RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o diálogo competitivo, nova modalidade de licitação introduzida pela Lei nº 14.133/2021. A metodologia do trabalho foi pautada na consulta de explicações científicas que elucidassem os conceitos envolvidos na discussão.
Palavras-chave: Direito Administrativo; Lei nº 14.133/2021; Licitação; Diálogo competitivo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito, objetivos e princípios do processo licitatório à luz da Lei nº 14.133/2021. 3. Modalidades de licitação previstas na Lei nº 14.133/2021. 4. Diálogo competitivo. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. Introdução
O presente artigo visa a realizar um estudo sobre o diálogo competitivo, modalidade licitatória criada com a edição da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações).
Primeiramente, expõe-se o conceito, os objetivos e os princípios da licitação, conforme as disposições da Nova Lei de Licitações, com destaque para os princípios da participação e da consensualidade, de forma a contextualizar adequadamente o objeto do presente estudo.
Em seguida, é feita breve incursão sobre todas as modalidades de licitação previstas na Lei nº 14.133, com as respectivas definições e elucidação de que critério de escolha entre elas é o conteúdo do futuro contrato.
Por fim, examina-se o diálogo competitivo, dissertando-se sobre o conceito, a inspiração no direito estrangeiro, as hipóteses de aplicação, as regras do procedimento e a distinção entre a nova modalidade e outros institutos constantes da Lei nº 14.133/2021.
2. Conceito, objetivos e princípios do processo licitatório à luz da Lei nº 14.133/2021
Segundo Carvalho Filho (2020, p. 465, grifo no original), a licitação é conceituada como
o procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.
É a própria Constituição Federal que impõe à Administração a obrigatoriedade, como regra, de licitar, conforme art. 37, XXI, da CRFB/1988.
A Constituição Federal, no seu art. 22, XXVII, também estabeleceu que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. No exercício dessa competência, foi editada a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, que veicula, portanto, normas gerais de licitação e contratos. Destaque-se que o art. 193 da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) revoga as seguintes normas:
a) Arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/1993, na data de sua publicação;
b) A Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial de sua publicação.
Cumpre frisar que o art. 191, caput, da Lei nº 14.133/2021, facultou aos administradores públicos optar entre a aplicação na Nova Lei de Licitações ou a manutenção dos regimes jurídicos tradicionais de licitação, durante o prazo de 2 (dois) anos, a contar da data de publicação da Nova Lei.
Enfatize-se que o gestor deve indicar expressamente a opção feita no edital, aviso ou instrumento de contratação direta, sendo vedada a aplicação combinada de leis (art. 191, caput, da Lei nº 14.133/2021).
Apesar da atual vigência simultânea de vários diplomas legais tratando sobre licitações, o escopo do presente trabalho se limita à análise de modalidade licitatória criada pela Lei nº 14.133/2021 (diálogo competitivo), motivo pelo qual serão examinados aspectos pertinentes apenas à Nova Lei de Licitações.
Nessa senda, conforme o art. 11 da Lei nº 14.133/2021, os objetivos da licitação são os seguintes:
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Verifica-se que a seleção da melhor proposta é apenas uma parcela dos objetivos visados pela Administração com o processo licitatório. Além disso, os critérios de aferição da proposta vencedora devem levar em consideração a efetiva vantajosidade do resultado gerado à Administração, não sendo mero formalismo na busca pelos menores preços.
Destaque-se ainda a função regulatória da licitação, por meio da qual o certame não se presta apenas a atender às necessidades materiais da Administração Pública, tendo o papel também de influenciar os comportamentos dos agentes de mercado, na medida em que tem como objetivo incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional.
O rol de objetivos do art. 11 da Lei nº 14.133/2021 permite concluir que o novo diploma legal concedeu elevada importância à eficiência e à sustentabilidade das contratações públicas, o que se depreende da preocupação do legislador com o ciclo de vida do objeto e com a prevenção da prática de sobrepreço, superfaturamento e preços manifestamente exequíveis (OLIVEIRA, 2021b, p. 2).
No que concerne aos princípios, o art. 5º da Lei nº 14.133/2021 prevê:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Nota-se facilmente que a Nova Lei de Licitações ampliou o rol de princípios que eram previstos na Lei nº 8.666/1993. Oliveira (2021b, p. 11) critica a opção legislativa, afirmando que
[...] o alargamento do rol de princípios não era necessário, em razão do seu caráter exemplificativo. Vale dizer: o rol de princípios expressos não afasta, naturalmente, outros princípios aplicáveis à Administração Pública, tal como ocorre, por exemplo, com o princípio do formalismo moderado que, apesar de não constar expressamente do art. 5º, deve ser observado nas licitações e contratações públicas, conforme demonstra o art. 12, III, da Lei 14.133/2021.
