RESUMO: O presente estudo pretende examinar a evolução dos meios de prova no processo penal em relação ao crescimento da sociedade e a consequente modernização dos meios tecnológicos, para posteriormente serem distinguidos os conceitos envoltos à interceptação das comunicações telefônicas que são: a escuta e a gravação telefônica. Fora analisado o cabimento da prova e a modalidade de prova ilícita, as hipóteses de seu cabimento e ainda quando da ocorrência da sua derivação. Por fim, foi analisada minuciosamente a Lei 9.296/96, os princípios norteadores desta modalidade de prova e de investigação criminal, visto ser extremamente evasivos na vida privada do cidadão, por isso devem ser observados imprescindivelmente todos os procedimentos exigidos, visto a sua importância e grande atuação nos crimes de grande repercussão e periculosidade.
Palavras-chave: histórico das provas no processo penal. provas ilícitas. interceptação das comunicações telefônicas.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. 1.1. CONCEITOS. 2. PROVAS NO PROCESSO PENAL. 2.1 ESTADO COMO LIMITADOR DE PROVAS ILÍCITAS. 2.2 DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. 2.3 PROVAS ILÍCITAS. 3. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA FRENTE AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. 3.1 NATUREZA JURÍDICA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. 3.2 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI 9.296/96. 3.3 PROVA EMPRESTADA. 3.4 A IMPORTÂNCIA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E PROVAS ILÍCITAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
O objetivo deste trabalho é partir do histórico do processo penal, da diferenciação de conceitos que envolvem ou sejam parecidos com a interceptação das comunicações telefônicas prevista na Lei 9.296/96 e, posteriormente entender a interceptação telefônica como meio de prova e de investigação criminal desde a evolução do processo penal; das provas e das provas ilícitas, sob a ótica de alguns princípios constitucionais e processuais, como a reserva legal, motivação da decisão, proporcionalidade, excepcionalidade, contraditório, não auto-incriminação, entre outros, será analisado também o art. 5º, LVI e XII.
A relevância do tema está principalmente ligada ao direito à intimidade, a importância que esse meio de prova tem dentro do direito processual penal e as suas consequências, visto ser normalmente utilizada para investigar crimes de grande complexidade e repercussão na sociedade.
O interesse por este tema partiu da sua grande utilização nos processos penais brasileiros mesmo violando tantos direitos fundamentais e, a importância da correta aplicação dos procedimentos quando utilizado o método para que não decorra da ilegalidade uma absolvição por falta de provas e deixando em pune criminosos de grande periculosidade.
Para tanto, a abordagem metodológica utilizada será dedutiva, analisando o proposto por autores na área para maior compreensão do tema e por fim ser oportunizada uma conclusão coesa.
Com base na descrição do tema, historicamente e tendo em vista o Direito comparado, pretende-se realizar uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial, tendo em vista demonstrar a problemática que envolve os reflexos da utilização deste meio de prova e de investigação criminal.
1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Nos primórdios, os meios de provas eram obtidos com forte influência da igreja, e se objetivava apenas a verdade formal, utilizando como instrumentos, a confissão por meio da tortura, através apenas de testemunhas, e até mesmo por meio dos indícios e provas materiais deixadas.
Passadas algumas gerações, o Direito como um todo foi ganhando forma, inclusive o Direito Penal e o Direito Processual Penal. Já no Direito Romano, como dito por Mittermaier (1997, p. 18): “vemos que os imperadores traçam em suas Constituições algumas regras de prova”, desde àquela época se percebe uma pequena preocupação com as provas do processo.
Posteriormente ao período pós-industrial, a sociedade e a justiça têm enfrentado problemas para a proteção dos seus bens jurídicos tutelados. Em virtude das transformações nas cidades e cultura delineou-se a chamada “sociedade de risco”, pois com o surgimento da tecnologia e globalização, foi sendo exigido pela sociedade uma maior segurança e estabilidade, porque os Estados passaram a não deter o total controle das relações pessoais e mercantis.
Jorge Sebastião Filho acrescenta:
O surgimento de novos riscos e por consequência, o aparecimento de uma nova criminalidade internacional organizada resulta na configuração de uma “sociedade de medo”, ou seja, diante do desconhecimento e da imprevisibilidade do risco, a insegurança passa a integrar o cotidiano do indivíduo que busca no direito penal – prima ratio – a real solução para esta instabilidade, considerando que para ele as outras instâncias de proteção, como a ética social, do direito civil e o direito administrativo se encontram em descrédito, pois estariam fadadas ao insucesso. (Sebastião Filho, 2012, p. 23)
Desde algum tempo atrás se percebe cada vez mais acelerado o Estado expandindo sua competência para não apenas utilizar-se do direito penal como meio repressivo em última instância do direito, mas também para a prevenção de um possível dano, criando, assim, novas leis especiais, como também agravando os já existentes.
