CARLA HOLTZ VIEIRA
(orientadora)
RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar a prática da adoção no Brasil, sua evolução ao longo do tempo e suas principais características. Regulamentada principalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), a sistemática da adoção vem sendo alterada por leis mais recentes, como a Lei 13.509/17, buscando conferir maior celeridade ao processo e garantir o direito de crianças e adolescentes de serem criados no seio de uma família. Ainda assim, verifica-se que os números da adoção no país indicam a necessidade de melhorias nas leis e nas práticas jurídicas, além de políticas sociais e mudanças culturais para que as adoções alcancem maior sucesso, tanto para os adotantes quanto para os que são adotados.
PALAVRAS-CHAVE: Adoção. Lei 8.069/90. Lei 13.509/17.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA. PROBLEMA INVESTIGADO. METODOLOGIA. 1. A EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 2. A ADOÇÃO NO BRASIL: NÚMEROS E CARACTERÍSTICAS. 2.1 Estatísticas e perfis de adoção. 2.2 Os caminhos da adoção no Brasil. 3. OS PRAZOS ESTABELECIDOS NO ECA E SUAS RECENTES ALTERAÇÕES. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A palavra adoção vem do verbo adotar, que, por sua vez, tem origem no termo adoptare, do latim, e significa optar, decidir-se por; escolher (ADOÇÃO, 2012, p. 19). No Dicionário Houaiss, o conceito de adotar é “tomar (alguém) legalmente como filho, dando-lhe direitos” (ADOTAR, 2010, p. 16).
A prática da adoção se mostra presente desde os primórdios da história da humanidade, mas o objetivo do adotante nem sempre foi o mesmo ao longo do tempo. Encontram-se registros de adoções em Gênesis, na Bíblia, bem como no Código de Hamurabi, vigente na Babilônia entre 1728-1686 a.C, onde a adoção era vista como um contrato. No Código de Manu, por sua vez, a adoção tinha cunho eminentemente religioso. Tal documento foi redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. (RODRIGUES; LOPES, 2016).
Um dos exemplos mais conhecidos de adoção é a história de Moisés, que remonta, aproximadamente, ao ano de 1250 a.C. Naquela época, por ordem do faraó, todas as crianças israelitas do sexo masculino deveriam ser mortas ao nascer. A mãe de um desses meninos, entretanto, decidiu colocá-lo em um cesto à beira do rio, esperando que, assim, o filho sobrevivesse. A criança foi então encontrada pela filha do faraó, que o adotou e batizou como Moisés.
Na Roma Antiga, a adoção tinha motivação política. O instituto ganhou destaque pela necessidade de alguns reis de darem continuidade a suas dinastias. Alguns exemplos de filhos adotivos que se tornaram imperadores seriam Scipião Emiliano, César Otaviano, Calígola, Tibério, Nero e Justiniano.
Avançando à Idade Moderna, a adoção não era bem vista na Alemanha feudal. Além dos interesses dos senhores feudais muitas vezes conflitarem com eventuais direitos concedidos aos adotados, que eram em sua maioria plebeus, a igreja não apoiava a adoção. Isto se dava pelo fato de que os bens dos senhores feudais que morriam sem deixar descendentes muitas vezes eram destinados à igreja. Entretanto, em 1789, com a Revolução Francesa, a adoção voltou a ser discutida. No Código de Napoleão, de 1804, ela passou a ser tratada como um ato contratual, obtido após o consentimento das partes, um extenso trâmite processual e a avaliação de alguns requisitos, como idade mínima de 50 anos para o adotante, ausência de filhos biológicos, entre outros (RODRIGUES; LOPES, 2016).
Percebe-se que, ao longo do tempo, a adoção foi vista de formas distintas, sendo relacionada a ideais religiosos e até mesmo políticos. Embora seja associada, na maioria das vezes, à ideia de caridade, tal prática torna-se valorizada ou não de acordo com a cultura e o modo de pensar de cada época. A partir da Revolução Francesa, outras leis surgiram, até mesmo na França, para regulamentar a adoção. Entretanto, a legislação napoleônica pode ser considerada a maior influenciadora da cultura moderna relacionada ao assunto.
É importante ressaltar que, atualmente, a adoção é permitida em quase todas as legislações nacionais, apresentando características diversas em cada uma delas. Em comum, prevalecem principalmente o valor humanitário do ato e a garantia de melhores condições de vida para as crianças e adolescentes que dependem da adoção para o pleno exercício de seus direitos.
No Brasil, a legislação evoluiu ao longo dos anos para regulamentar a adoção, desde o Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16) até o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), conforme será visto adiante. A despeito de toda a evolução, as estatísticas referentes ao tema mostram que a legislação e toda a sistemática da adoção, desde as práticas jurídicas até as políticas sociais e a cultura da população, ainda têm muito a evoluir no país para que haja efetivamente o resguardo dos direitos das crianças e adolescentes que necessitam de uma família.
