“O tempo do processo não pode estar desconectado do tempo dos negócios” COSTA, Daniel Cárnio.
RESUMO: O artigo se propõe a demonstrar as primeiras iniciativas de mediação judicial no âmbito da recuperação de empresas, desde as audiências de gestão democrática do processo, passando pela experiência emblemática da Recuperação Judicial da OI, até chegar na recente alteração legislativa, impulsionada pelo atual contexto econômico, imbuída do propósito de fortalecer e institucionalizar essa medida adequada de solução de conflitos empresariais.
ABSTRACT: The article intends to demonstrate the first judicial mediation initiatives in the scope of company reorganization, from the democratic management hearings of the process, through the emblematic experience of the OI Judicial Reorganization, to the recent legislative change, driven by the current economic context, imbued with the purpose of strengthening and institutionalizing this adequate measure for resolving business conflicts.
PALAVRAS-CHAVE: mediação judicial, recuperação de empresas.
KEYWORDS: judicial mediation, company reorganization.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A audiência de gestão democrática e seus avanços. 2. Caso da OI – Experiência com mediação (?) 3. Alterações legislativas e perspectivas. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A mediação tem ganhado cada vez mais espaço nos debates por soluções extrajudiciais de conflitos civis, especialmente empresariais. Todavia, esse trabalho se propõe a estudar a mediação como solução judicial, utilizada durante o processo de recuperação de empresas, seja sob a modalidade de Recuperação Judicial ou de Falência.
Os princípios a serem observados na mediação judicial são os mesmos, especialmente a autonomia da vontade, a imparcialidade, a oralidade, a busca por uma solução efetiva para as partes envolvidas no conflito.
Esse breve estudo analisará a audiência de gestão democrática do processo, primeira iniciativa de mediação judicial realizada no Brasil, em 2011, o caminho percorrido, com destaque para a mediação judicial na Recuperação da OI até os avanços obtidos com a recente alteração da Lei nº 11.101/2005 que formalizou a conciliação e mediação como medidas cabíveis no âmbito da Recuperação de Empresas.
1.A audiência de gestão democrática e seus avanços
Em meados de 2011, com inspiração na Section 206 do Código de Falências dos EUA, o Juiz Daniel Cárnio Costa, à época titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, começou a realizar o que cunhou de “audiência de gestão democrática”.
A referida audiência, em um primeiro estudo, parece o embrião da mediação judicial nas recuperações de empresas no Brasil. Trata-se de uma audiência em que se reúnem os envolvidos para discutir o tema, substituindo a manifestação e sucessiva das partes, que tende a atrasar a tomada de decisões.
Nesse tipo de audiência, o Juiz tem a função de aproximar as partes e conectá-las com o que têm em comum, que é a existência de crédito a receber da empresa recuperanda e a necessidade da empresa de se reerguer economicamente.
O Juiz atua como uma espécie de mediador ao aproximar o diálogo e promover a construção coletiva da decisão. Essa prática chegou a ser reconhecida como “prática deferida”[1] na 12ª Edição do Prêmio Innovare, em 2015.
Os processos de falência e recuperação judicial normalmente possuem complexidade incompatível com a gestão convencional do andamento do feito, que ocorre através de decisões proferidas somente depois da oitiva, por petição escrita, de todos os envolvidos no processo (credores, devedores, comitê de credores, administrador judicial e Ministério Público).
A colheita da manifestação escrita e sucessiva de todos os interessados demanda muito tempo, tendo em vista os prazos a serem observados e a burocracia judicial agravada pelo excesso de processos e pelo número escasso de servidores. Entretanto, diversas questões relativas aos processos de insolvência devem ser tomadas em tempo útil, sob pena de se consolidar um prejuízo aos credores e à sociedade em geral.
Por meio das audiências de gestão democrática foi possível acelerar o pagamento de milhares de credores (alguns já descrentes da Justiça), evitar o desperdício dos ativos das massas falidas e evitar o abandono de imóveis e outros ativos com prejuízo ao interesse público (problemas sanitários, urbanísticos e de segurança pública).
