RESUMO: O presente trabalho volta-se para uma análise crítica acerca da obrigatoriedade da vacinação no âmbito da Administração Pública. Procurando abster-se de premissas ideológicas, a abordagem pretendida terá como foco a existência ou não de suporte jurídico para se exigir a vacinação dos servidores públicos e as possíveis consequência diante da recusa injustificada.
Palavras-chave: Vacinação. Obrigatoriedade. Administração Pública.
ABSTRACT: The present work turns to a critical analysis about the mandatory vaccination in the scope of Public Administration. Seeking to abstain from ideological premises, the intended approach will focus on the existence or not of legal support to demand the vaccination of public servants and the possible consequences in the face of unjustified refusal
Keywords: Vaccination. Obligatoriness. Public Administration.
1 – INTRODUÇÃO
A Pandemia do Covid-19, que vem afetando o mundo inteiro desde o ano de 2020, para além dos desafios próprios na área de saúde pública, trouxe para a comunidade jurídica a necessidade de se debruçar sobre questões que até então estavam adormecidas. Neste cenário pandêmico, a vacinação da população surgiu como marco de esperança para que a normalidade pudesse ser restabelecida. Todavia, a política de vacinação da população, que parecia ser o caminho natural de salvação, vem sendo permeada por delicada questão no tange a sua obrigatoriedade ou não.
Se de um lado há quem sustente que as liberdades individuais legitimariam a tese acerca da não obrigatoriedade da vacina, de outro, há quem defenda a supremacia do interesse coletivo e a conseguinte tese que se queda pela vacinação obrigatória da população. Então, evidencia-se, de início, uma nítida contraposição de valores que precisam ser devidamente acomodados dentro da ordem jurídica vigente com a finalidade de preservar a higidez do sistema e garantir a estabilidade do regime democrático.
Em especial no Brasil, ao lado da problemática sanitária em si, tem se vivenciado uma polarização política sem precedentes em nossa história. Então, antes de prosseguir, é preciso destacar que a abordagem aqui ministrada sobre o tema será isenta de cargas ideologias, políticas ou filosóficas. Não nos cumpre nos debruçar sobre questões do tipo se a vacina funciona ou não, se tem risco ou não. Isso não interessa aos propósitos aqui perseguidos. O que se pretende é tão somente investigar se é possível juridicamente exigir a vacinação dos servidores públicos, como condição para que os mesmos possam exercer suas funções, e as medidas jurídicas possíveis diante da recusa.
Então, nas linhas abaixo traçaremos as linhas gerais do cenário legal e jurisprudencial acerca da possibilidade de exigência de certificado de vacinação dos servidores por parte da Administração Pública, fazendo as críticas necessárias quando cabível.
2 – Liberdades Individuais X supremacia do interesse coletivo sobre o particular
Se de um lado a Constituição Federal garante a inviolabilidade do corpo humano, como consectária direta do princípio maior da dignidade humana, vedando a tortura e o tratamento desumano ou degradante, assegurando ainda a liberdade de consciência e de crença, de outro, a norma esculpida em seu artigo 196 prescreve que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
A celeuma que permeia a discussão acerca da legitimidade da obrigatoriedade ou não da vacinação passa necessariamente sobre essa delicada contraposição de valores, tendo de um lado as liberdades individuais e de outro o interesse público na política de vacinação coletiva como medida de enfrentamento à pandemia do Covid-19.
Neste cenário, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, que serve de base normativa para o Direito Público de forma geral, tem vindo à tona e servido de substrato para justificar, do ponto de vista jurídico-constitucional, a exigência de vacinação coletiva da população. Se de um lado existe a liberdade individual e o direito de dispor sobre o próprio corpo, seja por razões de crenças filosóficas, religiosas ou qualquer outra natureza, de outro, a imunização coletiva aparece como medida de interesse coletivo. Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Melo:
“O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas deles, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. [1]”
Então, antes de mais nada, é perceptível que as liberdades individuais no regime jurídico implantado na sociedade brasileira, embora de indiscutível relevância, não podem ser tidas como valores absolutos, precisando ser cuidadosamente acomodadas dentro do sistema jurídico de modo a conviver harmoniosamente com outros valores de igual magnitude, como, por exemplo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
Neste toar, tem-se que, em se tratando de valores constitucionais contrapostos, não deve buscar a completa eliminação de um deles em função do outro. A hermenêutica jurídica ensina que, diante de conflito entre princípios, deve o interprete se valer da ponderação de princípios com a finalidade de buscar a melhor solução para acomodação dos valores contrapostos dentro do sistema.
