LETÍCIA DE JESUS PEREIRA[1]
(orientadora)
RESUMO: A pandemia da COVID-19 impactou drasticamente a economia mundial, deixando, milhares de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Neste contexto, diversos países adotaram políticas assistenciais, transferindo renda, para às famílias carentes, proporcionando subsistência durante a quarentena, no Brasil, a assistência estatal ocorreu através da concessão do Auxílio Emergencial, instituído pela Lei n.º 13.982, de 02 de abril de 2020. No entanto, este benefício foi alvo de inúmeras fraudes, pela má-fé e conduta de pessoas e organizações criminosas que solicitaram indevidamente o benefício assistencial. Desta forma, o objetivo do presente artigo é analisar os métodos de fraudes ao auxílio emergencial, identificando o enquadramento jurídico destas ações e suas responsabilizações, sendo empregada uma abordagem qualitativa, no levantamento bibliográfico e documental sobre a temática. Inicialmente aborda-se o surgimento da pandemia da COVID-19 e seus impactos socioeconômicos. Posteriormente, discorre-se sobre a instituição do auxílio emergencial pelo governo brasileiro, público alvo e os requisitos legais para a sua concessão e, por fim, apresentam-se os métodos utilizados para recebimento do auxílio emergencial de forma indevida e criminosa. Com os resultados obtidos, verificou-se que as condutas de fraude ao auxílio emergencial configuram crime de estelionato, quando requerido indevidamente, e crime de furto qualificado, quando subtraído os valores.
Palavras–Chave: Pandemia. Impactos Socioeconômicos. Benefício Assistencial. Fraude. Tipificação.
ABSTRACT: The COVID-19 pandemic has drastically impacted the world economy, leaving thousands of families in a situation of socioeconomic vulnerability. In this context, several countries have adopted assistance policies, transferring income to needy families, providing subsistence during the quarantine, in Brazil, state assistance occurred through the granting of Emergency Aid, established by Law No. 2020. However, this benefit was the target of numerous frauds, due to the bad faith and conduct of people and criminal organizations that improperly requested the assistance benefit. Thus, the objective of this article is to analyze the methods of fraud in emergency aid, identifying the legal framework of these actions and their liability, using a qualitative approach, in the bibliographic and documentary survey on the subject. Initially, the emergence of the COVID-19 pandemic and its socioeconomic impacts are addressed. Subsequently, it discusses the institution of emergency aid by the Brazilian government, target audience and the legal requirements for its granting and, finally, the methods used to receive emergency aid in an undue and criminal way are presented. With the results obtained, it was found that the conduct of fraud to emergency aid constitutes a crime of embezzlement, when unduly required, and a crime of qualified theft, when the values are subtracted.
Keywords: Pandemic. Socioeconomic Impacts. Assistance Benefit. Fraud. Typification.
Sumário: 1. Introdução. 2. O surgimento da pandemia da covid-19 e os seus reflexos socioeconômicos. 3. A criação do auxílio emergencial. 4 As fraudes no recebimento do auxílio emergencial. 4.1 As ações do governo federal para penalizar esses crimes.5 Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
No início do ano de 2020, a população mundial passou a vivenciar um cenário antes visto somente em filmes de ficção científica e/ou apocalíticos, a disseminação acelerada de um vírus desconhecido pela comunidade científica, e com altos índices de contaminação e morte, instaurando um clima de pânico e terror no mundo.
Posteriormente identificado como uma síndrome gripal pertencente à família do coronavírus, cientificamente denominada de SARS-CoV-2, sendo este o agente causador da doença conhecida como COVID-19, os principais líderes mundiais passaram a adotar políticas austeras de fechamento da indústria e comércio, paralisação das atividades não essenciais e instituição do lockdown, para frear a rápida proliferação da doença e evitar um colapso nos sistemas de saúde.
No entanto, as medidas adotadas contra a COVID-19 resultaram em uma profunda crise econômica, com efeitos mais gravosos para a população socioeconomicamente mais vulnerável, diante do isolamento social e os crescentes índices de desemprego.
