RESUMO: Das declarações, significados. Não há declaração de vontade que não comporte distintos sentidos. É nessa divergência de interpretações que nasce a importância de estudar regras de interpretação e integração das leis e, também, das declarações negociais, os contratos. Como será visto, a hermenêutica jurídica tem como finalidade o estudo desses processos aplicáveis para se determinar o sentido e alcance de um texto, transportou-se para as relações contratuais, na medida em que se reconhece aos contratos força obrigatória. No entanto, a complexidade dos contratos, justamente por envolver princípios como a autonomia privada e a liberdade de contratar, além de uma infinidade de conteúdo, torna a hermenêutica contratual ainda mais desafiadora, visto que não se pode sob o pretexto de interpretar ou integrar, modificar a vontade comum. É nesse sentido, que tanto a legislação brasileira, como a portuguesa, expressamente preveem regras mínimas de interpretação e integração dos contratos, permitindo ao exegeta fixar o sentido decisivo de uma declaração. Com o avanço tecnológico e as novas mídias, relações negociais são firmadas a todo instante, o que certamente exigirá dos operadores do direito maior sensibilidade na interpretação e integração daquilo que está sendo contratado.
Palavras chaves: Hermenêutica Jurídica. Hermenêutica Contratual. Interpretação dos contratos. Concreção.
Sumário: 1. Introdução. 2. Hermenêutica Constitucional. 3. Hermenêutica Contratual. 4. Interpretação dos contratos. 5. Concreção. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas. 8. Legislação.
1.Introdução
A interpretação e integração dos contratos ganha relevo ao considerarmos que o contrato, assim como às leis deve ter seu conteúdo decisivo fixado.
Assim sendo, o estudo da hermenêutica jurídica – que visa justamente estabelecer à análise dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance de um texto – inicia a jornada com o entendimento de que regras e princípios interpretativos vão muito além do auxílio ao aplicador do direito. Buscam fixar o sentido decisivo e que melhor se coaduna com o espírito da lei ou a vontade dos contraentes.
Assim, por meio da hermenêutica se entende que toda declaração de vontade comporta interpretação e, portanto, a fixação de um sentido decisivo nem sempre, ou melhor, quase nunca, revela-se tarefa simples.
Na hermenêutica contratual, a interpretação ganha contornos ainda mais complexos, seja pela própria complexidade das relações contratuais, como será visto, seja pela existência de duas vontades que hão de ser consideradas no instante de fixação e aplicação daquilo que foi efetivamente acordado, a denominada vontade comum.
Outra dificuldade enfrentada pelo operador do direito na interpretação contratual e que torna a matéria mais desafiadora é que a interpretação não pode ceder à autonomia privada das partes, vale dizer, a interpretação não pode sob o pretexto de clarificar, dar sentido diverso ou se sobrepor à vontade das partes, que são livres para contratar e estabelecer aquilo que melhor lhes convém (conteúdo).
Nesse ponto, embora não seja o objeto do presente artigo, não se ignora que os contraentes estejam limitados por princípios como a função social do contrato e a boa-fé, estes sim, impõe as partes obediência a valores como a moral e bons costumes, não a interpretação contratual.
Tanto o diploma português como o brasileiro preveem expressamente normas sobre interpretação e integração contratual.
Assim, segue-se a abordagem de tais regras, fazendo-se um paralelo entre as legislações brasileira e portuguesa, com seus pontos similares e diferenças, se há destinatário específico de tais regras, a quem são endereçadas.
Ato contínuo, passa-se a análise de que em certas situações a interpretação não é suficiente a aclarar o sentido das declarações de vontade; se faz necessário concretizar.
Nesse sentido, clama-se do exegeta a identificação do problema a ser solucionado, impondo-se a aplicação da norma ao caso concreto a partir de uma visão fática de interpretação, ou seja, considerando o sistema jurídico como um todo, isto porque, não se admite omissão.
Com isso, o presente trabalho tem como principal objetivo a análise das normas existentes, tanto na legislação brasileira, como na portuguesa, sobre interpretação e integração dos contratos, reafirmando a importância da matéria, visto que não se admite omissão, mas recordando que o respeito à autonomia privada condiciona à uma interpretação cuidadosa, sob pena de ferir às liberdades de contratar e contratual.
2. Hermenêutica Constitucional
Antes de adentrar especificadamente no tema interpretação e integração do contrato, primeiro faz-se necessário entender o que é hermenêutica.
Substantivo feminino, hermenêutica pode ser definida como a arte de interpretar os livros sagrados e textos antigos; doutrina ou ciência cujo objetivo se caracteriza na interpretação ou compreensão de textos religiosos (hermenêutica sagrada); interpretação ou compreensão de um texto, dos sentidos e/ou da significação das palavras que o compõem[1]. Já sob o aspecto jurídico, a hermenêutica é conceituada como reunião das normas ou mecanismos utilizados na interpretação de um texto ou das leis.
