ANDRÉ MACHADO DE SOUZA
(Coautor)[1]
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar as práticas de mediação na Justiça do Trabalho. Abordando a vocação conciliatória, objetiva-se diferenciar os institutos conciliação e mediação e avaliar se o que se põe em prática é efetivamente uma mediação pura, avaliando os possíveis caminhos e adaptações que a Justiça do Trabalho pode implementar em busca da melhoria do sistema.
Palavras-chave: Mediação. Justiça do Trabalho. Cejusc-JT. Novos horizontes.
Abstract: This article aims to analyze mediation practices in the Labor Court. Addressing the conciliatory vocation, the objective is to differentiate between the institutes of conciliation and mediation and to assess whether what is put into practice is actually pure mediation, evaluating the possible paths and adaptations that the Labor Court can implement in search of improvement.
Keywords: Mediation. Labor Court. Cejusc-JT. New Horizons.
Sumário: Introdução: A Justiça do Trabalho e sua vocação conciliatória. 1. Mediação e Conciliação. Diferenças essenciais. 2. Os Cejusc’s e a mediação típica trabalhista. 3. Conclusão
INTRODUÇÃO: A JUSTIÇA DO TRABALHO E SUA VOCAÇÃO CONCILIATÓRIA
A análise das práticas de mediação na Justiça do Trabalho passa necessariamente por uma prévia introdução acerca das características específicas deste ramo de justiça especializado, a fim de bem contextualizar o tema. Não se pretende uma análise profunda da história do ramo, porém alguns pontos merecem ser destacados para bem compreender o cenário atual da mediação trabalhista, termo que adotaremos por questões didáticas, a despeito da crítica que se pretende construir.
A Justiça do Trabalho origina-se de um movimento de aglutinação das diversas leis trabalhistas esparsas, culminando na formação de um órgão com vínculo ao Poder Executivo para tratar das demandas que envolvam empregados e empregadores. Sua história no Brasil é muito recente, pois até as primeiras duas décadas do século passado o que se aplicava às relações que hoje conhecemos como relações empregatícias era o direito Civil (mais especificamente as regras do contrato de locação de serviços).
É evidente que o processo de eclosão da Justiça do Trabalho é mais complexo que este breve apontamento inicial, mas para o que nos interessa ao estudo que aqui pretendemos desenvolver, esta faceta da origem da Justiça do Trabalho é o ponto mais importante a ter em mente.
O sistema idealizado por Getulio Vargas, seguindo os passos do sistema então vigente na Itália facista, resolvia as demandas em um órgão colegiado misto, formado por um Juiz togado e dois Juízes leigos (normalmente indicados pelos sindicatos dos empregados e empregadores).
Os professores Amauri Mascaro Nascimento, Ives Gandra da Silva Martins Filho e Irany Ferrari, no livro História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, nos dão os exatos contornos desta embrionária Justiça do Trabalho:
As JCJ eram compostas por um presidente “estranho aos interesses profissionais” (advogado, magistrado ou funcionário, nomeado pelo Ministro do Trabalho) e dois vogais, representando os empregados e os empregadores (nomeados pelo Diretor-Geral do DNT, dentre os nomes que lhe eram encaminhados pelos sindicatos), tendo, portanto, nas suas origens, representação classista paritária. Visando estimular a sindicalização dos trabalhadores, era reconhecido apenas aos empregados sindicalizados o jus postulandi perante as Juntas. Os demais trabalhadores deveriam recorrer à Justiça Comum, para a solução de suas demandas, com os sacrifícios próprios de uma Justiça lenta e onerosa.[2]
Essa estrutura peculiar já nos dá os claros contornos de uma entidade que tende a preferir a solução consensual à sentença, especialmente pela opção dos juízes leigos e da vinculação externa à estrutura matriz do Poder Judiciário.
Os professores, na mesma obra, deixam claro que nos primórdios a Justiça do Trabalho claramente não tinha qualquer vocação para julgar:
“A ausência, nos alvores da Justiça do Trabalho, de qualquer processo seletivo de caráter técnico para a escolha dos magistrados do trabalho comprometia sobremaneira a qualidade das sentenças e acórdãos prolatados, em comparação com as decisões da Justiça Comum, ao ponto de ter havido sugestão de edição de normas regulamentadoras da forma de redação das decisões trabalhistas, pois sequer traziam os nomes dos juízes que haviam participado dos julgamentos nos colegiados e as posições sustentadas (se vencidos ou vencedores).[3]”
Neste caminho, a Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), em seu texto original de 1943 já prescrevia:
Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.
