PATROCÍNIO. COMPETÊNCIA MATERIAL COMUM DOS ENTES FEDERADOS. PRECEDENTES NO STF. LEI FEDERAL Nº 13.979/20. DECRETO Nº 10.282/20. DEFINIÇÃO DE “ATIVIDADE ESSENCIAL”. CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRODUÇÃO DE FERTILIZANTES. CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS. ATIVIDADE ESSENCIAL. PERMISSÃO DE FUNCIONAMENTO PARCIAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (…) 3. A definição de “atividade essencial” (conceito jurídico indeterminado) pelo administrador caracteriza-se como ato vinculado nas hipóteses em que há certeza de que determinada atividade se enquadra ou não no conceito de essencialidade (zonas de certeza positiva e negativa). Noutro giro, quando a aplicação do conceito ao caso concreto gera dúvidas (zona cinzenta), o agente detém certa margem de liberdade ou discricionariedade na escolha da solução a ser adotada, e, em hipóteses tais, o ato administrativo não é passível de controle jurisdicional, em razão do princípio da separação dos poderes. 4. Não há dúvidas quanto à essencialidade da atividade de mineração, no tocante à produção de fertilizantes (zona de certeza positiva), porquanto integra a cadeia produtiva de alimentos, de forma que, aos gestores, não se apresenta possível restringir seu exercício. 5. Desse modo, a restrição completa de funcionamento da mineradora recorrente não merece prosperar, até porque vai de encontro às diretrizes estabelecidas em âmbito federal para o combate da pandemia (art. 21, XVIII, CF/88), notadamente as normas insertas no art. 3º, §2º, do Decreto Federal nº 10.282/20; art. 1º, inciso X, da Portaria nº 116, do MAPA e art. 1º, da Portaria nº 135/GM, do Ministério de Minas e Energia que, em suma, estabelecem serem considerados essenciais à cadeia produtiva de alimentos, os estabelecimentos destinados à produção de insumos agropecuários, sendo eles fertilizantes, defensivos, sementes e mudas, suplementação e saúde animal, rações e suas matérias primas. 6. O próprio Município de Patrocínio, no ato normativo impugnado (Decreto Municipal nº 3.675/20), resguardou a manutenção das atividades industriais essenciais no ramo de alimentação e, posteriormente, editou o Decreto Municipal nº 3.677, no qual permitiu o funcionamento das lojas de insumos e defensivos agrícolas, donde se conclui até mesmo o Poder Público Municipal reconhece serem essenciais as atividades relacionadas à produção agrícola, devendo ser permitido o funcionamento parcial da recorrente.[9]
Ainda, neste contexto:
Deste modo, entendo que o novo decreto emanado pelo Poder Público Municipal possui o mesmo condão de inviabilizar as atividades de mineração desempenhadas pela impetrante, haja vista que não poderá transportar seus funcionários nos horários especificados. Como é cediço, a mineração é uma atividade complexa, que foi reconhecida como essencial, e que não pode sofrer interrupções sob pena não só de prejuízos financeiros, mas sobretudo de segurança para os trabalhadores e para a comunidade. E neste sentido, a impetrante demonstrou devidamente situação fático-jurídica a demandar a intervenção do Poder Judiciário para suspender os efeitos de decreto editado pelo poder público Municipal que, torna impossível a continuidade da atividade de mineração desenvolvida pela impetrante. (…)[10]
Conforme cita o autor Tiago Mattos (2020), em seu artigo publicado na Revista Jota, as decisões oriundas de disputas sobre a continuidade operacional das minas representam um posicionamento inicial interessante da resposta dada pelo Poder Judiciário aos desafios enfrentados pela mineração durante a crise. Sendo possível identificar, por meio delas, duas tendências:
(a) Os magistrados, de maneira geral, parecem sensíveis às dificuldades enfrentadas pelo setor mineral. Eles reconhecem a necessidade de sua manutenção operacional (desde que cercada de cuidados de saúde para proteção dos envolvidos) para evitar crises de abastecimento de produtos que dependam de insumos minerais.
(b) Ainda há espaço para a indústria mineral trabalhar, tanto em frente dos julgadores quanto em todas as instâncias, consideradas suas características especiais que justificam os instrumentos constitucionais e legais responsáveis por protegê-las e privilegiá-las.
