RESUMO: Atuação da Defensoria Pública contra os principais abusos de direito decorrente dos contratos de adesão de consumo em face das operadoras de plano de saúde. Arcabouço normativo protetivo ao consumidor, como instrumento inicial para combater cláusulas abusivas e condutas ilegais realizadas pelas operadoras de plano de saúde contra o consumidor em situações mais comuns na prática forense da Defensoria Pública.
Palavras Chaves: Defensoria Pública. Acesso à Justiça. Direito do Consumidor. Abuso de Direito. Operadoras de plano de saúde.
ABSTRACT: Action by the Public Defender against the main abuses of rights arising from consumer adhesion contracts against health plan operators. Protective normative framework for consumers, as an initial instrument to combat abusive clauses and illegal conduct carried out by health plan operators against consumers in more common situations in the forensic practice of the Public Defender's Office.
Keywords: Public defense. Access to justice. Consumer Law. Abuse of Rights. Health plan operators.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO 2. ARCABOUÇO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 3. PERÍODO DE CARÊNCIA E A DESNECESSIDADE NOS CASOS DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA 4. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SOB ALEGATIVA POR NÃO ESTÁ NA LISTA DA ANS – ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO 5 CONCLUSÃO 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
Será tratado, neste artigo, a atuação da Defensoria Pública em defesa dos consumidores contra atos abusivos de operadoras de serviço de plano de saúde. Trata-se de uma prestação de serviço, em uma relação de consumo em que existe um contrato na modalidade de adesão. Por este motivo, está o assistido da Defensoria Pública protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. Este visa estabelecer uma relação de equilíbrio entre os contratantes, vedando os abusos e garantindo os direitos daqueles menos favorecidos na relação de consumo, que é o consumidor.
Nessa relação contratual é, na maioria das vezes, bem onerosa ao consumidor, principalmente o assistido da Defensoria Pública. Devido haver uma prestação periódica do consumidor, que tem o dever de pagar a mensalidade à operadora do plano de saúde. Determinado valor faz falta ao consumidor, o qual cada dia mais se sente apertado com as suas despesas. Tal valor, inclusive, poderia ser aplicado na melhoria de sua alimentação, moradia, educação, previdência, poupança e outros benefícios da sua qualidade de vida.
Mas isso não acontece, pois o consumidor paga com muito sacrifício o plano de saúde mensalmente na expectativa de receber um serviço com qualidade e presteza, porém quando este necessita que a operadora lhe ofereça a devida prestação de serviço, lhe é muitas vezes sonegado tal serviço sob argumentos diversos, desde o período de carência a não constar tal procedimento médico no plano escolhido pelo consumidor.
Os principais empecilhos alegados pelos planos de saúde são as situações fáticas com as quais geram a necessidade de judicialização de demandas pela Defensoria Pública, objeto que será tratado neste artigo. Tais operadoras de plano de saúde, na realidade, praticam verdadeiros abusos de direito, e, como consequência, acabam violando as normas que garantem a proteção ao consumidor do plano de saúde. Portanto, a judicialização de tais demandas pela Defensoria Pública não é só necessária do ponto de vista jurídico, violação de normas legais, mas também sob os aspectos humanos. É medida garantidora da dignidade da pessoa humana, já que afeta diretamente um bem maior do sujeito, sua saúde e até mesmo, se não houver uma resposta rápida, sua vida em face a supostas cláusulas contratuais, que serão anuladas pelo poder judiciário, bem como reparado os danos que, porventura, hajam causado ao consumidor.
2 ARCABOUÇO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor assegura, em seu artigo 6°, os direitos básicos e do consumidor, in verbis:
Art. 6°. São direitos básicos do consumidor:
I — a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
(--)
VI — a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (g.n);
VIII — a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (g.n).
Neste caso, ao consumidor possui inafastável direito à inversão do ônus probatório, a fim de ver facilitada a defesa de seu direito ante sua hipossuficiência técnica e econômica, muitas vezes é colaborado com ausência de lastro probatório da negativa do procedimento médico não autorizado pela operadora do plano de saúde.
