RESUMO - O presente estudo pretende apresentar uma incipiente análise a respeito dos institutos da busca e da apreensão na investigação criminal. Para tanto, serão apresentados os dispositivos normativos que regulamentam tais institutos no ordenamento jurídico pátrio, assim como serão explicitados entendimentos da Suprema Corte sobre a temática. Nessa senda, discutir-se-á acerca da necessidade de observação de tais parâmetros para que a efetivação desses institutos, pelos agentes públicos, esteja sempre acobertada pelo manto da legalidade, com o escopo de garantir a legitimidade das provas produzidas por meio desses institutos jurídicos. O método de abordagem escolhido é o método dedutivo, visto que são abordadas, em primeiro plano, de forma genérica, as definições dos institutos jurídicos da busca e da apreensão, e em um segundo momento, o tema é tratado a partir da regulamentação constitucional e legal, de forma a apresentar conclusões acerca da necessidade de observância desses dispositivos para a investigação criminal. Além disso, o trabalho utiliza-se da pesquisa qualitativa, com o fim de realizar a análise do fenômeno estudado e as suas consequências na investigação criminal. Desse modo, serão demonstradas as razões jurídicas pelas quais a legalidade da realização da busca e apreensão é imprescindível para a efetividade da persecução penal ausente de nulidades.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Processual Penal. Busca e Apreensão. Investigação Criminal. Nulidades.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Busca e Apreensão. 2.2 Breves anotações sobre a Busca e Apreensão. 2.2.1 Busca e Apreensão como medida cautelar. 2.2.2 Busca e Apreensão como meio de prova. 2.2 A investigação criminal por meio da busca e apreensão. 2.3 Disposições constitucionais aplicáveis à Busca e Apreensão. 2.4 Observância dos dispositivos constitucionais e a mitigação de nulidades na investigação criminal. 3 considerações Finais.
1.INTRODUÇÃO
A busca e apreensão apresentam-se como institutos jurídicos de extrema relevância no campo da investigação criminal, uma vez que são utilizadas como medidas que visam à obtenção de elementos probatórios, assim como evitam o perecimento de provas. Nesse contexto, exsurgem diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que regulam tais medidas, com o escopo de garantir que tais medidas, conquanto restrinjam alguns direitos fundamentais, sejam efetivadas dentro da estrita legalidade. Nesse jaez, é de extrema importância que, na determinação e na realização de tais medidas, os agentes públicos responsáveis observem cautelosamente tais parâmetros, com o fim de mitigar a ineficácia da prova e, quiçá, a possibilidade de declaração de nulidades no âmbito do processo penal, contribuindo, sobremaneira, para a efetividade da persecução penal.
Nessa moldura, ante a relevância da atuação estatal na repressão de ilícitos e na busca de uma eficiente persecução penal, este trabalho tem por escopo precípuo analisar as limitações constitucionais aplicáveis à busca e apreensão, na investigação criminal, e a necessidade de observância de tais limitações a fim de mitigar eventuais nulidades no processo penal.
2.BUSCA E APREENSÃO
2.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A BUSCA E APREENSÃO
A busca e apreensão revela-se como um instituto jurídico de natureza mista, uma vez que a doutrina majoritária classifica-a como medida acautelatória e a legislação processual penal a vislumbra como meio de prova, de natureza acautelatória e coercitiva.
A busca pode ser entendida como sendo uma diligência da persecução penal com o escopo específico de procurar pessoa ou coisa, podendo, inclusive, restringir alguns direitos fundamentais, a exemplo da intimidade, privacidade e até mesmo a inviolabilidade de domicílio.
A apreensão, por sua vez, pode ser conceituada, de forma simplória, como medida assecuratória no sentido de retirar algo ou alguém de outrem ou de determinada localidade com a finalidade de preservar direitos ou produzir prova.
Nesse sentido está a doutrina de Avena (2020, p. 662):
Por busca compreendem-se as diligências realizadas com o objetivo de investigação e descoberta de materiais que possam ser utilizados no inquérito policial ou no processo criminal, assim como de pessoas em relação às quais exista ordem judicial de prisão ou que sejam vítimas de crimes. Trata-se de uma atitude de procura, a ser realizada em lugares ou em pessoas. Já por apreensão depreende-se o ato de retirar alguma coisa que se encontre em poder de uma pessoa ou em determinado lugar, a fim de que possa ser utilizada com caráter probatório ou assecuratório de direitos.