O objetivo deste trabalho é analisar a sistemática da adoção no Brasil. Para tanto, são estudadas as leis 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, 12.010/09, também chamada Nova Lei da Adoção, e 13.509/17, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente em artigos referentes a destituição do poder familiar, acolhimento, guarda e adoção.
No estudo específico da Lei 8.069/90 (ECA), mereceram destaque as obras Estatuto da Criança e Adolescente Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, de Francismar Lamenza (LAMENZA, 2012) e Estatuto da Criança e do Adolescente, de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2014) marcada pela riqueza doutrinária na análise da norma, sob os olhos da experiência do próprio autor. Em tal obra, Nucci buscou, além de tratar o tema de forma técnica, fazer uma contemporização da lei com a realidade apresentada pela sociedade brasileira.
No estudo específico da Lei 13.509/17, foi de grande valia a cartilha elaborada pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação (CAOPCAE), do Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR). No material, disponibilizado no site do MPPR, são comentadas todas as alterações provocadas pela referida norma no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda sobre a temática da adoção, sem deixar de percorrer a Lei 12.010/09, foram analisados artigos científicos e serviram de apoio os livros Adoção tardia: da família sonhada à família possível, de Marlizete Maldonado Vargas (VARGAS, 2013), Adoção, de Gina Khafif Levinzon (LEVINZON, 2013), e Adoção: significados e possibilidades, de Leila Dutra de Paiva (PAIVA, 2004). As obras trazem o histórico da adoção no Brasil, bem como das leis que regulamentaram tal prática ao longo do tempo, além de amplas discussões sobre o tema nos aspectos sociais e psicológicos.
Além da revisão bibliográfica mencionada, foram colhidos dados estatísticos sobre adoção no Brasil. Ao mostrar os números de adoções realizadas, bem como os de crianças e adolescentes que se encontram aguardando a adoção e os de pessoas cadastradas e habilitadas para adotar, buscou-se conhecer e analisar a sistemática das adoções no país, apontando problemas e eventuais soluções.
Os números da adoção no Brasil são muito discrepantes. Como será detalhado adiante, mais de 40 mil pessoas são habilitadas e cadastradas para adotar, enquanto pouco mais de 8 mil crianças e adolescentes encontram-se cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção para ser adotados. Esta realidade faz com que muitos deles cresçam em instituições de acolhimento, sem ter acesso à convivência familiar.
A Lei 8.069/90 (ECA) garante a todas as crianças e adolescentes o direito de serem criados no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, ou seja, uma família adotiva. Para tanto, alguns trâmites legais são necessários. Buscando agilizar este processo, a Lei 13.509/17 recentemente alterou prazos previstos no ECA.
O trabalho ora apresentado busca analisar a sistemática da adoção no Brasil, os números, os trâmites legais, os aspectos que funcionam bem e os que precisam melhorar. Para tanto, são percorridas questões como: Qual o perfil escolhido pelas pessoas que adotam e que desejam adotar? Qual o perfil das crianças e adolescentes disponíveis para adoção? A legislação dedicada ao tema é adequada à realidade do país? Todas as respostas a estas perguntas são fundamentais para se chegar à questão principal: O que pode ser feito para que os números da adoção sejam menos discrepantes no Brasil?
Para o desenvolvimento do trabalho, foi utilizado o método dialético. Primeiramente, através de pesquisa bibliográfica, por meio de leitura e fichamento de livros, artigos e periódicos, além da utilização de material audiovisual. Com essa pesquisa, vislumbrou-se o aprofundamento do conhecimento legal e doutrinário do tema proposto.
Após a conclusão da pesquisa e o estudo de todo o material encontrado, iniciou-se a confecção do trabalho em si, cuja redação privilegia a objetividade e a concisão, visando ao fácil entendimento por parte do leitor, sem prejuízo da riqueza da exposição do tema.
A partir da pesquisa exploratória e análise qualitativa das informações, buscou-se mostrar as principais características e especificidades da matéria em exame, bem como possíveis soluções para os problemas referentes à sistemática da adoção no Brasil.
1. A EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
No Brasil, a história da adoção tem um percurso extenso, encontrando-se registros desde a época da colonização. Naquele período, era comum encontrar filhos de terceiros nas casas de famílias mais abastadas. Eram os chamados “filhos de criação”, que muitas vezes constituíam-se como uma possibilidade de mão-de-obra gratuita, além de facultar a prática da caridade cristã. Não se verificava nestas relações qualquer preocupação ou cuidado com o “filho” adotivo, que mal alcançava o status de familiar, sempre recebendo tratamento e condições de vida diferenciados.