Neste contexto, associada às políticas restritivas de isolamento social, as principais democracias modernas instituíam um conjunto de medidas assistenciais, para enfrentamento da crise econômica, bem como proporcionar meios de subsistência para as famílias carentes e impactadas pela pandemia.
Seguindo o panorama internacional, o Brasil, além de desburocratizar a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC – LOAS), para pessoas idosas com idade acima de 65 anos e pessoas com deficiência, ainda instituiu a concessão de um auxílio pecuniário, denominado de auxilio emergencial para trabalhadores informais, autônomos, desempregados, microempreendedores individuais, beneficiários do Programa Bolsa Família e inscritos no Cadúnico.
No entanto, a implementação desta política assistencial foi alvo de inúmeras fraudes, gerando prejuízos para o erário público, bem como, vitimando milhares de famílias que necessitavam deste benefício para sobreviver e acabaram sendo vítimas de ações criminosas.
Assim, estabelecemos o seguinte problema: quais as penalidade previstas no ordenamento jurídico brasileiro para aqueles que cometeram fraudes no recebimento e no desvio de verbas destinadas ao auxílio emergencial?
Diante disso, o objetivo geral deste artigo é analisar os métodos de fraudes ao auxílio emergencial, identificando o enquadramento jurídico destas ações e as responsabilizações empregadas. Para tanto, estabeleceu-se como objetivos específicos: discorrer sobre os reflexos socioeconômicos da pandemia da COVID-19, descrever o processo de instituição do auxílio emergencial e, por fim, contextualizar as ações fraudulentas empregadas na concessão e/ou recebimento do auxílio emergencial.
Para a realização desta pesquisa foi realizado um levantamento bibliográfico, seguindo uma abordagem qualitativa, onde buscou-se informações em livros, artigos científicos, monografias, dissertações e sites oficiais. Portanto, essa pesquisa fez um resgate bibliográfico, analisando e verificando as informações e aspectos que possuem correlação com a temática enfocada.
A pesquisa utilizou de meios eletrônicos relacionados à divulgação de informações e de comunicação, procurando constatar como a problemática do estudo ocorre e interfere, de fato, na sociedade, tendo como palavras-chave reportagens que noticiem sobre a pandemia da COVID-19, a concessão do auxílio emergencial e as fraudes no recebimento do mesmo.
O artigo aborda inicialmente o contexto de surgimento da pandemia da COVID-19 e seus impactos da socioeconômicos. Posteriormente, discorre-se sobre o processo de instituição do auxílio emergencial pelo governo brasileiro, público alvo e os requisitos legais para a sua concessão e, por fim, apresentam-se os métodos utilizados para recebimento do auxílio emergencial de forma indevida e criminosa.
2 O SURGIMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 E OS SEUS REFLEXOS SOCIOECONÔMICOS
Antes de discorrer sobre o percurso histórico do surgimento da pandemia do COVID-19 e abordar suas principais consequências socioeconômicas impostas a população mundial, é necessário distinguir os termos surto, endemia, epidemia e pandemia.
Os quatro termos referem-se à proliferação de doenças, mas não são expressões sinônimas, haja vista que o aspecto diferenciador é o nível e o alcance da disseminação da enfermidade. Neste contexto, o surto é caracterizado quando há o aumento de uma doença em um determinado local, sem que ocorra a proliferação da doença para localidades diversas. Já a epidemia caracteriza-se pela proliferação regional de uma doença, podendo abranger diversos estados, cidades ou alguns países, mas não uma escala global (TINOCO, 2020).
É importante frisar que a epidemia é muito confundida com a endemia, sendo comum a população tratá-las como expressões sinônimas, pois ambas remetem a disseminação regional de uma determinada doença. Contudo, além da regionalização, a endemia ainda possui o elemento caracterizador da periodicidade (TINOCO, 2020).
