LUCAS ALVES LEMOS HERCULANO[1]
(coautor)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo trazer ao leitor uma reflexão a respeito do direito às férias anuais remuneradas, garantidas constitucionalmente aos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e sua finalidade, buscando, através de um viés crítico, elucidar sobre o real fundamento para qual as férias foram criadas, que é o descanso do trabalhador, a proteção à sua saúde física e mental. Passaremos a discorrer sobre as possibilidades de gozo e remuneração das férias, bem como abordaremos as consequências futuras decorrentes da antecipação de férias, individuais através da edição de Medidas Provisórias pelo Governo Federal relativas ao enfrentamento da crise econômica causada pela pandemia da COVID-19. Para a final, concluirmos que o instituto das férias se tornou uma verdadeira “válvula de escape” econômica imediatista objetivando beneficiar empregadores diante da encomia estancada, na tentativa de proteger empregos, sem a preocupação com as consequências futuras da antecipação deste importante instituto.
Palavras-Chave: Férias. Antecipação. Medidas Provisórias. Consequências.
ABSTRACT: This article aims to bring the reader a reflection on the right to paid annual vacation, constitutionally guaranteed to employees governed by the Consolidation of Labor Laws and its purpose, seeking, through a critical bias, to elucidate the real basis for which vacations were created, which is the worker's rest, the protection of his physical and mental health. We will discuss the possibilities of enjoying and remunerating vacations, as well as the future consequences of early vacations, through the issuance of Provisional Measures by the Federal Government regarding the confrontation of the economic crisis caused by the COVID-19 pandemic. For the final, we conclude that the vacation institute has become a true immediate economic “escape valve” aiming to benefit employers in the face of stagnant encomia, in an attempt to protect jobs, without worrying about the future consequences of anticipating this important institute.
Keywords: Vacation. Antecipation. Provisional Measures. Consequences.
1.INTRODUÇÃO
A Declaração Universal do Direitos Humanos prevê no artigo 24 que “toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas”[2].
Conceituar repouso e lazer não é tarefa fácil em razão das diversas formas pelas quais cada indivíduo considera de fato algo como repouso ou como lazer. Muitas vezes, o repouso pode ser confundido com o lazer; já em outras o lazer pode se distanciar do repouso. A leitura de um bom livro em uma rede pode, para alguns ser considerado um descanso e um lazer; enquanto para outros, executar um circuito de arborismo pode ser ao contrário de ser algo demasiadamente cansativo, um excelente lazer, que trará um enorme bem emocional como físico.
Distanciar o descanso físico do descanso emocional é um grande erro, porque a vida sem o descanso é como uma rosa sem água. A rosa sem água visivelmente demonstra o sofrimento; seus espinhos de proteção sucumbidos pela tristeza serão derrotados e a vida evadir-se-á bem devagar.
O descanso físico e emocional é fundamental para o ser humano, sendo as férias exatamente o período de descanso prolongado. A interrupção do contrato de trabalho se faz necessária para a saúde e bem-estar de cada indivíduo.
Vivenciando tempos de pandemia, incialmente a Medida Provisória nº 927/2020 dispôs sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6[3], de 20 de março de 2020 e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (Covid-19), prevendo a antecipação do direito de férias individuais.
Posteriormente, expirou-se a vigência da referida Medida Provisória e no ano de 2021 foi editada a Media Provisória nº 1.046/21[4], prevendo novamente à antecipação do direito de férias individuais, sendo prorrogada a sua vigência através do CN nº 42[5] de 15/06/2021.
A grande questão que pretendemos discorrer neste trabalho não são as Medidas Provisórias propriamente ditas, mas sim as consequências futuras para os empregados e empregadores decorrentes da antecipação de férias individuais.
Estamos começando a nos deparar com uma população física e emocionalmente doente, enfrentando dificuldades financeiras em um país desacreditado aos olhos dos brasileiros e de outras nações.
Empregadores, que no presente se ampararam em instrumento normativos transitórios para manter seus estabelecimentos comerciais “em pé”, enfrentarão em breve tempo as consequências nefastas de medidas imediatistas nos contratos de trabalho.
Quais serão as possíveis consequências para os empregados e empregadores com a antecipação de férias individuais?
Apesar da situação de instabilidade que estamos vivenciando pretendemos demonstrar que Governantes editam instrumentos normativos visando interesses políticos e econômicos presentes, esquecendo-se muitas vezes da pessoa humana e principalmente das consequências futuras destes instrumentos.