§ 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.
§ 2º - Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título.
§ 3º - É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório.”
A solução conciliatória sempre foi o caminho escolhido, ao ponto de serem obrigatórias duas propostas conciliatórias, a primeira logo à abertura da audiência (artigo 846 da CLT) e a segunda após o encerramento da instrução e apresentação das razões finais (artigo 850 da CLT), sendo passível de nulidade o processo que deixar de propiciar aos litigantes tais dois momentos de conciliação.
Evidencia-se, desta forma, que a Justiça do Trabalho é por natureza a Justiça que busca soluções conciliatórias.
A extinção das antigas Juntas de Conciliação de Julgamento e afastamento do Poder Executivo, hoje Varas do Trabalho integrantes do Poder Judiciário, não fez retirar desta Justiça Especializada a vocação conciliatória.
É de se ponderar que o sistema jurídico brasileiro, até por volta do ano 2000, não tinha como característica o incentivo à conciliação, temática que ficava quase que restrita à Justiça do Trabalho.
Sobre essa questão, Victor Ramos Rodrigues destaca que:
Percebe-se, pois, que os preceitos criados pelo CPC/73 para o procedimento conciliatório, e quase inexistente para a mediação, se mostravam insuficientes e com resultados praticamente irrisórios, não servindo para reduzir a litigiosidade de partes, advogados, juízes e promotores no país. Somente nos Juizados Especiais, em que a celeridade pretendida pela Lei 9.099/95 se perdeu em razão do imenso número de processos que passou a abarrotar essas justiças especiais, é que se criou as excêntricas figuras do “Conciliador” e do “Juiz Leigo”, que possuem poderes inferiores aos Juízes togados, mas suficientes para presidir as audiências de conciliação, aumentando assim a mão de obra disponível para a realização dessas audiências, no intuito de recuperar a celeridade de tais processos.[4]
Neste ponto, aparece como crucial a diferenciação entre os meios consensuais de solução de litígios existentes no nosso ordenamento e hoje mais difundidos na prática forense, em especial a mediação e a conciliação, que serão melhor analisados e diferenciados mais adiante.
O que convém abordar, ainda em sede introdutória, é o caminhar da Justiça do Trabalho em direção à mediação e à conciliação para cada vez mais ofertar às partes novas portas para solução dos litígios.
No ano de 2010 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu um importante passo para a cultura de mediação no seio dos órgãos do Poder Judiciário. Foi através da Resolução 125/2010, com vista à Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, que o CNJ determinou a criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) nos Tribunais, que seriam por sua vez responsáveis pela instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc).
Segundo Rodrigues:
Um dos principais objetivos dessa Resolução foi o de tentar incentivar e, ao mesmo tempo, padronizar os procedimentos e órgãos de conciliação que deveriam se integrar ao Judiciário com a função de colaborar para o alcance de soluções aos litígios judiciais, bem como o de criar um Código de Ética para os Conciliadores e Mediadores e conteúdo pedagógico para os cursos de formação desses profissionais.[5]
Especificamente no âmbito da Justiça do Trabalho tivemos a Resolução 174 do ano de 2016, a cargo do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), norma que cuida da estrutura dos órgãos envolvidos no Tratamento Adequado de Disputas trabalhistas.
Pela primeira vez falava-se abertamente no uso da Mediação no âmbito da Justiça do Trabalho, a ser realizada por mediadores supervisionados por um Juiz especialmente designado para atuar no setor.
Era um grande passo para a Justiça do Trabalho, que sempre teve juízes que concentravam muito poder sobre o processo e tinham uma certa resistência a soluções consensuais realizadas longe de seus olhos, uma espécie de apego à solução estatal imposta.
Com essa postura chegou-se ao extremo da rejeição plena e integral das Câmaras de Conciliação Prévia, regulamentadas pela lei 9.958/2000, uma tentativa frustrada de criar um primeiro estágio obrigatório antes da demanda trabalhista para solucionar de forma consensual as demandas.