Para melhor compreensão cita-se a proliferação de meningite que ocorre em diversas regiões do Brasil no ano de 1974. A situação foi considerada epidêmica, uma vez que foi um episódio esporádico, diferentemente com o que ocorre com a dengue que, anualmente, no período do verão há o aumento significativo de casos da doença em diversas regiões do país, sendo, portanto, uma situação endêmica.
Por fim, a pandemia consiste na disseminação de doenças mais gravosas, pois remete à proliferação em escala global, atingindo um número exponencial de pessoas em diferentes países e continentes, como ocorre com a COVID-19, conforme leciona Tinoco:
Uma epidemia é um evento no qual uma doença está se espalhando ativamente, já o termo pandemia é mais especifico. Ele se refere à expansão geográfica e é usado para descrever uma doença que afeta um país inteiro ou vários países, caso do Covid-19. (TINOCO, 2020).
Compreendido estes conceitos, destaca-se que incialmente a COVID-19 foi classificada como um surto, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi notificada em 31 de dezembro de 2019 da ocorrência de vários casos de um conjunto de doenças respiratórias na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China (BLANC; XAVIER, 2021).
Posteriormente, cientistas identificaram que se tratava de uma nova síndrome gripal pertencente à família do coronavírus, cientificamente denominada de SARS-CoV-2, sendo este o agente causador da doença conhecida como COVID-19 (LUIGI; SENHORAS, 2020).
O SARS-CoV-2 é um vírus que precisa de um corpo hospedeiro e permanece incubado por até duas semanas no corpo humano, além de ainda sobreviver no cadáver por dias de forma ativa. Logo, percebe-se o alto grau de transmissão aos familiares e, principalmente, aos profissionais de saúde e dos agentes de serviços fúnebres. Além disso, a COVID-19 pode ser transmitida por espirros e tosse de alguém infectado ou por meio do contato físico com objetos e superfícies contaminadas (BRASIL, 2021).
O início do mês de janeiro de 2020 foi marcado por um intenso fluxo de informações sobre o avanço de uma pneumonia grave em Wuhan, na China. Acompanhávamos com atenção o surto de um novo tipo de vírus, identificado no mês anterior. Passado curto espaço de tempo, em 23 de janeiro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, já ciente dos desdobramentos do processo de espraiamento da doença pelo globo. (BLANC; XAVIER, 2021, p. 07).
Nesse sentido, o nível de contaminação não ficou restrito à cidade chinesa, de modo que se alastrou mundialmente em larga escala, com altos índices de transmissão, surgindo novos casos cada vez mais graves e em países distintos, deixando a população exposta a uma doença até então desconhecida, causando uma crise na saúde pública, contexto que resultou na mudança de classificação, de acordo com a OMS, para pandêmica, em 11 de março de 2020.
Com o objetivo de conter o contágio da doença, os países passaram a adotar medidas austeras de distanciamento social, com o intuito de reduzir a transmissão do vírus e, com isso, diminuir a evolução da pandemia. Dentre elas destacam-se a imposição da quarentena e as barreiras territoriais, com a proibição da entrada e/ou saída dos seus limites geográficos, proibindo-se qualquer tipo de aglomeração.
O esforço dos institutos de pesquisa, naquele momento, se direcionava para a divulgação de protocolos de enfrentamento da crise sanitária que permitissem o controle do processo de disseminação do vírus, por meio da testagem, observação e isolamento dos infectados. (CAMPOS, 2020, p. 23)
Outrossim, a realidade proporcionada pelo cenário pandêmico modificou a vida em sociedade e alterou o modo de vida das cidades, diminuindo, inclusive, o fluxo de pessoas. Os serviços considerados não essenciais pararam de funcionar e isso repercutia fortemente na economia no contexto interno e externo de cada país, intensificando as vulnerabilidades socioeconômicas da população carente.
As medidas de isolamento social intensificaram a crise econômica e humanitária, acentuando os índices de desemprego e, consequentemente, colocando a população em níveis de extrema pobreza. Quando se fala em crise humanitária, a pandemia descortinou a situação de vulnerabilidade e desigualdade social vivenciada pela população negra, sendo as principais vítimas das consequências das políticas de restrição social.