Sobre esse direito obrigacional envolvido nas demandas ajuizadas pela Defensoria Pública, aplica-se também, como instrumento de defesa, o Código Civil, que estabelece em seu artigo 424: nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. E nesse mesmo sentido, diz o Código de Defesa do consumidor:
Art. 51.°. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos;
IV — Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
A incidência do art. 47 do CDC, que estabelece que “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, em especial pelo caso dos autos evidenciar a contratação em Adesão, já que o consumidor não pode discuti-las quando de sua realização, é a garantia primordial a defesa do consumidor em juízo pela Defensoria Pública.
Com base no argumento alhures, vê-se que, apesar de o contrato “fazer lei” entre as partes, consumidor e operadora do plano de saúde, é patente que o consumidor aderente se encontra em posição de maior desvantagem, já que não lhe foi oportunizado participar da elaboração de cada item ali constante, sendo necessária a intervenção estatal para reequilibrar a relação contratual existente. Assim, a Defensoria Pública tem o papel fundamental de assistência jurídica ao consumidor, que vê, muitas vezes, lesado seu direito à saúde.
3 PERÍODO DE CARÊNCIA E A DESNECESSIDADE NOS CASOS DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA
Os casos de emergência são aqueles que implicam risco imediato de morte ou de lesão irreparável ao paciente/consumidor. Na prática da defensoria, essas demandas geralmente são oriundas no plantão judicial, o que engloba horário fora do expediente forense e aos finais de semana e feriados, não se excluindo que tais demandas também ocorrem no expediente forense, as quais serão atendidas da mesma forma pela Defensoria Pública. Nestes casos, inclusive, dispensando até a análise de critérios de hipossuficiência do assistido[1].
Devido à gravidade e seriedade da situação, ora em análise, torna-se inadmissível a recusa da operadora do plano de saúde em não autorizar, custear o tratamento indicado pelo profissional médico, classificando-o como de emergência, tais como: internação, realização de procedimento cirúrgico, realização de exame, fornecimento de medicação entre outros.
A Lei n° 9656/98 expressamente determina que, em tais situações, é dever dos planos de saúde a total cobertura, assim determina a lei em seu artigo.
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente.
Portanto, em casos de atendimento de urgência, de acordo com entendimento jurisprudencial e em consonância com o art. 12, V, “c”, da Lei de Planos de Saúde, é proibido impor qualquer carência ou limitação de atendimento, haja vista que essas hipóteses possuem carência de apenas 24 (vinte e quatro) horas da contratação do plano de saúde. Tal conduta deve ser tomada como abusiva. Nesse sentido, já há diversos julgados:
AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO DE EMERGÊNCIA. CARÊNCIA. CLÁUSULA NULA. SEGUIMENTO NEGADO COM BASE NO ARTIGO 557, DO CPC. A cláusula contratual que impede a internação, no período de carência, para procedimento de urgência essencial à preservação da existência do consumidor, é abusiva. Lei 9.656/98. Limitação contratual que atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrada pela CF/88. recurso improvido. (TJ/RJ - 2008.001.13969 - APELAÇÃO CÍVEL - DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ - Julgamento: 04/06/2008 - SEXTA CÂMARA CÍVEL).
Agravo Inominado em Agravo de Instrumento. Processual Civil. Obrigação de Fazer. Plano de saúde. Tutela Antecipada. Requisitos. Decisão do Juízo a quo (fls. 103) que concede antecipação dos efeitos da tutela em ação de obrigação de fazer ajuizada para assegurar a prestação de serviço médico-hospitalar ao neonato segurado de quatro meses com complicações respiratórias (fls. 98). Risco de vida manifesto. Situação de Emergência. Periculum demonstrado. Internação determinada por expressa autorização legal (Arts.12,V,c, e 35-C,I, Lei 9656/98), afastando-se a observância de prazo de carência. Súmula 302,STJ. Ponderação de valores. Dignidade da pessoa humana. Plausibilidade do direito alegado. Provimento de urgência que não se mostrar teratológico ou contrário à prova dos autos (Arts.84,§§3º/5º,CDC c/c 273,CPC). Súmulas 58 e 59, TJRJ. Manutenção do Decisum Relatorial de negativa de seguimento. Agravo Inominado improvido. (TJ/RJ - 2008.002.12092 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. ORLANDO SECCO - Julgamento: 17/06/2008 – OITAVA CÂMARA CÍVEL).