A evolução do sistema legislativo continuou com a edição do novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação (13.140/2015), ambos do ano de 2015, firmando de uma vez por todas um sistema composto por diversas ferramentas para se alcançar o resultado final de uma boa jurisdição (o chamado sistema multiportas). Neste sentido:
Fato é que o Novo Código de Processo Civil também foi um marco para a real instituição do sistema denominado de “Multiportas”, ou seja, o da previsão de múltiplas possibilidades de solução de conflitos sociais, que não aquele exclusivamente dependente do Estado-Juiz. [6]
Finalmente tínhamos uma codificação voltada a incentivar as soluções consensuais dos conflitos, abrindo caminho para ferramentas que certamente podem trazer um ganho de qualidade e efetividade na jurisdição estatal.
Mas, infelizmente a prática ainda engatinha no sistema multiportas, sendo necessário repensar muitos dos atuais padrões que modulam o funcionamento e atuação dos Cejusc’s, seus conciliadores e mediadores.
1. Mediação e Conciliação. Diferenças essenciais.
Embora para o leigo mediação e conciliação possam parecer sinônimos, em verdade são institutos distintos. Podemos dizer que os grandes diferenciadores dos institutos são a posição do facilitador e a facultatividade de participação nas sessões.
Isto porque, na Conciliação (que é o método mais utilizado no decorrer do processo) o terceiro facilitador (o Juiz ou conciliador) adota posição mais ativa, sendo lícito formular propostas, argumentar com as partes as vantagens da conciliação em oposição ao prosseguimento do feito, apresentar estatísticas sobre os resultados de processos iguais ou semelhantes, tudo em vista da pacificação social e, porque não, da obtenção do resultado útil para o processo aos olhos do estatístico (a baixa do processo por acordo).
Já na mediação, o terceiro facilitador, que também é neutro e imparcial como na conciliação, deve atuar de forma predominante na facilitação do diálogo, colaborando com as partes para que estas construam de forma autônoma e solidária a melhor solução para o conflito já instaurado.
Sobre o tema o professor Luiz Antônio Scavone Júnior bem observa que:
Evidentemente, há confusão de conceitos na exata medida em que a lei que trata da mediação menciona proposta de acordo “apresentada pelo mediador” quando essa atividade não se adéqua à atividade de mediação. [7] sem destaques no original.
Ao tratar da atividade desenvolvida pelo conciliador, o professor Cahali explica que:
O conciliador intervém com o propósito de mostrar às partes as vantagens de uma composição, esclarecendo sobre os riscos de a demanda ser judicializada. Deve, porém, criar ambiente propício para serem superadas as animosidades. Como terceiro imparcial, sua tarefa é incentivar as partes a propor soluções que lhes sejam favoráveis. Mas o conciliador deve ir além para se chegar ao acordo: deve fazer propostas equilibradas e viáveis, exercendo, no limite do razoável, influência no convencimento dos interessados.[8]
Ainda apartando a conciliação da mediação, Cahali nos ensina que:
(...)para marcar as suas diferenças com a conciliação, anote-se que neste método haverá uma profunda investigação do terceiro sobre a inter-relação das partes e a origem do conflito. Em consequência desse exame profundo do vínculo havido entre as partes pelo mediador, a mediação costuma representar um procedimento mais longo,em que, às vezes, são necessárias diversas sessões de Mediação para que as partes consigam restabelecer o diálogo perdido. O foco na mediação é o conflito, e não a solução. Na conciliação percebe-se o contrário: o foco é a solução, e não o conflito. E com tratamento às partes, pretende-se na mediação o restabelecimento de uma convivência com equilíbrio de posições, independentemente de se chegar a uma composição, embora esta seja naturalmente desejada. [9]
Extremamente didática e muito elucidativa a observação do professor Cahali quanto à necessidade do mediador investigar a fundo a relação externa aos autos do processo que vincula as partes para efetivamente chegar à origem do conflito e criar as condições necessárias à conversa das partes no caminho comum do acordo.