Este comportamento contribuiu para a perpetuação de vários mitos e preconceitos relacionados à adoção. Uma herança dessa prática de criar filhos alheios como se fossem próprios é a chamada “adoção à brasileira”, que se constitui na prática ilegal de registrar como filho uma criança nascida de outra pessoa, sem passar por qualquer trâmite legal.
Sob influência do modelo francês, o Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16) foi a primeira lei a tratar da adoção no Brasil. De acordo com o referido código, a adoção era permitida apenas a casais sem filhos e poderia ser revogada. Além disso, o adotando não perdia o vínculo com a família biológica. As primeiras alterações vieram em 1957, com a Lei 3.133/57, que dava a pessoas que já tinham filhos a possibilidade de adotar. Nestes casos, entretanto, o filho adotivo não teria direito a herança.
A partir de 1965 (Lei 4.655/65), o direito de adotar, antes reservado àqueles que eram casados, foi estendido às pessoas viúvas e aos desquitados. Mudanças significativas também ocorreram em relação ao adotando, caracterizando a chamada legitimação adotiva. Assim, o filho adotivo passava a ter praticamente os mesmos direitos dos filhos biológicos, com exceção dos direitos sucessórios, que ainda eram restritos, e o vínculo com a família biológica era automaticamente interrompido, o que gerava a irrevogabilidade da adoção. Contudo, a irrevogabilidade era relativa, pois se aplicava apenas aos casos de crianças de até 7 anos de idade ou quando a identidade dos pais biológicos era desconhecida.
A legitimação adotiva vigorou até 1979, quando a Lei 6.697/79, conhecida como Código de Menores, estabeleceu duas formas de adoção: a adoção simples, que envolvia crianças e adolescentes entre 7 e 18 anos que estivessem em situação irregular, e a adoção plena, na qual a criança adotada com até 7 anos de idade passava à condição de filho, sendo o ato irrevogável.
A Constituição da República de 1988 inovou o instituto da adoção, igualando a condição dos filhos adotivos à dos filhos biológicos. O art. 227, § 6°, prevê que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), de 13 de julho de 1990, consolidou a igualdade entre filhos adotivos e biológicos. Com o ECA, a adoção simples também foi abolida e os benefícios da adoção plena foram estendidos a todos os menores de 18 anos, garantindo a irrevogabilidade da adoção, o rompimento dos vínculos de parentesco com a família biológica e, acima de tudo, a condição de filho aos adotados, assegurando-lhes os mesmos direitos dos filhos biológicos. Além disso, o direito de adotar foi estendido a todas as pessoas maiores de 18 anos de idade, de qualquer estado civil, desde que haja diferença de pelo menos dezesseis anos entre o adotante e o adotado.
Se antes do ECA as leis valorizavam os “laços de sangue”, privilegiando os filhos biológicos em detrimento dos adotivos, com o Estatuto a maior preocupação passa a ser a garantia dos direitos e do bem-estar da criança ou adolescente adotado. Desde a sua promulgação, o Estatuto vem sofrendo alterações, sempre buscando melhorar o processo de adoção e garantir às crianças e adolescentes o direito de serem criadas no seio de uma família, seja biológica ou adotiva. Neste sentido, merecem destaque as leis 12.010/09 e 13.509/17, que alteram condições e prazos estabelecidos para o processo de adoção. Tais alterações serão analisadas em tópico específico.
2. A ADOÇÃO NO BRASIL: NÚMEROS E CARACTERÍSTICAS
2.1 Estatísticas e perfis de adoção
Segundo informações divulgadas em abril de 2018 pela TV Senado, aproximadamente 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos e casas de acolhimento institucional ou familiar no Brasil. Sabe-se que muitos deles permanecerão nessas instituições até atingirem a maioridade, enquanto outros terão a chance de ser adotados. Os números se tornam muito discrepantes quando são analisados os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Em consulta aos relatórios disponibilizados no site do CNA em maio de 2018, verificou-se que, do total de acolhidos ou abrigados, apenas 8.676 crianças e adolescentes estão cadastrados no CNA, sendo que somente 4.942 são considerados disponíveis para ser adotados. No outro extremo desse mesmo sistema, 43.643 pessoas estão cadastradas como pretendentes à adoção, sendo que 40.747 desses pretendentes encontram-se atualmente disponíveis. A diferença entre o número de cadastrados e disponíveis se dá por diversas razões, entre elas a vinculação entre adotandos e adotantes, ou seja, a existência de um processo de adoção que ainda não se concretizou, ou mesmo a indisponibilidade temporária de pretendentes habilitados.
