RESUMO: O presente trabalho consiste em uma análise efetiva de um importante instrumento disponível para as micro e pequenas empresas: a possibilidade de usufruir de prerrogativas em relação ao procedimento de licitação pública. Após a explanação da temática na Constituição Federal, estuda-se os mecanismos previstos na Lei Complementar 123/2006 para sua implementação e o porquê de ser imprescindível esses benefícios no atual cenário vigente em nosso ordenamento jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo; Micro e Pequenas Empresas; Tratamento diferenciado nas licitações; Lei Complementar 123/2006; Prerrogativas concedidas aos micro e pequenos empresários.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A garantia constitucional dada as Micro e Pequenas Empresas; 2.1. Princípio do tratamento favorecido para empresas de pequeno porte; 3. Licitação pública e a Lei Complementar 123/2006; 3.1. Licitações – conceito e considerações; 3.2. Prerrogativas concedidas aos micro e pequenos empresários; 3.2.1. Da concessão de prazo para regularização fiscal; 3.2.2. Do desempate em procedimento licitatório; 3.2.3. Da subcontratação de microempresa e empresa de pequeno porte; 3.2.4. Do art. 24, incisos I e II, da Lei 8.666/1993 – casos de dispensa de licitação; 4. Considerações Finais; 5. Referências.
1. Introdução
Devido à grande importância das micro e pequenas empresas para o crescimento do país, mostrou-se necessário estabelecer privilégios para esse segmento empresarial, conferindo concorrência em pé de igualdade com as grandes empresas que dominam o mercado.
As micro e pequenas empresas possuem uma variedade de protótipos de reprodução econômica em meio à expansão capitalista brasileira. Causadoras de parcela relevante da força de trabalho na economia, essas empresas são perseguidas pelas desigualdades de produção, de acesso ao financiamento e capital próprio para investimento e de capacidades empreendedoras que levam a diferentes estruturas de contratação, o que termina por impactar toda sua cadeia de produção e distribuição.
É mister destacar que não são apenas as grandes empresas que impulsionam o poder econômico do país, mas também os inúmeros empreendimentos de menor porte que giram ao redor desses gigantes, as quais também são geradores de riqueza, renda e inúmeros empregos formais, mas compostos de uma dinâmica diferenciada cujo entendimento é essencial para as políticas públicas.
Por causa da relevância dessas empresas para economia brasileira, foi preciso criar uma forma de favorecimento para elas, pois ingressar em um mercado onde as multinacionais e as empresas de grande porte o dominam, não seria possível sem o incentivo estatal.
2. A garantia constitucional dada as Micro e Pequenas Empresas
A constitucionalidade dos estímulos conferidos aos micro e pequenos empreendedores está presente no art. 170, IX e no art. 179, ambos da CF/1988, observe-se:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Dessa forma, é possível perceber que a Lei Complementar nº 123/06, ao abordar a temática das licitações públicas no âmbito das micro e pequenas empresas, o faz para melhor solidificar o que estava estabelecido na própria Constituição Federal. Existe uma manobra do legislador para efetuar a igualdade material, ou seja, tratar os desiguais dentro de suas desigualdades, sobretudo quando o se tratar de procedimentos licitatórios do Poder Público. Em uma formulação clássica, o elemento que não pode faltar para assegurar a isonomia diz respeito ao tratamento diferenciado condizente com as diferenças presentes entre as situações em divergência.
Ademais, Mamede afirma que o fato da LC 123/2006 determinar um tratamento mais benéfico para as microempresas e empresas de pequeno porte não vai de encontro, de maneira alguma, com o princípio da isonomia.
Continua Mamede:
[…] é constatação vetusta, que o princípio da isonomia expressa-se pelo tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais. Normas como a presente concretizam tal máxima de forma fundamentada e justificada. Reconhece-se a importância para a economia dos micro empreendimentos e empreendimentos de pequeno porte, reconhece-se as dificuldades enfrentadas por tais empreendimentos e busca-se, a partir de um lastro constitucional, atribuir-lhes condições mais propícias ao sucesso. [1]
Resta claro, no art. 47 da supracitada LC 123/2006, esta tentativa acertada do legislador, como podemos observar:
Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.