2.BREVE DIGRESSÃO SOBRE O INSTITUTO DAS FÉRIAS
Na Constituição Federal brasileira, as férias estão previstas dentre os Direitos Sociais, no artigo 7º, inciso XVII,[6] e, na Consolidação das Leis do Trabalho, do artigo 129 ao artigo 145.
Devemos relembrar que “no plano constitucional, a Constituição de 1934 já arrolava as férias entre os direitos que deveriam estar previstos na legislação do trabalho (art. 121 parágrafo 1º, alínea “f”). De forma correlata dispuseram as Constituições de 1937 (art. 137, alínea “e”), de 1946 (art. 157, VII), de 1967 e de 1988 (art. 7, XVII)”.[7]
O Brasil também ratificou as Convenções Coletivas números 52 e 132 da Organização Internacional do Trabalho, Convenções estas específicas sobre férias.
Nas palavras do doutrinador Luciano Martinez:
as férias podem ser conceituadas como um intervalo anual de descanso, garantido constitucionalmente como direito social e outorgado exclusivamente aos trabalhadores exercentes de atividades por conta alheia (empregados, inclusive doméstico, trabalhadores avulsos e servidores ocupantes de cargo público). Trata-se, portanto, de um direito restrito apenas aos empregados e servidores públicos porque seu custeio cabe ao tomador dos serviços.[8]
As férias visam acima de tudo o descanso do trabalhador, a proteção à sua saúde física e mental, tratando-se de uma necessidade fisiológica do corpo humano reconhecida pelo Tribunal Superior do Trabalho:
Decerto que o instituto das férias atende a objetivos específicos, como a proteção à saúde, segurança laborativa, reinserção familiar, entre outros, propiciando a recuperação das energias físicas e mentais do magistrado. O direito de férias foi tutelado de forma a garantir o atendimento de suas finalidades, impondo inclusive limitação ao direito da Administração de invocar a necessidade de serviços para não concedê-las ao magistrado, definindo que a acumulação pode se dar por até dois meses e, mesmo assim, se houver imperiosa necessidade do serviço. É da sua essência a garantia da integridade do trabalhador. Oriundo do Direito Internacional do Trabalho (Convenções nºs. 52 e 132 da OIT), ingressou em nosso sistema jurídico e, presentemente, tem assento na Constituição Federal, tornando-se dever do Estado garantir a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV). O instituto das férias é um dos fatores que assegura a eficácia desses princípios constitucionais. O repouso se configura como norma de ordem pública, em razão de ser de interesse não somente do trabalhador, mas da sociedade e do Estado. Serve à recuperação das energias do trabalhador e permite a inserção do cidadão no seio da família e da comunidade, minimizando os riscos de doenças advindas do excesso de trabalho sem o repouso necessário. Nesse contexto, tem-se que a mens legis é no sentido de que as férias, em regra, sejam sempre concedidas, salvo nos casos excepcionais de necessidade de serviços, situação em que se admite acumulação de até sessenta dias.[9]
O direito de férias individuais é um direito fundamental, visa também a proteção da dignidade da pessoa humana com o resguardo da saúde do trabalhador diante do labor contínuo.
Devemos acrescentar ainda que as férias não são um prêmio, vejamos: “que o empregador concede ao empregado; é um direito nascido do interesse do Estado em preservar a saúde do trabalhador mediante o repouso anual. Este o motivo por que tal direito é irrenunciável”. “Interessa à sociedade que o empregado goze de boa saúde, pois, só assim, continuará sendo útil à coletividade e a seu grupo familiar”.[10]
Ao empregado é vedado a renúncia ao direito ao gozo de suas férias, devendo gozá-las no prazo legal previsto na Consolidação das Leis do Trabalho.
3.GOZO E REMUNERAÇÃO DAS FÉRIAS CONFORME PREVISTO NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.
O artigo 134[11] da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que “as férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito”.
A Lei nº 13.467/2017[12] alterou o § 1o do artigo supramencionado permitindo o fracionamento das férias em até três períodos com duas condições: concordância do empregado e que um dos períodos não seja inferior a quatorze dias corridos e os demais não sejam inferiores a cinco dias corridos, cada um.
O trabalhador labora 12 meses contínuos e possui até 12 meses após o labor para gozar de suas férias.
