CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA GONTIJO[1]
(orientador)
RESUMO: O artigo pretende responder a seguinte problemática: quais foram os impactos legislativos no âmbito empresarial a partir da medida Provisória 881/19?. Nesse sentido, buscou-se discorrer sobre o contexto histórico e evolução do direito comercial/empresarial na história; conceituar os indivíduos que integram a sistema empresarial brasileiro (empresário, empresa, tipo empresarial e sócios); por fim, analisar os impactos da Medida Provisória 881/19 no âmbito empresarial, que surgiu, de acordo com o Governo Federal, pautada na necessidade de desburocratizar e instituir a declaração de direitos de liberdade econômica, sobretudo estabelecendo garantias de livre mercado. A metodologia utilizada neste artigo foi por meio de pesquisa exploratória de forma qualitativa, utilizando-se do procedimento bibliográfico e fontes interdisciplinares, bem como do método de abordagem e análise dedutiva sobre os principais impactos da medida provisória 881/19 no direito empresarial. Conclui-se que as alterações realizadas no direito empresarial visaram desburocratizar, gerar liberdade ao empresário, maior facilidade para aqueles que pretendem iniciar atividade empresarial, sobretudo reduzir custos com exigências legais que anteriormente eram obrigatórias, assim, cria um cenário mais favorável ao empreendedorismo.
Palavras chave: Empreender. Desburocratização. Direito Empresarial. Liberdade. Medida Provisória.
ABSTRACT: The article intends to answer the following issue: what were the legislative impacts in the business sphere from the Provisional measure 881/19?. In this sense, we sought to discuss the historical context and evolution of commercial/business law in history; conceptualize the individuals that make up the Brazilian business system (entrepreneur, company, business type and partners); finally, to analyze the impacts of Provisional Measure 881/19 in the business sphere, which emerged, according to the Federal Government, based on the need to reduce bureaucracy and institute the declaration of economic freedom rights, above all by establishing free market guarantees. The methodology used in this article was through exploratory research in a qualitative way, using the bibliographic procedure and interdisciplinary sources, as well as the method of approach and deductive analysis on the main impacts of provisional measure 881/19 on business law. It is concluded that the changes made in business law aimed to reduce bureaucracy, generate freedom for the entrepreneur, greater ease for those who intend to start business, above all to reduce costs with legal requirements that were previously mandatory, thus creating a more favorable scenario for entrepreneurship.
Keywords: Undertake. Debureaucratization. Business Law. Freedom. Provisional Measure.
O artigo em epígrafe tem como finalidade analisar os impactos legislativos causados no ecossistema empresarial com o advento da medida provisória 881/19, posteriormente, convertida na lei 13.874/19. Denominada e reconhecidamente difundida como a “Lei da Liberdade Econômica”, para instituir a declaração de direitos de liberdade econômica e garantias de livre mercado.
Neste sentido, o cenário empresarial e econômico da última década, repercutiu diretamente nas relações jurídicas, e de forma significativa no direito empresarial, buscando atualizar a legislação ao atual modelo do empreendedorismo, consubstanciados na liberdade econômica, livre iniciativa e concorrência, propriedade privada e acessibilidade ao início das atividades empreendedoras, principalmente, levando em consideração o atual cenário econômico brasileiro. Em tempo, diversos problemas assolavam os empresários brasileiros, seja individual, seja societário, principalmente quanto a personalidade jurídica das empresas e os requisitos para desconsideração desta personalidade; especificamente o empresário individual, a necessidade de instituir um tipo empresarial que garante proteção ao patrimônio pessoal, de forma mais acessível aos empresários individuais.
Assim, a temática das legislações que buscam efetivar a liberdade e acessibilidade econômica ao direito empresarial se mostra como terreno fértil às atualizações advindas das demandas e modelos empresariais, consubstanciados em princípios constitucionais basilares da carta magna brasileira, que buscam gerar um cenário mais favorável, desburocratizado e menos oneroso aos empreendedores, para atender os anseios desta classe. Sim, efetivar atualizações e atender os anseios, pois é certo que o direito empresarial sofreu inúmeras mudanças desde seu surgimento, isso é um dado histórico entre nós. A importância social das questões econômicas e empresariais, para além da base constitucional, implicou na intervenção legislativa. Ante a tais fatores, sobrevém a problemática originária do presente trabalho, qual seja: Quais os impactos legislativos causados no direito empresarial com o advento da medida provisória 881/19, posteriormente, convertida na lei 13.874/19?
De plano, a hipótese mais imediata e convincente a ser posta para satisfação dos pressupostos metodológicos encontra-se melhor caminho na efetivação da liberdade econômica e segurança jurídica por meio de reformas legislativas, objetivando requisitos que antes eram subjetivos; gerando maior amplitude aos empresários individuais para usufruírem da responsabilidade limitada; reduzindo custos e obrigações inerentes as Companhias. Todavia, destaca-se, que serão realizadas analises das alterações legislativas e de algumas peculiaridades no decorrer da construção deste trabalho. Define-se, portanto, uma abordagem mais técnica e pragmática próxima hermenêutica jurídica.
Colocadas essas questões, o presente artigo de trabalho tem como objetivo geral, buscar compreender os fatores que influenciaram nas alterações ocasionados ao ecossistema empresarial, conduzindo-o ao modelo de economia com menor burocracia, custos efetivos e amplitude de acesso ao mundo dos negócios.