Embora de origem imprecisa, analisando a etimologia, destaca-se que a hermenêutica remonta ao período da Grécia antiga, especificamente ao ser mitológico Hermes. Conforme apontado pela doutrina, Hermes era um semideus, dotado da função de mensageiro, sendo assim responsável para tradução para a linguagem dos mortais, humanos, os ensinamentos e mensagens dos deuses[2].
Como visto, a hermenêutica tem como objeto o estudo dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance de um texto. É a arte de interpretar. René David salienta que “editar a lei ou o regulamento é a função das autoridades. Porém, a lei apenas tem valor prático pela maneira como é aplicada. A aplicação da lei supõe um processo de interpretação [...].”[3] Para Carlos Maximiliano “a interpretação, como as artes em geral, possui a sua técnica, os meios para chegar aos fins colimados. Foi orientada por princípios e regras que se desenvolveu e aperfeiçoou à medida que envolveu a sociedade e desabrocharam as doutrinas jurídicas.”[4]
No século XIX, pós revolução francesa e sob a influência do iluminismo, as interpretações jurídicas deveriam nortear-se pelo direito posto. A expressão da vontade geral estava contida na letra da lei; cabia, assim, ao jurista somente manter-se fiel ao texto, sem socorrer-se à analogia, costumes e tradições[5][6]. A lei era tomada em sua literalidade.
No entanto, aponta René David que “assiste-se nos nossos dias a uma renovação da doutrina do direito natural. Os próprios defensores do positivismo abandonaram o mito da lei, tal como se apresentava no século XIX; eles reconhecem, presentemente, o papel criador do juiz [...]”[7].
Assim, é possível afirmar que na hermenêutica contemporânea a lei seja tomada como integradora do direito, com a imposição de limites valorativos, para lhe dar sentido e alcance. Nasce um novo pensamento jusfilosófico: o neopositivismo, que reaproximou a justiça da moral.
O pluralismo e a complexidade da sociedade moderna colocaram em xeque a ideia de completude do sistema positivo, especialmente pela dificuldade de dissociar a aplicação das normas positivas, mesmo diante de soluções inadequadas, injustas ou até mesmo, imorais.
Sobre o dogma da completude do direito, do sistema jurídico total, aponta Diego Eidelvein do Canto quatro vertentes essenciais à compreensão.[8]
Nesse sentido, Ricardo Fernandes e Guilherme Bicalho esclarecem que “foi visto que uma das principais críticas ao modelo positivista foi a falta de critérios valorativos para aplicação da norma, a qual favoreceu, muitas vezes, decisões distantes da justiça ou mesmo absurdas.”[9]
O pós-positivismo reacende, portanto, certas teorias, como a da norma, a das fontes e a da interpretação, isto porque, atrás da norma há valor que integraliza o direito. Houve uma abertura valorativa do sistema; sua análise permeia não só o momento de elaboração da norma, como sua aplicação.
Para Luís Roberto Barroso “o pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria da justiça [...].”[10]
Com efeito, a interpretação realiza e traz compreensão de um texto, de uma norma legal ou dos contratos, objeto da presente investigação. Possibilita ao intérprete a atualização do conteúdo daquilo que está se interpretando, isto porque textos, leis, contratos ainda que tenham sido escritos há muito tempo, variam conforme a interpretação dada, esta sim, deve ser consentânea com a sociedade atual e com a vontade dos contraentes.[11]
Essencial destacar que norma e texto normativo não se confundem, isto porque enquanto o texto é objeto da atividade hermenêutica a norma é o resultado dessa interpretação. Para Eros Grau “o que em verdade se interpreta são textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo. A interpretação é, portanto, a atividade que presta a transformar os textos – disposições, preceitos e enunciados – em normas.”[12]
Ainda que tal observação se refira a interpretação do direito, como ciência, certo é que a interpretação dos contratos exige do intérprete o respeito pela intenção, vale dizer, extrair do contrato escrito a real vontade das partes e aplicá-la, prestigiando aquilo que acordaram e contrataram.
Sem pretender esgotar as espécies de interpretação trazidas pela doutrina tradicional, como a interpretação literal, lógico-sistêmica, histórica e teleológica (quanto à sua natureza) ou extensiva, restritiva, declarativa (quando aos seus efeitos), importa destacar a interpretação denominada por alguns como autêntica. Não desconhecendo que a interpretação autêntica seria àquela dada pelo próprio legislador sobre lei existente, editando uma segunda norma de caráter puramente interpretativo, interessante ressaltar a visão de Eros Grau, para quem “o intérprete dotado de poder suficiente para criar normas, a partir delas construindo, em cada caso, a norma de decisão, é o intérprete autêntico – isto é, fundamentalmente, o juiz [...].”[13]
Todavia, importante observação deve ser feita, citando crítica realizada por ABBOUD, Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira no que diz respeito ao método tradicional de interpretação dos textos e normas jurídicos, olvidando-se do lado principal, que diz respeito ao método jurídico utilizado para tal fim[14].