Ainda, precisamos pontuar que a conciliação é medida que pode ser imposta às partes (como de fato o é em alguns procedimentos do CPC e como de fato é na Justiça do Trabalho, em que o momento conciliatório é obrigatório e pode gerar inclusive nulidade sua omissão), já quanto à mediação ninguém pode ser forçado a participar ou permanecer em um procedimento de mediação.
Neste sentido o professor Luiz Antônio Scavone Júnior explica que:
O conciliador tenta demover as partes a solucionar o conflito acatando suas ponderações e alternativas para a resolução do conflito, que, entretanto, depende da anuência das partes. A mediação, sempre voluntária, é definida nos termos da justificativa do projeto que resultou na Lei 13.140/2015, como “o processo por meio do qual os litigantes buscam o auxílio de terceiro imparcial que irá contribuir na busca pela solução do conflito”. Esse terceiro não tem a missão de decidir, mas apenas auxiliar as partes na obtenção da solução consensual.
É preciso observar que a mediação é sempre voluntária, a teor do §2º do art. 2º da Lei 13.140/2015, segundo o qual “Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”. A participação na conciliação, contudo, pode ser compulsória, notadamente na modalidade judicial, nos termos do art. 334 do CPC, que impõe ao juiz a determinação da audiência.[10]
De se destacar que o mediador tem importante papel na neutralização do conflito externo ao processo que vincula as partes, conflito este geralmente de fundo emocional e que se coloca como uma verdadeira barreira à predisposição para o acordo.
Tanto assim que o Código de Processo Civil, ao tratar dos Cejusc’s, apresenta no artigo 165 que a utilização da mediação se dará “preferencialmente quando houver vínculo social anterior prolongado entre as partes”. Diga-se, esta é exatamente a regra nos contratos de trabalho.
Muito possivelmente o maior entrave para a prática de mediação pura no Poder Judiciário seja justamente o foco da mediação, que como bem apontou o professor Cahalli, está no conflito e não propriamente em sua solução. Como analisaremos mais adiante, esta essencial função do mediador atualmente não é possível na prática processual, por diversas razões.
2. Os Cejusc’s e a mediação típica trabalhista.
Os Cejusc’s, primeiramente criados pela Resolução 125 do CNJ, são centros de solução de conflito e cidadania que, embora responsáveis pela inclusão da mediação na realidade do Judiciário brasileiro, apresentam em sua essência um grande equívoco, no nosso entender.
É elementar que dentro da política de tratamento adequado dos conflitos era de bom grado trazer para o Judiciário novas portas para a solução consensual. Mas, possivelmente a idealização dos Cejusc’s como centros de conciliação e mediação tenha sido uma política judiciária que mereça ressalvas.
Isto porque, considerando que o movimento conciliatório tem espaço em qualquer momento do processo e se realiza essencialmente diante do Juiz (na seara trabalhista, especialmente), a cultura e iniciativa dos Cejuscs acaba prejudicada pela mistura de institutos.
Criou-se um hábito no âmbito da Justiça do Trabalho de se apoiar muito na figura do Juiz para se chegar à conciliação. É rotina nas mesas de audiência que as partes questionem o Juiz acerca da existência de uma “proposta do Juízo”, o que inclusive muitas vezes é levado em consideração pelas empresas para chegar ao valor do acordo.
E, convenhamos, com muita matéria controvertida e sem ter a real dimensão do que nas alegações das partes corresponde à realidade fática vivenciada no contrato de trabalho, a “proposta do Juízo”, via de regra, é um mero esforço de argumentação matemática.
Sobre essa atuação, bem pondera Rodrigues ao constatar que “por mais que a legislação permita ao conciliador brasileiro sugerir soluções para o litígio, percebe-se a falta de instrumentos para que ele realmente tenha um papel ativo e de grande utilidade para o alcance da composição amigável.”[11]
Ora, por mais atento que o Juiz seja, sempre há no processo um conjunto de pedidos cuja quantificação para fins de proposta de acordo é algo que quando muito se consegue estimar com uma margem de erro gigantesca.
Talvez o momento correto, ou o melhor momento dentre aqueles disponíveis no processo, do Juiz adentrar ao mérito das propostas para formular uma proposta efetiva do Juízo seria na segunda tentativa conciliatória, quando já colhidas as provas e aclarada a situação fática controvertida.