Ainda sobre a natureza jurídica da busca e apreensão, o mencionado autor (AVENA, 2020, p. 663) assevera o seguinte:
Quanto à natureza jurídica da busca e apreensão, tudo dependerá do caráter de que venha a se revestir. Normalmente, assume natureza de meio de prova, destinada à utilização nas investigações criminais e nos processos judiciais. Pode, contudo, revestir-se de caráter assecuratório de direitos, como ocorre na hipótese de ser efetivada em decorrência de determinação de arresto (art. 137 do CPP), cujo objetivo é garantir o êxito da reparação civil dos danos causados pela prática da infração penal.
Na esteira da doutrina de Pitombo (2005, p.23-25), a busca pode ser entendida da seguinte forma:
A busca, portanto, é ato do procedimento persecutivo penal, restritivo de direito individual (inviolabilidade da intimidade, vida privada, domicílio e da integridade física ou moral), consistente em procura, que pode ostentar-se na revista ou no varejamento, conforme a hipótese: de pessoa (vítima de crime, suspeito, indiciado, acusado, condenado, testemunha e perito), semovente, coisas (objetos, papéis e documentos), bem como vestígios (rastros, sinais e pistas) da infração.
2.1.1 BUSCA E APREENSÃO COMO MEDIDA CAUTELAR
A busca e apreensão pode ser vislumbrada como uma das medidas cautelares encontradas em nosso ordenamento jurídico, porém ela difere das outras medidas (arresto, sequestro), em razão de sua autonomia. Reconhecendo a busca e a apreensão como espécie de medidas cautelares está a doutrina de Pontes de Miranda (1979, p. 224), que afirma o seguinte:
A busca e apreensão consiste em apanhar-se bem ou pessoa, ou apanharem-se bens ou pessoas. Para que caiba a medida cautelar, é preciso que alguma regra jurídica, de direito material ou processual, haja estabelecido que se possa pedir ou que haja atribuído ao juiz a competência para decretá-la de ofício.
No processo penal, as medidas cautelares são entendidas como ato da atividade de investigação decorrente da atividade judicial, podendo recair sobre coisas ou pessoas, sendo, no último caso, muitas vezes responsáveis pela restrição de direitos constitucionais.
Nesse contesto, surgem as principais características desse instituto no âmbito do processo penal: jurisdicionalidade, assessoriedade, instrumentalidade e proporcionalidade.
A jurisdicionalidade refere-se à necessidade de determinação judicial para a realização da busca a da apreensão, ou pelo menos a reanálise de tais institutos pelo Poder Judiciário, nos casos em que a lei permite que a autoridade policial o faça, uma vez que as medidas cautelares no processo penal precisam observar os direitos garantidos pela Constituição Federal, bem como o princípio do devido processo legal.
A acessoriedade diz respeito ao fato de que a medida cautelar no processo penal sempre acompanha o processo principal, uma vez que seu juízo sempre se baseia em probabilidade de encontrar pessoas ou coisas no âmbito do processo.
A instrumentalidade se revela na medida em que a busca e a apreensão permitem proteger os elementos colhidos no curso do processo penal, de forma a conduzir o processo penal ao êxito, auxiliando na garantia de aplicação da lei penal.
Por fim, a proporcionalidade deve ser observada com o fim de que a busca e apreensão e suas consequências não sejam mais graves do que a finalidade pretendida, ou seja, a medida deve causar o mínimo dano possível ao indiciado/acusado.
2.1.2 BUSCA E APREENSÃO COMO MEIO DE PROVA
Acerca do tema, o Código de Processo Penal (CPP) dispõe em seu Título VII, Capítulo XI, que:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
Verifica-se, portanto, que o Código de Processo Penal delimita a busca, asseverando que pode ser classificada em pessoal e domiciliar.
No que concerne à busca domiciliar, a condição de legitimidade prevista no artigo 240 está vinculada à autorização judicial, de ofício ou a requerimento das partes ou de autoridade competente, consoante previsto no artigo 242 do CPP, com a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão, quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, indicando com precisão o lugar físico onde deverá ser realizada a diligência ou as suas características, com indicação do nome do proprietário ou do indivíduo que irá sofrê-la, nos termos do artigo 243 do CPP.
A busca pessoal, por sua vez, exige fundadas suspeitas para apreender coisas achadas ou obtidas por meio criminoso, informações postais destinadas ao acusado útil à elucidação dos fatos ou colher qualquer elemento de convicção para a elucidação do crime, conforme estabelece o § 2º do artigo 240 do CPP.