Lançado em 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é um sistema de informações que consolida os dados de todas as Varas da Infância e Juventude do país sobre crianças e adolescentes disponíveis para adoção e pretendentes habilitados para adotar. A maior vantagem proporcionada pelo CNA é justamente a unificação dos dados, que permite que pessoas aptas à adoção na comarca em que residem fiquem habilitadas para adotar em qualquer outro lugar do país. Assim, reduz-se a burocracia e as crianças e adolescentes de uma região podem ser adotados por pretendentes de outra.
Para realizar o cruzamento dos dados e identificar possibilidades concretas de adoção, o CNA trabalha com perfis. As crianças e adolescentes disponíveis para adoção são cadastrados com informações como sexo, idade, raça, se possuem ou não doenças e/ou deficiências e se têm ou não irmãos. Da mesma forma, os pretendentes habilitados a adotar, ao preencherem seu cadastro durante o processo de habilitação, informam o perfil da criança ou adolescente que pretendem adotar. Tais informações são lançadas no CNA no momento em que os pretendentes são cadastrados.
É exatamente quando se busca realizar o cruzamento desses dados que as discrepâncias aparecem. Levando em consideração os números de crianças e adolescentes cadastrados, verifica-se que 54,32% delas são do sexo masculino e 45,68% são do sexo feminino. Entre os pretendentes à adoção, 27,36% aceitam adotar somente meninas, enquanto 8,51% aceitam adotar somente meninos.
Em relação à idade, a preferência dos adotantes é ainda mais perceptível: aproximadamente 20% dos pretendentes aceitam adotar crianças de até 3 anos de idade, por outro lado, menos de 1% aceita adotar adolescentes acima dos 12 anos. A realidade das crianças e adolescentes em situação de acolhimento é muito diferente dessa expectativa. Apenas 17,85% das crianças cadastradas têm 3 anos de idade ou menos, enquanto 37,76% dos cadastrados têm entre 13 e 17 anos. Se analisarmos os números ainda mais friamente, veremos que cerca de 80% dos que estão cadastrados para adoção são adolescentes e pré-adolescentes, mas a grande maioria dos pretendentes deseja adotar crianças entre 0 e 6 anos de idade. Os dados divulgados pelo CNA referentes ao ano de 2016 mostram, por exemplo, que, das 1.226 adoções de crianças e adolescentes realizadas no Brasil naquele ano, apenas 13 foram de adolescentes entre 15 e 17 anos.
Quando o critério é a raça, verifica-se que 92,22% dos pretendentes aceitam adotar crianças brancas, 80,94% aceitam crianças pardas e 53,3% aceitam crianças negras. Porém, uma porcentagem relativamente alta, 16,8% dos pretendentes habilitados, aceita adotar somente crianças brancas. A maioria considerável de crianças e adolescentes cadastrados para adoção, entretanto, é constituída por pardos (48,74%).
Outro dado relevante nos perfis dos candidatos à adoção diz respeito à existência de irmãos. A maioria das crianças e adolescentes cadastrados, precisamente 58,33%, possui irmãos. Por outro lado, 64,04% dos pretendentes habilitados não aceitam adotar irmãos. A dificuldade é grande em relação a este critério, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em alteração dada pela Lei 12.010/09, prevê em seu art. 28, § 4º:
Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.
Por fim, há que se considerar, ainda, o critério da saúde. Atualmente, 25,88% das crianças e adolescentes cadastrados no CNA possuem algum problema de saúde, sejam doenças congênitas, deficiências físicas ou mentais. Contudo, 63,09% dos pretendentes cadastrados declaram que só aceitam adotar crianças sem doenças.
Todos os números apresentados nos levam à difícil realidade vivenciada por crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional e familiar no Brasil. A espera pela adoção é longa e muitas vezes sequer se concretiza, o que faz com que milhares de crianças e adolescentes cresçam em programas de acolhimento, até atingirem a maioridade. A falta de flexibilidade na escolha dos critérios por parte dos pretendentes à adoção é o principal entrave para que grupos de irmãos, crianças e adolescentes com alguma doença e adolescentes com idade superior a 12 anos permaneçam em abrigos por muito mais tempo do que deveriam.
2.2 Os caminhos da adoção no Brasil
A adoção é regulamentada no Brasil pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo este o objeto de análise deste artigo, por se tratar de legislação específica, voltada à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
A Lei 8.069/90 (ECA) assim preleciona:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
A excepcionalidade de ser criado e educado em uma família substituta significa a possibilidade de ser adotado e significa, também, que serão feitas todas as tentativas possíveis para manter a criança ou adolescente no seio de sua família biológica (natural), ainda que com membros da família extensa. Para efeitos desta lei, família extensa ou ampliada é “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.”