Mas, o volume processual e a quantidade de audiências diariamente realizadas acaba conduzindo todo sistema a uma automação com a formulação de propostas aleatórias e, mais automaticamente ainda, uma “renovação” das propostas antes da remessa dos autos para julgamento. Este infelizmente é um retrato de um Judiciário com grande volume de demandas e com incisiva cobrança por mais resultados cada vez mais rápidos.
E é justamente dentro deste círculo vicioso que nasce o Cejusc como centro de conciliação e mediação.
As grandes críticas que parecem caber no presente caso foi ter incluído no Cejusc Trabalhista a atividade de conciliar e não apenas de mediar, deixando de criar um ambiente realmente distinto da sala de audiências, onde já estão as partes acostumadas às rodadas de negociação em meio à instrução processual.
E, ainda, tratar o Cejusc estatisticamente como uma unidade a produzir resultados na solução dos processos e não na solução dos conflitos que orbitam ao redor do processo. Aqui possivelmente resida o centro de toda crítica. Os Cejusc’s são vistos como unidades que devem produzir resultados tais quais as Varas, porém o que se deveria fazer em um e em outro são práticas extremamente distintas.
Ora, no âmbito dos centros são realizadas sessões de mediação em mesas redondas coletivas (geralmente seis mesas por centro), coordenadas por mediadores e supervisionadas por um Juiz.
A presença física do Juiz em tal espaço traz toda essa cultura da proposta do Juízo para dentro dos Cejusc’s, colocando em risco o que seria uma grande oportunidade de se realizar a verdadeira mediação.
Outro ponto que pesa muito contra a realização de verdadeiras sessões de mediação é que estas, a rigor, não deveriam ter prazo definido nem deveriam se preocupar se há, ou não, acordo ao final da sessão. O objetivo deve ser aproximar as partes para eliminar o conflito, não conciliar as partes baixando o processo na estatística.
Porém, como tudo o que ocorre no interior do Poder Judiciário deve passar pela supervisão administrativa das Corregedorias e do CNJ, os quais impõem resultados quantitativos (número de sessões) e qualitativo (sessões com resultado positivo), essa onda de “numerificação” dos processos e procedimentos acaba também gerando ao Juiz Coordenador do Cejusc e aos mediadores uma necessidade de entregar resultados (acordos), o que opera contra a própria realização da mediação, por vezes conduzindo a mediação a uma verdadeira sessão de conciliação.
O professor Cahali também é muito crítico às mediações judiciais, especialmente por conta do tempo reduzido de dedicação, que é também um reflexo dos pontos que abordamos acima.
Diz Cahali que:
Por fim, pela sua dinâmica na mediação e conciliação em juízo, a disponibilidade de tempo aos procedimentos acaba sendo extremamente restrita. Enquanto a prática extrajudicial sugere a realização de várias sessões, perante o Judiciário a perspectiva é de se tentar resolver o conflito em uma única sessão, ou em poucas oportunidades.[12]
Como não poderia deixar de ser, um reflexo óbvio da falta de tempo é uma mediação que foge ao que foi idealizado pelo legislador.
Um único Cejusc trabalhista (no caso Cejusc que tive a oportunidade de coordenar entre agosto de 2019 e julho de 2020), composto por 6 mediadores, chegava a realizar 48 sessões de mediação de aproximadamente 40 minutos cada. Não é necessário qualquer esforço intelectual para concluir que em nenhum desses casos há a esperada investigação pelo mediador das fontes do conflito que se coloca como barreira do movimento de acordo dos litigantes. Sem correr risco de ser injusto, o que há é de fato uma sessão coletiva de tentativa de imposição de acordos às partes.
Não menos importante que os dois temas acima destacados, outra questão que a estrutura também deixa de fora é a confidencialidade, que é sem dúvida um dos alicerces da boa mediação.
