Resumo: O artigo possui como escopo expor a visão aristotélica sobre o papel do direito natural na concepção de leis duradouras e estáveis em uma sociedade e a função do legislador na positivação dessas normas. A hipótese é: o legislador tem um papel primordial no estabelecimento da moral de um estado, devendo atuar como ponte entre o plano ideal do direito, a justiça, e o corpo regulador da vivência social. Caso assim não o faça, o corpo normativo da cidade e a moral de seus cidadãos corre o risco de sofrer deformidades e cair em desuso, gerando incerteza jurídica e arbitrariedades. A pesquisa delimita-se principalmente em artigos científicos que expõem a visão de autores renomados quanto ao tema. Para dar maior sustento ao estudo, utiliza-se da Pesquisa Bibliográfica por meio do Método Indutivo, com abordagem qualitativa, em que o procedimento é o descritivo explicativo. Como análise contextual pode-se perceber que a real função do legislador, como personagem político, é a de formular normas abstratas de conduta, impermeadas de valores morais e de justiça, devendo possuir, para o exercício desta função, qualidades intelectuais e morais extremamente fortes, como forma de não se corromper e garantir que cidade alcance a sua finalidade.
Abstract: The article aims to expose the Aristotelian view on the role of natural law in the conception of lasting and stable laws in a society and the role of the legislator in the positivization of these norms. The hypothesis is: the legislator has a primordial role in establishing the morality of a state, acting as a bridge between the ideal level of law, justice, and the regulating body of social experience. If this is not done, the city's normative body and the morality of its citizens run the risk of suffering deformities and falling into disuse, generating legal uncertainty and arbitrary acts. The research is mainly delimited in scientific articles that expose the view of renowned authors on the topic. To give greater support to the study, Bibliographic Research is used through the Inductive Method, with a qualitative approach, in which the procedure is descriptive and explanatory. As a contextual analysis, it can be seen that the real function of the legislator, as a political character, is that of abstract formal rules of conduct, impermeable to moral values and justice, and must have, for the exercise of this function, extremely strong intellectual and moral qualifications. , as a way of not corrupting itself and ensuring that the city achieves its shape.
Palavras-chave: Direito Natural; Direito Positivo; Aristóteles; Legislador; Moral; Ética.
Este presente artigo foi concebido através de uma revisão de literatura, leitura e fichamento de obras elencadas nas referências. Tal como reflexão e escrita com o objetivo de desenvolver da melhor forma o tema pretendido.
1. Introdução
Na sociedade ocidental, o positivismo, como resultado de um pensamento sistêmico e científico, tem primazia nos debates acadêmicos. Não se busca questionar a importância de leis hierarquicamente organizadas e sujeitas a validação pelo próprio sistema que as institui. Todavia, é plenamente possível que existam leis, perfeitamente válidas, quanto à forma, no sistema jurídico, mas injustas, quanto a sua matéria e aplicação, de maneira que é evidente que existe um vácuo a ser preenchido, acredita-se, pelo direito natural.
Como expoente da corrente de pensamento que salienta a importância da lei positivada, temos Hans Kelsen, jurista e filósofo Austríaco. Na visão Kelseniana, como aduz Arnaldo Vasconcelos, em um sistema positivista puro, as normas são validadas hierarquicamente, em vinculação estrita com suas predecessoras, até o ápice, que é representado por uma norma fundamental hipotética:
Cada norma fundamenta e produz a norma que lhe é inferior, num processo de autoformação que ascende até a norma básica, hipotética e fundamental, chave da unidade de todo o ordenamento jurídico. É hipotética a norma básica, porque está pressuposta, enquanto as demais se encontram postas; e é fundamental, porque imprescindível à própria existência do ordenamento jurídico (VASCONCELOS, 2002, p. 123).
Daí se tem a perspectiva científica do direito, que constitui também como pilar da própria ordem jurídica brasileira. Perdeu-se com o tempo a primazia dada a moral e a ética na concepção das normas, ou seja, o direito natural foi colado de escanteio pelo fato de sua natureza ser eminentemente metafísica. Nesse sentido, o direito positivo, para Paulo Nader, busca certeza e segurança jurídica, desprezando o lado transcendente e adotando um viés racional estrito:
O positivismo jurídico [...] rejeita todos os elementos de abstração na área do Direito, a começar pela idéia de Direito Natural, por julgá-la metafísica e anticientífica [...] despreza os juízos de valor, para se apegar apenas aos fenômenos observáveis. Para essa corrente de pensamento o objeto da Ciência do Direito tem por missão estudar as normas que compõem a ordem jurídica vigente. Nessa tarefa o investigador deverá utilizar apenas os juízos de constatação e de realidade, não considerando os juízos de valor. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um ceticismo absoluto. Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas por vias da emoção, o positivismo se omite em relação aos valores (NADER, 2003, p. 376).