Assim, além dos princípios expressamente previstos no art. 5º da Nova Lei de Licitações, a licitação, por constituir processo administrativo, deve se submeter a todos os princípios, explícitos ou implícitos, aplicáveis à Administração Pública.
Dito isso, cumpre destacar os princípios da participação e da consensualidade. Segundo esses princípios, a Administração deve priorizar a utilização de mecanismos de participação popular na elaboração de normas, no planejamento de suas ações e na tomada de decisões administrativas, bem como incrementar o uso de meios consensuais de atuação administrativa (OLIVEIRA, 2021a, p. 45).
Nesse contexto, o diálogo competitivo é concretização da busca por uma Administração Pública consensual e dialógica, uma vez que, nessa modalidade licitatória, a iniciativa privada participa ativamente na formulação de soluções que visam ao atendimento do interesse público (ZAGO, 2021).
Traçado o quadro geral do processo licitatório, examinam-se a seguir as modalidades licitatórias instituídas pela Lei nº 14.133/2021.
3. Modalidades de licitação previstas na Lei nº 14.133/2021
O art. 28 da Lei nº 14.133/2021 elenca 5 (cinco) modalidades de licitação:
Art. 28. São modalidades de licitação:
Verifica-se que a Nova Lei de Licitações não prevê as modalidades tomada de preços e convite, previstas na Lei nº 8.666/1993. Além disso, o diploma legal criou nova modalidade licitatória: o diálogo competitivo.
As modalidades estão definidas em incisos XXXVIII a XLII do art. 6º da Nova Lei:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
[...]
XXXVIII - concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser:
b) melhor técnica ou conteúdo artístico;
XXXIX - concurso: modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor;
XL - leilão: modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance;
XLI - pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;
XLII - diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;
Nota-se, portanto, que o critério distintivo entre as diferentes modalidades é o conteúdo do futuro contrato a ser celebrado pela Administração, e não o valor estimado da contratação. Apesar disso, os requisitos de utilização do diálogo competitivo possivelmente o direcionarão para contratos de maior vulto (OLIVEIRA, 2021b, p. 189).
Apesar de o valor estimado da contratação não ser relevante para a escolha da modalidade licitatória, o valor estimado continua tendo importância prática, uma vez que influi na definição de hipóteses de licitação dispensável (art. 75, I e II), na classificação das propostas (art. 59, § 4º), no planejamento do processo licitatório (art. 18, IV) etc.
Enfatize-se que o administrador público está adstrito às modalidades legalmente previstas, sendo-lhe vedada a criação de outras modalidades ou ainda a sua combinação (art. 28, § 2º, da Lei nº 14.133/2021).
Apresentadas as modalidades previstas no novo diploma legal, passa-se à análise do diálogo competitivo.
4. Diálogo competitivo
O diálogo competitivo é a modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos (art. 6º, XLII, da Lei nº 14.133/2021).
Essa modalidade tem inspiração estrangeira, mais especificamente na figura do diálogo concorrencial, prevista na Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que trata da coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (UNIÃO EUROPEIA, 2004).
O artigo 1º, 11, c, da Diretiva 2004/18/CE prevê a definição do diálogo concorrencial (UNIÃO EUROPEIA, 2004, grifos acrescidos):
Artigo 1.º
Definições
1. Para efeitos do disposto na presente directiva, aplicam-se as definições dos n.os 2 a 15:
[...]
11. c) «Diálogo concorrencial» é o procedimento em que qualquer operador económico pode solicitar participar e em que a entidade adjudicante conduz um diálogo com os candidatos admitidos nesse procedimento, tendo em vista desenvolver uma ou várias soluções aptas a responder às suas necessidades e com base na qual, ou nas quais, os candidatos seleccionados serão convidados a apresentar uma proposta.
Para efeitos do recurso ao procedimento previsto no primeiro parágrafo, um contrato público é considerado como «particularmente complexo», quando a entidade adjudicante:
- não está objetivamente em condições de definir os meios técnicos [...] capazes de responder às suas necessidades ou aos seus objectivos, e/ou
- não está objectivamente em condições de estabelecer a montagem jurídica e/ou financeira de um projecto;
Por zelo, destaque-se que a Diretiva 2004/18/CE foi substituída pela Diretiva 2014/24/EU, de 26 de fevereiro de 2014, que trata dos contratos públicos e revoga a Diretiva 2004/18/CE (UNIÃO EUROPEIA, 2014).
Fortini (2018) afirma que os Estados Unidos também se valem de procedimentos nos quais a seleção de propostas é feita mediante negociação, em que se busca o melhor valor (e não exclusivamente o menor preço).