Logo, qualquer questionamento doutrinário que surja e dê margem a debates sobre a possível inconstitucionalidade dos benefícios dados ao micro e pequeno empreendedor, não procedem. É perfeitamente legítima essa concessão, pois é preciso proporcionar a todos os interessados a oportunidade de participar ativamente do mercado brasileiro. Os benefícios atribuídos tentam assegurar a diminuição, ou até mesmo eliminação, das exorbitantes diferenças existentes entre as empresas e harmoniza o princípio da igualdade.
Nessa mesma linha, o autor Santana aborda o entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União, o qual apreciou a constitucionalidade do tratamento diferenciado oportunizado às micro e pequenas empresas nas licitações e verificou a inexistência de qualquer forma de afronta aos comandos principiológicos estabelecidos na Carta Magna, como se observa no teor do voto do Ministro Relator Guilherme Palmeira, presente no Acórdão nº 1231/2008 – Plenário. [2]
2.1. Princípio do tratamento favorecido para empresas de pequeno porte
Essas empresas de menor porte apresentam uma elevada representatividade em uma parte significativa da economia brasileira. O tratamento favorecido para essas empresas constituídas sob o manto das leis brasileiras e que possuam sua sede e administração no país foi introduzido no ordenamento brasileiro através da Emenda Constitucional nº 06/1995.
Dessa forma, elas possuem um direito constitucionalmente assegurado a todas garantias e proteções que desfrutam, haja vista desempenharem uma função muito significativa no mercado econômico.
O princípio do tratamento mais benéfico para empresas de pequeno porte possui uma estreita relação com outros princípios já mencionados e que também fazem parte da ordem econômica brasileira. Tavares afirma que:
Qual seja, o princípio do desenvolvimento nacional, é que por meio do regime simplificado permite-se que determinado seguimento de empresas se desenvolva, gerando empregos e riqueza para nação. Também se nota, pois, a ligação com o princípio da livre iniciativa e concorrência, pois de outra forma seria inviável que esse segmento pudesse manter-se na economia nacional. Acaba sendo tutelado indiretamente o consumidor (além do mercado propriamente dito), já que esta tutela acaba por gerar um mercado aberto a novos agentes, dificultando a formação de grandes empresas que dominem todo o segmento econômico, impondo preços abusivos. [3]
Logo, o princípio em análise possui um sólido vínculo com o princípio da livre concorrência, pois ao se atribuir uma proteção a estas empresas, estará, como resultado, se consolidando a liberdade concorrencial.
Lafayete Petter acrescenta pontualmente que:
O princípio constitucional invoca um tratamento diferenciado às pequenas empresas aqui constituídas e sediadas, incentivando-as e estimulando-as (é a modalidade de intervenção indireta no domínio econômico). Pequenos negócios enfrentam maiores dificuldades de se constituírem (restrições de linhas de crédito, acesso a fornecedores etc.). Ao viabilizar sua criação, instalação e funcionamento, estimula-se a concorrência, mas principalmente a livre iniciativa (num viés substancial), colaborando para o pleno emprego. [4]
3. Licitação pública e a Lei Complementar 123/2006.
Após uma rápida explanação sobre o fundamento constitucional e entender as nuances que explicam todas as prerrogativas oferecidas ao micro e pequeno empresário no âmbito de contratações, passa-se a uma análise acerca das licitações e de como ela é abordada pela Lei Complementar 123/2006, mais conhecida como Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.
3.1. Licitações – conceito e considerações
O governo brasileiro, a fim de atender as necessidades de sua população, a cada ano disponibiliza recursos para aquisição de bens e serviços. Esta necessidade de comprar bens e contratar serviços faz com que diversos segmentos do mercado empresarial disputem entre si a possibilidade de contratar com o poder público, haja vista a vantagem econômica que isto traz consigo.