Segundo dados publicados pela Folha de São Paulo, a taxa de mortalidade por COVID em São Paulo entre os negros é de 172 mortes por 100 mil habitantes, enquanto na população branca a taxa é de 115 mortes a cada 100 mil. (FREITAS, 2021, p. 53).
Socialmente, os negros encontram-se em condições piores que os brancos e isto, por conseguinte, resulta na falta de acesso aos serviços e bens públicos, restringindo, significativamente, a efetivação de muitos direitos básicos para a concretização de condições mínimas existenciais.
Este cenário é resultante das distorções socioeconômicas que vigoram no país desde o período pós-abolição da escravatura. Isto porque é inegável que a população negra, na atualidade, sofre com o reflexo dos danos físicos, morais, culturais e psicológicos ocorridos no período da escravidão, perceptíveis por índices como, por exemplo, maiores taxas de mortalidade, saúde precária, maiores taxas de analfabetismo e evasão escolar, menores taxas de inserção no mercado de trabalho, dentre outros aspectos.
Assim, a população negra e pobre do país, cuja principal fonte de renda advinha do trabalho informal, foram abruptamente impactadas pelas políticas de isolamento social. Além disso, tornam-se alvos fáceis da doença principalmente porque não possuem recursos para aquisição de máscaras, álcool em gel, etc.
A pandemia evidenciou a complexa questão social do Brasil, fruto da construção histórica do país, marcada pela concentração de riqueza na região Sudeste em detrimento da região Nordeste, assim como da insuficiência estatal em estabelecer instrumentos inclusivos e de distribuição social das riquezas brasileiras, ao passo que o país tende a produzir pobres no momento de crise e, incontroversamente, em fases de crescimento econômico.
Segundos dados disponibilizados no site do Ministério da Saúde, até o dia 20 de março de 2022 o Brasil já contabilizava 29.630.484 de casos confirmados e 657.205 óbitos provocados pela doença (BRASIL, 2022). Desses casos destaca-se a significativa perda de profissionais de saúde e o caos sanitário que atingiu especialmente cidades da região Norte do país, evidenciando a precariedade da infraestrutura de serviços públicos de saúde nas regiões mais pobres do país.
A inércia estatal e/ou a precariedade dos serviços públicos para enfretamento da pandemia do COVID-19 refletem o déficit governamental na promoção e preservação do direito à saúde.
A crise causada pela pandemia da COVID-19 não produziu impactos somente na área da saúde e nas atividades econômicas. Evidenciou-se também aumento nos índices de violência doméstica, surgimento de doenças psíquicas como ansiedade, depressão, diante do clima de terror que se instaurou diante do cenário apocalítico propagado pelos meios de comunicação.
3 A CRIAÇÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL
Conforme abordado na seção anterior, a celeridade de proliferação do vírus da COVID-19 e a letalidade da doença, expressa em índices alarmantes de contaminados e mortos, resultou na adoção de um conjunto de medidas governamentais para reduzir a transmissão da doença e, consequentemente, evitar e/ou amenizar o colapso nos serviços de saúde.
No entanto, o isolamento social, o fechamento do comércio e de serviços não essenciais e a imposição da quarentena, trouxeram grandes impactos econômicos, principalmente para a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica, de modo que tornou-se indispensável a adoção de políticas públicas assistenciais, com o intuito de assegurar condições básicas de subsistência a população, bem como evitar também um colapso econômico (MARINS et al., 2021).
Diante disso, é importante frisar que os ordenamentos jurídicos das democracias modernas incorporam os ideários do Estado Social que, de acordo com Santos (2011, p. 34), o Estado deve atuar para “que todos os seus integrantes tenham os mínimos vitais necessários à sobrevivência com dignidade”.