Algumas dessas novas leis especiais criadas são normas de perigo abstrato, “no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo que não se tenha chegado a cometer nenhum crime”. (Capez, 2011, p. 286)
Sobre as consequências desse novo tipo de crime, acrescenta Hassemer:
A consequência da utilização da via de criminalizar o perigo abstrato significa um empobrecimento dos pressupostos de punibilidade, pois esta fica condicionada unicamente à prova da conduta praticada, não exigindo a determinação da vítima, nem mesmo a ocorrência do dano e nem tampouco a existência de nexo causal entre a ação e o suposto dano gerado. (Hassemer, 2007, p. 199)
Um dos principais princípios do direito penal é o princípio da Intervenção Mínima do Estado, este apregoa que o direito penal deverá ser evocado apenas em última análise, visto ser a área mais evasiva e agressiva do Direito, neste sentido Capez preleciona:
Pressupõe, que a intervenção repressiva no círculo jurídico dos cidadãos só tenha sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e último recurso para a proteção do bem jurídico, cedendo à ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana e outros campos do Direito, e atuando somente em último caso (última ratio). (Capez, 2011, p. 39)
Em decorrência dessa nova tendência estatal de criação de leis penais abstratas, verifica-se a flexibilização de alguns dos princípios norteadores do Direito Penal, em vista do “desespero” de controle da insegurança e instabilidade do Estado, que a cada década só aumenta.
Diante da crescente modernização dos meios de comunicação e tecnologias, o processo penal pôde buscar e aliar-se a tais instrumentos para a obtenção de provas mais cabíveis e contundentes à investigação criminal e instrução processual penal. Um exemplo disso foi a possibilidade de realização de interceptações telefônicas, desde que devidamente autorizadas e fundamentas as decisões para a realização de tal procedimento.
Desde o início se tem uma preocupação para que este mecanismo não seja utilizado de forma impensada e generalizada, e que seja um método de última instância, assim prevista na Constituição de 1988:
Art. 5. (...)
XII- é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
E, ainda, o art. 155 do Código de Processo Penal também possibilita a utilização deste meio de prova, vejamos:
Art. 155. O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
“São as provas cautelares – aí incluídas, dentre outras, as interceptações telefônicas, cuja colheita, por razões óbvias, não se compatibiliza com o princípio do contraditório em seu viés participativo”. (CASTRO, 2010, p. 38)
O Direito Penal e o Direito Processual Penal estão intimamente ligados, vez que havendo mudanças e alterações no Direito Penal, o Direito Processual Penal, por ser o instrumento de concretização daquele, necessitou de mudanças, passando a utilizar-se, com mais frequência, dos mecanismos invasivos de obtenção de provas, como por exemplo, a interceptação telefônica, em virtude da natureza dos delitos.
A Constituição anterior à atual não abria nenhuma ressalva quanto à inviolabilidade das comunicações telefônicas, mas a Constituição de 1988 em seu art. 5º, XII relativiza esse direito fundamental, como podemos perceber:
é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, o último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Porém essa norma constitucional tem eficácia limitada, necessitando, portanto, de uma lei específica para regulamentar a matéria e, a partir de então, produzir todos os seus efeitos. Oito anos após a Constituição de 1988 foi criada a Lei 9.296/96, tratando especificamente das interceptações das comunicações telefônicas.
Grinover (1980, p. 63) comenta e conceitua com maestria a interceptação
telefônica:
Embora etimologicamente, intercepetar (de ‘inter’ e ‘capio’) tenha o sentido de deter na passagem e, consequentemente, de impedir que alguma coisa chegue ao seu destino, entende a doutrina, por interceptação telefônica, a escuta direta e secreta das mensagens, captando-se a conversa no momento mesmo em que se desenvolve, sem o conhecimento de pelo menos um dos interlocutores”.
A doutrina e a jurisprudência têm diferenciado escuta telefônica, interceptação telefônica e gravação de conversa. Escuta telefônica seria a intervenção de um terceiro onde um dos dois interlocutores tem o conhecimento sobre a prática que está se realizando no momento da conversa. Interceptação telefônica é a intervenção de um terceiro na captação do diálogo, sem que necessariamente nenhum dos participantes tenha ciência da realização da técnica utilizada. A gravação telefônica ocorre quando um dos interlocutores grava conversa telefônica por conta própria, sem a ciência do outro.
É o que se pode extrair de Habeas Corpus de São Paulo:
A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. A escuta é a captação de conversa telefônica feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores, ao passo que a gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo,sem o consentimento ou a ciência do outro. (HC 161053/SP)
Para a realização da técnica de obtenção de prova através de interceptação telefônica, e que sejam consideradas totalmente válidas e lícitas, devem ser obedecidos os critérios e requisitos exigidos pela Lei 9.296/96, extraídos dos artigos 1º e 2º, sendo eles:
a) Para prova em investigação criminal e em instrução processual penal;
b) Ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça;
c) Deve haver indícios razoáveis da autoria ou participação em infraçãopenal;
d) Ser o único meio de obtenção da prova;
e) O fato investigado deverá ser punido, no mínimo, por reclusão.