Justen Filho, ao abordar mais uma vez o tema, comenta sobre a relevância econômica da Administração Pública em contratar com o particular:
Na maior parte dos casos, é economicamente mais vantajoso para o Estado recorrer aos particulares. Tal decorre do princípio da especialização, que norteia a utilização dos recursos escassos. Ao invés de um único sujeito aplicar todos os seus esforços para satisfazer as próprias necessidades, é muito mais eficiente dedicar-se a uma atividade específica e recorrer a terceiros para o restante. A especialização acarreta a elevação da qualidade e a redução dos custos, gerando benefícios para todos. [5]
É justamente neste contexto de competição mercantilista que nasce a licitação para orientar os procedimentos de aquisição, alienação e locação de bens e serviços.
A gestão administrativa, atualmente, visa a busca de satisfação das necessidades da máquina pública e a garantia do desenvolvimento social-econômico e sustentável do país. Uma prova disso é a aplicação dos recursos públicos em contratações com empresas privadas, sem vínculo empregatício, para concretizar os objetivos do estado, via procedimento licitatório.
De acordo com o renomado autor Celso Antônio Bandeira de Mello, por licitação entende-se:
[...] em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir. [6]
Já Justen Filho define licitação da seguinte forma:
[...] um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos visando a seleção da proposta de contratação mais vantajosa e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica. [7]
Na Constituição Federal, a matéria está consolidada no art. 37, XXI, observe-se:
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
As leis infraconstitucionais que tratam sobre as licitações públicas no Brasil são as Leis 8666/1993 e 14.133/21. O tema ainda é abordado pela Lei Federal 10.520/2002, a qual instituiu uma nova modalidade licitatória e a Lei de Concessões de 1993 (Lei 8.987/1995 e 9.074/1995). O verdadeiro intuito é conferir à Administração Pública a contratação mais vantajosa o possível, sendo a maneira encontrada pelo Estado de contratar serviços e adquirir bens respeitando o princípio da igualdade material, de modo transparente e conferindo uma real competitividade entre os participantes.
A lei 8.666/93 prevê 05 (cinco) modalidades de licitação, quais sejam: concorrência, tomada de preço, convite, leilão e concurso. A modalidade pregão foi instituída pela Medida Provisória 2026 de 04 de maio de 2000, no âmbito da União, sendo regulamentada pela já referida Lei 10.520/2002 que estendeu tal modalidade aos estados e municípios.
Por sua vez, a lei 14.133/21 inovou nesse aspecto ao prever enquanto modalidades de licitação o pregão, a concorrência, o concurso, leilão e o diálogo competitivo, além de possibilitar a utilização de procedimentos auxiliares, quais sejam: credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral.
O procedimento licitatório, portanto, é quase sempre indispensável para a elaboração de um futuro contrato administrativo. Diga-se futuro, pelo fato de que o Estado não está obrigado a contratar com o vencedor da licitação, este apenas possui a expectativa de tal direito, ou seja, se Administração contratar terá que ser com ele, porém ela pode optar por não estabelecer esse contrato.
Este procedimento, insta destacar, ainda possui o intuito de romper com os desvios e favorecimentos pessoais ainda tão presentes nas compras públicas. Isso explica o porquê de sua rigidez procedimental.
O art. 37 da Constituição Federal ainda traz os princípios que norteiam as contratações públicas. São eles: princípios da legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. A Lei 8666/1993 adicionou os princípios da probidade administrativa, o da vinculação ao procedimento licitatório e por fim o do julgamento objetivo.
Por fim, a lei 14.133/21 trouxe como princípios regentes, além dos já mencionados, os princípios do interesse público, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
As licitações públicas possuem uma relevância enorme para a Administração pública, bem como para toda a população. Entretanto, na expectativa de conseguir vencer o procedimento licitatório e reduzir os preços ao máximo, as empresas participantes do certame acabam perdendo um pouco da qualidade na prestação do serviço ou fornecimento de bens.
3.2. Prerrogativas concedidas aos micro e pequenos empresários
3.2.1. Da concessão de prazo para regularização fiscal
No procedimento licitatório, a exigência de regularidade fiscal das micro e pequenas empresas são conferidas para fins de assinatura do contrato. Se por acaso existir alguma restrição fiscal, será conferido, às micro e pequenas empresas, o prazo de 05 (cinco) dias úteis, prorrogáveis por igual período, para a regularização da documentação solicitada. Este é o previsto na LC 123/2006:
Art.43. As microempresas e as empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista, mesmo que esta apresente alguma restrição.