O primeiro objetivo específico, visa contextualizar o surgimento do direito empresarial e sua evolução conjunta às atividades comerciais. O segundo objetivo específico, visa conceituar os personagens que moldam o ecossistema empresarial (empresário, empresa, empreendimento e tipo empresarial). Já o terceiro e último objetivo específico, visa analisar e adentrar com maior ênfase nas legislações que tratam do direito empresarial brasileiro e suas alterações, face a vigência da MP 881/19, convertida na Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19) e os impactos causados neste ecossistema das empresas.
Este artigo cientifico se justifica, pela iniciativa de influenciar debates e análises dos aspectos estruturantes do pensamento jurídico, por uma parte, e histórico e sociológico por outra, ao mesmo tempo capaz de fortalecer o debate crítico sobre a desburocratização e efetivação das liberdades econômicas no direito empresarial, haja vista as constantes variáveis que circulam o meio político, social e jurídico no que tange a melhoria da condição econômica e social brasileira, consubstanciados na interpretação normativo-constitucional.
O presente trabalho será realizado por meio de pesquisa exploratória de forma qualitativa, utilizando-se do procedimento bibliográfico e fontes interdisciplinares, bem como do método de abordagem e análise dedutiva sobre os principais impactos da medida provisória 881/19 no direito empresarial.
Na primeira seção, visa-se discorrer sobre o surgimento e evolução jurídica do direito comercial/empresarial, fazendo um breve relato sobre a evolução e expansão comercial, bem como a necessidade de efetivar uma legislação regulamentada pelo Estado versando, exclusivamente sobre as relações comerciais.
Partindo para a segunda seção, faz-se oportuno, portanto, compreender os conceitos dos sujeitos que integram a relação empresarial, sejam as empresas, empresários, sócios e tipos empresariais.
Por fim, na terceira e última seção, é absolutamente imprescindível falar sobre os impactos da MP 881/19 na legislação empresarial brasileira, Código Civil, e legislações especificas que tratam sobre aspectos empresariais, finalizando com breves comentários sobre a desconsideração da personalidade jurídica, criação da Sociedade Unipessoal Limitada em detrimento do EIRELI, e as publicações obrigatórias e novos valores para o regime simplificado de publicidades de atos societários para sociedades anônimas.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO EMPRESARIAL NA HISTÓRIA
Inicialmente, importante registrar que a história do direito empresarial/comercial, ou melhor, o surgimento desta área jurídica é assunto dubitável no campo das doutrinas, seja por operadores do direito, seja por filósofos, sociólogos e antropólogos. Neste sentido, afirma Rubens Requião (2012) que: “o direito comercial surgiu na Idade Média com o desenvolvimento do tráfico mercantil” (apud ALEJARRA, 2013, p. 01).
Em contrapartida, outros doutrinadores afirmam que o surgimento do direito Comercial, bem como contribuições diretas para o desenvolvimento do tipo jurídico, atravessou gerações, iniciando nos romanos, passando por fenícios, assírios, babilônicos e os gregos (ALEJARRA, 2013, p. 01). Cabe ressaltar que no Museu do Louvre, está a pedra em que foi esculpido o Código de Hamurabi, a mais de 2.000 anos a.C., contendo normas de regulavam a atividade mercantil, mas sem configurar um sistema de normas passível de ser chamado de Direito Comercial (ALEJARRA, 2013, p. 01).
Gladston Mamede (2004, apud ALEJARRA, 2013), cita o aparecimento de normas de Direito Comercial em épocas mais longínquas ainda nas regiões de Ur e Lagash, porém informando que a maciça doutrina indica como florescimento desse ramo do direito privado o aparecimento dos primeiros burgos (cidades burguesas). Ocorre que, no Império Romano, conhecido por ser o precursor do sistema romano-germânico (Civil Law), pautado estruturalmente sobre a propriedade e atividades comerciais rurais, ainda não existia autonomia do direito comercial como um segmento próprio jurídico.
Apesar de existir algumas regras de direito comercial em tempos remotos, tais regras esparsas não formaram um corpo sistematizado de normas capazes de inaugurarem a autonomia do Direito Comercial. Devido à inexistência de um poder estatal centralizado e unificado, concomitantemente ao declínio do Império Romano, inúmeras cidades/povoados foram se formando no território romano, com a influência do cristianismo e a decadência do modelo aristocrático, o modelo mercantilista foi ganhando espaço, já que as cidades/povoados formados não possuíam recursos próprios para sobreviverem; não sendo autossuficientes, acabavam necessitando de outras cidades/povoados próximos para, fomentando o comércio (ALEJARRA, 2013, p. 01).
Ulteriormente, com o advento da classe comerciante na idade média, denominada “burgueses”, em homenagem, essencialmente, às pequenas cidades chamadas de “burgos” que, estavam em ascensão face ao enfraquecimento do modelo comercial feudal onde o comércio se pautava nas trocas de mercadorias (escambo).
A partir deste momento de ruptura na idade média, ascensão das atividades econômicas, bem como do êxodo rural e a facilitação de locomoção nas vias comerciais do norte e do sul da Europa, observa-se o declínio do sistema feudal, gerando na sociedade uma necessidade de regulamentação do comércio para evitar a desordem, visando garantir segurança, direitos, obrigações e principalmente elaboração de uma economia de mercado conjuntamente com uma moeda.
Nesse sentido, o sistema comercial sofreu atualizações, já que o modelo de trocas “escambo” gerava algumas limitações, passando, a passos curtos, adotar o modelo de economia de mercado, bem como elaboração de uma moeda, sistema similar ao utilizado até os dias atuais. Com este modelo de mercado, a produção e comercialização foi se distanciando de ser unicamente para subsistência e troca, para se aproximar do modelo de vendas, gerando ao produtor de determinado insumo possibilidade de ampliar sua produção, mercado e variedades. Momento em que, face a reprimenda que sofriam os comerciantes pelo poder estatal, surgiu um sistema capitalista primitivo, uma nova mentalidade: “a mentalidade burguesa”.