Esgotadas as possibilidades de manutenção com a família biológica, é necessário que os vínculos jurídicos sejam rompidos para que a criança ou adolescente fique apto para adoção. Para tanto, forma-se um processo judicial de destituição do poder familiar. Ao longo da tramitação do processo são realizados estudos psicossociais, além de audiências com as partes envolvidas, objetivando a análise concreta de cada caso e a avaliação das condições dos genitores em assumir e/ou manter os cuidados com os filhos, ofertando-lhes sustento, guarda e educação. Comprovada a ausência de oferta desses cuidados, ou seja, o descumprimento injustificado dos deveres e obrigações previstos no art. 22 do ECA, o poder familiar é destituído e os pais perdem os direitos e também deixam de ter deveres em relação àquele filho. A destituição do poder familiar normalmente decorre da violação dos direitos das crianças e adolescentes, que são negligenciados ou sofrem maus-tratos e abusos no seio da própria família, muitas vezes desestruturada econômica, social e emocionalmente.
Outra possibilidade de uma criança ser colocada em adoção ocorre quando uma gestante ou mãe manifesta o desejo de entregar o filho. Tal situação é prevista no art. 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura que a gestante ou mãe seja ouvida, assim como o genitor, caso seja indicado. A lei prevê, ainda, que a família extensa seja procurada, por até 90 dias, para que se manifeste sobre eventual interesse em ficar com a criança. Após o nascimento, a mãe e o pai, se for indicado, deverão ser ouvidos novamente em audiência. Mantendo-se o desejo de entregar a criança para adoção, o poder familiar será extinto.
O termo adoção aparece expressamente no art. 28 da Lei 8.069/90: “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.” A parte final do artigo garante que a criança ou adolescente possa conviver com uma família adotiva ainda que sua situação jurídica não esteja definida, ou seja, que o poder familiar não tenha sido extinto ou destituído. Isto possibilita que o adotando deixe de viver em situação de acolhimento mais rapidamente, contudo a adoção só pode ser efetivada legalmente após a regularização da situação jurídica do menor.
O instituto da adoção encontra-se amplamente previsto na Subseção IV do ECA, nos artigos 39 a 52, onde são expressas todas as condições e impedimentos relacionadas ao ato. Reforçando a ideia de que a criança ou adolescente deve ser mantida no seio da família de origem - já apresentada no art. 19, § 3° - o art. 39, § 1°, preleciona:
A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
No outro extremo do caminho da adoção, encontram-se os pretendentes a adotar. De acordo com a lei, podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, sendo necessário que o adotante seja pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotando. Além disso, os ascendentes e os irmãos do adotando são impedidos de adotá-lo e, para adoção conjunta, é necessário que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável reconhecida.
Para realizar uma adoção é preciso um processo judicial. O interessado em adotar deve fazer uma petição na Vara da Infância e Juventude da comarca em que reside. Será formado um processo de habilitação para adoção. O candidato participará, então, de um curso de preparação psicossocial e jurídica, cuja presença é obrigatória. Cada comarca estabelece a duração e o tipo de curso que será oferecido. Após, o candidato será submetido a avaliação psicossocial, com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional. Durante a entrevista técnica, o pretendente descreverá o perfil da criança desejada. É possível escolher o sexo, a raça, a faixa etária, o estado de saúde e se está ou não disposto a adotar grupos de irmãos. O resultado da avaliação será encaminhado ao Ministério Público e ao Juiz da Vara da Infância e Juventude. Com base no laudo da equipe técnica e no parecer do Promotor de Justiça, o Juiz dará sua sentença. Sendo esta favorável, o pretendente será incluído no Cadastro Nacional de Adoção. A partir da inclusão, passa a constar na fila de adoção do estado de origem e aguarda até que uma criança ou adolescente com o perfil escolhido durante o processo de habilitação esteja disponível para ser adotado.
Se uma criança ou adolescente compatível com o perfil escolhido pelo pretendente estiver disponível para adoção, o candidato será informado e, se desejar, poderá conhecer o menor. Se houver o desejo de continuar com o processo de adoção, terá início o estágio de convivência, que, de acordo com o ECA, poderá durar até 90 dias. Neste estágio, supervisionado por equipe técnica, será verificada a formação do vínculo entre adotante e adotando. Se o relacionamento der certo, o pretendente deverá ajuizar a ação de adoção. Com isso, receberá a guarda provisória, com duração até o final do processo, e o adotando poderá morar com a nova família. A convivência ainda será monitorada por equipe técnica do Poder Judiciário, através de visitas domiciliares. A opinião do adotando sempre será considerada, na medida do possível, sendo o consentimento obrigatório quando o mesmo for maior de 12 anos. Ao ser concluído o processo, com sentença favorável do Juiz pela adoção, será lavrado novo registro de nascimento da criança ou adolescente. A partir de então, o adotado passa a ter todos os direitos de um filho, sem qualquer distinção em relação a um filho biológico. A lei prevê expressamente em seu art. 41: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.”