Sem a observância de qualquer um dos requisitos acima exposto, poderá a interceptação ser considerada ilícita e ainda ser considerado crime com pena de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, de reclusão, segundo o que dispõe o art. 10 da Lei 9.296/96.
A gravação de conversa feita por um dos interlocutores não constitui crime, nem é considerada prova ilícita, deste modo Raimundo Castro assevera:
Em decorrência do principio da proporcionalidade, a doutrina tem reconhecido unanimemente a conduta da pessoa que grava sua conversa telefônica com terceiro para demonstrar sua própria inocência, ou prova ilícita pro reo.
Quando a prova, aparentemente ilícita, for acolhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa, que exclui a antijuridicidade. (CASTRO, 2010, p. 141)
A interceptação telefônica tem sido amplamente utilizada, cabendo ao julgador, portanto, observar as regras e requisitos exigidos na Lei e Constituição, concernentes ao tema, para que sejam evitadas violações do direito à intimidade e sigilo das comunicações para casos em que não são necessárias tal técnica.
As provas são o meio de buscar a verdade e de se reconhecer o direito; o processo é o mecanismo, o procedimento que possibilita as provas chegarem ao conhecimento do juiz e, este, através do seu convencimento tomar a decisão mais justa, mais condizente com o Direito.
A prova passa por vários momentos, desde o seu primeiro contato com o processo, até a sua valoração. Nos dizeres de Brichetti (1973, p. 12) “a prova judicial é o processo demonstrativo, onde faz chegar ao conhecimento do juiz a conexão entre os fatos e seus elementos, até o momento da produção do ânimo da certeza.”
A prova tem apenas o condão de demonstrar aquilo que se tem dúvida, não sendo necessária a sua utilização nos fatos notórios e evidentes. Afirma Tourinho Filho (p. 370-371) que o objeto da prova são todos os “fatos, principais ou secundários, que reclamem uma apreciação judicial e exijam uma comprovação”.
Além do que, o artigo 6º, inciso III, do Código de Processo Penal preconiza:
Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
(...)
III- colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.
Deste artigo se depreende a importância da prova desde o primeiro momento em que algum crime é levado ao poder público, e o quão imprescindível é o seu papel. A partir das provas colhidas pela autoridade judicial é que a máquina judiciária efetivamente será impulsionada ao processamento do processo judicial penal, todo o processo está voltado para as provas, se elas não existem ou são duvidáveis o processo certamente extinguirá.
Extrai-se, ainda, que o processo penal admite todos os meios de prova para que sejam esclarecidas as dúvidas do processo, desde que elas não sejam ilícitas, ou ainda que não tenham sido derivadas da ilicitude.
O art. 157 do Código de Processo Penal assevera: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício”. É importante a análise deste artigo, pois é a partir dele que sabemos quem terá o ônus da prova. Notável, portanto, que todos dentro do processo estarão envolvidos com a prova, na medida em que a acusação deve demonstrar a veracidade do que é imputado ao acusado, e este deve provar os elementos alegados em sua defesa, como as causas atenuantes, causas de diminuição de pena, excludente de ilicitude, culpabilidade e da punibilidade.
Obtendo para si o ônus probante não significa que existe uma obrigação de efetivamente levar em juízo a prova de que se pretende alegar, portanto, o ônus é uma faculdade da parte e não uma obrigação. Nesse sentido Capez (1998, p. 243) explica dizendo que “a principal diferença entre obrigação e ônus reside na obrigatoriedade. Na obrigação, a parte tem o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, no ônus o adimplemento é facultativo”.
2.1 ESTADO COMO LIMITADOR DE PROVAS ILÍCITAS
Prova ilícita é a prova que para sua obtenção o agente viola o direito processual e/ou material.
Após inúmeros registros de arbitrariedade e conflitos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, os Estados começaram a incorporar em seus textos normativos fundamentos que garantem maior respeito e dignidade às pessoas, apesar de que ainda muitos países têm resistência e deficiência de mecanismos para efetivamente garantir que esses direitos sejam preservados (Raimundo Castro, 2010).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, revela ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, e, tem como um de seus fundamentos norteadores, a dignidade da pessoa humana.
Raimundo Castro (2010, p. 69) enfatiza que:
(...) O objetivo do Estado de Direito é garantir um ambiente de paz social, com segurança jurídica, que é a certeza de que há previsão legal a orientar as ações estatais e individuais. A dignidade da pessoa humana é intangível e exige respeito e proteção do Poder Público. É ainda, princípio conformador e informador de todo ordenamento jurídico brasileiro.