Nota-se, noutro giro, que essa perspectiva do direito, apesar de ter seus benefícios, não é completa. As normas, para o positivismo, sofrem validação estritamente formal, carecendo, assim, de valores quer permeiam a cultura e moral de determinada sociedade. Essa moral, acredita-se deve ser preenchida pelo direito natural, pensamento que encontra respaldo no filósofo grego Aristóteles, para quem a justiça, vista do viés natural, tem uma força que rompe com as barreiras políticas, sendo que transcende a vontade humana e é imutável, tendo a mesma forma em todo lugar, “como o fogo que queima aqui e na Pérsia” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).
Nada obstante, essa concepção de um direito com bases metafísicas precisa ser transposta para a realidade prática de alguma forma. Daí a noção de que é imprescindível a existência de uma figura da vida política, dotada de grandes virtudes, que positive essas normas no corpo normativo de um estado, para que o povo, baseando-se nas linhas definidas por eles percorra um caminho estável e que propicie o desenvolvimento das potencialidades de cada um dos cidadãos. Essa figura, supõe-se ser o legislador.
No presente trabalho, buscou-se, portanto, analisar, dentro da bibliografia selecionada, o papel do legislador no estabelecimento da moral de um Estado. Como pontífice entre o plano ideal do direito e o corpo normativo que será aplicado à realidade social vivida, ele tem que demarcar linhas éticas duradouras, sem deixar de relacioná-las com as normas intrínsecas à condição humana (direito natural) e um ideal de justiça. Caso assim não o faça, o corpo normativo da polis corre o risco de cair em desuso e ser rechaçado pela sociedade.
2. Direito Natural e o seu Papel na Concepção de Normas Duradouras e Estáveis
O direito natural tem raízes na Grécia Antiga (BEDIN, 2014). A tragédia Antígona, escrita por Sófocles (494-406 A.C) demonstra a luta contra lei escrita (positivada), quando ela não se adequa a valores considerados transcendentes à condição humana. Nela, Antígona, personagem principal, possuía um irmão, Polinice, que, falecido, não podia ser sepultado, em virtude de uma determinação das leis de Creonte, Rei de Tebas, que o consideravam como traidor da pátria. Todavia, acreditando que o direito de sepultar um familiar era garantido por uma lei imutável, que não podia ser condicionada nem mesmo as leis escritas do reino de Tebas, Polinice tentou sepultar seu irmão e, por isso, foi levada à julgamento.
Na sua defesa, Antígona teria buscado demonstrar que a lei escrita precisa se fundamentar em uma norma natural condicionante que vai além da vontade do representante do poder que a institui, o que validaria a rejeição de certas normas, pelo povo, quando estas não se adequarem a esse pressuposto básico fundamental, ou, como diz a personagem, não se adequarem a Lei dos Deuses (BEDIN, 2014). Assim, pode-se definir o direito natural como as normas fundamentais, não escritas, ou princípios humanos, que condicionam a validade das normas positivadas.
De acordo com Bovero (1994), citado por França (2015), o direito natural contemporâneo seria fruto de uma busca por uma resposta ao que hoje chamamos de relativismo ético. Isso se daria principalmente pelo fato de existir uma crença generalizada que os direitos são definidos de acordo com as circunstâncias, sem algo imutável que posso ser aplicado a humanidade como um todo. Todavia, uma corrente mais tradicionalista, considera que há, na realidade material e objetiva, uma série de prerrogativas humanas que são invariáveis e absolutas.
Lafer (1991), citado por Vianna (1996), explica que nos estados modernos, começa-se a perceber que o positivismo jurídico possui carências. Com conflitos bélicos mundiais, em especial a segunda guerra mundial, com a nascimento do Nazismo, e o crescimento dos regimes totalitários na América Latina entre os anos 60 e 70, pôde-se notar que um corpo normativo desvinculado a normas morais não conseguiu impedir que tais regimes autoritários se instalassem no poder e cometessem atrocidades. Por isso, nos estados modernos, tenta-se, por meio da positivação de direitos fundamentais e diretrizes normativas nas constituições dos estados, balizar os limites de sua atuação.
A necessidade de normatização desses direitos fundamentais nas constituições modernas não gera somente o dever de o legislador positivá-los, mas também a possibilidade de existir um controle legal, realizado pelo terceiro poder da concepção de Mostesquieu, o Judiciário, sobre a atividade legislativa, com a finalidade de verificar se ela está voltada, verdadeiramente, para a concretização desses direitos (VIANNA, 1996). Isso se dá pelo fato de, muitas vezes, a incorporação do ideal de justiça nas constituições carecer de eficácia normativa, sendo considerada uma “legislação simbólica”, disposta somente pela vontade política.
Marcondes (1998), citado por Resende (2016, p. 14), expõe que a concepção do direito natural, na Grécia antiga, com Sócrates e Platão, tinha como base primordial a busca pela "essência da ordem natural do ser". Sócrates veria a felicidade como fim da ação humana e a ignorância como o início de todos os males. Veja que, nessa concepção, o erro seria resultado da ignorância, de maneira que, ao conhecer a si mesmo, o homem tem as bases necessárias para adotar um agir ético e poder conceber, na realidade, o que é a verdade e o certo.