Neste contexto, segundo previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), os impactos socioeconômicos e geopolíticos das estratégias de isolamento social impostas, resultariam em um longo período de recessão para diversos países, inclusive o Brasil, haja vista que os serviços não essenciais são forças motoras da economia global, refletindo diretamente no Produto Interno Bruto (PIB) de cada nação. Cita-se que nos primeiros meses da pandemia em 2020, o FMI projetou que “cada mês inativo para setores não essenciais equivale a uma queda de 3% no PIB anual” (MARINS et al., 2021, p. 670).
Os países desenvolvidos têm mobilizado um poderoso arsenal para amortecer o impacto negativo da crise sobre o emprego e a renda: os bancos centrais reduziram juros e voltaram à política de expansão quantitativa de modo a garantir a liquidez dos mercados e a oferta de crédito; a política fiscal, com destaque para o pacote norte-americano de US$ 2 trilhões, aponta no mesmo sentido, garantido recursos para a saúde, transferindo renda para as famílias e apoiando as empresas. (IPEA, 2020 apud OLIVEIRA, 2021, p. 30).
Seguindo o panorama internacional, o governo Brasil implementou diversas medidas para amenizar os efeitos econômicos da pandemia no país:
No primeiro caso, houve redução da taxa de juros e de alíquotas de compulsórios e medidas para ampliação do crédito com o relaxamento temporário de normas prudenciais. No segundo, medidas que já superaram os R$300 bilhões estão sendo mobilizados no sentido de reduzir o impacto negativo da crise sobre a renda, especialmente dos mais pobres, o emprego e, na medida do possível, a produção e a situação das empresas, principalmente micro, pequenas e médias. (IPEA, 2020 apud OLIVEIRA, 2021, p. 30).
Pelo exposto, observa-se que as primeiras medidas econômicas adotadas tinham como público alvo a classe empresarial, dispondo instrumentos para que as empresas tivessem condições de sobrevivência financeira e, consequentemente, de preservação de empregos.
No entanto, essas medidas não eram suficientes para minimizar os impactos da crise econômica, especialmente porque elas não beneficiavam os trabalhadores informais, profissionais liberais, dentre outros, ao passo que uma grande parcela da população sofreu uma redução drástica na renda familiar.
Neste contexto, duas medidas excepcionais foram adotadas pelo governo brasileiro. A primeira consiste na utilização de critérios menos burocráticos para identificação dos requisitos legais para concessão do benefício assistencial de prestação continuada (BPC), ofertados para idosos com idade acima de 65 anos e/ou para pessoas com deficiência. Em ambos as situações, a concessão do BPC pressupõe a caracterização da vulnerabilidade socioeconômica, doutrinariamente chamada de “requisito da miserabilidade” (IBRAHIM, 2021).
De acordo com os ensinamentos de Borges (2020), o benefício de prestação continua (BPC) “consiste em benefício assistencial mensal no valor de um salário mínimo conferido à pessoa com deficiência ou idosa que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”.
Contudo, a flexibilização na concessão deste benefício assistencial beneficiava tão somente dois grupos sociais específicos, pessoas com deficiência e pessoas com idade acima 65 anos, deixando a mercê os trabalhadores diretamente impactados pela crise econômica.
Diante disso, a segunda medida de proteção socioeconômica implementada pela Lei Federal n.º 13.982, de 02 de abril de 2020, diz respeito à concessão de um auxílio financeiro de R$ 600,00 (seiscentos reais), de natureza emergencial, pelo período inicial de 03 (três) meses, para as pessoas que preenchessem os requisitos legais.
Neste contexto, nos termos da Lei n.º 13.982/20, o cidadão para fazer jus ao recebimento do auxílio emergencial deveria ser maior de idade, estar desempregado, não estar recebendo nenhum tipo de benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), possuir renda familiar per capita de até um salário e meio ou a renda familiar mensal total de até três salários mínimos (BRASIL, 2020).