3. Hermenêutica Contratual
Demonstrada a relevância da hermenêutica jurídica, em sentido amplo, que pressupõe no processo de aplicação da lei considerar para além do direito posto, extraindo o sentido e o alcance dos textos, necessário – ainda que breve – a abordagem quanto à hermenêutica contratual.
Toda declaração de vontade comporta uma pluralidade de sentidos e, portanto, de interpretação e como qualquer outro trabalho hermenêutico, a interpretação de contratos é coisa complexa,[15][16] pois exige que o intérprete não só considere às vontades dos contratantes quando da elaboração do instrumento contratual (contrato), mas também que tenha, ou busque, conhecimentos de áreas específicas, como direito agrário, sobre o mercado financeiro, em um contrato bancário, e etc.
A força obrigatória reconhecida aos contratos e imposta às partes envolvidas não limita o trabalho de interpretação. Contudo, evidente que embora não haja limitação à interpretação, esta está adstrita a declaração negocial; vale dizer, o intérprete deve ser prudente em sua construção interpretativa, sob pena de ferir a vontade das partes.
Como sói de ser, o contrato se origina da autonomia privada dos contraentes, logo a atividade interpretativa não pode desconsiderar ou se sobrepor ao querido pelas partes. Não pode o operador sob a premissa de interpretar, modificar o sentido das pretensões fixadas e estabelecidas contratualmente.
Ao citar operador, questiona-se quem seria o destinatário principal das normas sobre interpretação dos contratos? Rui Duarte citando Cunha Gonçalves esclarece que as regras legais de interpretação dos contratos são destinadas aos juízes e não às partes, pois estas não necessitam de regra alguma para verificarem qual foi a intenção que tiveram. Assim, somente quando as partes divergem e buscam os tribunais, é que se torna imperioso dar solução ao litígio[17].
Ruy Rosado de Aguiar Júnior também compartilha desse entendimento. Expõe que o juiz não é servo da lei, mas sim que está submetido a um ordenamento jurídico vigente, que é aberto e afeiçoado de valores e princípios[18][19]. Evidente, sempre que possível, que o intérprete trabalha com a lei, mas nos casos em que o legislador se utiliza de conceitos indeterminados, cláusulas gerais; cabe ao juiz a realização de sua atividade criadora, adequando a norma à sua atividade fim: dizer o direito.
Já Felipe Kirchner citando Carlos Ferreira de Almeida adverte que a “tese de que só ao juiz cabe a interpretação do negócio jurídico está ligada ao preconceito de que a tarefa hermenêutica somente é exercida em caso de litígio, o que evidentemente não prospera”[20]
Como dito, considerando que o contrato tem força de lei entre as partes, certo é que a interpretação dos contratos, assim como das leis é de suma importância ao operador do direito, seja ele o juiz, ou qualquer outro intérprete responsável em procurar o sentido decisivo das declarações de vontade.[21]
Por certo que os negócios contratuais também podem trazer cláusulas dúbias, ou que sobre seu sentido e alcance as partes divirjam, razão pela qual os ordenamentos jurídicos tanto brasileiro como português estabelecem regras mínimas de interpretação.
Restringir, portanto, a interpretação aos intérpretes corporativos ou autorizados jurídica ou funcionalmente pelo Estado significaria um empobrecimento[22].
4. Interpretação dos contratos
Antes de adentrar nas regras sobre interpretação dos contratos, insta recordar que tal espécie de negócio jurídico, em regra (especialmente no campo paritário), se traduz em instrumento da autonomia privada. Portanto, mesmo diante de certas regras interpretativas, o intérprete não pode ignorar que o contrato é fruto da vontade das partes, que deve ser prestigiada e concretizada na maior medida do possível.
A liberdade contratual, não só entendida quanto ao conteúdo, mas também a liberdade de contratar, seja com quem for, é necessária para dar azo as mais diversas relações interpessoais, exigindo dos contraentes cooperação, tão necessária para a vida em sociedade.
No direito português as principais regras sobre interpretação e integração dos atos negociais, encontram-se nos artigos 236° a 239° do Código Civil.
O artigo 236º normatiza sobre o sentido da declaração dos contraentes. Em regra, ao conhecer a vontade real dos declarantes é esta que vai prevalecer. É nesse sentido o item 2 do aludido artigo. Assim, sempre que o declaratário conhecer a real vontade do declarante é de acordo com esta que vale a declaração por ele emitida.
Agora, não se conhecendo a vontade real dos declarantes, prevê o item 1 do artigo 236° que “a declaração negocial vale com o sentido de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Portanto, na ausência sobre a real vontade dos declarantes, será considerada àquela deduzida pelo homem médio.