Dentre as características atribuídas à doutrina do direito natural apresentadas por Bedin (2014), está a sempre presente comparação do conteúdo das normas positivadas e preceitos universais e constantes, um ideal de justiça. Dessa forma, ainda que determinada lei esteja formalmente internalizada no corpo legislativo de um estado qualquer, é imprescindível que ela esteja em harmonia com o ideal de justiça que a transcende, caso contrário, não será válida. Na antiguidade, esse ideal de justiça era baseado na própria natureza. O filósofo grego Aristóteles (384-324 A.C), dentro desta percepção, concebia a existência de dois tipos de leis, as próprias e as comuns. As próprias seriam aquelas que o indivíduo impõe a si próprio, enquanto as comuns seriam as leis de acordo com a natureza e, por isso, com validade universal.
Além da visão do direito natural que utiliza como referencial de justiça a natureza, designada usualmente como Direito Natural Cosmológico, pode-se citar outras duas doutrinas que são resultado da evolução histórica humana ocidental: o Direito Natural Teológico, que tem como expoente Tomás de Aquino (1225 – 1274 D.C) e vê a ordem divina como fundamento das leis; e o direito natural antropológico, o qual foi bem representado pelo pensamento de John Locke (1632 – 1704 D.C), sob a ótica do homem como pilar da valor e justiça das normas positivas (BEDIN, 2014). Nada obstante, pode-se, em uma abstração ousada, encontrar um ponto comum entre as três visões. O fato de norma positiva precisar ser validada por um ideal de justiça que a transcende.
O direito natural cosmológico, para Resende (2016), corresponderia a normatização, pelo homem grego e romano, da ordem natural do cosmos e interna do homem, ligando-a a organização da cidade. No teológico, existe uma verdade basilar levada a cabo pela igreja: o homem é falho. Em razão disso, não poderia o mesmo ser a medida do direito natural, que é imutável e constante, de forma que se passou a considerar a palavra divina como centro das teses jusnaturalistas. Por fim, na concepção do direito natural antropológico ou racional buscou-se dar destaque a racionalidade do homem.
De acordo com Nader (2003), citado por Resende (2016, p. 12), o direito natural "é referência para o legislador e para as consciências individuais". Isso porque é comumente observado que a população possui uma série de crenças preestabelecidas, não positivadas, que condicionam a moral do indivíduo e regulam a vida em sociedade. Ao contrário da lei positiva, que muitas vezes é considerada falha, a lei natural representa um ideal de justiça, uma ordem estabelecida não pelos homens, para pelo todo ordenado que é o cosmos, logo, carente de falhas. O direito natural, por consequência, tem como objetivo transpor essas normas do plano metafísico para o corpo normativo do estado.
Conforme explicar França (2015), haveria na filosofia Aristotélica uma superficial contradição entre a justiça natural, que seria aquela idêntica em validade em todos os lugares, e a ideia de um direito natural variável, posto que o filósofo em muito se preocupava com a ação concreta do homem no mundo e o papel de sua escolha nas mais diferentes circunstâncias.
Destrée (2000), citado por França (2015), aduziu que o direito natural é, de fato, imutável. Nada obstante, o fato do direito natural ser imutável não lhe retiraria a possibilidade de apresentar algumas adaptações ao caso concreto, em razão da própria natureza do homem. Sendo assim, mesmo o direito natural possuindo uma força invariável a priori, as mudanças existentes poderiam decorrer da falibilidade do homem. Nesse sentido, Aquino (2001), citado por França (2015) teria aduzido que certas acepções da justiça divina não poderiam variar “como o de que o mal é para ser evitado, que a ninguém deve ser injustamente feito dano, não se deve roubar e outros semelhantes”, apesar da sua aplicação ser diferente em sociedades diversas.
Existia, por outro lado, uma corrente de interpretação que considera o pensamento Aristotélico sendo marcado pela variabilidade total do direito natural. Os principais representantes dessa corrente, denominada historicista, seriam Leo Strauss e Pierre Aubenque. Para Strauss (2009), citado por França (2015), a história teria demonstrado que um direito universalmente reconhecido não existe, principalmente em virtude da variabilidade infinita das noções de direito que podem ser encontradas na história humana. Na visão de Strauss, Aristóteles teria fincado seu pensamento no plano prático, material, da vida social, de forma que a justiça, para o Filósofo, seria concebida mediante a escolha correta em uma situação particular, e não por meio de ideias gerais.
Por sua vez, Pierre Aubenque (1980), citado por França (2015), firmou a tese de que o verdadeiro direito natural seria aquele que consegue se adaptar as circunstâncias múltiplas da vida humana. Isso porque, em sua visão, uma norma abstrata que pretendesse ser aplicada a diferentes povos, sem qualquer mudança, seria contrária a própria natureza dos mesmos. Povos com culturas diferentes deveriam ter leis diferentes.