Conforme Meerholz (2021), a instituição dessa modalidade licitatória representa
o reconhecimento de que a Administração Pública, por seu quadro próprio, por vezes não dispõe de todas as informações necessárias para delimitar a contratação que melhor atenda ao interesse a ser satisfeito na contratação. Tal condição é reconhecida pelas hipóteses em que se admite recorrer ao diálogo competitivo.
Assim, o diálogo competitivo parte da premissa de que a Administração Pública, por vezes, não dispõe da expertise necessária para elaborar a melhor solução às suas necessidades, valendo-se da eficiência e do conhecimento presentes em agentes de determinado segmento do mercado.
A teor do art. 32 da Lei nº 14.133/2021, a nova modalidade somente será utilizada nas seguintes hipóteses:
Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração:
I - vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:
a) inovação tecnológica ou técnica;
b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e
c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração;
II - verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:
a) a solução técnica mais adequada;
b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida;
c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato;
Verifica-se, portanto, que o diálogo competitivo deve ser utilizado para contratações complexas, nas quais a busca pela melhor solução é realizada mediante discussões com a iniciativa privada ao longo do procedimento licitatório.
O art. 32, § 1º, da Lei nº 14.133/2021 estabelece o procedimento a ser seguido:
Art. 32. § 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes disposições:
I - a Administração apresentará, por ocasião da divulgação do edital em sítio eletrônico oficial, suas necessidades e as exigências já definidas e estabelecerá prazo mínimo de 25 (vinte e cinco) dias úteis para manifestação de interesse na participação da licitação;
II - os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão ser previstos em edital, e serão admitidos todos os interessados que preencherem os requisitos objetivos estabelecidos;
III - a divulgação de informações de modo discriminatório que possa implicar vantagem para algum licitante será vedada;
IV - a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante sem o seu consentimento;
V - a fase de diálogo poderá ser mantida até que a Administração, em decisão fundamentada, identifique a solução ou as soluções que atendam às suas necessidades;
VI - as reuniões com os licitantes pré-selecionados serão registradas em ata e gravadas mediante utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo;
VII - o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem discutidas;
VIII - a Administração deverá, ao declarar que o diálogo foi concluído, juntar aos autos do processo licitatório os registros e as gravações da fase de diálogo, iniciar a fase competitiva com a divulgação de edital contendo a especificação da solução que atenda às suas necessidades e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa e abrir prazo, não inferior a 60 (sessenta) dias úteis, para todos os licitantes pré-selecionados na forma do inciso II deste parágrafo apresentarem suas propostas, que deverão conter os elementos necessários para a realização do projeto;
IX - a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação nem distorçam a concorrência entre as propostas;
X - a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com critérios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contratação mais vantajosa como resultado;
XI - o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão;
Ressalte-se a previsão do inciso IV do dispositivo supratranscrito, que impõe um ambiente de confidencialidade, de modo a incentivar um diálogo com máxima transparência entre a iniciativa privada e a Administração Pública. O inciso XI do dispositivo reforça o dever de confidencialidade, ao dispor que os profissionais contratados para assessoramento técnico da comissão de contratação assinarão termo de confidencialidade e abster-se-ão de atividades que possam configurar conflito de interesses (art. 32, § 2º, da Lei nº 14.133/2021).
Em síntese, o diálogo competitivo busca enfrentar os desafios surgidos para a Administração por meio de uma troca de informações com a iniciativa privada. Confiando na expertise de agentes de determinado segmento de mercado, a Administração cria um espaço de discussões, com a finalidade de construir alternativas ou soluções que melhor atendam aos problemas às necessidades administrativas e, em última análise, ao interesse público.
Como último ponto, é necessário cotejar a nova modalidade licitatória com alguns institutos previstos na Nova Lei de Licitações que possuem semelhanças com o diálogo competitivo.
O diálogo competitivo não se confunde com o procedimento de manifestação de interesse (PMI), apesar de, em ambos os procedimentos, a Administração realizar interlocução com particulares na busca por soluções inovadoras (ZAGO, 2021).
O PMI é procedimento auxiliar das licitações e contratações, não se confundindo com o processo licitatório em si (art. 78, III, da Nova Lei). Além disso, no PMI o diálogo entre o setor privado e a Administração ocorre na fase de estudos, compondo a fase preparatória da licitação (art. 18 da Lei nº 14.133/2021). Com efeito, eis a dicção do art. 81, caput, da Lei nº 14.133/2021:
Art. 81. A Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento.
O diálogo competitivo, por sua vez, compõe a fase externa da licitação, na qual existe efetiva competição pelos licitantes, que buscam oferecer a proposta mais vantajosa para a Administração.