Constata-se, portanto, que a busca e apreensão servem à instrução probatória penal como ferramenta jurídica para colheita de elementos probatórios.
2.2 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR MEIO DA BUSCA E APREENSÃO
A busca e a apreensão exercem papel extremamente importante na investigação e na persecução penal realizada pelo Estado, uma vez que, conforme ilustrado nos itens anteriores deste estudo, são consideradas instrumentos jurídicos utilizados para colher elementos de prova de ilícitos.
No CPP, a partir do artigo 245, estão definidas as possibilidades e exigências para realização da busca e apreensão. As buscas domiciliares ocorrerão com posse de mandado, intimando o morador a abrir a porta do domicílio. Além disso, se for determinada a coisa ou pessoa objeto do mandado, o morador será intimado a mostra-la, prescrição que, para a doutrina, contraria o princípio nemo tenetur se detegere, ou seja, ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo.
A busca pode ser realizada pela autoridade policial ou seus agentes (artigos 241, 245, § 1º, e 250 do CPP, inclusive os membros da polícia militar, na fase de inquérito e por oficiais de justiça, na fase processual. O cumprimento do mandado deve observar as prescrições contidas nos artigos 245, 247 e 248 do CPP.
Antes da busca, o executor deve exibir e ler o mandado de busca, intimar o morador a abrir a porta e mostrar o que se procura, declarar sua qualidade e o objetivo da diligência. Caso haja necessidade, em caso de desobediência à ordem judicial por parte do morador, o executor poderá arrombar a porta e forçar a entrada, empregar força contra as coisas ali existentes, intimar um vizinho para assistir à diligência, em caso de ausência do morador.
O executor deve, ainda, determinar o que for necessário em relação aos moradores, entretanto deve molestá-los o mínimo possível.
Após a busca, o executor deverá apreender a pessoa ou coisa que procura, lavrar auto a respeito da diligência, arrolando duas testemunhas. Se a busca resultar infrutífera, deve informar ao sujeito passivo as razões de sua realização. Se penetrar em território de outra jurisdição, apresentar-se-á à autoridade local.
A apreensão, por sua vez, pode ser decorrente da busca, conforme explicitado nas linhas anteriores, como também pode se efetivar mediante exibição. A apreensão pode ser realizada tanto na fase inquisitorial, como no decorrer da ação penal e até mesmo durante a execução da pena.
Na fase de inquérito, a autoridade policial, o Ministério Público e o ofendido podem requerer a apreensão, conforme prevê o artigo 14 do CPP.
Ante tal moldura jurídica, é possível vislumbrar a busca e apreensão como uma ferramenta de investigação criminal, uma vez que possibilita o acesso a elementos de prova que podem ser imprescindíveis para a colheita de materialidade delitiva e indícios de autoria do ilícito penal.
2.3 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À BUSCA E APREENSÃO
É irrefutável que o Estado Democrático de Direito tem por escopo garantir os direitos fundamentais de seus indivíduos, com o escopo de que não se dê abertura a eventuais arbítrios por parte das autoridades.
A determinação e a realização da busca e da apreensão pressupõem a observância máxima dos preceitos constitucionais, notadamente no que se refere à inviolabilidade domiciliar e à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Assim, o princípio da legalidade deve ser o norte a ser observados quando da determinação e realização de tais medidas.
No que se refere à inviolabilidade domiciliar, a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XI, estabelece a proteção à casa, apontando as situações excepcionais em que pode haver a violação, quais sejam, flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Acerca do assunto, é pertinente destacar que o termo casa deve ser entendido de forma ampla, consoante definido no artigo 150, §§ 3º e 5º, do Código Penal, abrangendo qualquer local que sirva de abrigo, residência ou moradia ou aquele não aberto ao público onde o indivíduo exerce profissão ou atividade.
Nesse sentido, há julgado emblemático da Suprema Corte:
E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO [...]
(STF. RHC 90376. Segunda Turma. Min. Rel. Celso de Mello. Data de Publicação: 18/05/2007. Grifos nossos.)
Ainda sobre as inviolabilidades, a Constituição Federal, também no artigo 5º, inciso X, preceitua que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Destarte, percebe-se que a Constituição Federal de 1988, ao proteger direitos fundamentais dos indivíduos, traça limites claros e precisos às inviolabilidades que são restringidas quando da determinação e realização da busca e apreensão.