2.1 Corporações de ofício ou mercadores
Em tempo, visando o crescimento comercial e econômico, bem como a busca de espaço para desenvolvimento, surgem as guildas/mesteirais ou corporações de mercadores – união de comerciantes e profissionais de diversas áreas que se uniram e para organizar e defender interesses econômicos e profissionais similares – foram muito importantes para as conquistas e espaços que os comerciantes ganharam ulteriormente. Por fim, essas associações davam assistência e segurança aos seus membros.
Foi perceptível em toda Europa Ocidental os resultados do fortalecimento das guildas e corporações mercantes, ocasionando uma oposição aos nobres e soberanos da linhagem aristocrática, principalmente na Itália e Alemanha, nas costas do Mar do Norte, especificamente nesta última surgiu a “Hansa”, uma coligação de cidades mercantilistas alemãs, podendo destacar entre todas, as cidades de Hamburgo e Lubeck. Cabe ressaltar que o direito comercial aplicado às corporações era limitado aos membros destas, destacando seu caráter corporativo e subjetivista, semelhante aos atuais sindicatos de classes.
Alfredo Rocco (1931), aduz:
Aos costumes formados e difundidos pelos mercadores, se estes estavam vinculados; os estatutos das corporações estendiam a sua autoridade até onde chegava à autoridade dos magistrados das corporações, isto é, até os inscritos na matrícula; e, igualmente à jurisdição consular que estavam sujeitos, somente, os membros da corporação (apud ALEJARRA, 2013, p. 01).
Ocorre que, com toda a força que vinham ganhando os comerciantes, os diplomatas visando a ampliação da sua jurisdição e poder de atuação, realizaram alterações nas normativas das corporações de mercadores em busca da aplicação ampla do direito comercial, deixando de limitar as regras aos inscritos, estendendo-as a todos que praticarem atos condizentes com o comércio, delineando-se o novo conceito normativo do direito comercial/empresarial.
A abertura do direito das corporações aos demais cidadãos foi vista pela população em geral com bons olhos, visto que o direito outorgado pelo Estado era precário e com sérias tendências usurpadoras. Neste cenário, na idade média, as corporações de mercadores foram responsáveis por alavancar o Direito Comercial, bem como sua concretização como um ramo autônomo e especial do direito; principalmente na Itália, sendo considerada como berço histórico do direito comercial.
2.2 Teoria dos atos de comércio – liberdade comercial
Com o advento do modelo de governo monárquico, concomitantemente às novas práticas mercantis, gerou-se um clamor em prol da objetivação do direito comercial, bem como a necessidade de regulamentação que possibilitasse organizar a estrutura comercial, definindo quem são considerados comerciantes a partir da prática mercantilista, sem exigir vínculo direto com qualquer corporação de ofício.
Assim, já na revolução Francesa, o símbolo de garantia da igualdade entre as classes sociais era a centralização e unificação do direito comercial na tutela do Estado Governante. Desta forma, não se exige mais a inscrição nas corporações de ofício para exercer efetivamente os atos comerciais, ou seja, a partir deste momento, o comerciante é todo indivíduo que exerce atos determinados atos comerciais, possibilitando a todos a oportunidade de se tornar comerciante.
Em outras palavras, o direito comercial adotou o caráter objetivista, se o indivíduo pratica atos comerciais, este é considerado comerciante, consubstanciado na ideia de igualdade e contrário à teoria subjetivista que, essencialmente, era seletiva, restringindo o privilégio do Direito Comercial aos inscritos nas corporações. Assim, a incorporação na legislação da Teoria dos Atos de Comércio, ocorreu com o Código Civil Francês ou, reconhecidamente como Código de Napoleão, no início do século XIX, sendo considerado o marco do tratamento jurídico da atividade mercantil, bem como pelo famoso lema liberdade, igualdade e fraternidade, entre os homens (ALEJARRA, 2013, p. 01). Na legislação brasileira, os reflexos doutrinários dos Atos de Comércio foram incorporados à legislação que versa sobre as questões mercantis, como foi o caso do Código Comercial de 1850 (BRASIL, 1850).
Antes de adentrar a evolução do direito comercial/empresarial no Brasil, é importante destacar que, não foi descrito no Código Comercial Brasileiro quais seriam os requisitos que determinavam um comerciante, sendo ulteriormente, descrito pelo decreto nº 737/1850, que os comerciantes, sinteticamente, eram identificados pela prática habitual e lucrativa de comercialização de bens ou mercadorias (BRASIL, 1850).
2.3 Evolução jurídica do direito empresarial no brasil
Observa-se que o direito comercial brasileiro foi incorporado a partir da lei nº 556/1850 (Código Comercial), deste ponto, como todo âmbito jurídico e social, não ficou estático, sofrendo inúmeras alterações até os dias atuais. Outras normativas foram surgindo, concomitantemente, realizando alterações no Código Comercial de 1850, como é o caso do decreto lei nº 305 de 1967, que versa sobre a legalização dos livros de escrituração das operações mercantis, acrescentando outros livros obrigatórios para as sociedades por ações, elencados nos incisos de I a VIII do referido decreto-lei (LIMA FILHO, 2015, p. 01).
Atualmente, a legislação brasileira que versa sobre os direitos empresariais é, essencialmente, amparada pelo Código Civil Brasileiro, com capítulo dedicado ao direito das empresas. Não obstante, existe legislações específicas, decretos, provimentos e leis complementares que integram o sistema jurídico empresarial brasileiro, podendo destacar a recente medida provisória 881/19 que deu origem a lei da liberdade econômica e outras legislações presentes no cenário empresarial (LIMA FILHO, 2015, p. 01).