4.2 Direito Comparado
Em breve análise do regime jurídico atribuído ao exercício da atividade minerária em países da América Latina, é identificado, com destaque expresso nas leis que instituem o Código de Mineração de nações com potencial mineral, como Argentina, Colômbia e Peru, a definição da mineração como de utilidade pública e de interesse nacional, conforme se pode extrair abaixo.
O autor, Renato Evaristo da Cruz Gouveia Neto[11], narra que na Argentina o código de minas impõe às lavras certas características especiais. Em sua análise a exploração das minas, sua explotação, concessão e outros atos consequentes, têm o caráter de utilidade pública e a operação não pode ser impedida ou suspensa, exceto nas hipóteses relativas à segurança pública, pela conservação dos bens e pela saúde ou existência dos trabalhadores. Conforme se depreende abaixo:
Art. 13. – La explotación de las minas, su exploración, concesión y demás actos consiguientes, revisten el carácter de utilidad pública.
La utilidad pública se supone en todo lo relativo al espacio comprendido dentro del perímetro de la concesión.
La utilidad pública se establece fuera de ese perímetro, probando ante la autoridad minera la utilidade inmediata que resulta a la explotación. (ARGENTINA, 1886).
Segundo William Freire[12], na Colômbia os recursos minerais são considerados como de utilidade pública, adotando-se ainda regras de arbitragem internacional:
Artículo 13. Utilidad pública. En desarrollo del artículo 58 de la Constitución Política, declárase de utilidad pública e interés social la industria minera en todas sus ramas y fases. Por tanto podrán decretarse a su favor, a solicitud de parte interesada y por los procedimientos establecidos en este Código, las expropiaciones de la propiedad de los bienes inmuebles y demás derechos constituidos sobre los mismos, que sean necesarios para su ejercicio y eficiente desarrollo. (COLOMBIA, 2001).
No Peru, especificamente no prefácio do seu código de minas é atribuído o princípio da utilidade pública à indústria mineral:
PERU – Decreto Supremo n. 014- 92
Título Preliminar
(...)
V. La industria minera es de utilidad pública y la promoción de inversiones en su actividad es de interés nacional. (PERU, 1992).
Tem-se, pois, desta forma consignado a elevada importância em matéria jurídico-constitucional, no que concerne ao tratamento dado por países Sul-Americanos à mineração, que a consideram como de utilidade pública e de interesse nacional de forma expressa em seus textos normativos.
5 CONCLUSÃO
Em síntese conclusiva, cumpre enfatizar que em tudo o que pensemos a mineração estará presente: não há como imaginar o mundo sem a mineração. É público e notório a indispensabilidade da atividade mineral e devido à vasta utilização dos bens minerais, a atividade é considerada responsável pelo desenvolvimento nacional e econômico do Brasil, possibilitando ao país o desenvolvimento regional e a ocupação do território, além de outras nações mundo afora.
O contexto trago pela pandemia do Covid-19, apenas evidenciou a interdependência existente entre a sociedade e a mineração, na medida em que o setor é o fornecedor de insumos, com efeito cascata às diversas outras cadeias produtivas, ao passo que também depende dos mais variados insumos intrínsecos à sua manutenção operacional.
Em tempos de pandemia, a mineração foi considerada como atividade essencial e teve a continuidade das atividades asseguradas por decreto presidencial e portaria ministerial. As empresas do setor, duramente criticadas, foram essenciais no combate à Covid-19 pela manutenção das suas operações, com inúmeras ações de prevenção à disseminação empreendidas, que evitou um colapso no sistema econômico, além das doações bilionárias ao setor público de saúde, que fomentaram as políticas de combate à propagação do vírus.
Portanto, tem-se que o objetivo proposto foi atingido, uma vez que o estudo deste artigo demonstrou ser indubitável a importância social, econômica e histórica da mineração, concluindo-se que a atividade possui respaldo jurídico para manutenção da continuidade de suas operações, ainda que em tempos atípicos, desde que respeitadas todas as medidas de saúde recomendadas pela Organização Mundial da Saúde - OMS e demais diretrizes do Ministério da Saúde, para contenção da disseminação da Covid-19.