Ser um Estado Democrático de Direito, portanto, quer dizer que a administração, a justiça e toda estrutura estatal, bem como seus cidadãos devem seguir e realizar suas ações de acordo com o previsto em lei ou mesmo não ir de encontro com a mesma, observando-se o princípio da reserva legal.
Como bem salienta Raimundo Castro (2010, p. 69) “Constatou-se que o princípio da reserva legal, isoladamente, era incapaz de conferir aos cidadãos segurança jurídica, embasada no respeito à sua personalidade”. A este princípio devem ser atrelados alguns outros, como a moralidade e eficiência, para que arbitrariedades de provas ilícitas colocadas dentro do processo sejam evitadas, visto que as mesmas favorecem atos imorais. Portanto, os cidadãos devem previamente conhecer e ter ciência do que é lícito e o que não é, para uma melhor possibilidade de discussão dentro do processo, minimizando, assim, ações não condizentes com o direito e a moral.
Outro ponto que limita a arbitrariedade quanto as provas ilícitas é a organização dos poderes. A separação dos poderes organizada por Montesquieu possibilita a fiscalização e cooperação dos poderes, garantindo uma maior segurança quanto à aplicabilidade das normas jurídicas, consequentemente inviabilizando a utilização de provas ilícitas dentro do processo penal.
O devido processo legal, garantia constitucional, tem por objetivo a não condenação e imposição de deveres aos cidadãos sem que tenha havido antes um processo com investigação, análise e julgamento, com observância do contraditório e ampla defesa e, ainda, admitidos procedimentos e provas somente que tenham sucedâneo na lei e, se durante o processo houver alguma falha ou defeito, deverá ser arguido a qualquer tempo a sua nulidade, para a retificação do ato.
No mesmo sentido Raimundo Castro (2010, p. 77-78) afirma que:
A cláusula constitucional do due processo of law – que se destina a garantir à pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.
2.2 DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA
O direito à vida e à intimidade acaba por desembocar no direito à dignidade da pessoa humana, direito este cada vez mais discutido e valorizado.
Esses direitos fundamentais estão consagrados no art. 5º, X, CF/88 que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Há dentre esses direitos, certo grau de complexidade, sendo o direito à vida privada o mais genérico, abrangendo em si os demais direitos relacionados. O direito à intimidade é um pouco mais especifico sendo restrito somente às pessoas mais próximas do indivíduo e, ainda, existe o direito ao sigilo, que é compartilhado com alguém de sua estrita confiança, este por sua vez trata-se do íntimo e da personalidade de cada um e, quando violado pode trazer sérias complicações de caráter pessoal e emocional ao indivíduo.
Porém, esses direitos não são absolutos e podem sofrer restrições, como pontua Raimundo Castro (2010, p. 82):
(...) observa-se que o direito de intimidade pode sofrer intromissões do poder público em duas vertente: a primeira, de autoridade pública, decorrente do poder de polícia ou de atividade judiciária; a segunda, já não sofre interferências de autoridade, mas de outros indivíduos, advindo do progresso tecnológico.
As intromissões feitas pelo poder de polícia e decorrente da autoridade judiciária devem ter consigo motivo idôneo e apenas ser utilizado como último método, devendo ser imprescindível para a investigação e colheita de provas.
A cada instante a tecnologia evolui, nos trazendo mais conforto e comodidade, e à medida que ela evolui nos tornamos mais intensamente dependentes dela sendo, portanto, inegável a sua importância hodiernamente.
Por outro lado, com tamanho avanço tecnológico, o direito à vida privada e íntima se limita e é fragilizada em decorrência dos diversos meios de sua utilização para sua violação, como por exemplo, as redes sociais e aplicativos de bate papo online.
Existem em nosso sistema jurídico penal crimes contra a honra, previstos nos artigos 138 à 145 do Código Penal Brasileiro, que servem para punir àqueles que violam a honra, intimidade e vida privada dos cidadãos e os levem ao constrangimento e depreciação de sua imagem. Estes crimes punem, de modo genérico aqueles que caluniam, injuriam e difamam pessoas e, ainda, aqueles que propagam de alguma forma as informações recebidas.
Muitas vezes esses crimes são praticados por meio da tecnologia, o que facilita grandemente a sua impunidade, gerando forte obstáculo para a justiça efetivamente resguardar os direitos fundamentais da vida particular do cidadão.
Toda a polêmica envolvendo prova ilícita só tem razão de ser graças aos direitos fundamentais, pois normalmente a prova obtida por meio ilícito viola algum ou alguns dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição, mas como dissemos acima, esses mesmos direitos garantidos a todos nós não são absolutos, e não deveria ser de toda maneira.