As partes tornam-se menos resistentes às decisões judiciais e passam a ser muito mais colaborativas. As partes sentem que não são apenas parte do problema, mas também podem ser parte da solução do caso, participando e colaborando com a condução do processo ao seu resultado útil.
Acompanhando essa iniciativa, foi aprovado o Enunciado 45 na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, promovida pelo Conselho da Justiça em 2016, com o seguinte texto:
“a mediação e a conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.
Nas audiências de gestão democrática, os resultados obtidos são aqueles próprios das mediações judiciais, quais sejam: maior transparência da Justiça, menor burocracia, maior satisfação das partes envolvidas no processo e atendimento do interesse social dos entes públicos envolvidos nos grandes casos de insolvência, e finalmente, a efetividade do processo que finaliza com mais rapidez e dá um resultado útil à sociedade.
Antes das audiências de gestão democrática, a abordagem prevalecente era de que a mediação deveria ser usada como um instrumento pré-processual. Todavia, como restou demonstrado, a mediação judicial também permite resultados efetivos.
A mediação judicial garante a utilidade da decisão proferida, condizente com o tempo econômico, com o dinamismo do mercado. Um processo convencional gera prejuízos à uma empresa em recuperação, porque no mercado vale a máxima de que “tempo é dinheiro” e a submissão aos prazos sucessivos e a espera de meses por um simples despacho pode inviabilizar a continuidade da atividade econômica desenvolvida.
Esse modelo de mediação judicial foi utilizado no caso emblemático da Falência da VASP. Em entrevista[2], o Juiz Daniel Cárnio Costa conta que uma das deliberações partiu de sugestões dos credores, que demonstraram ser mais vantajoso vender as peças em lotes, vendendo separadamente o que era sucata e o que tinha poderia ser aproveitado em manutenções de aeronaves.
Outra sugestão interessante de iniciativa dos credores foi a venda de uniformes, bonés e itens promocionais da VASP para colecionadores. Por certo, o juiz sozinho não seria capaz de compreender o mercado da aviação e a viabilidade econômica de cada item passível de venda. Os credores, em diálogo, construíram a melhor solução possível para o caso, dando o máximo aproveitamento aos ativos disponíveis. A mediação amplia a possibilidade de consenso sem restringir a possibilidade de contestação.
Aos poucos, esse trabalho conjunto e mediador dos juízes que conduzem as recuperações judiciais e falências de empresas foi ganhando força, visibilidade e respaldo institucional.
Em reforço, se colacionam as palavras de Cristina Merino Ortiz, no I Fórum Internacional de Mediação Empresarial, realizado em 2009[3].
“É habitual, especialmente nos foros profissionais inclinados a esta metodologia de gestão de conflitos, enumerar as vantagens práticas do processo de mediação, tais como: o menor custo econômico em relação aos outros processos, maior celeridade e confidencialidade, evitando a publicidade negativa que um processo público pode gerar. No entanto, é especialmente vantajoso o aspecto relacionado com a qualidade dos acordos atingidos e com o fortalecimento e manutenção das relações.
Na mesma oportunidade, ainda destacou os efeitos que a mediação gera na própria relação entre as partes, no contexto das relações comerciais e do cumprimento das decisões judiciais:
“Os efeitos de um processo de mediação demonstram a opção adequada quando se pretende fazer negócios e mantê-los no futuro. O fato de optar por esta via renova o compromisso das pessoas envolvidas na resolução do conflito, já que se responsabilizam pelo mesmo e pela sua solução, mantendo o controle sobre o resultado do processo e conjugando os diferentes interesses e necessidades. Como consequência desta proposta, o protagonismo adquirido pelas partes implica no cumprimento dos acordos assumidos e no alto nível de satisfação, diferentemente do acatamento das sentenças judiciais que dão lugar a sérios problemas ante o não cumprimento de seu mandato.”