Ao contrário das regras jurídicas que, por expressarem deveres definitivos, devem ser aplicadas na exata medida daquilo que prescrevem. Os princípios, por revelarem direitos e deveres prima facie, têm o grau de realização variável, a depender das circunstâncias do caso concreto.
Segundo Robert Alexy, citado por Virgílio Afonso da Silva, “os princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes. Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização.”[2] Então se chega à conclusão de que só os princípios admitem o sopesamento e ponderação no momento de serem realizados, sendo isto apenas possível em face da ausência da estrutura normativa hipótese – consequência, característica peculiar das regras.
Dito isto, cumpre ao operador do direito valer-se das regras e balizas existentes na ordem jurídica vigente, buscando acomodar os valores em evidência, sem negar ou excluir de forma apriorística nenhum deles. Os princípios permitem essa maleabilidade justamente para que, diante de situações concretas, o interprete possa, dentro dos ditames da razoabilidade e proporcionalidade, buscar a melhor solução para o caso em realce.
Assim, percebe-se que, do ponto de vista da Constituição Federal, embora não se tenha uma norma específica que permita ou proíba expressamente a vacinação, existem princípios jurídicos que põem em embate as liberdades individuais e o interesse público na vacinação coletiva. Todavia, como se anunciou, esses valores precisam dialogar entre si para que possam conviver harmonicamente dentro do sistema constitucional, sem que nenhum deles anule completamente o outro.
3 - A Posição do Supremo Tribunal Federal Sobre a Obrigatoriedade da Vacinação
Visto que a questão inerente à obrigatoriedade da vacinação passa pelo exercício da ponderação e sopesamento dos princípios constitucionais, é preciso observar a jurisprudência quem vem se formando no âmbito do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, ressaltando que, por ser o guardião maior da constituição, cabe a este Tribunal para palavra final sobre a matéria, sem prejuízo das críticas e anotações cabíveis dentro do ambiente de discussão acadêmica.
Pois bem. Quanto à obrigatoriedade da vacina, o Supremo Tribunal Federal, prontamente, cuidou de assentar a tese de que a obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.
Na mesma linha, a Suprema Corte também firmou a posição de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente. Vejamos, então a integra da ementa do julgado:
Ementa: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. VACINAÇÃO COMPULSÓRIA CONTRA A COVID-19 PREVISTA NA LEI 13.979/2020. PRETENSÃO DE ALCANÇAR A IMUNIDADE DE REBANHO. PROTEÇÃO DA COLETIVIDADE, EM ESPECIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS. DIREITO SOCIAL À SAÚDE. PROIBIÇÃO DE VACINAÇÃO FORÇADA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CONSENTIMENTO INFORMADO DO USUÁRIO. INTANGIBILIDADE DO CORPO HUMANO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, LIBERDADE, SEGURANÇA, PROPRIEDADE, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. VEDAÇÃO DA TORTURA E DO TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE. COMPULSORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO A SER ALÇANÇADA MEDIANTE RESTRIÇÕES INDIRETAS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E ANÁLISES DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SEGURANÇA E EFICÁCIA DAS VACINAS. LIMITES À OBRIGATORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO CONSISTENTES NA ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA CUIDAR DA SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA. ADIS CONHECIDAS E JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis. II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes. IV – A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no exercício do poder-dever de “cuidar da saúde e assistência pública” que lhes é cometido pelo art. 23, II, da Constituição Federal. V - ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.(ADI 6586, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 06-04-2021 PUBLIC 07-04-2021)
Assim, vê-se que o Supremo Tribunal Federal, fazendo exercício de sopesamento e ponderação dos valores constitucionais em evidência, findou por assentar o entendimento de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, sendo sempre facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, serem impostas restrições em função da recusa.