Todavia, sendo o homem um animal político, que estabelece relações sociais por meio da linguagem, existe uma limitação ao alcance desta suposta verdade universal. A capacidade da linguagem permite ao homem deliberar sobre o que é justo ou não e escolher qual ação tomar, interpretando a natureza. Isso, conforme citado por França (2015), Aristóteles teria concebido ao afirmar que “a justiça política é em parte natural, em parte convencional”.
Dessa forma, percebe-se que interpretação historicista, por meio da tentativa de relativizar o direito natural, como sendo um conjunto de regras variáveis, que se moldam ao caso concreto, se assemelharia aos filósofos sofistas, os quais Aristóteles rejeitava com tanta veemência. Nesse sentido, Destrée (2000), citado por França (2015), afirma que Aristóteles buscava refutar a doutrina sofista, que acreditava que todo o direito existente era fruto da convenção.
Deve haver, afirma Aristóteles, se não as leis, pelo menos algo como um “direito” (Aristóteles diz “justo”) que é natural, ou seja, não arbitrário. Acredito que é onde reside a diferença entre o direito positivo e o direito “natural”, caso contrário Aristóteles não hesitaria em chamar esses direitos positivos de “direito humanos” (άνθρώπινα δίκαια – 1135 a 4) que são “não naturais” (DESTRÉE, 2000, p. 228-229, citado por FRANÇA, 2015).
Nessa concepção, o direito natural seria não arbitrário, não sendo também pautado na imposição legal como o direito positivo, que tem sua aplicabilidade determinada pelo legislador, em determinado local e em determinado tempo. Isso teria sido demonstrado por Aristóteles quando afirmou que existiria apenas uma forma de governo que é natural, ou seja, existiria um regime perfeitamente realizável praticamente.
Porém, tal regime não se confunde com a constituição de uma nova cidade ou algo ideal ou imanente, aos moldes de Platão, mas um regime absolutamente realizável. Trata-se de um regime perfeito que deve servir em todos os lugares e em todos os regimes existentes, portanto, um regime “natural”, como única resposta à natureza humana como tal, permitindo ao homem realizar-se, ou seja, alcançar a eudaimonia ou o bem viver. É esta noção de felicidade humana que funciona como medida última do direito natural (FRANÇA, 2015, p. 241).
É inconteste que Aristóteles deu especial atenção a ação concreta do homem. Contudo, o seu pensamento não se limitou a ignorar pressupostos básicos da ação humana. Em suas obras, conforme as bibliografias consultadas, não há nada categoricamente estabelecido quanto a inexistência de normas universais que regem a vida do homem, mas pelo contrário seguindo o seu pensamento basilar de que ação humana tende a um fim, a concepção de que existe uma norma aplicável perfeitamente para a conquista desse ideal, que propicie da melhor forma a sua obtenção, não parece ser tão inviável. Ademais, percebe-se que o que se considera hoje como direito natural passou pela interpretação humana e pelo uso da linguagem, de forma que não se trata da norma imutável, mas de uma interpretação humana dela, sujeita da falibilidade do homem.
3. A Função Legislativa Na Perspectiva do Estrito Direito Positivo
A ciência jurídica, propriamente dita, começou com Hans Kelsen, com sua obra “Teoria Pura do Direito”. O Jurista teve o objetivo de edificar os fundamentos do direito positivo separados de qualquer intromissão considerada “não jurídica”. Isso porque um sistema normativo, em si, não poderia conter elementos estranhos ao direito, direito que é considerado aqui como um sistema de normas com força obrigatória e de aplicação vinculada a um determinado território de um Estado. Buscou-se, assim, distinguir o sistema jurídico de outros sistemas de normas como a moral e o direito natural (PARELMAN, 1993).
Segundo Perelman (1993, p. 2), todo sistema de normas e de atos jurídicos é hierarquizado e dinâmico. A hierarquia pressupõe que os atos e normas sejam validados por outros atos e normas, até a norma fundamental, que valida todo um sistema. A dinamicidade, por sua vez, é a característica do sistema jurídico que confere ao legislador, ao juiz e ao administrador a capacidade para criar novas leis, uma vez obedecidas as balizas hierarquicamente superiores, ou aplicar no caso concreto essas normas. Em virtude disso, tem-se a pressuposição de que as normas “superiores” somente fornecem o molde pelo qual as normas “inferiores” serão validamente positivadas em um sistema, conferindo certa liberdade a esses atores políticos em sua atuação.
De acordo com Marcondes (1995, p. 42 ss.), citado por Resende (2016, p. 12-13), com o objetivo de desvincular-se das crenças místicas e possuindo a necessidade de independência frente aos fenômenos da natureza, determinados pensadores da Grécia antiga, como Trasímaco e Cálicles, passaram a considerar as leis como fruto de uma convenção arbitrariamente imposta por um grupo dominante ou mesmo a justiça como a imposição do interesse do mais forte sob o mais fraco. Porém, nessa perspectiva, nem sempre os interesses do grupo dominante ou do mais forte estarão em harmonia com a bem da população governada. Os desvios possíveis são incalculáveis. Sendo a vontade humana, pessoalmente considerada, a única medida para a criação de leis e sua aplicação, a sua vigência ficaria restrita ao tempo em que tal indivíduo se mantém no poder. Logo, a insegurança jurídica é o único resultado a ser esperado.