Seguindo a tendência de fortalecimento da mediação, em outubro 2019, a Recomendação nº 58 do CNJ foi editada com o intuito de incentivar a utilização da mediação em processos de recuperação judicial e falência sempre que possível e em qualquer grau de jurisdição.
O ato normativo em questão expõe hipóteses em que a mediação poderá ser implementada. A título exemplificativo, cite-se os incidentes de verificação de crédito, para que as partes acordem quanto ao valor deste; a negociação do Plano de Recuperação Judicial; disputas que envolvam credores não sujeitos à recuperação; dentre outras hipóteses.
Por outro lado, a Recomendação expressamente veda a mediação acerca da classificação do crédito. Atualmente, com as dificuldades econômicas enfrentadas por empresas em decorrência da pandemia de COVID-19, o número de pedidos de recuperação judicial tende a aumentar exponencialmente e um possível colapso do judiciário já está sendo vislumbrado.
Na tentativa de evitar essa situação, medidas alternativas de solução de conflitos estão sendo incentivadas de forma ainda mais intensa.
Os Tribunais Estaduais também têm caminhado nessa direção. Nos Estados do Paraná (CEJUSC), São Paulo (Provimento TJSP CG 11/20), Rio Grande do Sul (Ato 025/2020) e mais recentemente no Rio de Janeiro (ato normativo que implementou o RER), centros conciliatórios e de mediação vêm sendo implantados.
2.Caso da OI – Experiência em mediação (?)
A par da situação atual e dos avanços da mediação judicial, cumpre fazer referência ao caso emblemático de uso da mediação na recuperação judicial da OI, uma grande empresa de telefonia, que iniciou o processo judicial em 2016 e realizou mediações em massa nos anos de 2018 e 2019.
A mediação realizada pela OI foi orientada por um grupo próprio da Fundação Getúlio Vargas – FGV. À época, a sociedade contava com cerca de 55.000 (cinquenta e cinco mil) credores, sendo que aproximadamente 53.000 (cinquenta e três mil) eram de créditos até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Nessa iniciativa foram obtidos 36.000 (trinta e seis mil) acordos[4], por meio de uma plataforma online de solução de conflitos, desenvolvida pela FGV para o caso. Bastava acessar o site: https://www.credor.oi.com.br/.
Essa experiência, contudo, apesar de aparentemente exitosa, deve ser examinada com cuidado. Isso porque, a mediação não se atém apenas à métrica de acordos obtidos, mas à forma como se deram. Nesses casos, não houve uma aproximação das partes pela mediação judicial, mas sim uma tabela de acordos em que os credores que aceitavam aquela tarifação, receberiam os valores de forma mais rápida.
Por certo, não há que se retirar o mérito do sucesso da iniciativa, que diminuiu a quantidade de credores, solucionou demandas com rapidez e efetividade. Todavia, não se trata de uma mediação propriamente dita, ainda que tenha sido a solução adequada ao caso.
3.Alterações legislativas e perspectivas
A recente alteração da Lei Federal nº 11.101/2005 foi comemorada pelos estudiosos da recuperação de empresas. As mudanças, que já estavam em andamento no Congresso Nacional, foram aceleradas pelo advento da pandemia de Covid-19.
Certamente, diante dos episódios de fechamento do comércio e da crise sanitária, as medidas de solução de conflitos empresariais devem ser todas as possíveis para garantir a permanência das atividades.
Dados estatísticos da pesquisa IBGE “pulso empresa” confirmam que na segunda quinzena de agosto de 2020, 33,5% das empresas reportaram efeitos negativos da pandemia nos negócios, 32,9% indicaram diminuição em produtos ou serviços comercializados e 46,8% reportaram dificuldades para acessar fornecedores de insumos, matérias-primas ou mercadorias
Já a pesquisa do IBGE “Pnad Covid”, que estuda o impacto na vida da população brasileira apurou que em setembro de 2020, a taxa de desocupação atingiu 14,4%.