Já o artigo 237° traz dispositivo nos casos de dúvidas sobre o sentido da declaração de vontade, estabelecendo que nos negócios jurídicos gratuitos, prevalecerá o sentido menos gravoso para o disponente e quanto aos onerosos, o sentido que garanta o maior equilíbrio das prestações[23].
Ainda sobre interpretação, complementa o artigo 238° que nos negócios formais a declaração tem que valer com um sentido que corresponda minimamente ao texto do documento, ainda que expresso de forma imperfeita (item 1). Ora, a interpretação da declaração de vontade não pode conduzir a um sentido totalmente dissociado do texto, isto porque a interpretação orienta o aplicador à real vontade das partes; que em um negócio formal presume-se expressa.
Contudo, ressalva o artigo em seu item 2 que não se aplica a exigência de conformação entre texto e vontade, caso esta última (vontade real dos declarantes) seja conhecida e a as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade.
Importante ressaltar que a vontade a ser considerada é a vontade comum dos declarantes, isto porque, consoante dispõe o artigo 232° do Código Civil português o contrato é resultado de um “acordo de vontades” e não é considerado concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas.
Assim, ao intérprete cabe a análise das vontades dos contraentes e não de uma ou outra vontade considerada singularmente[24].
Rui Duarte assinala que “se deve buscar a chamada vontade real dos contraentes (o que alguns designam interpretação subjetiva) e só se nada se apurar quanto à mesma é que se aplicam as restantes regras (o que alguns designam interpretação objetiva).”[25]
No mesmo sentido, resume António Ferrer Correia que as declarações de vontade valem com o sentido que lhes é atribuído pelas partes. Contudo, se declarante e declaratário entendem a declaração em sentido oposto, servirá como sentido decisivo aquele que este último podia julgar conforme às verdadeiras intenções do primeiro. Ressalva o aludido autor, que será nulo, no entanto, o negócio que não lhe seja possível atribuir sentido prevalente, quando o significado que devia ser decisivo não for aquele que o declarante tinha o dever de considerar acessível ao declaratário.[26]
No Brasil, à semelhança de Portugal, na hermenêutica contratual a vontade dos contraentes ganha especial relevo, se sobrepondo, inclusive, ao que está previsto em cláusulas contratuais. É o que se extrai do artigo 112° do Código Civil que prevê: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção[27] nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem” (critério subjetivo).
Sob esse aspecto, importa salientar as teorias da interpretação. Pela teoria subjetiva o intérprete deve analisar qual a verdadeira vontade dos contraentes. Como visto, tal vontade se sobrepõe àquilo expresso nas cláusulas contratuais, ao passo que pela teoria objetiva o intérprete – como sugerido pela denominação – deve se ater ao sentido expresso das cláusulas contratuais.
Ainda no tocante as normas específicas sobre interpretação contratual no direito brasileiro além daquelas expressas no Código Civil – artigos 113°, 114°, 423°, 424°, 819° e 2.035°, parágrafo único, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990) também traz norma que norteia o intérprete contratual (v. artigo 47°).
Em breve abordagem, o artigo 113° do Código Civil brasileiro aponta que além da intenção das partes, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração[28] (critério objetivo). Já o 114° salienta que quanto aos negócios jurídicos benéficos e a renúncia, a interpretação deve ser estrita.
Os artigos 423° e 424° complementam – de certa maneira – à proteção ao consumidor expressa no artigo 47° daquele diploma, vez que dispõe que a interpretação de cláusulas ambíguas e contraditórias nos contratos de adesão (àqueles em que os direitos, deveres e obrigações são estabelecidos pelo preponente, sem que o aderente possa substancialmente alterar ou modificar as cláusulas contratuais, vale dizer, a maioria dos contratos de consumo são dessa espécie) devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao aderente, além de serem nulas cláusulas que estipulem a renúncia antecipada a direito resultante do negócio celebrado.
O artigo 47° do Código de Defesa do Consumidor reforça a disposição aludida e alarga à proteção dispensada ao consumidor ao normatizar que o intérprete deve interpretar as cláusulas contratuais de um contrato de consumo da maneira mais favorável ao consumidor.
Finalmente o artigo 819° do Código Civil dispõe que a fiança dar-se-á por escrito e não admite interpretação extensiva, bem como o artigo 2.035° esclarece que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública.
Como se vê, as normas sobre interpretação contratual no Direito brasileiro estão em capítulos diversos do Código Civil e até normatizadas em outros diplomas protetivos. Não há, como no direito português, capítulo ou subsecção próprios.
Não se ignora que malgrado a existência de capítulo próprio sobre interpretação e integração, o Código Civil português não restringe às disposições interpretativas à aludida subsecção.
Rui Pinto Duarte cita como exemplo o artigo 210°, n° 2 do Código Civil português que expressamente dispõe que os negócios jurídicos que têm por objeto a coisa principal não abrangem as acessórias, salvo declaração em sentido diverso. Assim, o negócio celebrado deve ser interpretado considerando o objeto principal e não este e outros[29]. No Brasil, a interpretação é no sentido oposto. Estabelece o artigo 233° do Código Civil: “A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.