Isso porque, as investigações cada vez mais dificultadas pelas novas tecnologias e meios de burlas às antigas técnicas de investigações, obrigam e levam o sistema ao aperfeiçoamento dos métodos, não obstante violam esses direitos inerentes aos indivíduos, mas necessária para garantir a pacificação e segurança social, causando um bem maior para toda a sociedade.
Aparentemente nasce um conflito de normas entre os direitos fundamentais inerentes aos cidadãos e a obrigação de punir do Estado. Mas na realidade não existe tal conflito, porque são utilizados métodos e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e necessidade, para o descobrimento de qual norma deve ser aplicada em detrimento da outra.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVI declara a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos dentro do processo, antes de 2008 as provas ilícitas no processo legal eram consideradas inadmissíveis graças ao texto constitucional, mas Pietro Nuvolone distinguia a prova ilegítima, porque viola o direito processual e gera nulidade, da prova ilícita, que viola direito material, sendo inadmissível, devendo ser desentranhada e inutilizada.
Lopes Júnior (2009, p. 263) também explica a diferença entre prova ilícita e prova ilegítima, com maestria, vejamos:
Prova ilegítima é quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento de sua produção em juízo, no processo. A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à logica e à finalidade do processo. Ex: juntada fora do prazo prova unilateralmente produzida (como são as declarações escritas e sem contraditório), etc.
Prova ilícita é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento de sua coleta, anterior ou concomitantemente ao processo, mas sempre exterior a esse (fora do processo). Nesse caso, explica Maria Thereza Moura, embora servindo de forma imediata, também a interesses processuais, é vista, de maneira fundamental, em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo. Em geral, ocorre uma violação da intimidade, privacidade ou dignidade (exemplos: interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário, fiscal, etc.).
Com o advento da lei 11.690/08, inserindo o artigo 157 no Código de Processo Penal, a prova ilícita foi conceituada como aquela obtida com violação a normas constitucionais e legais, dissipando a ideia de Pietro Nuvolone e demais doutrinadores quanto à distinção de prova ilícita e ilegítima.
A doutrina, por sua vez, lê e entende o artigo 157 à luz da definição de Nuvolone, para eles não houve inovação quanto ao conteúdo, mas este preceito inovou no sentido de determinar o desentranhamento das provas ilícitas, assim consideradas.
Há, porém, hipóteses em que se admitem as provas ilícitas, como para serem usadas para absolvição do réu, o agente não é condenado pelo crime cometido na produção da prova ilícita, pois está abarcado por causa excludente da antijuridicidade. Hipótese esta sustentada por Eugênio Pacelli.
Existe, ainda, a admissibilidade da prova ilícita pelo princípio da proporcionalidade, que pode ser usada para a condenação do réu. Necessário será a observância da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Adequada é a ação que é capaz de estimular a obtenção do resultado pretendido; a necessidade daquela ação utilizada e a verificação se não há outra que produza resultado de igual intensidade e viole menos os direitos fundamentais e a proporcionalidade em sentido estrito é a ponderação de valores entre os objetos de discussão.
O princípio da proporcionalidade tem importante papel dentro deste tema, à medida que é através dele que existe a possibilidade de harmonizar os conflitos aparentemente existentes. Ele não está explicitamente demonstrado na Constituição Federal, mas nos dizeres de Raimundo Castro (2010, pag. 120): “está claramente implícito quando o legislador constituinte de 1988 adotou a cláusula do devido processo legal (art. 5º, inc. LVI)”. O Supremo Tribunal Federal já se utiliza deste princípio como parâmetro de controle de constitucionalidade. E evidentemente é utilizado em todas as esferas do poder judiciário, para sopesar ao caso concreto quanto à utilização ou não da prova ilícita quando explícito a injustiça, caso não utilizada.
A prova ilícita é de extrema prejudicialidade ao processo, vez que pode contaminar as provas dela decorrente, é o que se extrai da teoria dos frutos da árvore envenenada. Mesmo que a prova derivada seja formalmente lícita poderá ser considerada ilícita, quando esta somente for descoberta a partir da primeira prova que foi obtida ilicitamente, esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal ( Raimundo Castro, 2010).
Exemplo disso ocorre quando diante de uma confissão mediante tortura se descobre onde está o objeto procurado, graças a essa informação é requerido um mandado de busca e apreensão, e encontrado o objeto. É clara a derivação da prova ilícita neste caso, uma vez que apesar de para entrar no local e encontrar o objeto havia um mandado e estar o procedimento formalmente correto, esta informação decorreu de uma prova ilícita, portanto devem as duas provas serem desentranhadas e inutilizadas no processo.
É o que se extrai dos parágrafos do artigo 157 do Código de Processo
Penal:
(...)
§1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
A teoria dos frutos da árvore envenenada não é absoluta, sofrendo algumas limitações, como a limitação do nexo causal atenuado. Esta ocorre quando o nexo entre a prova lícita e a prova ilícita é tão tênue, em razão das circunstâncias de tempo; espaço; ou à força determinante, que não serve como base para a inutilização da prova derivada.