Sobre o tema, Luiz Antonio Loureiro Travain destaca que:
“Entendemos que a confidencialidade é essencial para o exercício do princípio da livre negociação entre as partes e, em especial, uma proteção a essa liberdade negocial. Em se tratando de conciliação e mediação, a confidencialidade se mostra como um de seus principais pilares de sustentação. É num ambiente de confidencialidade onde as partes, conciliadores e mediadores poderão dialogar de forma cooperativa sem que o conteúdo de suas conversas ou atos sejam sigilosos. A confidencialidade tem por objetivo garantir a livre negociação sem que haja produção de provas involuntárias e sem a concordância das partes envolvidas na conciliação ou mediação. Em nossa posição, consideramos que o princípio da confidencialidade está incluído num princípio maior o da não incriminação ou da não produção de provas contra si mesmo, previsto e aplicável ”analogicamente as disposições contidas na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, artigo 8, item 2, g: “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declararse culpada”. Ora, por se tratar de direitos humanos, é, portanto, um direito natural, declarado por normas de defesa de direitos humanos. A confiança que as partes têm em uma conciliação ou mediação, como elemento essencial para estes dois institutos, torna-se demasiadamente frágil se não aplicado o princípio da confidencialidade. Isso impede a disseminação de Cultura de paz, inclusive. [13]
Ora, não há como assegurar a confidencialidade em um espaço único com 6 mesas redondas, uma espécie de salão de mediações que muito se assemelha à frenesi típica das salas de espera da Justiça do Trabalho. Claramente o ambiente não converge para a realização da mediação pura.
Porém, é bom que se advirta, não se está a advogar contra a mediação judicial, mas apenas contra a forma como atualmente ela se coloca em prática. Não nos parece viável advogar contra a mediação judicial, pois se trata de um mecanismo de singular importância, capaz de convencer as partes a ponto de apaziguarem a disputa exoprocessual e, via de consequencia, cumprirem com o ajuste endoprocessual sem a necessidade da força coercitiva estatal.
E o papel do Juiz, nesta tarefa, é de grande relevo. Neste sentido, a professora Fernanda Tartuce bem explica que:
Inicialmente, cumpre considerar que a atividade do juiz, de apaziguar os ânimos, deve ser inerente a qualquer mecanismo de composição de conflitos 0 o que não significa, como quer o autor, que o juiz se torne “amigo das partes”. Ademais, não há enfraquecimento, mas justamente o fortalecimento do direito a partirr do momento em que as partes o cumpram espontaneamente (sem atender a ilegítimos elementos de coerção). A autoridade dos institutos jurídicos há de ser melhor reconhecida a partir do momento em que sua observância seja discutida, negociada e genuinamente admitida pelos contendores. [14]
A bem da verdade, a mediação se apresenta como um meio válido, eficaz e que deve ser incentivado para a solução dos processos no âmbito judicial trabalhista.
Negar a validade da mediação para a harmonização dos conflitos na esfera trabalhista é se portar contra uma realidade mundial, como bem elucida a professora Fernanda Tartuce:
A adoção dos meios alternativos de composição dos conflitos é uma tendência mundial que vem sendo estimulada não só em virtude dos problemas dos sistemas jurídicos e judiciários vigentes, mas também pela evolução da sociedade rumo a uma cultura participativa, em que o cidadão seja protagonista da busca pela solução por meio do diálogo e do consenso.
As vantagens da adoção de tais mecanismos são várias: obtenção de resultados rápidos, confiáveis, econômicos e ajustados às mudanças tecnilógicas em curso; ampliação de opções ao cidadão, que teria diversas oportunidades de tratamento do conflito; aperfeiçoamento do sistema da justiça estatal, tendo em vista a redução do número de processos em curso. Além disso, tais técnicas, se administradas de maneira eficiente, podem ensejar o estabelecimento de uma relação saudável entre os indivíduos, compondo aquela controvérsia já instalada e previnindo a verificação de outras demandas. [15]
Os efeitos processuais da harmonia estabelecida entre as partes transcendem o mero acordo a que chegam, transbordando seus efeitos também à efetividade do ajuste, o que certamente deve ser perseguido incansavelmente pelo Poder Judiciário. Neste sentido:
Há de destacar, ainda, a possibilidade de maior efetividade no cumprimento dos acordos. Como já mencionado e bem destacado por Joel Dias Figueira Júnior (referindo-se ao escólio de Francesco Carnelutti), a sentença ou a decisão arbitral não solucionam, no sentido de pacificação, o conflito sociológico, mas simplesmente comõem a lide processual que, por sua vez, representa apenas aquela parcela do litígio que foi levada ao conhecimento do julgador. Conclui o autor que apaenas a autocomposição “apresenta-se como mecanismo hábil de solução dos conflitos, não apenas jurídicos, mas sobretudo sociológigos, e, portanto, de efetiva pacificação social.[16]
Nesse contexto, é evidente que para o Poder Judiciário a busca da efetividade ganha muito com a mediação, trazendo pacificação social efetiva e eliminando potencialmente as execuções de acordos inadimplidos.