Assim, conforme explica Parelman (1993), Hans Kelsen teria notado, baseado nessas ligações lógicas, que a passagem da norma fundamentadora para as fundamentadas depende de atos de vontade, estritamente ligados a ideologias, culturas, política e moral, porém, não ao direito. A ciência do direito, por conseguinte, nada teria a ver com as consequências práticas das normas positivadas, mas apenas dar legitimidade ao sistema jurídico.
O legislador, nessa perspectiva, não é um intérprete da norma fundamental, mas personagem político com efetiva autoridade e capacidade criativa no ordenamento jurídico, conferida pela constituição. Sendo assim, sua atuação, tanto quanto a do juiz e do administrador, é um ato de vontade e não de conhecimento. Há, assim, uma clara separação entre a ciência jurídica e a política jurídica. A exposição dos motivos de um projeto de lei, por exemplo, deve ser objeto somente da política jurídica, nunca da ciência do direito.
O conceito de lei para Rousseau era desvinculado de relação com a lei natural, sendo elas (as leis) fontes estritas da convenção estabelecida para o convívio social. Acreditava-se, nessa perspectiva, que o homem estava predisposto, naturalmente, a cometer injustiças, de forma que, como a natureza não se prestava a aplicar uma sanção aos atos injustos, era imprescindível, para um convívio em sociedade, que fosse construído um mecanismo coletivo para regular a conduta das pessoas, para que agissem de forma justa.
Com essa visão, Rousseau teria buscado definir o que é a lei baseado em como ela deveria ser, dando destaque para sua essência, sem deixar de dar importância para a essência de quem as cria. Isso porque, com a criação do pacto social, foi preciso criar um instituto que garantisse que o que tinha sido estabelecido nele fosse respeitado pelas demais pessoas pertencentes à determinada sociedade.
4. A Função Legislativa e a Sua Importância na Normatização de Leis Estáveis
A função legislativa, dentro dos estados modernos, tem ganhado volume em fatores de complexidade e técnica. Os fatos sociais a serem balizados em leis, ou seja, pelo corpo legislativo, aumentaram exponencialmente. As situações que o poder legislativo precisa trabalhar são das mais diversas, de forma que grande parte da vida de um indivíduo hoje é regulada pela legislação. Assim, para o exercício dessa função, é necessário que sejam dela investidos indivíduos de grande força moral, intelectual e política (QUINTANA, 1946).
Como bem dispõe Quintana (1946), o pilar do ordenamento jurídico é a obediência a lei. A função legislativa, por conseguinte, sobrepõe-se as funções administrativa e judiciária, pois seus atos próprios (exercício da função típica) são fundadores da ordem jurídica e só são submetidos ao controle, no caso de um estado soberano, pela constituição, norma que se situa no ápice de todo o sistema.
A lei, para Rousseau, seria um ato que se origina da vontade geral da sociedade, que busca unir direitos e deveres, e possui, quando do seu descumprimento, reprimendas de caráter também geral a serem aplicadas, com o objetivo de regular a boa convivência em sociedade, respeitando o princípio da reciprocidade, que se consubstancia na acepção de que ao ofender um dos membros da sociedade, ofende-se o todo (PONTES, 2013).
Pontes (2013) afirma que, para Rousseau, os cidadãos comuns não seriam capazes de realizar um julgamento acertado sobre a constituição de uma lei. O homem comum buscaria privilegiar seus próprios interesses, desconsiderando o que melhor para a sociedade, o que violaria um dos princípios basilares do Contrato Social estabelecido pelo filósofo - a necessidade de as normas possuírem um caráter geral, visando o bem social. O legislador, assim, atuaria como uma guia, dirigindo e corrigindo as falhas do procedimento legal, de maneira a garantir a soberania do povo e o melhor interesse da sociedade.
O legislador, nessa ótica, deveria possuir um intrínseco amor à pátria, bem como uma sabedoria acima da média, com o objetivo de auxiliar os cidadãos na busca no bem comum. Ele corrigiria falhas e ponderaria, visando o bem do povo, os benefícios de curto prazo, almejados pela população, com os riscos que eles geram ao longo prazo.
“Rousseau acredita fortemente no poder das leis, pois elas podem transformar a natureza humana, substituindo a liberdade natural pela liberdade civil, e tornar o indivíduo parte de um todo maior.” (PONTES, 2013, p. 51).
Contudo, Rousseau acreditava, segundo Pontes (2013), que a criação do direito moral e político era baseada na disposição voluntária do direito natural, como obra da cultura. Ou seja, apesar das considerações realizadas de que o legislador tem um papel quase que transcendente na concepção dos valores morais da sociedade, possuindo quiçá características quase divinas para alcançar os objetivos da vontade geral, tudo isso seria obra da razão humana, pelas convenções sociais externalizadas nas leis, e não por uma norma própria da natureza que transcenderia o homem.