Zago (2021) também estabelece uma intersecção entre o diálogo competitivo possivelmente e a contratação direta por inexigibilidade de licitação. Segundo a autora, a nova modalidade reduz o campo de aplicação da inexigibilidade (ZAGO, 2021), uma vez que
[...] a partir da previsão do diálogo, muitas situações que, outrora, seriam enquadradas como inexigibilidade, poderão agora ser enquadradas no procedimento de diálogo competitivo.
[...] com o encerramento da fase de competição, poderemos ter situações em que haverá apenas uma empresa habilitada na fase de diálogo capaz de oferecer a solução escolhida na fase competitiva. Ainda que o diálogo competitivo seja estruturado em duas fases, poderá haver situações em que restará apenas uma proponente apta a apresentar a solução escolhida.
Por fim, convém distinguir o diálogo competitivo da contratação integrada.
O art. 6º, XXXII, da Lei nº 14.133/2021 define a contratação integrada como o regime contratual em que o contratado é responsável pela elaboração dos projetos básico e executivo, além de executar as obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais, bem como todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.
Segundo Zago (2021), esse regime contratual visa aproveitar a expertise da iniciativa privada na elaboração do projeto básico e executivo. Assim, o diálogo competitivo quanto a contratação integrada se aproximam no aspecto de serem institutos que buscam aumentar a eficiência da atuação administrativa utilizando a flexibilidade e especialização de agentes de determinado segmento de mercado.
No entanto, a contratação integrada é regime de execução contratual (art. 46, V, da Nova Lei) que busca aproveitar a eficiência de agentes de mercado na elaboração de soluções, ao mesmo tempo em que aloca a responsabilidade desses projetos ao particular (art. 133 da Nova Lei), enquanto o diálogo competitivo consubstancia o procedimento licitatório em si, que é realizado, portanto, antes da celebração do contrato.
5. Conclusão
A criação do diálogo competitivo é resultado de uma Administração Pública que se pretende cada vez mais consensual e dialógica, pois, nessa modalidade licitatória, a iniciativa privada participa ativamente na discussão e formulação de soluções que visam ao atendimento do interesse público.
Conforme art. 6º, XLII, da Lei nº 14.133/2021, o diálogo competitivo é a modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos.
Essa modalidade tem inspiração estrangeira, mais especificamente na figura do diálogo concorrencial, prevista na Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que trata da coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.
A partir das hipóteses de cabimento do diálogo competitivo (art. 32 da Lei nº 14.133/2021), depreende-se que essa modalidade de licitação deve ser utilizada para contratações complexas, nas quais a busca pela melhor solução é feita mediante discussões com a iniciativa privada ao longo do procedimento licitatório.
Com efeito, o diálogo competitivo parte da premissa de que a Administração Pública, por vezes, não dispõe da expertise necessária para elaborar a melhor solução às suas necessidades, podendo se valer da eficiência e conhecimento presentes em agentes de determinado segmento do mercado.
Por fim, apesar de o diálogo competitivo se aproximar de outros institutos definidos na Lei nº 14.133/2021 (como o procedimento de manifestação de interesse e a contratação integrada), consigne-se que ele possui contornos próprios, representando verdadeira novidade no ordenamento jurídico pátrio, sendo também relevante notar que essa modalidade de licitação tem o potencial de reduzir o campo de aplicação da contratação direta por inexigibilidade.
6. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional nº 116, de 17 de fevereiro de 2022. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Lei no 14.133, de 1º de abril de 2021. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º de abr. 2021. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm>. Acesso em: 15 mar. 2022.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2020.
FORTINI, Cristiana. O avanço do diálogo competitivo no substitutivo apresentado ao PL 6.814/17. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2018-mai-24/interesse-publico-oavanco-dialogo-competitivo-substitutivo-pl681417#_ftn3>. Acesso em: 16 mar. 2022.
MERHOLZ, André. O diálogo competitivo na nova Lei de Licitações. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-mai-07/meerholz-dialogo-competitivo-lei-licitacoes>. Acesso em: 16 mar. 2022.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021a.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021b.
UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32004L0018&from=PT>. Acesso em: 16 mar. 2022.
UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT>. Acesso em: 16 mar. 2022.
ZAGO, Marina Fontão. Diálogo competitivo: diferenças e semelhanças com outros institutos. Disponível em: <https://www.jota.info/coberturas-especiais/nacao-inovadora/dialogo-competitivo-diferencas-e-semelhancas-com-outros-institutos-06062021>. Acesso em: 16 mar. 2022.
Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Civil e Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Processual Civil. Procurador do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Antônio Carlos Rodrigues Aragão. O diálogo competitivo como nova modalidade de licitação criada pela lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 mar 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58161/o-dilogo-competitivo-como-nova-modalidade-de-licitao-criada-pela-lei-n-14-133-de-1-de-abril-de-2021. Acesso em: 23 dez 2024.
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