Deste modo, embora não se possa vacinar ninguém de forma forçada, afigura-se legítima a exigência de vacinação por meio de medidas de coerção indireta, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
4 - Do cenário legal quanto à exigência de Vacinação no âmbito do Funcionalismo Público.
Inicialmente, cumpre observar que, de formal geral e não específica para o funcionalismo público, a Lei 13.979/2020 possibilitou a realização de vacinação compulsória, dispondo o seguinte:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
III - determinação de realização compulsória de:
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
(...)
§ 4º As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.
Então, do ponto de vista legal e infraconstitucional, resta inquestionável a existência de previsão legal para que se exija a vacinação compulsória, ressaltando, todavia, que essa previsão normativa não é voltada especificamente para o funcionalismo público, sendo exigência de caráter genérico para toda população.
No caso da vacinação contra o Coronavírus, por ser parte da política do Plano Nacional de Imunização, ao que parece, ao menos ao nosso entendimento, a definição acerca dessa obrigatoriedade deve ficar a cargo do Ministério da Saúde, que se revela a autoridade competente no que tange à condução da Política Nacional de Imunização.
Neste ponto, revela-se importante abrir um parêntese para se registrar uma crítica em relação ao permissivo jurisprudência e doutrinário que vem se formando no sentido de possibilitar uma pulverização do poder decisório no que se refere à exigência do certificado de vacinação. A política da vacinação contra o Coronavírus é de âmbito nacional e, portanto, reclama medidas abrangentes e unificadas.
No cenário atual, a exigência ou não de certificado de vacinação tem ficado a cargo das mais diversas autoridades, e até mesmo de pessoas desvestidas de qualquer poder público, como, por exemplo, diretores de escolas, públicas e privadas, comerciantes, prefeitos e até síndicos de condomínios, quem vêm decidindo das mais diversas formas acerca da exigência de certificado de vacinação para o exercício de alguns direitos. Essa pulverização do poder decisório em relação à política sanitária nos parece ser ilegal e bastante prejudicial para eficiência da política que se pretende implantar. Não nos parece razoável que a escola “A” exija a vacinação de seus alunos enquanto a escola “B” mão o faça, ou que determinado restaurante faça essa exigência como condição de acesso à casa enquanto o vizinho não o faz.
Feito estes apontamentos, tem-se que, do pondo de vista legal, há previsão normativa para que as autoridades sanitárias, no âmbito de suas competências, exijam a vacinação obrigatória da população, ressaltando que, em atingindo a pandemia do COVID-19 doto território nacional, a autoridade competente para essa medida, ao menos em nosso entender, deve possuir assento no Ministério da Saúde.
Neste ponto, é preciso anotar que a norma antes referida é dotada de eficácia limitada, não fazendo a vacinação automaticamente obrigatória, já que a plenitude de sua eficácia depende de ato emanado da autoridade pública competente inserindo a vacinação como política sanitária de caráter obrigatório.
Não obstante, o cenário doutrinário e jurisprudencial quem vem se construindo tende a enxergar a vacinação do COVID-19 como obrigatória independentemente de ato administrativo complementar pelo Ministério da Saúde, fazendo com que o certificado de vacinação correspondente possa ser exigido nos mais diversos setores da sociedade.
De toda forma, a previsão normativa acima exposta, como já se anunciou, é de caráter geral, não específica para o funcionalismo público. Neste contexto, verifica-se que existe em tramitação na Câmara dos Deputados de projeto de lei voltado especificamente para disciplinar a questão no âmbito do funcionalismo público. É o Projeto de Lei nº 5649/2020, com a seguinte proposta de redação:
Art. 1º Torna obrigatória, em todo o território nacional, a vacinação contra a Covid-19 a todos os servidores e agentes públicos da União, Estados e Municípios.