“(...) para descobrir as melhores regras da sociedade que convém às nações seria preciso uma inteligência superior, que enxergasse todas as paixões dos homens, e não fosse suscetível de as experimentar; que não tivesse relação com a natureza humana e que a conhecesse profundamente; que tivesse uma felicidade independente de nossa existência e que, no entanto, quisesse ocupar-se com a nossa; que, enfim, no progresso dos tempos, preparando uma glória longínqua, pudesse trabalhar num século e auferir os proveitos num outro. Seriam precisos deuses para dar leis aos homens” (ROUSSEAU, 1929, citado por QUINTANA, 1946).
O pensamento de Platão, por outro lado, em sua obra A República, levava ao entendimento de que àqueles que devem exercer as funções do governo seriam os que possuem conhecimento do imutável, do eterno. Aos filósofos, assim, como possuidores das maiores qualidades intelectuais e morais de um reino, caberia essa função. Eles se dirigiriam ao povo de maneira pedagógica, buscando elucidar o que estava nas trevas, por meio da razão, de forma a educar e não a persuadir, buscando formar a consciência dos cidadãos (PONTES, 2013).
Aristóteles (2010), citado por Pontes (2013), afirmou que alguns legisladores, no exercício desta função, somente elaboram leis, enquanto outros, poucos, além de as elaborarem, fundavam estados. Dentre estes últimos existia Sólon, legislador ateniense, que teria valorizado valores morais, considerando-os superiores a lei positiva da época, para promover uma revolução legislativa, instituindo a lei da libertação, que teve o objetivo de emancipar pessoas que haviam se tornado escravas em virtude dívidas em sua época.
Dessa forma, parece ser de entendimento comum a necessidade do indivíduo que exerce a função legislativa ser dotado de qualidades e virtudes excepcionais. Porém, como o corpo normativo da cidade situa-se no campo abstrato da vida social, é preciso que pessoas e indivíduos apliquem a lei no dia a dia para que exista um vínculo entre o que foi estabelecido pelo legislador e a realidade prática.
Veja bem, as leis são normas de caráter geral e não podem, por uma limitação ontológica, abarcar todos os casos da vida social. Por isso, elas não seriam suficientes, por si só, para garantir a formação de bons cidadãos e regular corretamente a vida em sociedade. Para superar esse problema, deve ser utilizado o critério da equidade, pois, quando a lei se depara com situações diferentes e não possui uma resposta definida para a situação, a equidade pode corrigi-la (SMIT, 2009).
Nos estados modernos, por exemplo, aos juízes não há a possibilidade de negação ao julgamento, por motivo de ausência de disposição legal. Assim, em casos de eventuais lacunas nas leis, deve o magistrado considera-las apenas aparentes e promover um julgamento. É em virtude do poder de interpretação e decisão conferido ao juiz que o sistema jurídico de um determinado estado pode ser considerado sem incongruências ou divergências. A motivação das decisões judiciais, que disso decorre, fundamenta a ordem jurídica e valida o sistema, muitas vezes aplicando a equidade para resolução do caso concreto (PARELMAN, 1993, p. 4).
Ocorre que assa situação abre possibilidade para o intérprete decidir pela não aplicação de determinada lei no caso concreto ou mesmo por estender os efeitos de determinadas leis a situações antes não abarcadas.
A não aplicação constante de determinados textos legais a casos concretos, pode levar a norma a cair em desuso. De outro lado, a aplicação continuada de determinadas teorias ou interpretações pode modificar a própria lei, alterando, assim, seu sentido primeiro, para se adaptar as mudanças sociais (PARELMAN, 1993, p. 5). Essa mudança muitas vezes é fundamentada em valores morais e no direito natural, que constituem um arcabouço de princípios, muitas vezes, implícitos nos textos legais, que norteiam sua aplicação.
5. Ética em Aristóteles e o Papel do Legislador Como Ponte entre as Normas de Direito Natural e Direito Positivo.
A ética e a política não são temas trabalhados separadamente nas obras de Aristóteles. A vida moral do indivíduo é complementar e necessária para a boa vida da comunidade. Essa junção comporia o centro unitário da Polis e o fator essencial para o alcançar a finalidade da comunidade: a felicidade máxima possível para seus habitantes. O legislador, nessa concepção, seria aquele que edita as normas aplicáveis à cidade, com o objetivo de garantir que os cidadãos possuam um caminho para alcançar esse fim último. Sendo assim, para a definição de que papel teria o legislador e sua responsabilidade com os cidadãos, mostra-se necessário verificar qual a definição de cidade e de cidadão para Aristóteles.
Aristóteles, conforme citado por Smit (2009), definiu, no livro III da Política, que cidade é “o conjunto de cidadãos suficiente para viver em autarquia”. Já o cidadão seria uma qualidade que se restringiria a determinadas pessoas que possuem a capacidade de participar na administração da justiça e do governo. Assim, o legislador seria aquele que edita as leis aplicáveis ao conjunto de pessoas, com capacidade de atuação política, que vivem em autarquia, pois são estas pessoas que representam a cidade.