Neste sentido, é possível observar a mutabilidade do direito comercial/empresarial no decorrer da evolução comercial, desde o escambo (idade média) até as atividades estruturais da empresa (mundo contemporâneo), visando satisfazer as necessidades dos modelos comerciais existentes em cada época, bem como buscando cada vez maiores evoluções, como a personificação das empresas.
Imprescindível no estudo do direito empresarial contemporâneo, compreender os conceitos básicos que circulam este meio, já que se criou na legislação brasileira, um ecossistema empresarial complexo a partir da teoria da empresa, assim, será necessário a compreensão do que se trata o empresário, empresa, sócios e tipos empresariais.
3. TEORIA DA EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA
Ao se tratar de direito empresarial é de suma importância entender os conceitos daqueles que formam uma relação empresarial, ou seja, o empresário, empresa e os sócios, possibilitando a compreensão do sistema jurídico empresarial. O empresário, de acordo com o conceito jurídico previsto no artigo 966 do Código Civil de 2002, é “aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção de bens ou serviços” (BRASIL, 2002). Partindo dessa premissa inicial, se torna possível observar a caracterização do empresário em três vertentes: “profissionalismo”; “uma atividade econômica organizada”; e sobretudo, “capaz de produzir bens ou serviços”.
O profissionalismo de acordo com Marcio Morena Pinto, engloba outras características essenciais, veja:
Profissionalismo deve englobar os conceitos de pessoalidade, habitualidade e monopólio das informações.
A pessoalidade se traduz na qualidade do modo como se exerce a atividade, não se requerendo, necessariamente, que o empresário exerça a atividade sozinho, pois ele pode contratar empregados, mão-de-obra para a consecução da atividade, etc. E a habitualidade diz respeito à repetição diuturna da atividade empresarial, à reiteração da sua prática. Assim, não será empresário aquele que exerce, esporadicamente ou eventualmente, a venda de bens móveis, por exemplo.
O último elemento do profissionalismo é o monopólio das informações. Isso significa que o empresário detém – ou deveria deter - todo o conhecimento e informações acerca do produto ou serviço que executa, ou seja, conhece as técnicas de produção dos bens e da execução dos serviços, qualidades necessárias, matéria-prima empregada, condições de uso, nocividade, defeitos e outros (PINTO, 2013, grifo nosso)
A segunda característica do empresário é a atividade econômica organizada, ou seja, trata-se da própria empresa, o empreendimento, não se podendo confundir com estabelecimento comercial, local onde se desenvolve a atividade. Neste ponto, fica evidente a diferenciação do empresário face a empresa, haja vista que a empresa é a própria atividade organizada com finalidade econômica, obtenção de lucro; inexistindo outros requisitos que a defina, como se exige ao empresário. Por último, o empresário necessita de produzir algum tipo de produto/mercadoria, ou, realizar prestação de serviços.
Cabe ressaltar que o próprio artigo 966, parágrafo único do CC/02 preconiza uma ressalva aos casos de profissionais intelectuais (advogados, engenheiros, médicos, dentistas, escritores, atores, entre outros), embora estes profissionais também produzam riqueza e suas atividades sejam econômicas e organizadas, não são definidos como empresários. Corroborando ao descrito, o enunciado 194 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF) preconiza: “Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida” (PINTO, 2013, p. 01, grifo nosso).
A título de exemplo, o fator de produção é mais importante do que a atividade pessoal desenvolvida quando o profissional liberal resolve expandir seu negócio e passa a contratar outros profissionais visando expandir sua clientela, bem como desenvolver sua própria rede de negócios. Nos dias atuais podemos identificar inúmeras empresas odontológicas que utilizam esse modelo como a Odonto Company e Oral Sin.
Ademais o empresário pode tanto ser pessoa física quanto pessoa jurídica, in verbis:
O empresário pode ser pessoa física ou jurídica, empresário individual ou sociedade empresarial. Desse modo, não se confunde empresário com os sócios de uma sociedade empresária, já que estes podem ser empreendedores ou investidores, enquanto o empresário é a própria sociedade, um sujeito de direito com personalidade autônoma em relação aos sócios (NASCIMENTO, 2018, p. 01).
Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais.
Deste modo:
Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (os empreendedores, além de capital, costumam devotar também trabalho à pessoa jurídica, na condição de seus administradores, ou as controlam; os investidores limitam-se a aportar capital). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária – é muito importante apreender isto (NASCIMENTO, 2018. Página única).
Assim, observado a definição elucidada no art. 966 do Código Civil/2002, bem como da análise realizada neste tópico, é possível observar as características e premissas que permitem identificar a figura da empresa e empresário, essenciais para compreensão do sistema jurídico empresarial brasileiro e seus tipos empresariais.
3.1 Da empresa
As empresas podem ser classificadas por sua atividade econômica; sua constituição jurídica e; titularidade do capital. Quanto sua atividade econômica é subdividida em setores, sendo eles: setor primário (exploração de recursos naturais, a exemplo das atividades agropecuárias, agrícolas e pesqueiras); setor secundário (atividades voltadas à transformação/exploração de matérias-primas, como as indústrias e a construção civil); por fim, o setor terciário (são as empresas voltadas à prestação de serviços ou comércio).