Parágrafo Único. A obrigatoriedade na qual refere-se o caput deste artigo estender-se-á a servidores públicos efetivos, comissionados e temporários, de atividades essenciais e não essenciais, lotados em órgãos da administração pública direta e indireta, empresas públicas e mistas, agências reguladoras, representações, entidades e instituições públicas
(...)
Art. 3º O servidor público que, ao final da execução de todas as etapas do Plano Nacional de Vacinação, não tenha se submetido à vacina contra a Covid-19, sofrerá as penalidades administrativas previstas no art. 129 da Lei 8.122/90.
Todavia, tal proposição legislativa ainda não foi transformada em lei, de modo que, por ora, não pode servir de alicerce normativo para fundar qualquer tese.
Não obstante, no âmbito do funcionalismo público, já vem se discutindo e implantando, embora de maneira ainda não uniforme, uma política de vacinação obrigatória dos servidores, mediante a exigência de passaporte vacinal para ingresso nas repartições.
Ocorre, entretanto, que nem no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais e nem nos regimes próprios estaduais e municipais de que se tem conhecimento, existem sansões disciplinares específica para punição do servidor que se recusa a apresentar seu certificado vacinal.
Neste cenário, o caminho que se tem encontrado é a proibição de acesso ao ambiente laboral, anotando-se a ausência como falta não justificada, que ao final pode ensejar eventual abandono de cargo acaso atingido o limite estabelecido em lei.
Assim, ao que parece, o cenário que se desenha em relação à obrigatoriedade para vacinação no âmbito do serviço público caminha para possibilitar a exigência de passaporte vacinal como condição para acesso à repartição, computando-se a ausência como falta não justificada. Sem embargo, a celeuma jurídica ainda está longe de seu fim, embora seja possível vislumbrar a possibilidade de consolidação do entendimento mencionado.
5 – Conclusão
Conforme restou exposto, a discussão jurídica acerca da obrigatoriedade ou não da vacinação ainda está longe do seu fim. Neste cenário, do ponto de vista da Constituição Federal, evidencia-se a existência de princípios jurídicos que põem em embate as liberdades individuais e o interesse público na vacinação coletiva, valores esses que precisam dialogar entre si para que possam conviver harmonicamente dentro do sistema constitucional, sem que nenhum deles afaste completamente o outro.
Embora ainda seja prematuro apontar qualquer tese como definitiva no que se refere especificamente à obrigatoriedade da vacinação no âmbito do funcionalismo público, o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição, fazendo exercício de sopesamento e ponderação dos valores constitucionais em evidência, findou por assentar o entendimento de que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, sendo sempre facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, serem impostas restrições em função da recusa, destacando que, embora não se possa vacinar ninguém de forma forçada, afigura-se legítima a exigência de vacinação por meio de medidas de coerção indireta, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
Neste cenário, de formal geral e não específica para o funcionalismo público, a Lei 13.979/2020 veio a possibilitar expressamente a realização de vacinação compulsória da população. Todavia, na situação particular dos servidores públicos, ainda não existe lei específica disciplinando a questão, de modo que, diante da ausência de tipificação da conduta como falta funcional, o caminho que se tem encontrado para forçar a vacinação daqueles que se recusam é a proibição de acesso ao ambiente laboral, anotando-se a ausência como falta não justificada, o que, ao final, pode ensejar eventual caracterização de abandono de cargo, acaso atingido o limite estabelecido em lei.
Assim, ao que parece, o cenário que se desenha em relação à obrigatoriedade de vacinação no âmbito do serviço público caminha para possibilitar a exigência de passaporte vacinal como condição para acesso à repartição, computando-se a ausência como falta não justificada. Sem embargo, é necessário registrar que a celeuma jurídica ainda está longe de seu fim, embora seja possível vislumbrar a possibilidade de consolidação do entendimento acima mencionado.
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Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. A exigência de vacinação no âmbito do serviço público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58074/a-exigncia-de-vacinao-no-mbito-do-servio-pblico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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