O Boa Vista Serviços, por sua vez, apurou que em comparação com 2019, 2020 houve aumento de 12,7% nos pedidos de falência e de 13,4% nos pedidos de recuperação judicial.
É nesse contexto que a necessidade de construção coletiva das decisões se tornou ainda mais importante. Logo no começo da pandemia, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo lançou dois projetos pilotos de uso da mediação na via pré-processual. O Provimento CGJ 11/2020 TJSP promoveu a mediação nas Varas de Direito Empresarial, para tratar principalmente dos contratos em vigência e o Provimento CGJ 19/2020 TJSP promoveu mediação nas demandas de Falências e Recuperações Judiciais.
No mesmo sentido foram as iniciativas de outros Tribunais de Justiça e por fim do próprio CNJ que na Recomendação nº 71/2020 propôs a criação de CEJUSCs empresariais, que já foi atendida por diversos Tribunais, como o de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
Para o desembargador Manoel Pereira Calças, ex-presidente do TJ-SP e integrante da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial da corte, as medidas colocadas em curso — a recomendação do CNJ e os provimentos do TJ-SP e TJ-PR — servirão, por si só, para evitar qualquer colapso do Judiciário. Reforça que:
"O Brasil é muito forte, a economia é muito grande. Ninguém vai quebrar. Vamos encontrar soluções para que essa crise seja superada. Temos mecanismos judiciais para isso. Os magistrados irão entrar em harmonia com os agentes econômicos para lidar com essa enxurrada de liminares. Vamos cuidar das empresas fragilizadas que foram atingidas por esse fator externo", diz, ressaltando a importância do provimento do TJ-SP.
Não haverá colapso do Judiciário nem quebra em massa, tenho certeza. Vinte e cinco por cento dos litígios ocorrem em SP. Estou aqui concedendo liminares para que o estado não pare. O Judiciário paulista não parou, nem vai parar — com esse novo sistema organizado pela Corregedoria Geral de Justiça. A conciliação irá diminuir o número de conflitos. Com isso, SP, mais uma vez, será um madrugador nas boas experiências".
A mediação nos processos de insolvência empresarial trará inúmeras vantagens, especialmente a maior flexibilidade na negociação e na construção de soluções; a redução da assimetria de informações entre as partes, situação existente em todos os processos de recuperação judicial; diminuição do tempo e do número de recursos; o incremento na eficiência da comunicação entre as partes; redução da litigiosidade que naturalmente seria endereçada ao Juízo e, adiante, ao Tribunal.
A recente reforma da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (lei 11.101/05), com advento da Lei 14.112/20, trouxe uma seção especial intitulada "Seção II –A – DAS CONCILIAÇÕES E DAS MEDIAÇÕES ANTECEDENTES OU INCIDENTES AOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL". Com a incorporação dessas medidas à lei, a conciliação e mediação passou a ser formalmente incentivada em qualquer grau de jurisdição, inclusive no segundo grau e nos Tribunais Superiores.