O segundo ponto dentre a classificação das empresas, trata-se da constituição jurídica, ou seja, o formato em que elas foram constituídas, podendo ser empresas individuais, quando pertencem a um único sócio; empresas societárias, aquelas que são constituídas por mais de uma pessoa/sócio (Sociedades anônimas “S/A”, Responsabilidade Limitada “Ltda” e etc); e por fim, classificação quanto a titularidade do capital social, ou seja, empresas privadas, empresas públicas ou de economia mista, sendo as primeiras aquelas que o capital social é proveniente de particulares, enquanto a segunda tem como controlador a figura do Estado, e a terceira, o capital dividido entre particulares e o Estado, denominada como empresas de economia mista.
Em relação a constituição jurídica societária das empresas, o Código Civil Brasileiro prevê a exigência de estabelecer um tipo empresarial dentre os existentes, quais sejam: Sociedade Simples; Sociedade Limitada (LTDA); Sociedade em nome Coletivo; Sociedade em Comandita Simples; Sociedade em Comandita por Ações; Sociedades Anônimas (S/A); Sociedades em Conta de Participação; Sociedade de Advogados e por fim a mais recente Sociedade Unipessoal Limitada (SLI), inserida no ordenamento jurídico pela lei 14.195 de 26 de agosto de 2021.
Definido o tipo empresarial que se enquadra nas necessidades do empreendimento; do faturamento; porte ou tamanho; e dos sócios, a legislação empresarial exige realizar o registro da empresa nos órgãos competentes, sendo na esfera federal, o Departamento Nacional do Registro Empresarial e Integração (DREI), e na esfera estadual, as juntas comerciais.
A exigência do registro nos órgãos competentes está prevista no artigo 1º da lei 8.934/94, responsável por regulamentar os registros públicos de empresas mercantis e atividades afins. Assim, de forma sintética e objetiva, ficam demonstrados os conceitos básicos de empresário, empresas e tipos societários/empresarial, possibilitando mais adiante demonstrar as alterações sofridas no direito empresarial brasileiro devido as necessidades dos novos modelos comerciais, sobretudo, diante do cenário pandêmico do COVID-19.
3.2. Da ordem econômica constitucional: alicerces da liberdade econômica
Com o advento da lei 13.874/19, denominada, também, como Lei da Liberdade Econômica, foram promovidas inúmeras discussões voltadas às questões de Ordem Econômica Constitucional, previstas no artigo 170 e seguintes da CF/88. Como bem denota Gustavo Ribeiro Rocha, “em que pese a inexistência da pretensão de um estudo aprofundado em Direito Constitucional, cumpre notar que, naqueles artigos, especialmente no art. 170, há importantes princípios, relacionados à atividade empresarial, consagrados pela Constituinte de 1988” (ROCHA, 2020. p. 01).
Nesse sentido, os princípios da propriedade privada e livre concorrência, previstos no artigo 170, incisos II e IV, da CF/88, fundamentam a instituição da declaração de direito e liberdade econômicas, bem como garantias de livre mercado, que preambularmente, são os objetivos da Medida Provisória 881/19, posteriormente, convertida na Lei da Liberdade Econômica.
Consubstanciados pelos princípios descritos, abalizados a partir de 1988, o direito empresarial sofreu recentes alterações, principalmente no decorrer de 2019, mas que ainda estão sendo realizadas, em prol do incentivo à iniciativa privada e à liberdade econômica, assim, podemos passar à análise destas alterações e demonstrar nossa legislação atual.
4. O DIREITO EMPRESARIAL A PARTIR DA MP 881/19: CÓDIGO CIVIL E LEGISLAÇÕES ESPECÍFICAS
A legislação empresarial brasileira possui fundamento no Código Civil, especificamente no Livro II “do direito de empresa”, artigo 966 e seguintes. Ocorre que, inúmeras outras leis auxiliam a regulamentação do universo empresarial no Brasil, podendo destacar as leis 13.874/19; 13.818/19; e 14.195/21, entre outras, provenientes da MP 881/19. Nestas leis mencionadas, pode-se perceber que o ano de 2019 foi um marco para o direito empresarial, com mudanças significativas no modo operandis do empresariado brasileiro, já que estas legislações foram elaboradas no referido ano, com exceção da lei 14.195/21 que surgiu posteriormente, porém com respaldo na MP 881/19 e na lei 13.874/19 (lei da liberdade econômica) (LOPES; SANTOS; LEÃO, 2020. p. 01).
A lei 13.874/19, também conhecida como “lei da liberdade econômica” surgiu com a necessidade de instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, bem como estabelecer garantias de livre mercado, conforme se observa no seu preâmbulo. Não obstante a lei 13.818/19, respaldada no fundamento da garantia de livre mercado, altera a lei 6.404/76 que trata, especificamente, sobre as sociedades anônimas (LPOES; SANTOS; LEÃO, 2020).
Ulteriormente, surgiu a lei 14.195/21, também consubstanciada nas garantias de livre mercado para dispor, conforme descreve seu preâmbulo:
Sobre a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente [...] (BRASIL, 2021).
Assim, de acordo com Fernando Brandariz (2019, p. 01) “O ano de 2019 foi bastante movimentado na área do Direito Empresarial com a promulgação da Lei 13.874/2019, conversão da Medida Provisória 881/2019, a chamada Lei da Liberdade Econômica”. O curso do ano de 2019 ocorreram alterações legislativas relevantes com o propósito de facilitar a rotina empresarial no Brasil. Em abril de 2019, foi promulgada a Lei 13.818/2019, que alterou as normas de publicações previstas na Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas), com eficácia determinada para 1 de janeiro de 2022 (LOPES; SANTOS; LEÃO, 2020. p. 01).