2.4 OBSERVÂNCIA DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E A MITIGAÇÃO DE NULIDADES NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Ante a existência de limites constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à busca e a apreensão, exsurge a necessidade de análise acerca das consequências advindas da inobservância de tais limites na colheita de provas, na investigação criminal e no processo penal, por meio de tais institutos.
Nesse contexto, importa traçar um panorama simplório acerca dos efeitos, nas provas colhidas a partir da realização de tais medidas, sem que tenham sido observadas as disposições constitucionais e infraconstitucionais.
Acerca do tema, é pertinente trazer à baila os ensinamentos de Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho (2004, p.133), quando tratam das provas ilegais. Tais autores afirmam que as provas ilegais são um gênero do qual fazem parte as provas ilegítimas e as provas ilícitas:
[...] diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida.
Assim, dentro do gênero das provas ilegais, verifica-se que a classificação da prova, se ilegítima ou ilícita, é tida pela infração realizada ao se produzir essa prova, ou seja, para que se saiba a essência da prova, é necessário que se certifique sobre a natureza da norma infringida em razão da obtenção da prova. Se a norma violada tratar-se de norma de direito processual, será, então, a prova produzida violadora de tal dispositivo, ilegítima. Para essa violação a sanção a ser imposta é a de nulidade da prova e a consequente ineficácia dos atos que dela decorrerem. A solução para tais casos se mostra através da estrita legalidade, ou seja, são taxativos os dispositivos relativos às sanções para os atos processuais ilegítimos. No entanto, modernamente, tem-se admitido com mais frequência a instrumentalidade das formas, através da qual deve ser considerado o fim a que se destina o ato processual, e, só assim, decidido sobre a inexistência ou nulidade dos atos processuais, no caso, da prova ilegítima. Explicitando essa ideia Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho (2004, p. 27) afirmam que:
A própria lei deve estabelecer os critérios que norteiam o juiz na apreciação das irregularidades dos atos processuais; nesse particular, nota-se uma evolução bastante sensível nos ordenamentos modernos: em lugar do denominado “sistema de legalidade das formas”, em que o legislador enumerava taxativamente os casos de nulidade, praticamente sem deixar espaço à discricionariedade do juiz na apreciação das consequências do vício, predomina hoje em dia o “sistema da instrumentalidade das formas” em que se dá mais valor à finalidade pela qual a forma foi instituída e ao prejuízo causado pelo ato atípico, cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação, a conveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado em desacordo com o modelo legal.
Continuam esse raciocínio Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho (2004, p. 23) preceituando que “[...] a Constituição não estabelece a sanção de ineficácia para as provas admitidas em desconformidade com o art. 5.º, LVI, da CF. A sanção deverá ser buscada nos princípios gerais do ordenamento.”
É certo que a Constituição Federal de 1988 veda a produção de provas ilícitas de maneira incisiva em seu artigo 5º, inciso LVI. O Código de Processo Civil também segue tal entendimento trazendo dispositivos expressos no que diz respeito à matéria, como é o caso do artigo 232, que reza que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados nesse Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Aqui encontra-se implicitamente a definição de prova ilícita, como sendo aquela obtida de sob a égide da lei e da moral. Por outro lado, toda prova que não se enquadre neste modelo é prova ilícita, e, portanto, imprestável, pois não é considerada como produto de prescrição da lei e da moral, sendo este o pensamento de vários processualistas, inclusive daqueles que fazem parte da seara penal, como é o caso de Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho (2004, p. 135-136), ao apregoarem que:
A doutrina e a jurisprudência de diversos países oscilaram, durante algum tempo, quanto à admissibilidade processual das provas ilícitas. Da posição inicial, que admitia a prova relevante e pertinente, preconizando apenas a punição do responsável pelo ato ilícito (penal, civil ou administativo) praticado na colheita ilegal da prova, chegou-se à convicção de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade, por vulnerar normas ou princípios constitucionais - como, por exemplo, a intimidade, o sigilo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, a própria integridade e dignidade da pessoa.
O Código de Processo Penal também não deixa margem de dúvidas quanto à imprestabilidade das provas ilícitas, ao dispor, em seu artigo 157, que tais provas são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, Ademais, considera como provas ilícitas, aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Afirma, ainda, que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Nesse jaez, as provas produzidas na seara criminal em desconformidade com as disposições contidas na Constituição Federal e/ou na legislação infraconstitucional enquadrar-se-ão na situação descrita no art. 5.º, LVI, da CF, devendo serem consideradas nulas. Além disso, cumpre observar que sua renovação será difícil e quiçá impossível, não podendo ser reintroduzida no processo simplesmente por renovação da diligência por ordem da autoridade competente.