Para além das normas expressas sobre interpretação contratual, Robert Joseph Pothier aponta doze regras que devem ser consideradas pelo jurista, como (1). a busca pela intenção comum das partes contratantes, antes de se buscar o sentido gramatical do pactuado; (2. e 3). sendo uma cláusula suscetível de duplo sentido, deve-se melhor entendê-la conforme o sentido mais lógico e também segundo o sentido que melhor convenha à natureza do contrato;(4.) aquilo que pode parecer ambíguo em um contrato se interpreta pelo que é costume no país; (5.) o uso goza de autoridade, vale dizer, na interpretação contratual as cláusulas usuais são subentendidas, mesmo que não expressas; (6.) as cláusulas devem ser interpretadas em conjunto, com as precedentes e subsequentes; (7.) em caso de dúvida em uma das cláusulas, a interpretação deve ser dada contra aquele que estipulou a coisa; (8.) por mais generalizados que sejam os termos, estes compreendem apenas aquilo que as partes contraentes pretendiam contratar e não o que sequer cogitaram; (9.) contratos que tenham por objeto uma universalidade de coisas, compreendem todas as coisas que a compõem, mesmo que as partes não tivessem conhecimento; (10.) quando em um contrato se acrescenta alguma disposição em razão de dúvida, isto não implica dizer em renúncia a outras disposições não expressas; (11.) nos contratos uma cláusula concebida no plural se desdobra, frequentemente em várias cláusulas particulares e a última (12.) o que se encontra eventualmente escrito ao final de uma frase no contrato, refere-se ao que é comum a toda frase e não somente ao que a precede imediatamente[30].
Como visto, a interpretação contratual visa determinar o sentido e o alcance do negócio jurídico. Como afirma Peter Häberle “não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada [...], ressaltando que interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública”[31]
5. Concreção
Ligada à interpretação legal e contratual está a concreção, método hermenêutico que supera o silogismo do positivismo (subsunção da norma ao caso concreto) para abarcar na interpretação não somente o dever ser, mas a identificação da norma ao caso concreto a partir de uma visão fática e de interpretação do sistema jurídico como um todo[32].
Felipe Kirchner cita que “em termos estruturais, o método concretista gravita em torno de três dados essenciais: compreensão prévia do intérprete (pré-compreensão), elemento normativo a ser concretizado (em sua dimensão sistemática) e problema concreto a ser solucionado.”[33]
O problema central da hermenêutica não é o aspecto temporal, vale dizer, o momento em que a norma, seja ela estatal ou contratual é concebida com o momento de sua aplicação, mas, sim, a distância entre sua generalidade (contratos de adesão, por exemplo) e as especificidades existentes caso a caso. É nesse aspecto que a concreção se realiza.
Assim, visa à concreção a solução do problema hermenêutico não apenas considerando as questões normativas, mas também com o olhar para as questões fáticas. Não há direito sem fato e vice-versa.
Nesse sentido entende António Castanheira Neves que “O ‘puro facto’ e o ‘puro direito’ não se encontram nunca na vida jurídica: o fato não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito; o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de aplicar ao facto: pelo que, quando o jurista pensa o facto, pensa-o como matéria de direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao facto.”[34]
Logo, sendo o contrato produto da autonomia da vontade, deve ser analisado na totalidade dos fatores que o fundamentam.
Como bem ressalta Rui Duarte há pela lei portuguesa (e pela legislação brasileira) admissão de que sejam contratualmente assumidas obrigações que carecem de concreção[35]. O artigo 400° do Código Civil português estabelece que a determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes, bem como por um terceiro estranho à relação obrigacional. Ressalva o aludido artigo que em ambos os casos deve ser feita utilizando-se juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados (n° 1). Assim, a concretização dessa prestação obrigacional, utilizando-se da equidade (ou outros critérios), implica necessariamente para além da interpretação contratual.
O artigo 239° do Código Civil lusitano traz disposição expressa sobre a denominada “integração” das declarações negociais. Normatiza que “na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta”[36].
Evidente que a concreção, às vezes intoxicada por um excesso de concretização, também deve ser entendida sob certos limites. Ao hermeneuta cabe – ainda que não consiga se desvencilhar das experiências vividas – ser racional, garantindo na sua função de integrador certa unidade. Logo, “o método da concreção não afasta – antes requer – a referência ao ordenamento jurídico e aos seus princípios e, apesar de impor um viés tópico, não se apresenta como substitutivo do processo de subsunção nem da lógica da inferência, peculiar ao raciocínio dedutivo.”[37]
No Brasil, não há norma semelhante ao artigo 239° - ao menos não colocada à mesma maneira que o Código Civil lusitano[38], isto porque, sobre eventuais lacunas, o operador do direito tem como artigo orientador, previsão que sequer se encontra no Código Civil brasileiro, mas sim no artigo 4° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, com redação dada pela Lei n° 12.376, de 2010) que normatiza: “ Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Assim, em que pese o dispositivo seja expresso quanto à omissão legislativa, a doutrina brasileira não diverge sobre sua aplicação, também, à integração contratual.