Nota-se que os legisladores brasileiros se esforçaram para adaptar o direito empresarial ao cenário mais atual do mercado, visando atualizar a legislação para melhor atender os anseios dos empresários contemporâneos, sobretudo, trazer maior segurança jurídica ao empresariado, enfatizando o caráter personalíssimo das empresas; liberdade econômica e garantias de livre mercado.
4.1 lei 13.874/19: personificação da empresa, efetivando a autonomia das partes.
Inúmeras foram as alterações no código civil ocasionados pela lei da liberdade econômica, efetivando a segurança jurídica ao elaborar no direito das empresas um ecossistema de independência e liberdade face aos empresários, sócios e administradores.
A lei da liberdade econômica emolda segurança jurídica efetivando a objetivação da personalidade das empresas, conforme se abstrai do art. 7º, incluindo ao artigo 49-A do Código Civil de 2002 que “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores” (BRASIL, 2002). Ademais, o parágrafo único disciplina que “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos (BRASIL, 2002), enfatizando personalização da empresa, face ao empresário.
Concomitantemente, foi inserido, ainda, o §7º no artigo 980-A do Código Civil, preconizando que “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude (BRASIL, 2002).
Neste contexto, a regra não é absoluta, existindo situações que levam a desconstituição da personalidade jurídica, essas situações acontecem por abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme aduz o artigo 50 do Código Civil. Quanto ao desvio de finalidade da empresa, previsto no art. 50 do Código Civil, a lei da liberdade econômica acrescentou o §1º, determinando o desvio de finalidade como sendo “[...] a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza” (BRASIL, 2002). Não obstante, também foi inserido, o §2º, neste mesmo artigo, determinando o que se trata a confusão patrimonial:
Art. 50 […]
§2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa
II - Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial (BRASIL, 2002).
Os §§1º e 2º acrescentados ao artigo 50 do Código Civil, visa estabelecer maior segurança jurídica, já que determinou um rol objetivo dos requisitos que ocasionam a desconsideração da personalidade jurídica, efetivando a autonomia patrimonial entre a sociedade e os sócios, bem como enfatizou ser um instrumento que, essencialmente, atende à livre iniciativa e ao desenvolvimento econômico.
A desconsideração ocorrida pelo descumprimento dos requisitos previstos no art. 50, §§ 1º e 2º e seus incisos do Código Civil, caracterizam a denominada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que anteriormente já era aplicada, todavia, agora vigora de forma explícita e objetiva, quanto às relações do direito civil e empresarial/comercial, já que na seara trabalhista existem inúmeras controvérsias face a aplicabilidade da teoria maior.
Neste sentido, partindo do pressuposto inicial de que a lei 13.874/19 será observada na aplicação e interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, conforme preconiza o art. 1º, §1º, da referida lei, seria possível concluir a admissibilidade da teoria maior de desconsideração no âmbito processual trabalhista.
De plano, é possível identificar em inúmeras decisões recentes no âmbito trabalhista que, na justiça do trabalho ainda prevalece a teoria menor da desconsideração, o que influencia diretamente na estrutura empresarial, gerando controvérsias ao que dispõe a lei 13.874/19, já que esta surge para garantir a personificação da empresa, ou seja, objetivar a personalidade jurídica, desvinculando-a do empreendedor, pessoa física, veja as decisões:
AGRAVO DE PETIÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INSTAURADO PERANTE O JUÍZO DE 1º GRAU. A legislação civil orienta-se por duas teorias distintas ao fixar os pressupostos para a despersonalização da pessoa jurídica: a Teoria Maior - agasalhada pelo art. 50 do Código Civil, que traz como exigência para a desconsideração o abuso de personalidade - e a Teoria Menor da Desconsideração - adotada pelo art. 28 e seu parágrafo quinto do Código de Defesa do Consumidor. Esta última teoria - que sustenta que basta a simples insuficiência patrimonial da personalidade jurídica para a decretação da responsabilidade dos sócios - é a que vem sendo aplicada no processo do trabalho, em face da similitude de princípios que orientam este ramo especializado do Direito e o CDC, em especial o da proteção ao hipossuficiente.
(TRT-10 – AP: 0000897-76.2018.5.10.0104 DF. Data de Julgamento 29/09/2021, Data de Publicação: 07/10/2021) (BRASIL, 2021, grifo nosso)
EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EXECUTADA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DO SÓCIO. Em razão do princípio da proteção ao hipossuficiente, adota-se a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), na qual a simples obstrução pela pessoa jurídica da obtenção do crédito pelo exequente enseja o alcance do patrimônio dos sócios para satisfazer a execução. Assim, a evidência da ausência de patrimônio da empresa executada para arcar com os créditos devidos ao exequente é circunstância bastante para autorizar o direcionamento da execução em face de seu sócio.” (TRT18, AP-0011026-88.2018.5.18.0017, REL. SILENE APARECIDA COELHO, 3ª TURMA, 23/02/2021); (TRT18, AP - 0011581-23.2018.5.18.0012, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 09/10/2021) (BRASIL, 2021, grifo nosso)
Neste ínterim, a teoria menor de desconsideração não só é adotada pelo direito do trabalho, como, também, pelo direito do consumidor, consubstanciado na hipossuficiência de uma das partes em relação a outra, ocasionando relação jurídica assimétrica. Partindo desta premissa, o que dispõe no Código do Consumidor no art. 28, § 5º, é a fundamentação da teoria menor da desconsideração, considerando a hipossuficiência de uma das partes que, de forma analógica o empregado, também, é considerado hipossuficiente na relação do contrato de trabalho; se aplica subsidiariamente a legislação consumerista no tocante a desconsideração da personalidade jurídica, no direito do trabalho.