Nas palavras de Ricardo Villas Bôas Cueva et al. [5],
O sistema de pré-insolvência criado pelo PL 4.458/2020 cria estímulos para que empresas devedoras busquem a renegociação coletiva de suas dívidas de forma predominantemente extrajudicial, com mínima intervenção judicial. A utilização da mediação e da conciliação preventivas necessita da criação de estímulos para que seja eficaz e adequada. Nesse sentido, é preciso proteger o devedor de execuções individuais, como condição para que se crie um espaço adequado para realização dos acordos com os credores. Os credores somente se sentarão à mesa para negociar se não puderem prosseguir nas suas execuções individuais. Por outro lado, a devedora somente terá condições de propor um acordo aos seus credores se tiver um espaço de respiro e uma proteção contra os ataques patrimoniais provenientes de ações individuais. Da mesma forma, um credor somente se sentirá seguro para negociar se houver uma proteção ao acordo entabulado, evitando-se que seja prejudicado pelo uso sucessivo de um processo de insolvência. De igual modo, deve-se cuidar para que os devedores não façam uso predatório dessa ferramenta, apenas com o intuito de prolongar a proteção do stay contra os credores. (CUEVA; COSTA, 2020)
A mudança trouxe avanços sem descuidar das vulnerabilidades do nosso sistema recuperacional. Por isso, não se admite a negociação para tratar da natureza jurídica e da classificação dos créditos ou para estabelecer os critérios de votação em assembleia-geral de credores. Desse modo, é garantido que a conciliação e a mediação não serão usadas como ferramenta de fraudes, conforme o que já prevê também o art. 2º, §1º da Recomendação nº 58 do CNJ. Conforme citado no projeto de lei:
Com lastro no sistema francês de prevenção e antecipação da crise da empresa, surgido em 1985, e na Diretiva Europeia (EU) 2019/1023 que dispõe sobre os regimes de reestruturação preventiva, os mecanismos previstos no artigo em comento criam um sistema de negociação preventiva para permitir que os devedores se reestruturem numa fase precoce e evitem a insolvência e o risco de liquidação desnecessária de empresas viáveis (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).
Dentre os diversos avanços, a tutela de urgência cautelar merece destaque. Nessa alternativa de negociação antecedente, as empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial poderão obter tutela de urgência cautelar, a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do Tribunal competente ou da câmara especializada.
Para evitar danos aos credores, o prazo de suspensão será abatido se a empresa entrar em Recuperação Judicial. Caso exista pedido de recuperação judicial ou extrajudicial após a utilização dos mecanismos de pré-insolvência, ou seja, se falhou a negociação ou o cumprimento do acordado, o período de suspensão das execuções pelo prazo de até 60 (sessenta) dias será deduzido do período previsto na Lei 11.101/2005, art. 6º. Com isso, pretende-se impedir a utilização dos mecanismos pré-insolvência para fins protelatórios, apenas como uma forma de alongar a proteção típica de uma recuperação judicial.
Dessa forma, conforme defendem Ricardo Villas Bôas Cueva et al. (2020), a lei:
oferece à devedora a essencial proteção do stay, típico da recuperação judicial, a fim de se criar um ambiente adequado à negociação coletiva. Considerando que a determinação de suspensão de ações deve ser judicial – só uma decisão judicial pode ter o condão de suspender o andamento de ações judiciais – o mecanismo oferece à devedora a oportunidade de requerer ao juízo competente a medida de stay com natureza cautelar, eventualmente preparatória de futura recuperação judicial.[6]
Por determinação da lei que a utilização da conciliação ou mediação não implicará em suspensão dos prazos previstos na Lei nº 11.101/2005, exceto se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou quando houver determinação judicial. Outro sinal de que essa ferramenta não será usada para fraudes.
Na fase pré-processual ou incidental, podem ser objeto da mediação ou conciliação as seguintes matérias que envolvem a recuperação judicial: a) Disputas entre sócios e acionistas da sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial; b) Litígios que envolvem credores extraconcursais ou credores não sujeitos à recuperação judicial, como os proprietários fiduciários de bens móveis ou imóveis, arrendador mercantil, promitente vendedor de imóvel com contrato irrevogável ou irretratável, inclusive incorporações imobiliárias, proprietário com contrato de compra e venda com reserva de domínio e credores de contratos de adiantamento a contrato de câmbio para exportação; c) Conflitos que envolvem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; d) Litígios que envolvem créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência do estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; e) Na negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.
A nova lei também possibilitou que as sessões de conciliação e mediação sejam realizadas em meio digital, facilitando a participação mais ampla possível de credores. Essa medida proporciona a celeridade e eficiência do processo, e segue o modelo de reuniões à distância adotado durante a pandemia do corona vírus.