É possível observar que o trâmite da adoção ainda é longo no Brasil. A burocracia, a falta de condições e de pessoal no Poder Judiciário, a tentativa de manutenção das crianças e adolescentes no seio da família natural, são apontadas como principais causas da demora do processo como um todo. É justamente a percepção dessa demora que faz com que muitas pessoas desistam de adotar. Outro problema decorrente desse pensamento é que se verifica com certa frequência no país a realização de adoções ilegais. Ainda hoje, sabe-se que muitas pessoas optam por realizar a adoção de bebês fora dos trâmites legais, na chamada “adoção à brasileira”, já mencionada anteriormente.
No livro Adoção tardia – da família sonhada à família possível, Marlizete Maldonado Vargas expõe a dura realidade percebida no país:
No Brasil, a adoção existiu, principalmente, marginal aos processos legais e escapando às estatísticas. Segundo Costa (1988), a prática, denominada de “Adoção à brasileira”, ocorria em 90% das adoções que se concretizavam no país até 1988, ou seja: pessoas de qualquer estado civil registravam como próprias, legítimas, os filhos de outros. Os argumentos para tal prática estavam, geralmente, apoiados no excesso de burocracia imposto pela legislação vigente até 1989. (VARGAS, 2013, p. 25)
Com a evolução das leis e a criminalização da prática da “adoção à brasileira”, o número de adoções legais vem aumentando ao longo do tempo. O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe grandes avanços na regulamentação do processo de adoção, mas, como já mencionado, a legislação ainda precisa evoluir para assegurar às crianças e adolescentes o direito à convivência familiar. Com este objetivo, alterações vêm sendo feitas para melhorar os prazos previstos na lei.
3. OS PRAZOS ESTABELECIDOS NO ECA E SUAS RECENTES ALTERAÇÕES
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em conjunto com o Código Civil, disciplina todos os aspectos da adoção no Brasil. Desde a promulgação, em 1990, o ECA sofreu alterações por meio de leis específicas, para que as normas se adaptassem melhor à realidade do país e para que crianças e adolescentes em situação de acolhimento tivessem maiores chances de reintegração à família de origem ou de colocação em família adotiva.
As principais alterações no ECA se deram com a Lei 12.010/09 e, recentemente, com a Lei 13.509/17. Em 2009, a Lei 12.010/09 regulamentou todo o processo de adoção e acrescentou parágrafos ao ECA, estabelecendo prazos para que crianças e adolescentes permanecessem em acolhimento, seja institucional ou familiar, além de prazos para que eles tivessem sua situação reavaliada. Foram modificações importantes, uma vez que tais previsões não existiam no ECA e crianças e adolescentes muitas vezes ficavam esquecidos nos abrigos e casas de acolhimento. Em relação ao prazo para reavaliação da situação do acolhido, Guilherme de Souza Nucci assevera que “este prazo é demonstrativo, por si só, de uma das mais graves falhas deste Estatuto: a ausência de responsabilidade das autoridades e técnicos envolvidos na vida da criança e do adolescente, cuja família natural se encontra desestruturada e sem condições de tê-lo consigo” (NUCCI, 2014, p. 103). Para Francismar Lamenza, ambos os prazos “obrigam o Juízo a manter alimentado o processo de acompanhamento da situação do acolhido, evitando, assim, o indevido esquecimento daquele caso em especial” (LAMENZA, 2012, p. 29).
A mais nova lei a alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente foi a Lei 13.509/17, de novembro de 2017. Além de estabelecer novos prazos para situações que antes não estavam previstas, as principais alterações provocadas pela referida norma foram a redução dos prazos estabelecidos pela Lei 12.010/09. Desta forma, o Art. 19, §2º, que previa que uma criança ou adolescente poderia permanecer em programa de acolhimento institucional pelo prazo máximo de dois anos foi modificado e o prazo máximo de permanência no acolhimento passou a ser de um ano e seis meses. Entretanto, permanece a ressalva de que tal permanência pode se prolongar, caso comprovada necessidade que atenda ao interesse do acolhido, sendo esta devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. Na prática, esta alteração tem pouco impacto, uma vez que o acolhimento normalmente se estende por prazo bem superior a dois anos.