Em contrapartida, ao se tratar de direito civil e direito empresarial presume-se relação de paridade entre os contratantes, o que as torna incompatíveis com a hipossuficiência do trabalhador nas relações de trabalho. Tal circunstância afasta a incidência obrigatória dos requisitos do art. 50 do CC, com alterações da Lei 13.874/19, como única forma de desconsiderar a personalidade jurídica no direito do trabalho.
Portanto, observa-se que a personificação da empresa se concretizou no cenário jurídico brasileiro, essencialmente, se fortaleceu nas relações cíveis e empresariais, mantendo, ainda, a teoria menor da desconsideração nas relações consumeristas e trabalhistas, visto a hipossuficiência do trabalhador e do consumidor, e quanto ao direito civil e empresarial, presumindo a equivalência das partes, prevalece a teoria maior da desconsideração, nos termos do art. 50, §§ 1º e 2º do Código Civil.
4.2 Leis 13.874/19 e 14.195/21: sociedade limitada unipessoal (SLU) face ao empresário individual de responsabilidade limitada (EIRELI)
Outras inovações que adentraram o direito empresarial neste momento de pandemia com o advento das leis 13.874/19 e 14.195/21 foi a extinção da figura do empresário individual de responsabilidade limitada (EIRELI) em prol do surgimento da sociedade limitada unipessoal (SLU), que essencialmente, tratam sobre o empresário individual ou único sócio.
A EIRELI surgiu em 2011 por meio da lei 12.441, possibilitando ao empresário individual criar uma personalidade jurídica desvinculada do seu patrimônio pessoal, ou seja, aplicação da responsabilidade limitada ao empresário individual. Ocorre que para criação de uma EIRELI, a legislação exigia que o empresário integralizasse capital social mínimo não inferior a 100 vezes o salário mínimo vigente, ocasionando seletividade, visto que o valor é considerado voluptuoso sob o aspecto social brasileiro, já na SLU inexiste exigência de valor mínimo do capital social e ainda protege o patrimônio pessoal do sócio.
Com isto, a lei 14.195/21 apresentou a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) em detrimento da EIRELI que, essencialmente, possui a mesma finalidade de separar o patrimônio pessoal do patrimônio da empresa, evitando a confusão destes em eventual responsabilidade patrimonial da empresa, senão pelos meios de desconsideração de personalidade jurídica tratado no tópico anterior. Desta forma, as EIRELI´s existentes, estão sendo transformadas em SLU´s, independentemente de alteração no ato constitutivo da empresa, conforme prescreve o artigo 41 da lei 14.195/21: “Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo” (BRASIL, 2021).
Ademais, outro importante aspecto em vantagem à SLU se refere a quantidade de empresas que podem ser criadas pelo mesmo sócio, haja vista que a pessoa natural que constituísse uma EIRELI só poderia figurar em uma única empresa desta modalidade, conforme dispõe o art. 980-A, § 2º do Código Civil, fato que não ocorre com a SLU, possibilitando a um único sócio figurar em mais de uma empresa desta modalidade.
Cabe mencionar que aqueles que são cadastrados como Microempreendedores Individuais (MEI) ativos estão vedados de realizar abertura de uma SLU, sendo necessário o cancelamento do cadastro do MEI para abertura da Sociedade Limitada Unipessoal. No que tange aos cadastros e regras que cerceiam uma sociedade Limitada Unipessoal, devem ser obedecidas àquelas estabelecidas no capítulo do Código Civil específico sobre as sociedades limitadas, artigos 1.052 e seguintes, bem como as mesmas condições cadastrais.
Desta forma, a partir da MP 881/19 convertida na lei 13.874/19 visando um cenário empresarial consubstanciado nos princípios do livre mercado e liberdade econômica, estas alterações visam garantir maior amplitude aos empresários individuais e proteção ao patrimônio pessoal.
4.3 LEI 13.818/19: Publicações obrigatórias e novos valores para o regime simplificado de publicidades de atos societários para sociedades anônimas.
A lei 13.818/19 surgiu com a necessidade de atualizar as regras contidas na legislação das sociedades anônimas (lei 6.404/76), bem como favorecer os novos modelos empresariais deste tipo empresarial, principalmente no tocante as publicações obrigatórias e quanto a ampliação do valor máximo admitido de patrimônio líquido para que a sociedade anônima faça jus ao regime simplificado de publicidades de atos societários, conforme descreve o preâmbulo da referida lei.
No que se refere as publicações obrigatórias dos atos da sociedade anônima anteriormente à vigência da lei 13.818/19, deveriam ser realizadas por meio do Diário Oficial. Com as novas disposições implementadas pela lei 13.818/19, foi alterada a redação do art. 289 da lei 6.404/76, que deixou de determinar a publicação na imprensa oficial, exigindo que sejam publicados, de forma resumida, em jornal de grande circulação na sede da companhia e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos no site deste mesmo jornal, destacando que os documentos devem ter certificação digital da autenticidade emitida por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil), nos termos do art. 1º, inciso I da lei 13.818/19.
Esta alteração no dispositivo legal insurge com o objetivo de reduzir os gastos/custos das Companhias com divulgação em diário oficial, visto que desobriga a publicação em órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, exigindo, tão somente, que seja realizada em jornal de grande circulação na localidade em que está associada a sede da companhia.
Não obstante, as alterações também visam propiciar aos processos de convocação dos sócios e publicações obrigatórias, maior celeridade, já que basta contratar os serviços de um jornal de grande circulação local e realizar a publicação. Ao se tratar de publicações de demonstrações financeiras, a regra para publicação de forma resumida observar os requisitos estabelecidos no inciso II do artigo 1º da lei 13.818/19, quais sejam:
Art. 1º. […]
Inciso II: “deverá conter, no mínimo, em comparação com os dados do exercício social anterior, informações ou valores globais relativos a cada grupo e a respectiva classificação de contas ou registros, assim como extratos das informações relevantes contempladas nas notas explicativas e nos pareceres dos auditores independentes e do conselho fiscal, se houver (BRASIL, 2019).