As operadoras de saúde em suas contestações em juízo, em síntese, alegam em sua defesa, a existência da Resolução n° 13 da CONSU, a qual exclui a cobertura, se houver necessidade de internação, em situações de emergência ocorridas durante o prazo de carência previsto para determinados tipos de tratamento, ao que as operadoras de saúde em suas contestações em juízo, em síntese, alegam em sua defesa, principalmente quando envolvem procedimentos de valores financeiramente elevados.
Ocorre que, não prevendo a lei outros requisitos ou limitações para a cobertura na hipótese de emergência, não pode uma resolução administrativa fazê-lo, devendo ser ampla a cobertura, em respeito à legalidade.
A dispensa do prazo de carência, além do previsto contratualmente, é medida que se impõe em respeito às normas legais já citadas, sendo obrigatórios a cobertura e o atendimento, quando o estado de saúde do segurado/consumidor coloca-o em risco de morte ou de lesões irreparáveis.
Nos termos da jurisprudência dominante e da legislação que regulamenta a matéria, onde há expressamente a previsão de cobertura em casos de emergência e de urgência, a materialização da prova inicial pode se dar pela simples requisição do profissional médico que anteriormente atendeu o paciente/consumidor, já sendo prova pré-constituída, juntada com a petição inicial.
Na prática forense na atuação da defensoria, quando se não há tal requisição médica, outras provas podem ser juntadas à inicial, aptas a demonstrar que há violação do direito do consumidor em receber a prestação do serviço, que podem ser exames médicos que demonstram a gravidade da saúde do paciente, ou até relatórios do quadro comparativo do agravamento da saúde do consumidor.
É bem comum que, além dessas provas acima exemplificadas, possam surgir outras, devido ao quadro de emergência que não se fica adstrito a uma prova pré-constituída. Neste caso, o magistrado pode de plano determinar a inversão do ônus da prova, cabendo ao plano de saúde demonstrar que está dando todo o suporte necessário ao consumidor.
Não se deve esquecer que toda matéria de inversão do ônus da prova na relação de consumo, na modalidade de contrato de adesão, também deve ser levada em consideração pelo judiciário quando apreciar a demanda proposta pela Defensoria Pública. Geralmente, o consumidor não recebe nenhum documento de negativa de prestação de serviço por parte da operadora do plano de saúde. Logicamente os planos de saúde não irão formalizar por escrito, materializar suas condutas abusivas e as violações à lei, já fazendo prova pré-constituída do abuso de direito.
Simplesmente negam ao usuário o procedimento médico, o exame médico, a internação, então este fica refém dessa situação, uma verdadeira violação ao direito do consumidor, é um ato de abuso de direito por parte do plano de saúde. Essas situações são passíveis de indenização pelo Poder Judiciário, a qual será demonstrada nas ações ajuizadas pela Defensoria Pública. Assim, deve se estabelecer o quantum devido, necessário ao consumidor pelo dano moral sofrido no momento da negativa da prestação do serviço por parte do plano de saúde.
Já quando o plano de saúde se nega a cobrir o tratamento necessário alegando que o procedimento médico não é de natureza de urgência, cabe também ao consumidor hipossuficiente procurar a Defensoria Pública do Estado para assim se judicializar a devida demanda.
Porém, a despeito da cláusula contratual que limita atendimento à rede conveniada, a Lei de Planos de Saúde (Lei n° 9656/1998) prevê expressamente que o plano de saúde é obrigado a prestar assistência nos casos de urgência, dando total cobertura. Ipsis Verbis: Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
Como instrumento a combater tal negativa de prestação de serviço por parte do plano de saúde o artigo 14, o Código de Defesa do Consumidor, trata da responsabilidade objetiva a que está obrigado o fornecedor de serviços pelo fato da prestação do serviço inadequado ou defeituoso, obrigando-o a reparar o dano que deste decorre. Afirmando que:
“Art.14º. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência da culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1º o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento.
Ressalte-se que, se tratando de um contrato de adesão, no qual as cláusulas abusivas deverão ser nulas ou interpretadas a favor do consumidor. Já o Código Civil, em seus artigos 422 e 423, prestigiou a boa-fé nos contratos regularmente celebrados, merecendo acolhimento do referido princípio, notadamente, quando sua aplicação envolve o mais valioso dos bens, que é o direito à vida. A esse respeito, o Código Civil estabelece em seu “Art. 424.º. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Deve ser observado o princípio da função social do contrato, que veda, mesmo numa relação particular, a impossibilidade de que sejam contrariados interesses primários do Estado, no caso concreto, a vida e dignidade da pessoa humana.
