RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar a disciplina do procedimento da conciliação no superendividamento, previsto nos arts. 104-A a 104-C do CDC, inseridos pela Lei nº 14.181/2021. A forma metodológica do trabalho foi pautada na consulta a explicações científicas que delineassem os conceitos envolvidos na discussão em epígrafe.
Palavras-chave: Direito do consumidor; Superendividamento; Mínimo existencial; Processo de conciliação e repactuação de dívidas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Superendividamento. 3. Novos direitos básicos do consumidor, princípios e instrumentos da Política Nacional das Relações de Consumo. 4. Prevenção e tratamento do superendividamento. 5. Processo de conciliação e repactuação de dívidas. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. Introdução
O presente artigo visa a realizar um estudo sobre a disciplina conferida ao superendividamento com a edição da Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, que alterou a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC), mais especificamente no seu aspecto processual (arts. 104-A a 104-C do CDC).
Assim, primeiramente, efetua-se a conceituação de superendividamento, conforme a dicção legal e lições doutrinárias, ressaltando-se a íntima relação entre a prevenção e proteção contra o superendividamento e a tutela do mínimo existencial.
Após, discorre-se brevemente sobre os novos direitos básicos do consumidor, princípios e instrumentos da Política Nacional das Relações de Consumo especificamente relacionados ao superendividamento, bem como sobre os dispositivos que tratam da prevenção e do tratamento do superendividamento, todos acrescidos pela Lei nº 14.181/2021, a fim de traçar os aspectos essenciais da relação de direito material objeto do novel procedimento introduzido no diploma consumerista.
Por fim, analisam-se os aspectos legais e doutrinários do processo de conciliação e repactuação de dívidas, previsto nos arts. 104-A a 104-C do CDC.
2. Superendividamento
O art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990), inserido pela Lei nº 14.181/2021, define o superendividamento como (grifos acrescidos):
a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
A doutrina, antes da edição da Lei nº 14.181/2021, já trabalhava o conceito (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2013, p. 1250-1251, grifo no original):
O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio.
Ainda segundo os autores (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2013, p. 1123), o superendividamento carecia de algum tipo de solução pelo direito do consumidor, a exemplo do proporcionado pelo Direito Empresarial com os institutos da recuperação judicial e da falência,
seja por meio de parcelamento, prazos de graça, redução dos montantes, dos juros, das taxas, seja por todas as demais soluções possíveis para que possa pagar ou adimplir todas ou quase todas as suas dívidas em face de todos os credores, fortes e fracos, com garantias ou não.
Assim, a Lei nº 14.181/2021 foi editada como resposta a um problema já apontado pela doutrina há bastante tempo (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021; p. 1).
Com efeito, o superendividamento está diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88), mais especificamente com o mínimo existencial do indivíduo. Segundo Gagliano e Oliveira (2021, p. 4, grifo no original), “o superendividamento fulmina o mínimo existencial do indivíduo.”
Como ressaltam os autores (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021, p. 5), “a garantia do mínimo existencial vai ao encontro do resguardo do patrimônio mínimo, na perspectiva da doutrina do eminente civilista Luiz Edson Fachin.”
Ressalte-se ainda que o tratamento jurídico dado ao superendividamento é concretização do denominado princípio do crédito responsável, o qual direciona o ordenamento jurídico em favor de práticas negociais saudáveis abrangentes das mais variadas formas de crédito (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021; p. 2).
Segundo Gagliano e Oliveira (2021, p. 2, grifos acrescidos), o princípio do crédito responsável
[...] é uma norma implícita na Constituição e foi concretizado pela Lei do Superendividamento mediante alterações no CDC e no Estatuto do Idoso. Consiste em promover o “crédito responsável”, ou seja, a prática adotada por credores, por devedores e pelo Poder Público com vistas a evitar o superendividamento.
Com efeito, uma vez que a Lei do Superendividamento visa à tutela do mínimo existencial e, por conseguinte, da dignidade da pessoa humana, conclui-se que a Lei nº 14.181/2021 disciplina uma proteção que já se encontrava implícita na Constituição Federal de 1988.
O princípio do crédito responsável irradia seus efeitos para todos os agentes atuantes no mercado de consumo: consumidores, fornecedores e Poder Público.