A autonomia das partes ao celebrar acordo decorrente da mediação também é fortalecida e validada pela mudança legislativa. Agora, deve o juízo do local do principal estabelecimento do devedor, ou da filial de empresa estrangeira, homologar o acordo entabulado na sessão de mediação ou conciliação.
Sem descuidar dos direitos creditórios tutelados no processo, a lei garante que se requerida recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 dias após firmado o acordo, serão reconstituídos os direitos e garantias do credor nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados.
Assim, posterior pedido de recuperação judicial apresenta-se como condição resolutiva do acordo firmado entre a devedora e os credores de créditos potencialmente concursais. Essa previsão visa a estimular a autocomposição em fase na qual já está instaurada a crise econômico-financeira, sem que a devedora tenha que ingressar com a ação recuperacional e sem que os créditos dos credores sofram os deságios do plano de recuperação judicial.
A mediação e a conciliação, por serem métodos consensuais e flexíveis, apresentam-se como instrumentos promissores de serem utilizados em recuperação judicial, principalmente pela complexidade do processo recuperacional, que envolve múltiplas partes e interesses, dependendo da capacidade de negociação dos envolvidos para que a crise econômico-financeira seja superada. Não bastasse isso, os custos envolvidos na mediação ou conciliação são bem menores se comparados com o processo judicial ou arbitral, sendo esse mais um benefício para a utilização desses métodos autocompositivos de solução de conflitos.
Como última alteração a ser destacada, o art. 22, I, alínea “h” trouxe a possibilidade de o administrador judicial auxiliar as partes no procedimento de mediação ou conciliação, atuando sob sua responsabilidade, desde que tenha autorização do juízo; podendo sugerir o mediador, uma lista de mediadores ou câmara de mediação.
Com o advento das mudanças, o CNJ editou a Recomendação 112/2021 para regulamentar a aplicação da Lei e dispor acerca de detalhes do cotidiano das audiências judiciais de mediação e conciliação.
Quanto à nomeação de mediador, a recomendação garante que ela poderá ocorrer a qualquer tempo, a requerimento do devedor, do administrador judicial ou de credores que detenham percentual relevante dos créditos do devedor, para quaisquer questões atinentes à coletividade de credores, ou a requerimento do devedor, do administrador judicial e de credor individual, para os casos de verificação de créditos. Permite, inclusive, a nomeação de ofício pelo juiz.
Ressalta-se que a mediação não impede que o magistrado ou o administrador judicial conduzam tentativas de conciliação e negociação.
Quanto aos requisitos para ser mediador, a recomendação prevê: qualificação para atuar como mediador, experiência em processos de insolvência e em negociações complexas com múltiplas partes (poderão ser dispensados na hipótese de nomeação por consenso entre as partes ou de nomeação de um comediador que possua referida experiência).
De todo o exposto, é notório o esforço para validar, fortalecer e institucionalizar a mediação judicial como medida adequada para a solução de conflitos de recuperação de empresas. A experiência demonstra sua efetividade e as mudanças lançam a mediação judicial a um patamar sem precedentes, que certamente nos brindará com resultados efetivos para a economia do país.
CONCLUSÃO
Da exposição realizada é possível perceber a necessidade de fortalecer a mediação judicial como uma ferramenta que promove soluções sistêmicas, dialógicas e construtivas do conflito. O processo colaborativo na construção da decisão permite que o conflito seja contemplado de uma forma que fortalece e permite a inovação da atividade empresarial. São soluções condizentes com o “tempo econômico”.
Desde a audiência de gestão democrática do processo, provável embrião da mediação judicial na recuperação judicial, até a “mediação judicial” da OI, que levou a um certo desvio do que se propõe como mediação, há algo em comum: busca por soluções efetivas, economicamente viáveis e céleres.