Os microempreendedores (MEI) que sofressem grandes impactos financeiros e econômicos impostos pela pandemia também poderiam requer o benefício federal, desde que seus rendimentos anuais fossem de até R$ 28.559,70 (vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos). Para as mães solo, beneficiárias do Bolsa Família, a Lei do Auxílio Emergencial dispensou um tratamento diferenciado, assegurando o direito ao recebimento do benefício o importe de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), isto é, o dobro do valor que os demais beneficiários receberiam (BRASIL, 2020).
Ao fazermos uma leitura do texto da lei, é possível identificar critérios inclusivos, como ser microempreendedor individual (MEI), contribuinte individual da Previdência Social e trabalhador informal, além de critérios excludentes, como idade, renda, ter emprego formal ativo, ser titular de benefício previdenciário ou assistencial, do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o PBF. O estabelecimento desses critérios, de maneira objetiva, foi de extrema importância para viabilizar a implementação do benefício. (CARDOSO, 2020, p. 1055).
Neste contexto, como forma de identificação do público-alvo, ou seja, aqueles que preencheriam todos os requisitos legais para recebimento do auxílio emergencial, o Governo Federal optou pela utilização da plataforma de dados pertencente ao Ministério da Cidadania para implementação das políticas públicas sociais, a saber o Cadastro Único e os inscritos no Programa Bolsa Família (PBF), devido a urgência do início dos pagamentos, haja vista que o quantitativo de pessoas sem a perspectiva de renda mensal aumentava significativamente com as medidas de isolamento social.
Para as pessoas beneficiárias do PBF e que atendessem aos requisitos legais, a concessão do auxílio ocorreu de forma automática, sem a necessidade de requerimento administrativo. Já para os inscritos no Cadúnico, o auxílio emergencial deveria ser solicitado via site do Ministério da Cidadania ou pelo aplicativo disponibilizado pelo governo, destacando-se que a concessão precedia a verificação do preenchimento dos requisitos com base nas informações registradas no Cadastro Único.
Com relação à implementação dessa política, o processo foi pensado para ser realizado por intermédio de meios digitais, através da criação de um aplicativo e um site para que os beneficiários realizassem o cadastro, sendo aplicado o cruzamento dos dados das famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais, daquelas recebedoras – ou não – do Bolsa Família, com a finalidade de avaliar as condições de elegibilidade. No caso de aprovação das famílias já cadastradas no CadÚnico, a liberação do Auxílio Emergencial deveria ser automática. (MARINS et al., 2021, p. 672).
Os demais cidadãos deveriam solicitar o auxílio emergencial pelo site ou aplicativo. Para deferimento ou indeferimento do benefício para este grupo social, houve a utilização de outros bancos de dados governamentais, como a Dataprev, empresa pública responsável pelo gerenciamento de informações previdenciárias (CARDOSO, 2020).
Destaca-se que o auxílio emergencial foi instituído para ser concedido por apenas 03 (três) meses, no entanto, frisa-se que diante do sentimento do desconhecido e incertezas quanto à duração e os impactos da crise sanitária e econômica resultante da pandemia, a Lei n.º 13.982/20 já previu a possibilidade de prorrogação do benefício pelo Poder Executivo, o que de fato ocorreu, ao passo que a concessão do benefício perdurou até outubro de 2021.
Os problemas econômicos, sanitários e sociais impostos pelo Coronavírus são imensos. Amparar os mais vulneráveis e auxiliar no funcionamento da economia em momentos como o atual são tarefas que se impõem ao Estado brasileiro. O Benefício de Prestação Continuada e o Auxílio Emergencial, certamente, representam uma correta atuação estatal na promoção de digna subsistência dos cidadãos brasileiros. A esperança por dias melhores, em que brasileiros independam de prestações pecuniárias estatais para subsistir, não pode afastar a necessidade de se olhar e enfrentar a realidade que se impõe (BORGES, 2020).
Diante do exposto, é importante ressaltar que, embora haja um teor e interesses políticos na concessão do auxílio emergencial, como bem enfatiza Marcelo Borges, tais políticas assistenciais são deveres do Estado brasileiro, não podendo o mesmo se manter inerte aos desastrosos impactos da pandemia da COVID-19. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos basilares da nação brasileira, com menção expressa no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 e, desta forma, promover a dignidade de subsistência dos seus tutelados é uma obrigação constitucional.