Note-se que tanto o princípio da boa fé objetiva quanto o da função social do contrato foram expressamente positivados em nosso Código Civil:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Quando o consumidor se adere a um plano de saúde, o mínimo que se espera é o amparo em situações extremas e que haja flexibilização contratual para tais situações; que são os casos de procedimentos de emergência e de urgência. Havendo a possibilidade de uma dessas situações ocorrerem, o que se espera pela boa fé objetiva é que o plano de saúde faça a cobertura do segurado, assegurando-lhe o procedimento necessário ao estabelecimento de sua saúde.
É um dos maiores motivos que levam as pessoas a contratarem tais serviços de saúde, essa previsibilidade de que sua saúde e sua vida estarão asseguradas com o uso do máximo de meios e recursos disponíveis pelo plano de saúde. A negativa de atendimento no momento em que o consumidor mais precisa, no caso de uma urgência, frustra todas as legítimas expectativas que este possuía quando do momento da contratação do serviço, quer seja ter sua saúde, integridade física e psicológica protegidas por toda rede do plano de saúde.
Constata-se que os planos de saúde estabelecem muitas vezes limitações contratuais acerca dos critérios de urgência, sendo que é bem claro através de laudos e requisições médicas da necessidade na realização do procedimento, desde uma cirurgia médica de média e até alta complexidade, ao não fornecimento de exames médicos ou de internação hospitalar. O plano simplesmente nega dar devida prestação de serviço, restando assim, ao consumidor, ajuizamento da demanda através da Defensoria Pública para que o judiciário possa efetivar seu direito básico negligenciado pela operadora de saúde.
Sem amparo nas leis ou jurisprudência pátria, os planos de saúde negam tal direito de prestação do serviço de urgência o qual o consumidor detém, sob argumentos de natureza contratual. Motivado por essas condutas há o ajuizamento de demandas de natureza obrigacional, cominatórias e com pedido de tutela de urgência e ou de evidência que, na sua grande maioria, são reconhecidas liminarmente pelos Magistrados como atos abusivos e contrários às normas legais pátrias. Tais tutelas acabam com que o judiciário faça a justiça de forma antecipada, determinando imediatas autorizações para que tais planos de saúde façam cumprir com suas obrigações não contratualmente previstas, e sim legalmente devidas. Tal lógica decorre do sistema processual, onde existem decisões de natureza antecipatória, já que se fosse esperar até o final do processo para que fosse determinada a obrigação ao plano de saúde realizar o procedimento cirúrgico, o exame ou uma internação de urgência, seria tarde demais para o consumidor.
Há também, no âmbito administrativo através da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agência executiva federal que exerce a fiscalização sobre as empresas operadoras de planos de saúde, constantes sanções aos planos de saúde. Assim, existe inclusive a Resolução Normativa nº 124 de 30 de março de 2006, que em seu artigo 78 sanciona a operadora que deixar de prestar atendimento ao usuário de seus serviços: “Art. 78. Deixar de garantir aos consumidores de planos privados de assistência à saúde o cumprimento de obrigação de natureza contratual: sanção – multa de R $60.000,00."
4 NEGATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SOB ALEGATIVA POR NÃO ESTÁ NA LISTA DA ANS – ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO
Todas as coberturas médicas estão previstas nos contratos de plano de saúde, modalidade de adesão que, em tese, se destinam a preservar a saúde do consumidor. Devem as coberturas médicas englobarem todos os procedimentos necessários para prevenção e recuperação da saúde e bem-estar do segurado/consumidor, devendo ser corolário da vontade manifestada pelas partes no momento da assinatura do contrato.
Se é permitido ao plano de saúde apontar quais são as doenças, patologias, os tratamentos, os procedimentos, os exames médicos e os medicamentos que terão cobertura contratual nos contratos de adesão, tal rol de procedimentos médicos, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, é meramente exemplificativo, devendo ser orientado pelo princípio da boa fé objetiva, aliado ao ditame de corolário constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, frise-se que o posicionamento da jurisprudência da corte do Superior Tribunal de Justiça, especialmente da Terceira Turma é no sentido de que:
“o fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo.” (AgInt no AREsp 1442296/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23/03/2020, DJe 25/03/2020; AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 16/02/2016, DJe 26/02/2016; AgInt no REsp 1929629/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 25/05/2021, DJe 28/05/2021.