Assim, o legislador considerou dois anos o limite máximo que a saúde do ser humano suporta de trabalho contínuo, que ao nosso ver já é um período extremamente longo e exaustivo para o corpo humano.
Segundo Sergio Pinto Martins
as férias visam proporcionar descanso ao trabalhador, após certo período de trabalho quando já se acumularam no organismo toxinas que não foram eliminadas adequadamente. Os estudos da medicina do trabalho revelam que o trabalho contínuo sem férias é prejudicial ao organismo. Sabe-se que, após o quinto mês de trabalho sem férias, o empregado já não tem o mesmo rendimento, principalmente em serviço intelectual.[13]
Devemos ressaltar, também, que o caput do artigo 135[14] da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que o empregador deverá participar por escrito ao empregado que ele gozará de férias com antecedência mínima de trinta dias, exatamente para que ele possa se programar durante este período de descanso.
No tocante ao início das férias, importante, ainda, observar que a Lei nº 13.467/2017[15] acrescentou o § 3º ao artigo 134 da CLT, estabelecendo que “é vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado”.
Com relação à remuneração, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê que o pagamento da remuneração das férias será efetuado até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período, sendo que o Tribunal Superior do Trabalho editou a recente Súmula 450[16], dispondo que é “devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137 da CLT, quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no art. 145 do mesmo diploma legal”.
Assim, resta claro que a Consolidação das Leis do Trabalho contém norma coercitiva consubstanciada no seu artigo 137[17], que estabelece o pagamento em dobro quando as férias forem concedidas após o prazo previsto no artigo 134[18] do referido diploma legal.
4.A ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS INDIVIDUAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
No início da pandemia da Convid-19 no Brasil foi editada a Medida Provisória 927/20 que previa a possibilidade de antecipação de férias individuais durante o estado de calamidade pública, bastando que o empregador informasse, por escrito ou por meio eletrônico, ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, indicando o período a ser gozado pelo empregado.
A referida Medida Provisória ainda previa que empregado e empregador poderiam negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.
Conforme já mencionamos, a referida Medida Provisória não está mais em vigor, porém, diversos trabalhadores tiveram suas férias individuais antecipadas, bem como, para evitar o desemprego, negociaram o gozo de férias futuras, ou seja, gozaram férias sem ter sido sequer iniciado o seu período aquisitivo.
A Medida Provisória nº 1.046/2021 por sua vez, novamente previu a possibilidade de antecipação das férias, nos mesmos moldes da previsão anterior, ainda que o período aquisitivo a elas relacionado não tenha transcorrido, inclusive prevendo, a possibilidade adicional de negociar períodos futuros de férias, apenas ressalvando que as férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos.
Se não bastasse, ainda é possível que o empregador efetue o pagamento do terço constitucional relativo às férias concedidas durante este período após a sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina, ficando esta decisão a critério exclusivo do empregador.
Além disso, neste período, a conversão do terço do período das férias em abono pecuniário dependerá da anuência do empregador, e o pagamento da remuneração das férias concedidas em razão do estado de emergência de saúde pública poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo de férias.
Assim, desde abril do ano de 2020, trabalhadores, que já iriam permanecer em suas residências em razão da pandemia do Covid-19, passaram a gozar férias justamente durante a pandemia, bastando apenas aviso por meio eletrônico com, no mínimo, quarenta e oito horas antes do gozo e não mais de trinta dias de antecedência, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho.
Permitiu-se, dessa forma o gozo de férias referentes a períodos ainda não adquiridos, bem como a antecipação de gozo de férias de períodos futuros.
Diante dessa situação, por exemplo, um trabalhador que deveria ainda laborar por mais 10 meses para adquirir o direito ao gozo de 30 dias de férias e usufruir nos 12 meses subsequentes ao decurso desses 10 meses, passou a gozar antecipadamente de suas férias. E, o que é pior, este mesmo trabalhador, após o gozo dessas férias, ainda pode ter negociado o gozo de suas férias futuras referente ao período aquisitivo posterior ao término deste período aquisitivo mencionado de 10 meses e que já forma antecipados. Neste caso, em menos de três meses o trabalhador poderá ter usufruído de férias que normalmente poderia usufruir em um período de quatro anos.
Há, portanto, empregados que gozaram 60 dias de férias e só voltarão a gozar de suas férias após três anos de trabalho ininterruptos.