Em decorrência desse princípio, o Poder Público deve implementar políticas públicas que estimulem o crédito responsável, ao passo que coíbam atos atentatórios ao crédito responsável; os fornecedores, por seu turno, ficam proibidos de prover créditos irresponsáveis (créditos cujo pagamento se mostra improvável pelo devedor); e os consumidores, por fim, possuem o dever jurídico de se comportar de acordo com a prudência e a boa-fé, apenas assumindo compromissos dentro de suas capacidades (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021; p. 3).
3. Novos direitos básicos do consumidor, princípios e instrumentos da Política Nacional das Relações de Consumo
Na linha de proteção do consumidor contra o superendividamento, foram acrescidos ao rol do art. 6º do CDC dois direitos básicos do consumidor que expressamente aludem à preservação do seu mínimo existencial (grifos acrescidos):
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
A Lei nº 14.181/2021 acrescentou um princípio da Política Nacional das Relações de Consumo que está diretamente relacionado à preservação do mínimo existencial do consumidor (art. 4º, X, do CDC): “prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.”
Destaque-se que, a par do reconhecimento da importância do combate ao superendividamento como meio de inclusão social, foi acrescido o princípio de “fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores” (art. 4º, IX, do CDC).
Ora, uma das formas de proteção do consumidor contra os males de superendividamento é justamente a educação financeira, que proporciona ao indivíduo um consumo consciente dos serviços de crédito e financiamentos.
Como forma de dar efetividade à política pública de proteção do consumidor contra o superendividamento, a Lei nº 14.181/2021 inseriu dois novos instrumentos no rol do art. 5º do CDC:
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
[...]
VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural;
VII - instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.
A Lei nº 14.181/2021, com as alterações promovidas nos dispositivos iniciais do Código de Defesa do Consumidor, buscou orientar a interpretação e aplicação do intérprete no manejo do novo tratamento jurídico dado aos serviços de crédito e financiamentos, visando precipuamente à preservação do mínimo existencial do consumidor.
4. Prevenção e tratamento do superendividamento
A Lei nº 14.181/2021 acrescentou o Capítulo VI-A ao Código de Defesa do Consumidor, o qual “dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor” (art. 54-A, caput, do CDC).
Cumpre ressaltar que as normas protetivas dispostas no novo Capítulo VI-A não abrangem as dívidas (art. 54-A, § 3º, do CDC):
a) contraídas mediante fraude ou má-fé;
b) oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento; e
c) decorrentes da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
As primeiras duas hipóteses colocam em evidência a íntima relação existente entre o princípio do crédito responsável e o princípio da boa-fé. A última hipótese ressalta que o tratamento jurídico dado ao superendividamento visa à preservação do mínimo existencial.
Nesse ponto, convém ressaltar que a doutrina apresenta a seguinte classificação de superendividamento (CAVALCANTE, 2021):
SUPERENDIVIDADO |
|
ATIVO |
PASSIVO |
É aquele consumidor que se endivida voluntariamente. Esta categoria se divide em duas subespécies: a) superendividado ativo consciente: é aquele que, de má-fé, contrai dívidas convicto de que não poderá pagá-las, com intenção deliberada de fraudar os credores. b) superendividado ativo inconsciente: é aquele que agiu impulsivamente, de maneira imprevidente e sem malícia, deixando de fiscalizar seus gastos. |
O superendividado passivo é aquele que se endivida em decorrência de fatores externos chamados de “acidentes da vida”, tais como desemprego; divórcio; nascimento, doença ou morte na família; necessidade de empréstimos; redução do salário; etc. |
A partir dessa classificação, verifica-se que as novas normas protetivas protegem somente o superendividado ativo inconsciente e o superendividado passivo.
Além disso, a disciplina trazida pela Lei nº 14.181/2021 representa mais uma concretização do princípio da proteção simplificada do luxo, segundo o qual o Direito protege situações de luxo com menor intensidade em comparação às situações essenciais ou úteis (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021, p. 4). No caso específico da Lei do Superendividamento, o art. 54-A, § 3º, do CDC expressamente afastou a aplicação das normas protetivas na hipótese de dívidas decorrentes da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
5. Processo de conciliação e repactuação de dívidas
A Lei nº 14.181/2021 inseriu o Capítulo V ao Título III do Código de Defesa do Consumidor. O mencionado capítulo corresponde aos arts. 104-A a 104-C e trata sobre a conciliação no superendividamento, o processo de repactuação de dívidas e o plano de pagamentos.
Conforme o art. 104-A, caput, do CDC, a requerimento do consumidor superendividado, o juiz instaurará processo de pactuação de dívidas, a fim de se realizar audiência de conciliação presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores.