A noção de cidadão para Wolf (1999), citado por Smit (2009), dependeria do regime político adotado pela cidade. Por isso, determinada constituição poderia estabelecer direitos a determinados grupos que em outras haveria a restrição. Nada obstante, ainda que em diferentes constituições, caberia ao legislador conhecer e auxiliar os regimes existentes de forma a subsidiar sua melhor atuação possível, ainda que não seja considerado o ideal. A função de legislar, assim, estaria compreendida dentro da atividade política, pois, sendo esta a maior das ciências, ela seria capaz de fazer uso das demais e determinar como os seres humanos devem viver.
Aristóteles, no Livro IV da Política, teria definido que para o bom exercício da função de legislar, a pessoa encarregada dessa tarefa deveria estar atenta a todos os aspectos da ciência política. Assim, verificando a importância que o regime político que a cidade possui para a felicidade de seus cidadãos, o legislador deveria sempre buscar a adoção do melhor, porém, a tarefa dele aí não se resumiria. Cada peculiaridade necessária para o atendimento das necessidades dos cidadãos, de forma a iluminar o melhor que existe dentro deles, deveria ser levada em conta por este personagem da vida política (SMIT, 2009).
Por conseguinte, uma lei deveria determinar as ações consideradas corretas e proibir as consideradas nocivas, pois aquelas necessariamente ajudam a cidade a alcançar seu fim, enquanto estas últimas a desviam dele. Com essa visão, a formação da legislação passa a ter um contorno ético, pois é preciso determinar como deve o cidadão agir e qual a melhor forma de educá-lo e de corrigi-lo, de forma que se tornem aquilo que a cidade espera deles. Assim, segundo Smit (2009), caberia ao legislador direcionar os cidadãos na busca desse fim, constituindo normas que buscam aperfeiçoá-lo, para que, no futuro, possam ser novos bons legisladores e preservem o regime, buscando, ao mesmo tempo, alcançar a felicidade da comunidade.
Veja-se que a educação dos cidadãos é de primordial importância, tanto para o legislador, quanto para a política como um todo. Educar o cidadão é a tarefa para qual o legislador existe, de maneira a infundir neles um certo caráter, bem como torna-los bons e capazes de boas ações, como diz Aristóteles, citado por Smit (2009). Essa educação seria formada pelos hábitos.
Os hábitos buscariam exercitar a virtude dentro do indivíduo, mediante a obediência às leis, que representam a justiça em sentido amplo para Aristóteles, pois elas incentivam e fomentam àquelas qualidades que seriam as melhores para o homem. Porém, essa justiça só existe onde os cidadãos são iguais perante a lei, ou seja, em uma relação social, todas as partes precisam estar submetidas a norma para que a lei seja justa. Assim, só existiria justiça onde o legislador tivesse instituído um estado de direito.
Na filosofia de Aristóteles, cada coisa presente no mundo material tem sua finalidade. Por conseguinte, cada coisa possui uma verdade que lhe atribuível baseada nas suas características próprias. Aristóteles, citado por Resende (2016, p. 16), afirma, em Ética à Nicômaco, que a Alma humana é composta por três espécies de coisas: faculdades, paixões e disposições de caráter. Ao analisar essas espécies, por fim, chegou-se à conclusão de que a virtude não seria nem uma paixão, nem uma faculdade, pois está dentro do limite de controle do homem, podendo ser adquirida pelo hábito. Assim sendo, o homem poderia aprender a escolher a boa ação, independente de características natas do Ser.
Essa visão está descrita no Livro V, da Ética à Nicômaco, onde Aristóteles dispõe que a definição das ações justas caberia ao legislador (e ao político), pois é ele que decide, inicialmente, o que a lei irá incentivar ou proibir. A justiça, para essa visão, seria a obediência ou não aos critérios estabelecidos pela lei. Porém, como a lei não consegue abarcar as diversas situações específicas e diferentes possibilidades para a vida comunitária, caberia ao cidadão, por consequência, aplicar a justiça da lei ao caso concreto. Em virtude disso, tanto as ações realizadas de acordo com a lei, como as ações dos homens justos, que observam a lei, mas, caso necessário, agem para corrigi-la, podem ser consideradas como ações justas em sentido amplo (SMIT, 2009).
Logo, pode-se concluir que a existência de um legislador virtuoso, que positive normas gerais de conduta, baseadas em um critério de justiça, e de um cidadão virtuoso, que obedece às leis, mas é capaz de conceber o que é o justo no caso concreto, são essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade. Aristóteles expõe essa exata acepção no Livro VI, de Ética à Nicômaco.
“No caso da sabedoria relacionada com os assuntos da cidade, a forma de discernimento que desempenha o papel dominante é a ciência legislativa, enquanto a que se relaciona com os casos particulares é conhecida pela denominação genérica de ciência política; esta é pertinente à ação e à deliberação, pois um decreto é algo a ser cumprido sob a forma de um ato individual.” (ARISTÓTELES, citado por SMIT, 2009).