A descoberta inevitável também é um limitador à teoria da prova ilícita derivada e, acontece quando a primeira prova é ilícita e graças a esta é encontrada a segunda, mas quando se analisam os métodos típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal se percebe que a prova seria descoberta de qualquer forma e não há motivo razoável para ser inutilizada nessas circunstâncias.
Teoria da fonte independente admite a permanência da prova independente à prova ilícita, aquela que não tem nenhum nexo causal e que deve permanecer para instruir o processo.
Muito comum é a utilização da interceptação telefônica de forma ilícita e praticada com inobservância à Lei 9.296/96, e como qualquer prova do processo penal quando mal utilizada não servirá para instruir o processo penal e, ainda, poderá contaminar todas as provas dela decorrentes com a possível consequência de arquivamento do processo por falta de provas.
3. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA FRENTE AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO
O princípio nemo tenetur se degenere, consiste em garantir ao sujeito o direito de não se autoincriminar, não atuar de forma positiva para obtenção ou comprovação de uma prova em seu desfavor, neste sentido Jorge Filho (2012, p. 48):
o nemo tenetur se degenere protege, prima facie o acusado de ter que praticar qualquer conduta que implique um comportamento ativo na produção probatória em seu desfavor, ou seja, quando a produção da prova exige por parte do acusado um grau de atuação positiva.
Nesse mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal têm entendido e decidido, interpretando o princípio nemo tenetur se degenere de uma forma abrangente e não só na garantia do direito do acusado de permanecer calado, mas abarcando o direito de não se sujeitar ao fornecimento de padrões de voz ou escrita, ou sua participação em simulação dos fatos (Jorge Filho, 2012).
A interceptação telefônica nas investigações criminais em muito se assemelham às provas orais obtidas no processo, como a confissão e o interrogatório, onde o próprio acusado fornece as informações ao interlocutor, porém com invasão à privacidade e à intimidade, visto que o sujeito não sabe que está sendo ouvido por indivíduos alheios ao diálogo.
Todos ao falar com pessoas de confiança mediante o uso de seus aparelhos telefônicos, normalmente são espontâneas e acabam por se autoincriminar sem a consciência disso.
Segundo Jorge Filho (2012, p. 47): “a consagração do princípio da não autoincriminação se dá no direito processual brasileiro através do reconhecimento do direito ao silêncio conferido ao acusado, conforme disposto no art. 5º, LXIII, CF/88.”
Porém, se analisarmos estes dois princípios e seus conceitos podemos concluir que o princípio da não autoincriminação é o gênero e o direito ao silêncio a espécie, visto que a não autoincriminação é o direito à não produção de provas contra si, que pode ser através de seu interrogatório, mas também pode ser mediante documentos que estão em sua posse e a confissão é apenas um desses meios.
O princípio nemo tenetur se degenere, não deve ser encarado como absoluto para que não leve à consagração da impunidade, devendo, portanto, ser flexibilizado para a possibilidade do Estado intervir em alguns casos de forma um pouco mais evasiva que o convencional a fim de que cumpra seu dever de investigar e punir. Para que ocorra tal flexibilização deste princípio deve a lei dispor sobre os procedimentos a serem tomados e ser levado em conta o critério da proporcionalidade em cada caso específico.
As interceptações telefônicas em sua grande maioria das vezes são realizadas em investigações criminais, onde não se exige a garantia do direito do contraditório e ampla defesa, e devem ser realizadas sob sigilo, conforme dispõe o artigo 8º da Lei 9.296/96:
A interceptação da comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. Grifamos.
Diante disto, temos que não há infração ou omissão quanto ao princípio nemo tenetur se degenere, uma vez que as interceptações das comunicações telefônicas são regulamentadas por Lei e autorizadas pela Constituição Federal.
Destaca Jorge Filho (2012, p. 61) que:
obter-se a prova da infração penal através de interceptações telefônicas é legalmente possível, porém, diante da violação do direito à intimidade e privacidade, deve o acusado ser cientificado de que, na qualidade de investigado, pode ter direitos legalmente violados.
Esta cientificação deve ser geral, indicando que o individuo passa a ser suspeito e investigado de uma persecução criminal realizada por órgãos oficiais da justiça.
3.1 NATUREZA JURÍDICA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
As interceptações telefônicas sem dúvida alguma servem para colher provas a fim de instruir a investigação e o processo penal, mas a sua obtenção é feita através de medida cautelar, portanto, sua natureza jurídica é de medida cautelar de caráter probatório.
Há bastante discussão na doutrina, segundo Jorge Filho (2012), acerca da existência de processo cautelar autônomo ou medida cautelar no processo penal, porém para análise das interceptações telefônicas, mais correta será a utilização do termo “medida cautelar probatória”.