Com efeito, a Corte Superior entende que o fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, uma vez que se trata de rol exemplificativo.
Sendo assim, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor (AgInt no REsp 1912467/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 29/03/2021, DJe 06/04/2021).
Ademais, não é razoável se exigir do consumidor, no momento em que decide aderir ao plano de saúde, o conhecimento acerca de todos os procedimentos que estão e dos que não estão inclusos no contrato firmado com a operadora do plano de saúde, inclusive porque o rol elaborado pela Agência Nacional Saúde Suplementar – ANS apresenta linguagem técnico-científica, absolutamente ininteligível para o leigo.
5 CONCLUSÃO
Na verdade, o consumidor, ao contratar uma operadora de plano de saúde, nutre a expectativa de que será prontamente atendido diante das necessidades de restabelecimento de sua saúde. Independente do qual será o tratamento ou procedimento indicado pelo profissional da saúde, não dependendo de aval por parte do plano de saúde.
Nestes casos em que o consumidor hipossuficiente for lesado da prestação de serviço necessária para o restabelecimento de sua saúde, este deverá procurar a Defensoria Pública para que a mesma haja a judicialização da demanda, sendo pedido medida de urgência ou evidência. Bem logo, de imediato, deverá o Poder Judiciário se manifestar através do Magistrado, concedendo decisão judicial de forma a restabelecer imediatamente a prestação de serviço que fora negada pelo plano de saúde ao consumidor.
Logo, se o tratamento de uma determinada doença ou patologia está ou não coberto, não é razoável que haja limitação de que qualquer tratamento prescrito por especialista médico, com o objetivo de restabelecimento da saúde do segurado/consumidor, possa sofrer algum tipo de mitigação. Esse entendimento é avesso ao objetivo do contrato e ofensivo à integridade do segurado/consumidor, violador de normas legais e contrário à dignidade da pessoa humana, princípio essencial no Estado de Direito.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Defesa do Consumidor (1990). Lei n° 8.078/90. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 03 de Janeiro. 2022.
BRASIL. Código Civil (2002). Lei n° 11.406/2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/110406complilada.htm>. Acesso em: 03 Janeiro. 2022.
BRASIL. Lei n° 9.656/98. (1998). Brasília, DF: Presidência da República, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm>. Acesso em: 03 de Janeiro. 2022.
BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE. Brasília, DF. Disponível: <https://www.ans.gov.br>. Acesso em: 02 de Janeiro. 2022.
BRASIL. TJRJ. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Jurisprudência. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <https://www.tjrj.jus.br/web/guest/consultas/jurisprudencia/pesquisa-selecionada>. Acesso: 04 Janeiro, 2022.
BRASIL. STJ. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Brasília, DF: STJ. Disponível em:<https://www.stj.jus.br>. Acesso: 04 Janeiro, 2022.
GARCIA. Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007.
MARQUES. Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2016.
NEVES, Daniel Amorim; TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2017.
[1]Critério de hipossuficiência a ser demonstrado pelo assistido sua situação socioeconômica para poder ter a representação processual pela Defensoria Pública do Maranhão, conforme preconiza a n° Lei Complementar Estadual nº 19 de 11 de janeiro de 1994. Valerá como comprovação, para os efeitos do parágrafo anterior, a prova de uma das seguintes condições: a) ter renda pessoal inferior a três salários mínimos mensais, ou; b) pertencer a entidade familiar, cuja média da renda per capita, mensal, não ultrapasse a metade do valor referido na alínea anterior.
Defensor Público do Estado do Maranhão desde 2011, titular no 4° Ofício Núcleo Forense Cível e Fazenda Pública.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, RODRIGO GOMES DE FREITAS. A Defensoria Pública na defesa do consumidor contra os principais atos abusivos de planos de saúde. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2022, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58137/a-defensoria-pblica-na-defesa-do-consumidor-contra-os-principais-atos-abusivos-de-planos-de-sade. Acesso em: 23 dez 2024.
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