Nesse sentido, extrai-se que são meios de integração contratual: à analogia, tanto legis como jurídica, os costumes e os princípios gerais de direito, cada vez mais utilizados, em razão do abismo existente entre o direito posto, que não consegue antever toda a gama de relações interpessoais, e os litígios de uma sociedade moderna, plural e em constante mutação.
6. Considerações Finais
Como toda declaração de vontade comporta sentidos dos mais diversos, o estudo das normas de interpretação e integração da lei e, também, dos atos negociais se revela importante para aquele que opera o direito ou, ao menos, que tem sob sua responsabilidade fixar o sentido decisivo de uma declaração.
Como visto, o que se contrata tem força de lei. Logo, por vezes precisa ser interpretado e integrado. Evidente que como qualquer atividade, além das regras expressas nas legislações, estabelecendo um norte para seu exercício, limites como a boa-fé e função social do contrato auxiliam à interpretação e integração não se distanciarem do querido pelos contraentes, a denominada vontade comum.
Evidente que para uma correta interpretação, necessário se faz certa qualidade técnica do exegeta. Embora às normas de interpretação e integração não se restrinjam à juízes; do responsável pelo sentido e alcance da declaração, exige-se observância a normas e critérios, além do respeito à vontade dos acordantes. Quanto à essa vontade, assim como a interpretação e a integração, também está limitada aos aludidos princípios (boa-fé e função social), pois ainda que patente certa autonomia da vontade, essa não pode se sobrepor ou violar os interesses da coletividade.
Com efeito, a boa-fé é princípio basilar de qualquer relação contratual; exige dos titulares de direitos o dever de agir de forma razoável com os bons costumes e as especificidades do local em que realizada a avença, devendo nortear todas as fases de uma relação negocial.
Nesse sentido e considerando a importância de interpretar e integrar relações negociais, que as legislações tanto brasileira como portuguesa cuidam de estabelecer regramentos mínimos para que o responsável pela fixação do sentido decisivo das declarações não se distancie da real intenção das partes.
Pelas vertentes de interpretação portuguesa extrai-se uma prevalência de interpretação pelo prisma do homem médio, colocando-se na exata situação em que se encontra o emitente da declaração. No Brasil também há destaque para vontade declarada, sendo certo que, caso haja divergência entre as vontades (declarada e a real) esta leva a ineficácia do negócio jurídico.
Além da interpretação, por vezes, é necessário ir além, pois as declarações são lacunosas. Nesses casos, as legislações normatizam critérios integradores das vontades, com o fim de preencher eventuais lacunas existentes nos contratos e revelar o sentido decisivo da declaração.
O grande desafio das normas que fixam critérios de interpretação e integração é manterem-se atuais, isto porque, a complexidade das relações negociais em uma sociedade contemporânea em que as vontades são cada vez mais efêmeras e a velocidade com que se contrata é instantânea, a interpretação da vontade ganha outro colorido.
Nesse sentido, a interpretação e integração a par de serem intrínsecas ao operador do direito, renovam-se com as mudanças nas relações sociais e na maneira de contratar, o que torna a matéria atemporal.
7. Referências Bibliográficas
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8. Legislação
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[1] https://www.dicio.com.br/hermeneutica/, acesso em 16 out 2021.
[2] ABBOUD, Georges, CARNIO, Henrique Garbellini, OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução ao direito [livro eletrônico]: Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito. 5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
[3] DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, ed. Martins Fontes, p.129.
[4] MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 21ª edição. Ed. Forense, p. 1.
[5] IAMUNDO, Eduardo. Hermenêutica e Hermenêutica Jurídica, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 199.
[6] Não há como abordar o positivismo sem citar Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito; para o qual a ciência do direito deveria ser considerada independentemente de outras ciências, ou da moral. Nesse sentido, sustentava que as fontes do direito devem ser buscadas no próprio direito, excluindo-se costumes, hábitos. Dissocia o direito da moral. Para Kelsen, ao aplicador da norma basta aferir a validade daquela e não o conteúdo. No entanto, em que pesem as críticas endereçadas ao positivismo, não se ignora suas vantagens, especialmente se considerarmos o momento histórico em que inserido. Não só estabeleceu o direito como ciência, mas trouxe segurança jurídica onde prevalecia o absolutismo monárquico. O positivismo puro de Hans Kelsen encontrou seu declínio após as barbáries justificadas na lei (nazismo e facismo).
[7] DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, ed. Martins Fontes, p.113.