Dentro do Código de Processo Penal em lugar algum se faz referência direta e específica a esse tipo de obtenção de prova, mas é muito bem posto e analisado o procedimento da busca e apreensão, e a sua natureza jurídica é de medida cautelar probatória.
Após uma breve análise de ambos os institutos, se percebe a grande semelhança existente entre a busca domiciliar e a interceptação telefônica, já que confrontam o direito à intimidade e à vida privada e por esse motivo a Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XI e XII exige nos dois casos a decisão fundamenta do juiz da causa principal.
A exigência do fumus comissi delicti, se faz presente no artigo 2º, I, da Lei 9.296/96, quando afirma necessária a existência de “indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal”, e o periculum libertatis é encontrado no artigo 4º da referida lei quando diz que no pedido “conterá a demonstração de que sua realização é necessária à apuração de infração penal.” Desta forma, é necessária a demonstração do fumus comissi delicti e periculum libertatis.
Como bem salienta Lopes Junior (2010, p. 189):
Sustenta-se o requisito do fumus comissi delicti na existência de um crime e de indícios suficientes de autoria, enquanto que o periculum libertatis, fundamento para decretação do provimento cautelar, encontra respaldo não no tempo (demora) entre o provimento cautelar e o definitivo, mas sim, na situação de perigo criada pela conduta do imputado (perigo de fuga, destruição de provas).
Requisitos esses que são essenciais na medida cautelar e que são exigidos pela Lei 9.296/96, nos levando à certeza que esta é a natureza jurídica da interceptação da comunicação telefônica.
No mesmo sentido a Resolução 59 do CNJ tratou as interceptações de comunicações telefônicas como “medida cautelar sigilosa”, demonstrando o reconhecimento dessa classificação no âmbito prático.
Em decorrência dessa classificação concluímos que as interceptações telefônicas devem respeitar os requisitos, consequências e cabimentos das medidas cautelares probatórias. Importante, portanto, a análise do artigo 155 do Código de Processo Penal:
o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Grifamos
As provas colhidas na instrução criminal por si só não servem de fundamento para condenação, visto não ser obrigatória a observação do contraditório e ampla defesa, mas o artigo supra citado faz uma ressalva, nos casos das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Ora, se as interceptações das comunicações telefônicas têm natureza jurídica de medida cautelar, como acima demonstrado, então a prova obtida através delas poderão ser utilizadas para fundamentação da condenação.
3.2 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI 9.296/96
A Constituição Federal no artigo 5º, inciso XII, possibilitou a violação do sigilo das comunicações telefônicas, mas delegou à lei ordinária a regulamentação deste dispositivo, por isso foi criada a Lei 9.296/96.
Já no artigo 1º da Lei o legislador explicita as hipóteses de cabimento em que deverão ser aplicados os procedimentos da Lei, que são: a interceptação de comunicações telefônicas, abarcando também as escutas telefônicas e a interceptação de comunicações em sistemas de informática e telemática.
O artigo 2º trata da admissibilidade deste meio de obtenção de prova e só autoriza a aplicação do procedimento em crimes cujo regime seja de reclusão e que seja utilizado em casos excepcionais, apenas quando a prova não puder ser obtida por meios menos gravosos; e ainda deverá ser indicado os meios empregados no procedimento.
O parágrafo único do artigo 2º esclarece a necessidade da descrição da situação do objeto da investigação, indicação e qualificação dos investigados. Esta é uma exigência para garantir a excepcionalidade do ato e evitar arbitrariedades.
A interceptação telefônica poderá ser requerida de ofício pelo juiz, pelo Ministério Público no curso da ação penal, ou pela autoridade policial na investigação criminal.
A decisão deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, com prazo para execução de 15 dias, prorrogável por igual período de tempo. A autoridade policial executará a ordem, sempre dando ciência ao Ministério Público, que acompanhará o feito.
Caso haja possibilidade de gravação, a transcrição será necessária, cumprida a diligência deverá a autoridade policial encaminhar o resultado da interceptação juntamente com o auto circunstanciado com o resumo das operações realizadas.
A interceptação deverá ser realizada em autos apartados e apensado ao principal. A gravação que não interessar ao processo deverá ser retirada e inutilizada do processo, a requerimento do Ministério Público ou parte interessada.
A Constituição claramente diferenciou o processo civil e penal quando permitiu a interceptação telefônica apenas no âmbito do processo penal. Nesse caso, não será permitida a existência do instituto “prova emprestada” do processo penal para outro processo não criminal.
Desta forma, Antônio Fernandes (1997, p. 54) pontua dizendo:
A área de atuação da lei é exclusivamente criminal, sendo possível à interceptação na fase de investigação policial e durante a instrução processual. Não pode a prova obtida ser, por isso mesmo, utilizada em processo não criminal como prova emprestada. Será, contudo, cabível seu uso em outro processo criminal em relação ao mesmo réu, porque não haverá ofensa ao princípio do contraditório.