Importante frisar que a vacatio legis do artigo acima descrito será até 31 de dezembro de 2021, passando a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2022. Outro tópico importante modificado pela lei 13.818/19, foi o artigo 294 da lei 6.404/76, que versa sobre o valor máximo do patrimônio líquido da companhia e quantidade de acionistas para ser beneficiada com o regime simplificado de publicidade dos atos societários, que passou de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), bem como ter menos de 20 (vinte) acionistas, sendo que esta parte da lei passou a vigorar a partir da data de publicação.
Ocorre que, uma nova atualização deste valor ocorreu por meio da lei complementar 182/2021, elevando-o até a quantia de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), sobretudo, deixou de exigir número mínimo de acionistas; esta regra que permanece em vigência até no presente momento. Entende-se que as alterações legislativas foram acertadas, no contexto geral, por direcionar o âmbito empresarial aos ideais de liberdade e acessibilidade, adotando efetivas medidas legais na busca de garantir a liberdade econômica.
De maneira geral, o Poder Público entendeu as necessidades dos empresários e das empresas, bem como a importância econômica e social que estes personagens possuem na sociedade por gerar renda e emprego, e realizou alterações legislativas advindas da MP 881/19, posteriormente convertida na Lei da Liberdade Econômica, que direciona o direito empresarial ao modelo atual dos negócios e da realidade brasileira, moldado na desburocratização, livre iniciativa e redução de custos efetivos, para criar um cenário mais atraente e favorável à atividade empresarial.
No decorrer deste trabalho, demonstrou-se que, o direito comercial adentra milhares de anos na história da evolução humana, retratando cada momento comercial vivenciado na sociedade, até o presente momento.
Com base na evolução social, econômica e observância dos princípios constitucionais relativos à Ordem Econômica, foi possível implementar mudanças significativas na legislação, tal como no Código Civil e outras legislações específicas do universo empresarial, adotando medidas estimulantes à iniciativa privada, robustecidas por segurança jurídica. A segurança jurídica, se retrata principalmente nos requisitos objetivos que admitem a desconsideração da personalidade jurídica, respeitando a autonomia das sociedades e das partes, mas que ao mesmo tempo previne a fraude ou abusos cometidos por um dos sócios ou pelos sócios, se utilizando da pessoa jurídica.
Em tempo, demonstrou a inovação trazida pela lei 13.874/19, denominada Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), que aposenta o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), elaborada com intuito de incentivo ao empreendedorismo e efetivação da livre iniciativa. Indubitavelmente, será uma forte ferramenta de incentivo ao empreendedorismo no Brasil, todavia, por si só não conseguirá atingir esses resultados, sendo necessário adoção de outras medidas e legislações para concretizar tais objetivos.
Com esta mesma ideia de liberdade econômica e incentivo ao empreendedorismo, foi criada a lei 13.818/19, que versa sobre as publicações obrigatórias e os novos valores que admitem as companhias fazerem jus ao regime simplificado de publicidades de atos societários, visando reduzir as atos obrigatórios a serem publicados pelas sociedades anônimas e a retirar a exigência de serem realizados por meio do diário oficial, sobretudo, aumentou o valor mínimo do capital social exigido para se valer deste regime simplificado. Tais fatos, visam diminuir os gastos das companhias e gerar liberdade para publicar em meios de comunicação locais com grande circulação.
O objetivo central foi demonstrar que estas alterações legislativas evidenciam a tentativa do legislador em incorporar com maior efetividade ao direito empresarial, os princípios da liberdade econômica e livre concorrência, bem como estabelecer garantias de livre mercado para atender os anseios dos novos modelos empresariais. sobretudo
Portanto, pode-se concluir que a Lei 13.874/19 gerou impactos legislativos essencialmente significativos, alterando o Código Civil Brasileiro no que tange ao direito das empresas, sobretudo moldou o direito empresarial a partir da lei 13.874/19, em prol de tornar mais acessível e proporcional à realidade social dos brasileiros que pretendem iniciar seus negócios e gerar um cenário futuro mais favorável ao empreendedor.
REFERÊNCIAS
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_______. Tribunal Regional do Trabalho (10ª região). Agravo em Petição nº 0000897-76.2018.5.10.0104 DF. Data de Julgamento 29/09/2021, Data de Publicação: 07/10/2021. Disponível em: https://pje.trt10.jus.br/jurisprudencia/ServletVisualizaDocumento;jsessionid=ChqRCSqbRLPafSA-t2iIHzFXPE7fSv-kOu929FQn?nomeArquivo=0000897-76.2018.5.10.0104.html&tipoDownload=inline&tipoConteudo=text_html;charset=utf-8. Acesso em: 08 nov. 2021.
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[1] Professor, mestre e orientador do Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Direito, pela Universidade Luterana do Brasil – ILES/ULBRA, Itumbiara/GO.
Graduando do Curso de Direito, pela Universidade Luterana do Brasil – ILES/ULBRA, Itumbiara/GO. Ex-estagiário da 3ª Vara Cível, fazendas Públicas Municipais e Ambiental de Itumbiara/GO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, José Mendes Pereira. Os principais impactos da medida provisória 881/19 no direito empresarial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jan 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58022/os-principais-impactos-da-medida-provisria-881-19-no-direito-empresarial. Acesso em: 23 dez 2024.
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