[8]CANTO, Diego Edidelvein do. Revista de Direito Privado | vol. 88/2018 | p. 17 - 42 | Abr / 2018 | DTR\2018\12729. Acesso em 16 Out 2021. Disponível: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9a0000017c89660cd7fd941ef8&docguid=Ic9e115f0396211e8b422010000000000&hitguid=Ic9e115f0396211e8b422010000000000&spos=1&epos=1&td=205&context=188&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1 (...)“A primeira fundamenta o dogma da completude na existência de uma norma geral exclusiva, de conteúdo negativo, que expressava que “tudo que não é proibido, é permitido”. Por assim dizer, o sistema jurídico seria fechado, pois todo comportamento humano está deonticamente nele determinado por uma norma particular26, e, não o sendo, a conduta seria permitida, pois estaria regulada por uma norma geral exclusivaA segunda vertente, por sua vez, ligada a esta primeira concepção, dispõe que o dogma da completude está ligado ao “espaço jurídico vazio”. Esta teoria parte do raciocínio de que toda norma jurídica representa uma limitação à livre atividade humana, sendo assim, a ação humana vinculada a normas representaria o espaço jurídico cheio, enquanto a ação humana não vinculada a normas corresponderia a espaço jurídico vazio. Portanto, toda conduta juridicamente não qualificada, seria indiferente para o direito.Por outro lado, a terceira vertente encontrada, aponta que o dogma da completude está inserido na obrigação dos juízes de decidir qualquer controvérsia com base no direito existente, tendo em vista que se o direito não fosse completo, essa obrigação não subsistiria.A quarta vertente fundamenta o dogma da completude no fato de que o ordenamento jurídico não é um sistema de normas “consumado”, possuindo característica de expansão ilimitada, tendo em vista que o juiz ao se deparar com um caso dúbio ou difícil, e não puder solver a demanda com base em uma norma jurídica particular, poderá resolve-la a partir dos princípios gerais.(...)
[9] Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 48 n. 189 jan/mar. 2011, p. 113, disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf, acesso em 15 de abril de 2020.
[10] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7547. Acesso em: 16 out 2021.
[11] Felipe Kirchner citando Clóvis Veríssimo do Couto e Silva salienta que “no procedimento exegético sempre há uma atualização, e como a força normativa dos preceitos jurídicos sempre está condicionada à vontade atual dos seus participantes, é tarefa do intérprete contratual quantificar esta dimensão na análise da autonomia dos contratantes, pois a obrigação constituída pelo contrato é sempre polarizada pelo adimplemento”. (Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p. 47).
[12] Citado por Felipe Kirchner. Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p.57.
[13] GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 6ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005 ISBN: 8574206636, p. 208.
[14] ABBOUD, Georges, CARNIO, Henrique Garbellini, OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução ao direito [livro eletrônico]: Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito. 5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. “(...)Sem embargo, mesmo as discussões sobre a hermenêutica jurídica – que, atualmente, assumem uma dimensão de essencialidade: uma disciplina da qual não se pode passar ao largo – foram travadas, tradicionalmente, de maneira oblíqua. Em sua grande maioria, os manuais sobre hermenêutica ou sobre introdução ao direito escritos até a década de 1990, trataram a questão a partir da polêmica em torno dos métodos de interpretação (gramatical, lógico, sistemático, teleológico, histórico etc.) sem dar a devida atenção a todo o debate filosófico que teve lugar no século XX e que envolveu, em primeiro plano, exatamente a questão da hermenêutica (de se consignar que, para muitos autores, o século XX pode ser considerado como “a era da hermenêutica”) Somente no final dos anos de 1990, e início dos anos de 2000 é que esse debate tomará um rumo adequado no âmbito do pensamento jurídico brasileiro. Nesse caso, a obra de Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise, marca de maneira definitiva essa mudança de rota. Essa obra critica(va) o modo tradicional de se pensar o problema da interpretação e situa a questão da hermenêutica nos quadros da filosofia contemporânea, oferecendo, a partir desse contexto reflexivo, um modo de se pensar a construção do fenômeno jurídico(...)”
[15] DUARTE, Rui Pinto. A Interpretação dos Contratos. Coimbra: Ed. Almedina, 2016, ISBN: 9789724067520, p. 8.
[16] Também abordando sobre a complexidade da hermenêutica contratual, especialmente se comparada a interpretação legal, Felipe Kirchner destaca a multiplicidade de fontes de um contrato, principalmente no que respeita a coexistência de regras jurídicas e sociais. Afirma, também, que outra dificuldade observada na hermenêutica contratual é a possibilidade dos negócios jurídicos tomarem formas outras que não a escrita, como os atos da vida e de silêncio, o que dificulta uma uniformidade da atividade interpretativa. Cita, por fim, que na hermenêutica contratual é muito mais intenso o entrelaçamento de relações entre os sujeitos de direitos colocados no plano de uma igualdade recíproca, exigindo critérios para correta composição dos interesses em litígio. (Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p. 88)
[17] DUARTE, Rui Pinto. A Interpretação dos Contratos. Coimbra: Ed. Almedina, 2016, ISBN: 9789724067520, p. 17.