A cultura empresarial vem experimentando há mais de uma década as mudanças promovidas pela comunicação construtiva da atividade mediadora, que se fundamenta nos interesses comuns das partes em conflito. A construção dessa ponte entre as partes, viabilizada pela mediação, proporciona soluções efetivas, com muito mais chances de serem cumpridas.
Afora a efetividade e rapidez das decisões construídas de forma coletiva, há que se destacar o viés econômico dessas ferramentas, na medida em que o tempo para se resolver qualquer demanda é monetariamente medido e integra a composição do custo do conflito para as empresas. Diminuir a alocação de recursos destinados às eventuais contingências, que fazem parte do risco do negócio, significa direcionar parte dessa economia para a conta de investimentos da empresa. Ou seja, a mediação promove economia de despesas na recuperação das empresas e abre espaço para mais pagamentos de credores e investimentos para continuidade da atividade empresarial, princípio motriz de toda o regramento da Lei nº 11.101/2005.
As recentes alterações legislativas diante do cenário econômico fruto da crise sanitária dão espaço para que a mediação e a conciliação solucionem os conflitos empresariais e permitam a continuidade das atividades que passam por crises.
Certamente a mediação promove um novo entendimento sobre a solução dos conflitos de forma coletiva, “A mediação não é uma ciência que pode ser explicada, ela é uma arte que tem que ser experimentada”[7].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 58 de 22/10/2019
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios (2016), promovida pelo Conselho da Justiça Federal
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 112 de 20/10/2021
BRASIL. Lei Federal nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CGJ 11/2020
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CGJ 19/2020
COSTA, Daniel Carnio; DE MELO, Alexandre Correa Nasser. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 - Prefácio: Ministro Luis Felipe Salomão - De acordo com a Lei 14.112/2020 e atualizado com a rejeição dos vetos presidenciais. 2ª Ed. Revista e Atualizada. Curitiba: Editora Juruá.
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[1] Disponível em: <https://www.premioinnovare.com.br/pratica/audiencias-de-gestao-democratica-de-processos-de-insolvencia-(falencias-e-recuperacoes-judiciais-de-empresas)/9039.> Acesso em: 07 jan. 2022
[2] Disponível em: <http://www.valor.com.br/legislacao/3834474/juiz-inova-para-agilizar-falencias> Acesso em 05 jan. 2022.
[3] ORTIZ, Cristina Merino. Gestão estratégica de conflitos em âmbito empresarial: transferência a partir da prática da mediação. In AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação Empresarial – Aspectos Jurídicos Relevantes – São Paulo: Quartier Latin, 2009.
[4] Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/333980/a-maior-recuperacao-judicial-do-pais>. Acesso em 05 dez. 2021
[5] COSTA, Daniel Carnio; DE MELO, Alexandre Correa Nasser. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 - Prefácio: Ministro Luis Felipe Salomão - De acordo com a Lei 14.112/2020 e atualizado com a rejeição dos vetos presidenciais. 2ª Ed. Revista e Atualizada. Curitiba: Editora Juruá.
[6] COSTA, Daniel Carnio; DE MELO, Alexandre Correa Nasser. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 - Prefácio: Ministro Luis Felipe Salomão - De acordo com a Lei 14.112/2020 e atualizado com a rejeição dos vetos presidenciais. 2ª Ed. Revista e Atualizada. Curitiba: Editora Juruá.
[7] WARAT, Luis Alberto. O Ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 42.
Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos em Auriflama, São Paulo. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Especialista em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional e em Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes – RJ, Mestranda pela Escola Paulista de Direito – EPD em Soluções Extrajudiciais de Conflitos Empresariais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Talita Delfino Mangussi e. Mediação judicial para recuperação de empresas – Experiências anteriores e as alterações legislativas da Lei nº 11.101/2005 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58196/mediao-judicial-para-recuperao-de-empresas-experincias-anteriores-e-as-alteraes-legislativas-da-lei-n-11-101-2005. Acesso em: 23 dez 2024.
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