E, para completar, esses empregados ainda gozaram férias no momento que não poderiam nem ao menos ir em um parque, praia ou até mesmo visitar familiares em outras cidades. Assim, ao contrário de descansar, iniciaram uma jornada de stress físico e mental, lidando com o desconhecido, muitas vezes protegendo seus filhos e demais familiares, atuando como professores primários, ou protegendo os pais, cuidando destes como filhos e outras vezes lidando simplesmente com a solidão.
Aos poucos, enfrentando uma vacinação lenta no país, a prisão temporária da vida está ganhando novos rumos, mas muitos trabalhadores estão fadados a trabalhar anos contínuos antes de usufruir o seu descanso constitucionalmente previsto.
Dessa forma, as férias tornaram-se uma “válvula de escape” econômica para beneficiar empregadores diante da encomia estancada, na tentativa de proteger empregos imediatos.
Porém, a qual custo?
Ao nosso ver, com certeza, ao custo do sacrifício da pessoa humana. As férias estão nitidamente ligadas à saúde, ao bem-estar, ao descanso e consequentemente à dignidade da pessoa humana.
5.A INTENÇÃO DO LEGISLADOR
Para continuarmos a respondermos à pergunta supra, precisamos analisar a intenção do legislador quando editou Medidas Provisórias prevendo a antecipação de férias individuais.
Quando a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil e o estado de calamidade pública foi instalado, ocorreu a proibição de funcionamento de serviços não essenciais praticamente da noite para o dia e empresários passaram a enfrentar a situação de receita zero.
Além disso, serviços impossibilitados de realizar trabalhos home office como comércio de rua, lojas de shoppings centers, passaram a enfrentar o problema da folha de pagamento.
E, neste cenário surgiram interesses políticos acima de tudo e de todos.
Diante da situação provisória e da espera da população pela reação do Governo Federal, o Presidente da República editou a primeira Medida Provisória justificando que estaria protegendo os empregos imediatos e ajudando empresários a lidar com o grande problema que estariam enfrentando.
Porém, na realidade, os interesses políticos e econômicos prevaleceram na intenção do legislador e a dignidade da pessoa humana foi novamente esquecida agindo-se com descaso, mitigando o importante instituto das férias.
O descanso, o lazer, a saúde mental do empregado foram esquecidos, visando acima de tudo a preservação da economia ativa e consequentemente do emprego.
O Direito entregue ao legislador em um momento de crise política, econômica e social acarretou o seguinte resultado: emprego aparentemente garantido; Governo ajudando empresários a enfrentarem a grande crise econômica já anunciada; empresários aparentemente mais confortáveis, mas as consequências futuras das medidas imediatistas estão sendo esquecidas.
Segundo o doutrinador português Eduardo Vera-Cruz Pinto:
para defesa da pessoa humana o Direito não pode ser totalmente entregue ao legislador. Ele cuida de outra coisa, tem outra função e finalidade e outra educação; o Direito, como ius, é de criação jurisprudencial e a legitimidade das suas regras e soluções afere-se por critérios de auctoritas e não de imperium. A legitimidade do político e do jurisprudente obedecem a diferentes critérios. A legitimidade política para legislar e o seu imperium assentam no voto; a legitimidade jurisprudencial e a sua auctoritas assentam na sapientia (reconhecida pela sociedade) de encontrar pela opinio que interpreta regras jurídicas a solução justa para a paz entre as partes em litígio. Tanto Kant como Hengel automizaram a legitimidade jurídica da política; mas apenas para substituir a vontade geral (contrato) pela vontade do Estado (soberania). O Direito seria uma emanação da teoria do Estado (Staatslehre) como depois desenvolveu Carl Schmitt, com efeitos desastrosos para o Direito-ius.[19]
A intenção do legislador não foi a proteção à vida e à dignidade da pessoa humana em um momento de pandemia, mas sim a acomodação da economia na visão de empresários e políticos.
A mitigação do instituto das férias da forma como foi realizada pode ter resolvido um problema imediatista, mas com certeza visando a acomodação do cenário político e econômico.
Muito fácil o raciocínio técnico: antecipando as férias, o empregador não estaria efetuando o pagamento de salário sem o efetivo trabalho e também não estaria suspendendo contratos de trabalho, no qual empregados não receberiam remunerações, mas simplesmente ocorreria a remuneração de empregados pelos empregadores através do pagamento de férias antecipadas exatamente da mesma forma como ocorreria com o pagamento do salário: até o quinto dia útil do mês subsequente e sem a obrigatoriedade do pagamento imediato de 1/3 Constitucional.