AMIG. Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil. O QUE A MINERAÇÃO REPRESENTA PARA A ECONOMIA BRASILEIRA. Disponível em: <https://www.amig.org.br/noticias/o-que-a-mineracao-representa-para-a-economia-brasileira>. Acesso em: 13 jul. 2021.
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[1] BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Agência Nacional de Mineração. PDAC 2021: setor mineral reconhece progressos da ANM para alavancar o setor. Disponível em: <https://www.gov.br/anm/pt-br/assuntos/noticias/pdac-2021-setor-mineral-reconhece-os-avancos-da-anm-para-alavancar-o-setor>. Acesso em: 05 jun. 2021.
[2] BIANCHETTI, Mara. Diário do Comércio. Arrecadação da Cfem dá salto de 111% no Estado. Disponível em: <https://diariodocomercio.com.br/economia/arrecadacao-da-cfem-da-salto-de-111-no-estado>. Acesso em: 06 jun. 2021.
[3] BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Agência Nacional de Mineração. Comunicado aos estados e municípios beneficiados pela CFEM. Disponível em: <https://www.gov.br/anm/pt-br/assuntos/noticias/comunicado-aos-estados-e-municipios-beneficiados-pela-cfem>. Acesso em: 06 jun. 2021.
[4] IBRAM. Instituto Brasileiro de Mineração. Mineração brasileira doa cerca de R$ 1 bilhão para prevenir e combater a covid-19. Disponível em: <https://ibram.org.br/noticia/mineracao-brasileira-doa-cerca-de-r-1-bilhao-para-prevenir-e-combater-a-covid-19/>. Acesso em: 06 jun. 2021.
[5] AMIG. Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil. O QUE A MINERAÇÃO REPRESENTA PARA A ECONOMIA BRASILEIRA. Disponível em: <https://www.amig.org.br/noticias/o-que-a-mineracao-representa-para-a-economia-brasileira>. Acesso em: 13 jul. 2021.
[6] COMPANY, David Publishing. From Knowledge to Wisdom. Revista de Ciência Ambiental e Engenharia B. Disponível em: <http://www.davidpublisher.com/index.php/Home/Journal/jese-B>. Acesso em: 15 jul. 2021.
[7] IBRAM. Instituto Brasileiro de Mineração. Mineração brasileira doa cerca de R$ 1 bilhão para prevenir e combater a covid-19. Disponível em: <https://ibram.org.br/noticia/mineracao-brasileira-doa-cerca-de-r-1-bilhao-para-prevenir-e-combater-a-covid-19/>. Acesso em: 06 jun. 2021.
[8] CONAMA. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 369, DE 28 DE MARÇO DE 2006. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=5486#:~:text=RESOLU%C3%87%C3%83O%20CONAMA%20N%C2%BA%20369%2C%20DE%2028%20DE%20MAR%C3%87O,Permanente-APP.%20%28Publica%C3%A7%C3%A3o%20-%20Di%C3%A1rio%20Oficial%20da%20Uni%C3%A3o%2029%2F03%2F2006%29>. Acesso em: 23 ago. 2021.
[9] FREIRE, William. Advogados Associados. Retrospectiva judicial de demandas ligadas à mineração. Disponível em: <https://williamfreire.com.br/areas-do-direito/contencioso-estrategico/memorando-no-912020-assunto-retrospectiva-judicial-de-demandas-ligadas-mineracao/>. Acesso em: 25 ago. 2021
[10] Ibid.
[11] NETO, Renato Evaristo da Cruz Gouveia. O Regime de Concessão de Lavra na Argentina. Linkedin. Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/o-regime-de-concess%C3%A3o-lavra-na-argentina-da-cruz-gouveia-neto/?originalSubdomain=es>. Acesso em: 20 ago. 2021.
[12] FREIRE, William. Advogados Associados. Direito Minerário Comparado. Disponível em: <https://williamfreire.com.br/areas-do-direito/direito-minerario/direito-minerario-comparado/>. Acesso em: 25 ago. 2021.
Tecnológo em Administração de Empresas e Graduando em Direito pelo Centro Universitário Una, membro do Grupo de Estudos em Direito Minerário (GEDIMIN) e do Grupo de Estudos em Direito Ambiental (GEDA) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Matheus Henrique Morais. A essencialidade da mineração frente à pandemia covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jan 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58010/a-essencialidade-da-minerao-frente-pandemia-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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