3. Conclusão
A adoção plena do instituto da mediação no âmbito da Justiça do Trabalho deve ser precedida de uma releitura dos papéis dos envolvidos no controle da jurisdição, especialmente no que se refere ao controle e resultados esperados dos Cejusc’s.
Não se quer em hipótese alguma sugerir que um serviço público seja prestado sem o devido controle, mas a adoção de sistemas que podem ser eficazes no acompanhamento das unidades jurisdicionais não tem se mostrado a melhor forma de controlar a atuação das unidades de solução consensual, por acabar por impor uma realização desvirtuada da mediação.
O caminho traçado em 2011 pela Resolução 125 do CNJ claramente ainda comporta um novo olhar evolutivo do CNJ e das Corregedorias, para possibilitar às partes que efetivamente se tenha no âmbito da Justiça do Trabalho sessões de mediação que propiciem a construção de forma autônoma e solidária da melhor solução para o conflito já instaurado.
Diga-se, chegar a este ponto, trará aos jurisdicionados e advogados envolvidos tamanha sensação de sucesso na demanda que refletirá na própria imagem que Poder Judiciário projeta na sociedade.
Continuamos, assim, a caminhada pela reconstrução do Poder Judiciário para se chegar à tão almejada efetividade.
Referências
CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem [livro eletrônico]: mediação: conciliação: tribunal multiportas. 8ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
FERRARI, Irany. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. 3. ed. – São Paulo : LTr, 2011.
RODRIGUES RAMOS, VICTOR. A Evolução da Conciliação e da Mediação no Brasil: Influências do direito americano, principais inovações trazidas pelo CPC/2015 e análise das possíveis melhorias no sistema conciliatóri brasileiro. Edição do Kindle.
SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Arbitragem: mediação, conciliação e negociação. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo. Método, 2008.
TRAVAIN, Luiz Antonio Loureiro. Manual da Conciliação e Mediação Trabalhista. Volume 2. 1ª Edição. São Paulo, 2021.
[1] Especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Titular do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Presidente Prudente/SP.
[2] FERRARI, Irany. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho, p. 212
[3] FERRARI, Irany. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho, p. 212
[4] RODRIGUES RAMOS, VICTOR. A Evolução da Conciliação e da Mediação no Brasil: Influências do direito americano, principais inovações trazidas pelo CPC/2015 e análise das possíveis melhorias no sistema conciliatóri brasileiro, p. 10 e 11
[5] Idem, ibidem, p. 24
[6] RODRIGUES RAMOS, VICTOR. A Evolução da Conciliação e da Mediação no Brasil: Influências do direito americano, principais inovações trazidas pelo CPC/2015 e análise das possíveis melhorias no sistema conciliatóri brasileiro, p. 25.
[7] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Arbitragem: mediação, conciliação e negociação, p. 285.
[8] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, p. 45 e 46.
[9] Idem, ibidem, p.46
[10] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Arbitragem: mediação, conciliação e negociação, p. 281.
[11] RODRIGUES RAMOS, VICTOR. A Evolução da Conciliação e da Mediação no Brasil: Influências do direito americano, principais inovações trazidas pelo CPC/2015 e análise das possíveis melhorias no sistema conciliatóri brasileiro, p. 36.
[12] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, p. 50.
[13] TRAVAIN, Luiz Antonio Loureiro. Manual da Conciliação e Mediação Trabalhista. Volume 2, p.130.
[14] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis, p. 206.
[15] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis, p. 201 e 202.
[16] Idem, ibidem, p. 202.
Juiz do Trabalho Substituto, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Licenciado em Letras pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera, especialista em Direito Notarial e Registral pelo Instituto Damásio de Direito e mestrando pela Escola Paulista de Direito.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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