Portanto, a prova obtida através de interceptação telefônica em instrução ou processo criminal não poderá ser retirada dos autos para instrução de processo de natureza não criminal, mas poderá ser empresta caso seja para instruir processo criminal com o mesmo réu.
3.4 A IMPORTÂNCIA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E PROVAS ILÍCITAS
As interceptações das comunicações telefônicas, como qualquer outra prova, se obtida com vício ocorrido durante o procedimento deverá ser considerado ilícito e, portanto, desentranhado e inutilizado do processo, de acordo com o artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal de 1988 e o artigo 157 do Código de Processo Penal.
É crescente e visível o aumento de organizações criminosas em nosso país, que cada vez mais se servem de aparatos tecnológicos acima do que as polícias possuem, e a população clamam por mais segurança. Não devemos descartar nenhum meio de contenção à criminalidade, seja opressiva ou preventiva como, por exemplo, a interceptação de comunicações telefônicas.
Neste sentido, Raimundo Castro (2010, p. 160) alerta:
É gravíssima a atuação do crime organizado no Brasil, narcotraficantes têm poderes de vida e de morte sobre populações indefesas, a indústria dos sequestros aterroriza, a exploração de menores facilitam as atividades dessas organizações, e os chamados crimes do colarinho branco, que juntamente com o narcotráfico, formam uma rede internacional, onde se transferem vultosas cifras através da lavagem de dinheiro.
A necessidade de uma maior qualificação e cuidado ao realizar esse procedimento que é tão específico e importante é tremenda, uma vez que na maioria dos crimes de maior complexidade, como o das organizações criminosas, o único meio de obter provas é por intermédio das interceptações, de qualquer espécie. E, caso haja alguma ilegalidade ou inobservância do procedimento a prova será desentranhada do processo ou do inquérito policial, dando oportunidade à impunidade dos criminosos de maior periculosidade.
O presente estudo partiu de uma análise histórica do processo penal e seus meios de prova, contatou-se que com a evolução do Estado para Estado Democrático de Direito a política passou a ser obrigada, graças às necessidades e medos da sociedade, a dever obediência ao direito e melhor regulamentar as falhas existentes.
Um dos institutos que têm despertado bastante atenção e têm ganhado autonomia são as provas, uma vez que o processo penal existe para o julgamento mais justo e ético do cidadão que tenha cometido fato considerado criminoso. As provas são o instrumento que as partes têm para provar suas alegações e tentar convencer o juiz disso.
As provas podem ser as mais diversas possíveis, desde que não atentem contra a dignidade da pessoa humana, moralidade e demais princípios fundamentais constitucionais e orientadores do Direito.
A persecução penal é limitada, devendo respeitar os princípios e direitos fundamentais dos indivíduos, que são considerados valores mais importantes que o castigo do autor do delito. A prova ilícita é a violação do direito material, enquanto que a prova ilegítima é a violação do direito processual. A realização da interceptação telefônica sem autorização judicial é prova ilícita e, por outro lado, a sua realização com autorização judicial, mas que não esteja em conformidade com alguma parte da lei será considerada prova ilegítima, dai a importância do estudo e diferenciação de provas.
O direito à intimidade e ao sigilo das comunicações telefônicas são a regra, mas não são absolutos uma vez que a própria Constituição Federal no artigo 5, inciso XII autoriza a violação desses direitos se atendidos todos os requisitos exigidos. A Lei 9.296/96, por sua vez regulamentou esta possibilidade que a Constituição Federal previu.
Diante das discussões acerca da admissibilidade da prova ilícita foi acrescentado ao Código de Processo Penal o artigo 157 e seus parágrafos com as hipóteses em que seria admitido tal tipo de prova.
Pretendeu-se com esse trabalho esclarecer e demonstrar a importância da interceptação de comunicações telefônicas, uma vez que sua utilização na grande maioria das vezes é feita para combater e provar crimes de organizações criminosas de grande periculosidade, pois elas se aperfeiçoam de instrumentos cada mais tecnológicos e que dificilmente a polícia utilizando-se de métodos antigos e clássicos conseguiriam encontrar e captar.
A importância deste método de busca à prova não está apenas na sua utilização, mas também no correto procedimento, pois se considerada ilícita poderá ser desentranhado do processo e caso não haja outra prova cabal para a instrução do processo poderá o acusado ser absolvido por falta de provas, o que de nada valeria o esforço do Estado para repelir a criminalidade e garantir a segurança da sociedade.
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pós graduada em Direito Tributário pela Atame-GO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, kamila pereira. Interceptação telefônica: importância no processo penal como meio de prova Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58129/interceptao-telefnica-importncia-no-processo-penal-como-meio-de-prova. Acesso em: 23 dez 2024.
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