Do ponto de vista econômico e político, uma saída técnica legislativa para acomodar a situação pandêmica que se iniciava, mas, do ponto de vista humanista, uma catastrófica agressão ao ser humano.
Nas palavras do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado:
as férias atendem, inquestionavelmente, a todos os objetivos justificadores dos demais intervalos e descansos trabalhistas, quais sejam, metas de saúde e segurança laborativas e de reinserção familiar, comunitária e política do trabalhador. De fato, fazem parte de uma estratégia concertada de enfrentamento dos problemas relativos à saúde e segurança do trabalho, à medida que favorecem a ampla recuperação das energias físicas e mentais do empregado após longo período de prestação de serviços. São, ainda, instrumento de realização da plena cidadania do indivíduo, uma vez que propiciam sua maior integração familiar, social e, até mesmo, no âmbito mais amplo. Além disso, as férias têm ganhado, no mundo contemporâneo, importância econômica destacada e crescente. É que elas têm se mostrado eficaz mecanismo de política de desenvolvimento econômico e social, uma vez que induzem à realização de intenso fluxo de pessoas e riquezas nas distintas regiões do país e do próprio globo terrestre.[20]
As consequências da antecipação de férias individuais com certeza ocorrerão em breve. Empregado e empregadores enfrentarão dificuldades no ambiente de trabalho, na força de trabalho e consequentemente no contrato de trabalho. E o Estado acabará enfrentado essas consequências em razão da sobrecarga de afastamentos de trabalhadores decorrentes de doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho propriamente dito.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Férias ou desemprego; lazer, descanso ou manutenção do comércio inativo; dignidade da pessoa humana ou sensação de controle econômico e político.
Em um primeiro olhar Medidas Provisórias editadas em estado de calamidade pública, durante o enfrentamento de grave pandemia nunca enfrentado, traz um aparente alento para a população.
Porém, antecipar o gozo de férias individuais de períodos aquisitivos incompletos, e ainda negociar o gozo de férias individuais de períodos aquisitivos futuros da forma como ocorreu e está ainda acontecendo, parece-nos que acarretará um futuro próximo consequências à saúde do trabalhador, e, consequentemente, para as relações de trabalho.
Conforme discorremos no corpo do presente artigo, as férias são destinadas ao descanso físico e mental do empregado. Possuem um propósito específico de renovação.
Medidas Provisórias editadas visando interesses políticos e econômicos presentes, sem a preocupação com a saúde futura dos empregados e consequentemente com o futuro das relações empregatícias podem resolver problemas imediatistas, mas com certeza durante anos ocorrerá grande sofrimento físico e emocional decorrentes de trabalhadores fatigados.
Muitos podem pensar que um País que enfrenta grande número de óbitos diários de sua população doente, deve proteger o presente evitando a fome e o desemprego.
Concordamos com essa preocupação, mas questionamos a forma como foi mitigado um instituto tão importante para a dignidade da pessoa humana que é o direito as férias.
Os próximos anos serão difíceis para os empregados, que trabalharão meses contínuos em época em mais precisarão de um descanso, de momentos com a família.
A pessoa humana esquecida será lembrada com o inevitável aumento de acidentes do trabalho em sentido estrito, moléstias ocupacionais físicas e emocionais e consequentes afastamentos para tratamento de doenças como stress, depressão e síndrome do pânico.
Vidas salvas hoje, serão vidas perdidas amanhã.
E, não devemos esquecer que trabalhadores são em grande maioria provedores de famílias com filhos menores e idosos dependentes.
O descaso com a pessoa humana, quando se negocia com o empregado fragilizado um direito tão importante como o gozo de suas férias futuras é patente e trará consequências futuras nefastas não só para ele, mas para seu empregador, e consequentemente para a economia do país acarretando cada vez mais uma sociedade fragilizada.
Devemos ressaltar que o empregado, normalmente para evitar uma rescisão contratual, assina acordos individuais que não lhe são benéficos. E, em um cenário de pandemia, o empregado certamente assinará qualquer acordo relativo à suas férias uma vez que pensará na imediata manutenção de seu emprego.