Uma alteração relevante trazida pela Lei 13.509/17 é a redução do prazo para reavaliação da situação dos acolhidos. O Art. 19, §1º, previa que tal avaliação deveria ser feita a cada seis meses, o que é considerado pela maioria dos especialistas como um período longo na vida de uma criança ou adolescente acolhido. Atualmente, a lei preleciona:
Art. 19, §1º - Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 3 (três) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou pela colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.
Esta alteração chegou a ser vetada pelo presidente Michel Temer, sob a alegação de que o novo prazo sobrecarregaria os técnicos dos serviços de acolhimento do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Contudo o veto foi derrubado pelo Congresso e a modificação passou a vigorar. Ainda não é possível avaliar seus efeitos práticos, uma vez que a derrubada do veto e consequente publicação ocorreu em fevereiro de 2018, mas é certo que a situação das crianças e adolescentes acolhidos precisa ser revista com periodicidade regular e em intervalos de tempo curtos, para que se possa providenciar a reinserção familiar ou a adoção dos mesmos de maneira mais célere.
Alguns dos prazos instituídos pela Lei 13.509/17 dizem respeito à adoção de recém-nascidos, especialmente nos casos em que a gestante ou mãe manifesta o desejo de entregar o filho à adoção. Além de estabelecer um fluxo para oitiva da genitora e para manifestação da mesma e do genitor, quando indicado, a lei prevê que a família extensa será procurada para se manifestar pelo prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período. Na hipótese de entrega da criança, sob guarda, a pessoa cadastrada no CNA, o detentor da guarda terá o prazo de 15 dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência. A lei também prevê a possibilidade de desistência dos genitores em entregar a criança à adoção. Após o nascimento, caso a desistência seja manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional, ainda que a criança já esteja sob a guarda de pretensos adotantes, a mesma será mantida com os genitores e o acompanhamento familiar será realizado pelo prazo de 180 dias.
Um dos dispositivos polêmicos, que também chegou a ser vetado pelo presidente da República, prevê que os recém-nascidos e crianças acolhidas que não forem procuradas por suas famílias no prazo de 30 dias, contado do dia do acolhimento, serão cadastradas para adoção. O prazo foi considerado exíguo na justificativa do veto, além de ser conflitante com o prazo de 90 dias, estabelecido para procura da família extensa. Mesmo com a derrubada do veto, este dispositivo não deve ser aplicado automaticamente, uma vez que também viola a parte do ECA que trata da destituição do poder familiar, estabelecendo uma forma de colocação da criança em adoção sem que haja o devido processo legal em relação aos genitores. A questão é polêmica: se por um lado tenta-se acelerar o processo de adoção, por outro esbarra-se na previsão legal do processo de destituição familiar, no qual é garantido o contraditório e a ampla defesa aos genitores, mas que, como visto anteriormente, pode tramitar por longos anos.
Uma inovação importante trazida pela Lei 13.509/17 é o estabelecimento de um prazo máximo para duração do processo de adoção, o que garante maior celeridade na tramitação do mesmo. Segundo o art. 47, §10: “O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.”
O art. 101, §10, também foi alterado com o objetivo de garantir celeridade à tramitação do processo de destituição do poder familiar. O prazo para que o Ministério Público ajuíze a ação passou de 30 para 15 dias, a partir do recebimento de relatório que identifique a violação de direitos das crianças e adolescentes. Contudo, permanece a ressalva que garante maior prazo caso o Órgão de Execução entenda necessária a realização de estudos complementares ou de outras providências indispensáveis ao ajuizamento da demanda.
Além do estabelecimento de todos estes prazos, a Lei 13.509/17 conferiu prioridade ao cadastro de pretendentes à adoção que tenham interesse em adotar crianças e adolescentes com doenças crônicas ou deficiências e que tenham interesse em adotar grupos de irmãos, oportunizando maior celeridade nestes tipos de adoção. É importante ressaltar, ainda, que a referida lei incluiu um dispositivo que assegura que, em caso de conflito entre os direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive os pais biológicos, prevalecerão os direitos e interesses do adotando.
Os números mostram que a conta da adoção no Brasil está longe de ser exata. Pouco mais de 8 mil crianças e adolescentes cadastrados para adoção e mais de 43 mil pretendentes habilitados para adotar. Os perfis escolhidos pelos pretendentes e a lentidão na tramitação de processos judiciais podem ser apontados como as principais causas para que crianças e adolescentes cresçam em instituições de acolhimento, sem ter a chance de ser adotados.
O rompimento dos vínculos jurídicos e afetivos entre genitores e filhos é uma medida extrema e não se espera nem se defende que ele seja realizado de forma inconsequente, objetivando apenas a celeridade do processo. Entretanto, a tramitação de ações de destituição de poder familiar por longos anos faz com que muitas crianças passem a vida em situação de acolhimento e se tornem adolescentes nos abrigos, atingindo uma idade na qual terão poucas chances de ser adotados e, muitas vezes, atingindo a maioridade, ocasião em que são obrigados a deixar as casas de acolhimento e se tornar plenamente responsáveis por sua vida.