Acerca da temática, é pertinente transcrever excerto de recente julgado da Suprema Corte:
EMENTA Reclamação constitucional ajuizada pela Mesa do Senado Federal. Defesa de prerrogativa de Senadora da República. Pertinência temática entre o objeto da ação e a atuação do ente despersonalizado. Legitimidade ativa ad causam. Busca e apreensão determinada por juízo de primeiro grau, em imóvel funcional ocupado por Senadora da República, em desfavor de seu cônjuge. Alegada usurpação de competência da Corte. Delimitação da diligência a bens e documentos do investigado não detentor de prerrogativa de foro. Não ocorrência. Ordem judicial ampla e vaga. Ausência de prévia individualização dos bens que seriam de titularidade da parlamentar federal e daqueles pertencentes ao não detentor de prerrogativa de foro. Pretendida triagem, a posteriori, do material arrecadado, para selecionar e apartar elementos de convicção relativos à Senadora da República. Impossibilidade. Investigação, por via reflexa, de detentor de prerrogativa de foro. Usurpação de competência caracterizada. Reconhecida ilicitude da prova (CF, art. 5º, inciso LVI) e daquelas outras diretamente dela derivadas. Teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree). Precedentes. Reclamação procedente. 1. Nos termos do art. 102, I, b, da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, os membros do Congresso Nacional. 2. Reclamação ajuizada na defesa da prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal Federal, de Senadora da República, a qual teria sido violada pelo juízo reclamado ao direcionar à parlamentar, de forma indireta, medida de busca e apreensão realizada nas dependências do apartamento funcional por ela ocupado. 3. Nos termos do art. 48, II, do Regimento Interno do Senado Federal, compete a seu presidente, membro nato da Mesa do Senado, “velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores". 4. Está presente a pertinência temática entre o objeto da reclamação e a atuação da Mesa do Senado Federal na qualidade de ente despersonalizado, o que lhe outorga a capacidade de ser parte ativa na ação. 5. Legitimidade ativa ad causam da reclamante para o manejo da reclamação reconhecida. 6. Por estrita observância ao princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII), somente o juiz constitucionalmente competente pode validamente ordenar uma medida de busca e apreensão domiciliar. 7. A prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal, por óbvio, não se relaciona à titularidade do imóvel, mas sim ao parlamentar federal. 8. A tentativa do juízo reclamado de delimitar, em sua decisão, a diligência a bens e documentos do investigado não detentor de prerrogativa de foro, de partida, mostrou-se infrutífera, diante da própria vagueza de seu objeto. 9. A extrema amplitude da ordem de busca, que compreendia indiscriminadamente valores, documentos, computadores e mídias de armazenamento de dados, impossibilitou a delimitação prévia do que pertenceria à Senadora da República e ao investigado, não detentor de prerrogativa de foro. 10. A alegação de que, após a apreensão, proceder-se-ia, em primeiro grau, a uma triagem do material arrecadado, para selecionar e apartar elementos de convicção relativos à Senadora da República, não se sustenta, por implicar, por via reflexa, inequívoca e vedada investigação de detentor de prerrogativa de foro e, por via de consequência, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 11. Somente o Supremo Tribunal Federal, nessas circunstâncias, tem competência para ordenar busca e apreensão domiciliar que traduza, ainda que reflexamente, investigação de parlamentar federal, bem como para selecionar os elementos de convicção que a ela interessem ou não. 12. A legalidade da ordem de busca e apreensão deve necessariamente ser aferida antes de seu cumprimento, pois, do contrário, poder-se-ia incorrer em legitimação de decisão manifestamente ilegal, com base no resultado da diligência. 13. Diante da manifesta e consciente assunção, por parte da Procuradoria da República em São Paulo e do juízo reclamado, do risco concreto de apreensão de elementos de convicção relacionados a detentor de prerrogativa de foro, não cabe argumentar-se com descoberta fortuita de provas nem com a teoria do juízo aparente. 14. Nessas circunstâncias, a precipitação da diligência por juízo sem competência constitucional maculou-a, insanavelmente, de nulidade. 15. Na hipótese de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal para supervisionar investigações criminais, ainda que de forma indireta, a consequência deve ser a nulidade dos atos eventualmente praticados na persecução penal. Precedentes. 16. Ainda que a decisão impugnada tenha sido proferida em inquérito desmembrado por determinação do Supremo Tribunal Federal, a diligência ordenada, em razão da busca indiscriminada de elementos de convicção que, em tese, poderiam incriminar parlamentar federal, se traduziu em indevida investigação desse, realizada por juízo incompetente. 