Alguns meses depois teremos empregados insatisfeitos, cansados, doentes que infelizmente enfrentarão difíceis momentos.
O grande respiro dos empregados lhes foi momentaneamente retirado com a edição de medidas provisórias imediatistas em meio de uma pandemia desastrosa. E, no futuro próximo, quando o descanso será extremamente necessário, empregados não terão como viajar com sua família ou simplesmente passar alguns momentos de lazer, de renovação física e emocional.
A leitura do livro em uma rede ou a prática do arborismo mencionados na introdução deste trabalho terá que esperar, mas será que o corpo humano esperará?
Provavelmente não. O corpo humano não espera. Dará sinais de que o descanso será necessário. E, neste momento, a sociedade enfrentará novas dificuldades econômicas em razão da grande cadeia que se inicia com a relação de trabalho e termina com sociedade abastecida e a economia ativa.
As Medidas Provisórias são provisórias e o legislador deveria acima de tudo ponderar os institutos que estão sendo tratados neste instrumento normativo e principalmente sua natureza, finalidade e consequências futuras.
A vigência destes instrumentos se expira, mas as consequências dos atos praticados com a permissão legal destas medidas ocorrerão de forma coletiva e não individual e a sociedade terá que enfrentar uma nova realidade ainda desconhecida.
Para empregadores as consequências futuras da antecipação do gozo das férias individuais talvez não sejam tão nefastas, principalmente porque detém o Poder de Direção de seus negócios.
Porém, para os empregados que negociaram a antecipação de suas férias individuais, as consequências futuras serão com certeza desastrosas, tanto profissional como física e emocional.
Com relação à Justiça do Trabalho esta será cada vez mais necessária e, em tempos de crise, relembraremos a importância de uma Justiça especializada. Os efeitos futuros dos atos praticados com base nestes instrumentos imediatistas serão prolongados ao longo do tempo e a Justiça do Trabalho terá o grande papel de resguardar a dignidade da pessoa humana.
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[1] Mestrando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho Lato Sensu pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
[2] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 26 de junho de 2021.
[3] BRASIL. Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Disponível em: < https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=6&ano=2020&ato=b1fAzZU5EMZpWT794>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[4] BRASIL. Medida Provisória nº 1.046, de 27 de abril de 2021. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 28 de abril de 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1046.htm>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[5] BRASIL. Ato do Presidente do Congresso Nacional nº 42, de 15 de junho de 2021. Disponível em: < http://legis.senado.leg.br/norma/34188295>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Capítulo II - DOS DIREITOS SOCIAIS, artigo 7º “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: inciso XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[7] BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho: 4ª ed. São Paulo: LTr, 2008. P. 727.
[8] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo, Saraiva: 2012. P 353.
[9] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Procedimento de Controle Administrativo- Decisão Administrativa do 19º Tribunal Regional do Trabalho - 3054-61.2014.5.90.0000, relator: Luiz Philippe Vieira de Melo Filho, Data de Julgamento: 28/03/2014, Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Data de Publicação: 25/04/2014.
[10] SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. Consolidação das Leis do Trabalho, Comentada. 45ª ed. São Paulo: Editora LTr, 2007. P 220.
[11] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Capítulo IV – DAS FÉRIAS ANUAIS, artigo 134 “As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.” Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1535.htm#art134>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[12] BRASIL. Lei 13.467 de 2017 de 13 de julho de 2017. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[13] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2002. P. 513.
[14] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Capítulo IV – DAS FÉRIAS ANUAIS, artigo 135 “A concessão das férias será participada, por escrito ao empregado, com antecedência de, no mínimo, 10 (dez) dias, cabendo a este assinar a respectiva notificação.” Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1535.htm#art134>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[15] BRASIL. Lei 13.467 de 2017 de 13 de julho de 2017. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[16] BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Súmula nº 450 FÉRIAS. GOZO NA ÉPOCA PRÓPRIA. PAGAMENTO FORA DO PRAZO. DOBRA DEVIDA. ARTS. 137 E 145 DA CLT. Súmulas do TST. Brasília. Disponível em: https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-450>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[17] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Capítulo IV – DAS FÉRIAS ANUAIS, artigo 137 “Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.” Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1535.htm#art134>. Acesso em 26 de junho de 2021.
[19]Eduardo Vera-Cruz. O Futuro da Justiça. São Paulo: Editora IASP, 2015. P. 112.
[20] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2007. P. 952.
Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito.
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