Um fator diferencial da LC é no tocante ao prazo conferido às micro e pequenas empresas para a regularização fiscal, e agora também trabalhista, em se logrando o êxito do primeiro lugar no certame licitatório. O prazo passa de 02 (dois) dias úteis prorrogáveis por igual período, para 05 (cinco) dias úteis também prorrogáveis por igual período. Esta alteração pode ser conferida no parágrafo primeiro do art. 43 da LC 123/2006:
§ 1º Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, será assegurado o prazo de 5 (cinco) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da administração pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e para emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.
O prazo de regularidade fiscal, insta destacar, é o prazo no qual as empresas vencedoras do certame licitatório possuem para parcelarem ou pagarem seus débitos e comprovarem que seus documentos fiscais estão devidamente regularizados. Caso passe esse prazo, inclusive com a prorrogação, e a empresa vencedora não apresente sua regularização, esta não terá mais o direito à contratação, sendo este um prazo decadencial.
3.2.2. Do desempate em procedimento licitatório
A contratação de microempresas e empresas de pequeno porte é uma maneira de desempate em procedimentos licitatórios.
A LC 123/2006, em seu art. 44, estabelece que a proposta apresentada pela empresa precisa ser igual ou até 10% (dez por cento) superior à proposta mais bem classificada, partindo do pressuposto que esta última seja uma empresa de médio ou grande porte. Na modalidade pregão de licitação este percentual vai para 5% (cinco por cento).
3.2.3. Da subcontratação de microempresa e empresa de pequeno porte
O art. 48, II, da LC 123/2006, estabelecia que leis específicas deveriam dispor sobre procedimento licitatório, exigindo dos licitantes a subcontratação de micro ou empresa, desde que o percentual limite (máximo) do objeto a ser subcontratado não ultrapassasse 30% (trinta por cento) do total licitado.
Acontece que essa subcontratação iria de encontro ao princípio da livre iniciativa, como um dos princípios norteadores da ordem econômica. Seria, desse modo, inconstitucional tal imposição.
Isso não quer dizer que a subcontratação é ilícita ou proibida pelo ordenamento jurídico. Pode existir essa prática desde que seja realizado de maneira facultativa e obedecendo os limites estabelecidos pela Administração no edital ou no contrato. É o pensamento de Ronny Charles. [8]
Com a LC 147/2014, o inciso II do art. 48, passa a dispor da seguinte maneira:
II – poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;
É mantida, por sua vez, a possibilidade da Administração exigir dos licitantes que se subcontrate microempresa e empresa de pequeno porte em obras ou serviços requeridos. A limitação anterior de 30% (trinta por cento) foi excluída da nova redação.
O que há de se observar, no entanto, é a não subcontratação do total do objeto contratado.
3.2.4. Do art. 24, incisos I e II, da Lei 8.666/1993 – casos de dispensa de licitação
Para os casos estabelecido em lei, a realização do procedimento licitatório é obrigatória para que se mantenha a igualdade de condições e competitividade. Existem casos, entretanto, que o esse procedimento se demonstra impertinente para ao interesse público. Temos então a dispensa de licitação.
Neste ponto é importante discorrer acerca de uma alteração trazida pela LC 147/2014, no que se refere a dispensa. A referida Lei Complementar estendeu benefícios para casos de licitação dispensável. O art. 49, IV, da LC 123/2006 possuía redação no sentido de que os benefícios dos arts. 47 e 48 não seriam aplicados aos casos quando “a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93”.
Posteriormente essa redação foi corretamente complementada, excluindo da não aplicação os casos de dispensa de licitação abordados pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei. Segue o novo texto dado ao art. 49 da LC 123/2006:
IV- a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.
Dessa forma, chega-se à conclusão de que as alterações feitas pela LC 147/2014 são de extrema relevância para as contratações públicas com micro e pequenas empresas, pois são alterações que alargam o rol dos benefícios conferidos.
Essas alterações vieram para efetivamente consubstanciar a vontade do legislador de proporcionar um incentivo e como forma de política social a este ramo empresarial, imputando-lhe tratamento diferenciado e mais benéfico, possuindo ainda um respaldo constitucional.