A diminuição dos prazos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para permanência em programas de acolhimento, bem como para reavaliação da situação dos acolhidos, é uma importante iniciativa para acelerar os processos de adoção ou mesmo a reinserção familiar destas crianças e adolescentes. Ainda é cedo para uma avaliação concreta, tendo em vista que as alterações promovidas pela Lei 13.509/17 são muito recentes, mas as modificações terão pouco resultado se não houver o devido aparelhamento do Poder Judiciário e dos serviços de acolhimento institucional do SUAS, com a disponibilização de servidores e profissionais técnicos de Assistência Social e Psicologia. O elevado número de processos judiciais nas Varas da Infância e Juventude e a escassez de pessoal para garantir o regular andamento dos feitos, assim como o reduzido número de assistentes sociais e psicólogos para atender a demanda das instituições de acolhimento faz com que os prazos previstos em lei não sejam cumpridos ou que as avaliações dos acolhidos sejam apenas repetições de relatórios já elaborados, sem qualquer aprofundamento e sem que sejam fornecidas informações capazes de embasar as decisões judiciais pela manutenção do acolhimento, colocação em adoção ou reinserção familiar.
Da mesma forma, a previsão legal de manutenção das crianças e adolescentes com a família de origem, sendo a adoção considerada como uma medida extrema, carece de apoio do Poder Público. Manter uma criança ou adolescente com sua família natural nem sempre é possível sem a existência de políticas públicas que possibilitem o mínimo de dignidade àquela família, muitas vezes marcada pela hipossuficiência econômica e social. São necessárias políticas públicas de saúde, que possibilitem o tratamento e a prevenção da dependência química, bem como de assistência social, que garantam condições dignas de subsistência e assistência a famílias em situação de risco e de vulnerabilidade social. Além disso, é imprescindível o investimento em educação, para que sejam garantidas vagas em creches e escolas para todas as crianças e adolescentes em idade escolar e para que o acesso à qualificação profissional e ao mercado formal de trabalho aumente as possibilidades de uma vida digna, afastando-os de diversos tipos de vulnerabilidades.
Outra questão muito importante é trabalhar a flexibilidade dos perfis escolhidos por pretendes à adoção. De maneira geral, a maioria deseja adotar crianças brancas, saudáveis, com até 3 anos de idade e que não tenham irmãos. Todavia, pouquíssimas crianças disponíveis para adoção se encaixam neste perfil. A grande maioria é parda ou negra, tem mais de 6 anos e possui irmãos, que, na medida do possível, não devem ser separados pela adoção. Para que estas crianças e adolescentes tenham a chance de ser adotados, é necessário incentivar a chamada adoção tardia, considerada, de forma geral, como aquela em que são adotadas crianças maiores de 2 anos de idade. Mas o conceito vai muito além disso, pois envolve também o caso de crianças que são abandonadas ou que perdem os pais tardiamente, sendo consideradas por estudiosos como crianças “idosas”. Esta modalidade de adoção é menos frequente, como já mencionado nas estatísticas anteriores. A criação de projetos e a própria conscientização da população têm contribuído para aumentar o número de adoções tardias no Brasil, mas esta prática ainda precisa ser incentivada.
O projeto “O Ideal é Real – Adoções Necessárias”, da Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro), é um exemplo das recentes iniciativas voltadas a estimular a mudança de perfil na adoção de crianças e adolescentes. Lançado em 2017, o projeto tem como objetivo criar estratégias para promover o encontro entre crianças e adolescentes acolhidos e pretendentes à adoção. Com esta aproximação, a expectativa é que ocorram mais adoções de crianças com mais de 3 anos de idade, de adolescentes, de grupos de irmãos e de crianças e adolescentes com problemas de saúde.
É preciso, portanto, que as leis, as políticas públicas e a sociedade caminhem juntas para que a sistemática da adoção possa funcionar melhor no Brasil. A realidade atual nos mostra, principalmente por números, que ainda são necessárias alterações legais, esforços do Poder Público e mudanças culturais para garantir a muitas crianças e adolescentes o direito a uma vida digna e à plena convivência familiar.
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Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli. Servidora pública no Ministério Público de Minas Gerais
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RESENDE, Evie Saramella de. Reflexões sobre a adoção no Brasil – o caminho de quem espera por uma família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 fev 2022, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58098/reflexes-sobre-a-adoo-no-brasil-o-caminho-de-quem-espera-por-uma-famlia. Acesso em: 23 dez 2024.
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