O legislador por meio da lei organiza a cidade. Essa organização deve, necessariamente, estar de acordo com a finalidade para a qual a cidade está direcionada. Caso contrário, o regime não sobrevivera e a cidade não teria autonomia. Assim, ainda que o legislador se encontre em uma cidade que já está direcionada, ou seja, uma cidade em que ele não foi o responsável pela instituição do regime, cabe a ele promover a sua organização, de maneira a proteger e preservar o regime eleito, fazendo com que ele seja respeitado pela população.
A ciência política, de outro lado, na figura dos cidadãos, verificando que a cidade não existe apenas no papel, mas se constituindo de uma realidade material, age para resolver os problemas práticos da sociedade, para que os homens possuam uma vida social satisfatória. De fato, são os cidadãos àqueles para os quais a lei se destina, cabendo a eles segui-la e preservar a sua manutenção.
Portanto, o papel do legislador quanto a definição da moral da cidade deve ser escolher dentre os pressupostos gerais que vão conduzir a vida na Polis, os melhores. Como educador, responsável pela função normativa, o legislador deve priorizar aqueles ideais morais e de virtude que persuadem os cidadãos a adotar um agir correto e justo, pois o seu êxito dependeria da obediência dos cidadãos às leis, além da moral individual de cada um, uma vez que, sendo inconteste a infinitude de situações possíveis na vida prática, o homem comum faria o papel de aplicador do direito natural e da justiça ao caso concreto.
6. Conclusão
Em suma, buscou-se analisar, dentro da bibliografia consultada, a visão de qual seria o papel do legislador para a normatização de normas baseadas no direito natural. Isso porque transparece que a positivação de normas abstratas de conduta desvinculadas de concepções morais inerentes a condição humana não são uma forma eficaz de regrar o convívio social, pois, normas meramente formais, logo caem em desuso.
Sendo assim, supôs-se que o legislador teria um papel primordial no estabelecimento desta moral. Como pontífice entre o plano ideal do direito e o corpo normativo que será aplicado à realidade social vivida, ele teria que demarcar linhas éticas duradouras, sem deixar de relacioná-las com as normas intrínsecas à condição humana (direito natural) e um ideal de justiça. Caso assim não o fizesse, o corpo normativo da polis correia o risco de cair em desuso e ser rechaçado pela sociedade.
Dessa forma, com as considerações apresentadas, pode-se perceber que, de fato, o legislador tem um papel de destaque na concepção da moral da cidade, sendo sua função, a priori, definir as condutas consideradas boas e más, incentivando as primeiras e reprimindo as segundas, de forma a educar os cidadãos, buscando sempre garantir a perpetuação do regime e a máxima expressão da potencialidade dos seus habitantes.
Ademias, essa figura do meio político, em virtude desta tremenda tarefa, deveria possuir qualidades excepcionais, tanto políticas, como cognitivas e morais, isso porque o homem comum cederia as tentações do poder, em detrimento do bem coletivo do povo. Assim, considera-se que a função do legislador deveria ser conferida àqueles mais aptos na sociedade, pois o pilar de uma cidade é a obediências as leis. Com leis injustas, o cidadão, sem a visão de um ideal para buscar a justiça, cometerá por certos atos injustos, nada obstante, com leis justas, poderá se preocupar em desenvolver suas potencialidades, de forma levar a cidade a um passo mais perto do ideal de felicidade comunitária buscado.
De toda forma, as leis positivadas pelo legislador necessitam de um agente que as ponha em prática, fazendo, de certa forma, uma segunda ligação entre o ideal proposto e a realidade prática. O legislador, nesse sentido, buscaria conceber normas gerais, estáveis e justas, e positiva-las, por conseguinte, caberia ao cidadão aplicá-las na vida comunitária diária, de forma que junção, por meio de um ideal abstrato, entre essas duas figuras, representa a real ponte entre o direito natural e o direito positivo.
Sem essa atuação por parte do cidadão, a norma positivada, por mais que refletisse valores imutáveis da condição humana, não passaria de um pedaço de papel, não se constituindo em uma lei de caráter moral, mas meramente uma representação formal dos desejos e interesses do poder dominante em um determinado estado. De tal modo, ainda que os habitantes a sigam, eles o farão por medo das reprimendas ou mera conveniência, sem um real comprometimento com os valores impermeados na norma, e sem o objetivo de melhorar a vida comunitária, por meio da busca por garantir a felicidade de seus membros.
7. Referências Bibliográficas
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Advogada. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário do Norte - UNINORTE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Luciana Heloan Costa. O papel do legislador como ponte entre o direito natural e o direito positivo: uma visão contemporânea da ética aristotélica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2022, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58145/o-papel-do-legislador-como-ponte-entre-o-direito-natural-e-o-direito-positivo-uma-viso-contempornea-da-tica-aristotlica. Acesso em: 23 dez 2024.
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