17. O reconhecimento, portanto, da imprestabilidade do resultado da busca realizada no apartamento funcional da Senadora da República para fins probatórios, como também de eventuais elementos probatórios diretamente derivados (fruits of the poisonous tree), é medida que se impõe. 18. Nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição Federal, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. 19. Por sua vez, o art. 157 do Código de Processo Penal, ordena o desentranhamento dos autos e a inutilização das provas ilícitas, “assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, a fim de não interferir, subjetivamente, no convencimento do juiz. 20. Reclamação julgada procedente, para o fim de invalidar a ordem de busca no domicílio funcional do titular de prerrogativa de foro e, por consequência óbvia, reconhecer a ilicitude das provas ali obtidas, bem como de eventuais elementos probatórios outros delas derivados. 21. Determinado o desentranhamento dos respectivos autos de apreensão e dos relatórios de análise de material apreendido, com sua consequente inutilização, bem como a inutilização de cópias e espelhamentos de documentos, computadores e demais dispositivos eletrônicos, e a restituição de todos os bens apreendidos no citado local, caso já não tenha ocorrido. 22. Determinada, ainda, a inutilização de todas as provas derivadas daquelas obtidas na busca, que deverão ser desentranhadas dos autos e, se for o caso, restituídas a quem de direito.
(STF. Rcl 24473. Segunda Turma. Min. Rel. Dias Toffoli. Data de Publicação: 06/09/2018. Grifos nossos)
Segundo Tornaghi (1983, p. 469-470), quando se respeitam os requisitos impostos pela Constituição e pelo Código de Processo Penal, não se está pensando em proteger apenas aquele que terá seu direito à inviolabilidade restrito, mas também aquele que ordena e aquele que executa.
Destarte, cumpre asseverar que o prejuízo de uma busca e apreensão ilícita, para a persecução penal, é imensurável. Por tal motivo, é imprescindível a observância dos limites constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis aos institutos jurídicos da busca e apreensão.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise doutrinária, legislativa e jurisprudencial realizada nesse trabalho, é possível afirmar que, à luz das normas vigentes, não há espaço para a determinação e realização dos institutos jurídicos da busca e apreensão em desconformidade com o ordenamento jurídico pátrio.
Além disso, constata-se que tais institutos representam papel extremamente relevante na investigação criminal, uma vez que podem ser consideradas ferramentas previstas na legislação infraconstitucional que tem por escopo a colheita de elementos de prova de ilícitos penais, auxiliando sobremaneira a investigação e a persecução penal.
Nesse sentido, ao serem determinadas ou executadas, é imprescindível que o agente público responsável pelo ato de determinar ou executar observe cautelosamente as disposições constitucionais e infraconstitucionais, sob pena de tornar a prova colhida ilícita e, consequentemente, imprestável para o processo penal.
Tal exigência exsurge notadamente pelo fato de que a busca e a apreensão são medidas excepcionais que, aos serem executadas, restringem direitos garantidos constitucionalmente, a exemplo da proteção a casa e da intimidade, somente sendo justificáveis quando o fim a que se propõe é maior do que o dano causado ao investigado ou acusado.
Ante o exposto, defende-se, nesse estudo, a viabilidade da determinação e da execução das medidas de busca e apreensão, desde que observadas os preceitos constitucionais e legais pelos agentes públicos determinantes e executores de tais medidas, com o escopo de mitigar as nulidades das provas no âmbito do processo penal.
REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto. Processo Penal. São Paulo: Método, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 03/06/2021.
______. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 03/06/2021.
______. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 03/06/2021.
GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
PITOMBO, Cleonice. A. Valetim Bastos. Da busca e da apreensão no processo penal. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2005, p. 23-26.
TORNAGHI, H. B. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1983.
Advogada. Especialista em Direito Público. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Investigação Forense e Perícia Criminal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORIM, JULIANA BARRETO DE CARVALHO. Observância aos limites constitucionais da busca e apreensão na investigação criminal: uma abordagem à luz das nulidades processuais penais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 mar 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58182/observncia-aos-limites-constitucionais-da-busca-e-apreenso-na-investigao-criminal-uma-abordagem-luz-das-nulidades-processuais-penais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.