O dispositivo prossegue prevendo que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento, com prazo máximo de 5 (cinco) anos, que deve preservar o mínimo existencial e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Verifica-se, da leitura do dispositivo, que o legislador buscou compatibilizar o mínimo existencial com os interesses dos credores.
Além disso, Gagliano e Oliveira (2021, p. 20) explicitam a semelhança do procedimento com a recuperação judicial do empresário (prevista na Lei nº 11.101/2005), guardadas as suas especificidades. A semelhança reside, essencialmente, na negociação das dívidas do devedor em conjunto com todos os seus credores, na busca por meios de harmonizar os interesses de todas as partes.
Ressalte-se que o pedido de instauração do procedimento não importa em declaração de insolvência civil do consumidor e poderá ser repetido somente após o prazo de 2 (dois) anos, contados das liquidações das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação (art. 104-A, § 5º, do CDC).
O art. 104-A, § 2º, do CDC enuncia as dívidas que não podem ser objeto do processo de repactuação de dívidas, quais sejam:
a) oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento;
b) provenientes de crédito com garantia real;
c) provenientes de financiamentos imobiliários; e
d) decorrentes de crédito rural.
O § 2º do art. 104-A do CDC estabelece uma série de consequências ao credor que injustificadamente deixa de comparecer à audiência conciliatória:
a) suspensão da exigibilidade do débito;
b) interrupção dos encargos da mora;
c) sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida, se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor; e
d) pagamento ao credor ausente ocorrerá apenas o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
Assim, fica evidente que a lei estabeleceu fortes mecanismos de estímulo ao comparecimento do credor à audiência conciliatória.
Com efeito, o procedimento inaugurado pela Lei nº 14.181/2021 é mais um exemplo de incorporação do modelo de sistema de justiça multiportas, explicitamente adotado pelo ordenamento processual vigente, desde a edição do Código de Processo Civil de 2015.
Segundo Cunha (2020, p. 893), os instrumentos da mediação, conciliação e arbitragem consubstanciam meios adequados de disputa, formando um modelo de justiça multiportas. Conforme esse modelo, cada tipo de controvérsia teria um tipo adequado de solução.
Assim, determinados conflitos seriam adequadamente resolvidos pela medição, enquanto outros pela conciliação, outros, pela arbitragem, e outros conflitos seriam mais bem solucionados pela jurisdição estatal (CUNHA, 2020, p. 893).
O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2016, p. 18, grifos acrescidos) esclarece a origem da terminologia:
A institucionalização desses instrumentos – ou seja, a inserção desses métodos na administração pública, em especial, no Poder Judiciário – iniciou‑se, no final da década de 1970, nos Estados Unidos, em razão de uma proposta do professor Frank Sander denominada Multidoor Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas). Esta organização judiciária, proposta pelo Fórum de Múltiplas Portas (FMP), compõe‑se de uma visão do Poder Judiciário como um centro de resolução de disputas, proporcionando a escolha de diferentes processos para cada caso, baseando‑se na premissa de que existem vantagens e desvantagens em cada procedimento que devem ser consideradas em função das características específicas de cada conflito. Assim, em vez de existir uma única “porta” (o processo judicial) que conduz à sala de audiência, o FMP trata de um sistema amplo com vários tipos distintos de processo que forma um “centro de justiça”, organizado pelo Estado (e apoiado pela iniciativa privada), no qual as partes podem ser direcionadas ao processo mais adequado a cada disputa.
Prosseguindo na análise do procedimento, o art. 104-A, § 3º, do CDC estipula que, no caso de conciliação com qualquer credor, a sentença homologatória do acordo descreverá o plano de pagamento da dívida, tendo eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
O art. 104-A, § 4º, do CDC prevê o conteúdo do plano de pagamento descrito pela sentença homologatória:
I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
Convém ressaltar que a conciliação pode ser facultativamente realizada perante os órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a teor do art. 104-C do CDC:
Art. 104-C. Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A deste Código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.
§ 1º Em caso de conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, sob a supervisão desses órgãos, sem prejuízo das demais atividades de reeducação financeira cabíveis.
§ 2º O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas.
O art. 104-B, caput, do CDC prevê que, não havendo êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a requerimento do consumidor, “instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes”, hipótese na qual será apresentado um “plano judicial compulsório”.