4. Considerações Finais
A competitividade causada pelas micro e pequenas empresas é um fator essencial para a promoção do impulso econômico nacional. Nessa seara, o peculiar tratamento conferido possui um vínculo direto com a ganho de competitividade das empresas.
Essas empresas são, de fato, de extrema importância para o Brasil, representando um pertinente fragmento de sua economia, favorecendo os empregos formais, partilhados entre o comércio e atividades de serviços. É uma verdadeira base da economia nacional devido ao incentivo que recebe do Poder Público, a fim de que realize suas atividades da maneira menos dificultosa e simplificada, gerando mais lucros e o consequente desenvolvimento e crescimento do país.
O privilégio de tratamento diferenciado é devidamente constitucional e de muita inteligência e sagacidade por parte do legislador, pois este tentou atribuir não apenas a igualdade formal de tratamento, mas sim a igualdade material, tratando de maneira desigual os que se encontram em situação de desigualdade. Agora, mesmo com diversos impasses ainda presentes, é plenamente possível a concorrência deste segmento empresarial junto às multinacionais.
Verificou-se que o direito e a economia são ciências que precisam uma da outra, ou seja, elas se complementam. A Constituição Federal não é só social e política, é também econômica. Esta ordem econômica e seus princípios norteadores são os pilares para a compreensão das prerrogativas conferidas aos micro e pequenos empresários.
Quando se trata das contratações com o poder público, os benefícios conferidos a este ramo são de extrema relevância, pois o Estado, ao concedê-los, impulsiona o desenvolvimento nacional sustentável, a concorrência isonômica entre os participantes e a diminuição dos gastos com aquisição de bens e serviços.
A Lei Complementar 147/2014 trouxe importantes alterações na Lei Complementar 123/2006, que normatiza a atividade das micro e pequenas empresas, também se demonstrou importante quando das alterações concernentes ao procedimento licitatório envolvendo o referido segmento empresarial.
Por fim, restou concluído que, de fato, as contratações do Poder Público com os micro e pequenos empreendedores são bastante vantajosas tanto para o lado econômico quanto para o lado social. O impulso ocasionado por essas contratações é notável e consolida o que é estabelecido pela Constituição Federal da República Federativa Brasileira.
5. Referências
CACCIAMALI, M. C. A economia informal 20 anos depois. 1986. Mimeografado. Globalização e processo de informalidade. Economia e Sociedade, n. 14, 2000.
FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 4 ed. Paraná: Juruá Editora, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2014.
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MAMEDE, Gladston; SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; NOHARA, Irene Patricia; MARTINS, Sergio Pinto. Comentários ao estatuto nacional da micro empresa e empresa de pequeno porte: Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
PETTER, Lafayete Josué. Direito econômico. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.
SANTANA, Jair Eduardo. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa: reflexos práticos da LC nº 123/06. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed., São Paulo: Malheiros, 2013.
SUNDFELD, Carlos Ari. Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. O estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte e as licitações públicas. Revista Virtual da AGU, Ano VII, n. 62, março de 2007.
Notas
[1] MAMEDE, Gladston; SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; NOHARA, Irene Patricia; MARTINS, Sergio Pinto. Comentários ao estatuto nacional da micro empresa e empresa de pequeno porte: Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. São Paulo: Atlas, 2007.
[2] SANTANA, Jair Eduardo. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa: reflexos práticos da LC nº 123/06. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 31.
[3] TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 215.
[4] PETTER, Lafayete Josué. Direito econômico. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 94-95.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos. 15 Ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 12.
[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 528.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2014, p. 495.
[8] TORRES, Ronny Charles Lopes de. O estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte e as licitações públicas. Revista Virtual da AGU, Ano VII, n. 62, março de 2007, p. 9.
Analista Judiciário. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Maurício de Nassau e em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MURILO CALLOU TAVARES DE SÁ, . O tratamento peculiar das licitações para as micro e pequenas empresas na economia brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58177/o-tratamento-peculiar-das-licitaes-para-as-micro-e-pequenas-empresas-na-economia-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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