[18] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Interpretação. AJURIS. v. 16, n. 45, p. 7-20, mar.1989.
[19] Como bem aponta António Ferrer Correia: “É sempre da real vontade que o juiz deve ir à procura, a fim de por ela determinar depois o conteúdo da declaração.” (Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 3ª Tiragem, Coimbra: Livraria Almedina, 1985, p. 160.
[20] In Interpretação Contratual, Editora Juruá, p.154
[21] Para maior aprofundamento sobre o tema artigo elaborado por Andre Nicolau Heinemann Filho com o tema: A atuação do juiz na interpretação e integração dos contratos. Revista de Direito Privado | vol. 37/2009 | p. 9 - 26 | Jan - Mar / 2009. Acesso em 16 out 2021. Disponível em https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9b0000017c896a41a94ea7fb04&docguid=I60bc3a40f25311dfab6f010000000000&hitguid=I60bc3a40f25311dfab6f010000000000&spos=24&epos=24&td=205&context=202&crumb-action=append&crumb-
label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1
[22] Häberle Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Mendes Ferreira, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p.34.
[23] Quanto ao equilíbrio, aponta Rui Duarte que tal regramento tem como finalidade – tão somente – garantir o equilíbrio das prestações em contratos onerosos nos casos de dúvidas e não possibilitar ao tribunal equilibrar contratos desequilibrados. Os desequilíbrios contratuais devem ser corrigidos por outras normas, que não a prevista no artigo 237°, pois não é esse o seu alcance. (A Interpretação dos Contratos, 2016, Coimbra: Ed. Almedina, p. 57).
[24] Nesse sentido Felipe Kirchner: “[...] mais importante ainda é a verificação de que enquanto na interpretação das leis o sujeito cognoscente trabalha com destinatários genéricos, na exegese contratual o intérprete deve quantificar o caráter absolutamente situado de determinados destinatários específicos”. (Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p. 89).
[25] A Interpretação dos Contratos, 2016, Coimbra: Ed. Almedina, p. 56.
[26] Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 3ª Tiragem, Coimbra: Almedina, 1985, p. 205.
[27] Cabe aqui um breve esclarecimento quanto à intenção; que deve ser entendida como desígnio comum, ou seja, o acordo bilateral de vontades realizado pelas partes e não o intento individual.
[28] Especialmente se considerada a extensão geográfica do Brasil – mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão, o que faz dele o 5º maior país do mundo; dividido em cinco regiões com 26 estados e um Distrito Federal (dados retirados do https://www.todamateria.com.br/resumo-geografia-brasil/, acesso em 16 out 2021).
[29] A Interpretação dos Contratos, 2016, Coimbra: Ed. Almedina, p. 64
[30] POTHIER. Robert Joseph. Tratado das Obrigações, tradução de Adrian Sotero de Witt Batista e Douglas Dias Ferreira, Campinas: Servanda Editora, 2001, p. 96/103.
[31] Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Mendes Ferreira, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 9.
[32] Nesse sentido Carlos Maximiliano: “A interpretação atém-se ao texto como a velha exegese; enquanto a Construção vai além, examina as normas jurídicas em seu conjunto e em relação à ciência e do acordo geral deduz uma obra sistemática, um todo orgânico [...]” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 21ª ed. P. 37).
[33] Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p. 176/177.
[34] Apud Felipe Kirchner. Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p.182.
[35] A Interpretação dos Contratos, 2016, Coimbra: Editora Almedina, p. 68.
[36] Rui Pinto Duarte aclara que “A integração negocial pressupõe uma lacuna (...), cujo preenchimento se opera segundo a seguinte ordem de precedências (art.° 239): norma legal imperativa ou supletiva, “vontade hipotética” harmonizável com os ditames da boa-fé; ditames da boa-fé.” (A Interpretação dos Contratos, Coimbra: Almedina, p. 78).
[37] Felipe Kirchner. Interpretação Contratual / Hermenêutica e Concreção, Curitiba: ed. Juruá, 2016, p. 192.
[38] Como se observa, o Código Civil português embora também normatize a lacuna legislativa em seu artigo 10° (integração das lacunas da lei: 1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema) é mais feliz que o brasileiro, pois traz norma de concretização especial aos contratos.
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo desde 2012. Doutorando em Direito pela FADISP. Mestre em Direito pela UNIMAR. Ex-Delegado de Polícia do Estado de Minas Gerais-PCMG-2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, DANIEL MAGALHAES ALBUQUERQUE. Interpretação e integração dos contratos – uma abordagem entre Brasil e Portugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2022, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58081/interpretao-e-integrao-dos-contratos-uma-abordagem-entre-brasil-e-portugal. Acesso em: 23 dez 2024.
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