Cumpre notar que a dicção utilizada pelo dispositivo legal não parece adequada. Isso porque está previsto que, frustrada a conciliação, a pedido do devedor, o juiz “instaurará processo”, como se fosse iniciado um novo feito, diverso do processo destinado à conciliação.
No entanto, Gagliano e Oliveira (2021, p. 20) afirmam ser mais adequado compreender que há apenas um processo, com duas fases procedimentais: i) fase de repactuação de dívidas; e ii) fase de revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes.
Os autores (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021, p. 20-21) afirmam que “o próprio caput do art. 104-B do CDC dá suporte a essa interpretação, pois sua redação dá noção da existência de uma linha continuidade processual.”
Instaurada a segunda fase procedimental, será realizada a citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado eventual acordo celebrado, sendo concedido o prazo de quinze dias para os credores citados juntarem documentos ou apresentarem razões para se negarem a anuir ao plano voluntário ou se negarem a renegociar (art. 104-B, caput, c/c § 2º, do CDC). Além disso, serão considerados no processo por superendividamento os documentos e as informações prestadas na audiência conciliatória realizada na primeira fase (art. 104-B, § 1º, do CDC).
O art. 104-B, § 3º, do CDC faculta ao juiz a possibilidade de nomear administrador, desde que isso não onere as partes, a quem incumbe apresentar, no prazo de trinta dias, plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos suportados pelo consumidor.
Por fim, a lei elenca os requisitos que devem ser obedecidos pelo plano judicial compulsório (art. 104-B, § 4º, do CDC):
a) assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço;
b) preverá a liquidação total da dívida;
c) terá o prazo máximo de 5 (cinco) anos, após a quitação do plano de pagamento consensual eventualmente elaborado na primeira fase do procedimento;
d) a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias), contado de sua homologação judicial;
e) o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.
6. Conclusão
A Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que aperfeiçoa a disciplina do crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, foi editada como resposta a um problema já apontado pela doutrina há bastante tempo.
O art. 54-A, § 1º, do CDC define superendividamento como a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
O superendividamento é uma questão diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88), mais especificamente com o mínimo existencial do indivíduo, uma vez que sua prevenção e tratamento visa ao combate à exclusão social proporcionada pela ausência de crédito e de capacidade financeira para honrar suas dívidas.
Nessa senda, a Lei nº 14.181/2021 trouxe novos direitos básicos do consumidor, princípios e instrumentos da Política Nacional das Relações de Consumo, de modo a permitir o tratamento adequado a esse importante problema.
A par disso, no campo processual, a Lei do Superendividamento instituiu um novo procedimento (processo de conciliação e repactuação de dívidas), nos arts. 104-A a 104-C do CDC, que visa essencialmente a elaboração de um plano de pagamento das dívidas do consumidor.
O procedimento é bifásico, sendo que a primeira fase se caracteriza pela consensualidade e pode culminar com a homologação de um acordo consubstanciado em um plano de pagamento consensual.
Acaso frustrada a conciliação, o processo pode prosseguir, a requerido do consumidor, para uma fase que culminará com a decretação de um plano de pagamento judicial compulsório, cujos requisitos se encontram no art. 104-B, § 4º, do CDC.
Verifica-se, assim, que a Lei nº 14.181/2021 trouxe eficazes instrumentos jurídicos de tutela à situação do consumidor superendividado.
7. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional nº 116, de 17 de fevereiro de 2022. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 mar. 2022.
______. Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 12 mar. 2022.
______. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14181.htm>. Acesso em: 12 mar. 2022.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Breves comentários à Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021). Blog Dizer o Direito. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/breves-comentarios-lei-do.html#:~:text=Foi%20publicada%20hoje%20mais%20uma,e%20o%20tratamento%20do%20superendividamento>. Acesso em: 12 mar. 2022.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. 6ª ed. Brasília/DF: CNJ, 2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2022.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. Comentários à “Lei do Superendividamento” (Lei nº 14.181, de 01 de julho de 2021) e o Princípio do Crédito Responsável: uma primeira análise. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/7/29FED44D9509EF_ComentariosaLeidoSuperendivida.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2022.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Civil e Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Processual Civil. Procurador do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Antônio Carlos Rodrigues Aragão. O procedimento judicial de conciliação e repactuação de dívidas instituído pela Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58155/o-procedimento-judicial-de-conciliao-e-repactuao-de-dvidas-institudo-pela-lei-n-14-181-de-1-de-julho-de-2021. Acesso em: 23 dez 2024.
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