4 AS FRAUDES NO RECEBIMENTO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL
Conforme demonstrado no tópico anterior, a concessão do auxílio emergencial beneficiaria três grupos específicos: as famílias inclusas no Programa Bolsa Família, os inscritos no CadÚnico e os não constantes na base de dados do CadÚnico, sendo eles os microempreendedores, os trabalhadores informais, trabalhadores autônomos e os desempregados.
Neste contexto, segundo dados da Caixa Econômica Federal (BRASIL, 2020), antes da criação do auxílio emergencial, o Cadúnico totalizava 28.605.430 de famílias inscritas em Programas Sociais do Governo Federal, sendo que mais da metade era beneficiária do Programa Bolsa Família. Ocorre que, no primeiro mês após a criação do auxílio emergencial, o Ministério da Cidadania processou mais de 116 milhões de solicitação de inscrição no Cadastro Único com intuito de recebimento desse benefício pecuniário assistencial.
No entanto, a carência de mecanismos eficazes para constatação da veracidade das informações prestadas pelo público solicitante, além de causar excessiva morosidade no calendário de pagamento do auxílio emergencial, acabou por contribuir para a concessão do benefício a pessoas que não se encontravam em situação de vulnerabilidade socioeconômica em razão da pandemia da COVID-19 (MARINS et al., 2021).
Neste sentido, Marins afirma que:
Os pontos, para fins do debate aqui proposto, passam pela falta de transparência pública sobre as aprovações, reprovações e análises dos cadastros, as demoras em realizar as avaliações e a dificuldade em fazer com que o benefício chegue até as famílias. (...) Além disso, a falta de um canal de atendimento e orientação por telefone, ou mesmo on-line, dificultou a comunicação direta e de possíveis soluções simples de adequação do cadastro. A decisão de implementar o Auxílio Emergencial sem a articulação de estados e municípios, em uma perspectiva de pacto federativo e de descentralização das políticas públicas, também prejudicou ainda mais aqueles que necessitavam do benefício. Outro ponto importante observado no âmbito da implementação foi a ausência de esforços, em nível local, para a busca ativa das pessoas mais vulneráveis nos municípios. (MARINS et al., 2021, p. 2021, p. 683)
Diante disso, destaca-se que a inexistência de um planejamento estratégico por parte do Governo Federal contribuiu para ocorrência de inúmeras fraudes no recebimento do auxílio emergencial. Isto porque, a implementação centralizada e autocrática pela União, sem a colaboração dos demais entes federativos, facilitou para que milhões de pessoas solicitassem e recebessem o benefício sem preencher os requisitos necessários em detrimento de famílias vivenciando condições de miserabilidade por causa da pandemia (MARINS et al., 2021).
Evidenciou-se, posteriormente, diversas distorções nos dados das famílias já cadastradas no CadÚnico, pois em muitas situações as informações estavam desatualizadas e as reais condições socioeconômicas eram incompatíveis, mas a política de concessão concedia o benefício automaticamente aos inscritos no CadÚnico sem prévia análise e/ou atualizações dos dados cadastrais, de modo que inúmeras pessoas receberam indevidamente o benefício. Além disso, não havia uma política cooperativa entre União, Estados e Municípios para que, ao analisar as informações de novos cadastros, fossem evitadas as solicitações fraudulentas (MARINS et al., 2021).
Ao tornar automática a análise dos dados das pessoas cadastradas no CadÚnico, recebendo ou não o Bolsa Família, o governo federal não permitiu nenhuma atualização ou nova solicitação via aplicativo, ou acesso aos dados existentes para atualização ou esclarecimento, pois a rede socioassistencial não estava autorizada a realizar alterações após a data de 20 de março de 2020. (MARINS et al., 2021, p. 2021, p. 684)
Assim, meses após o início do pagamento das parcelas do auxílio emergencial, o governo, gradativamente, passou a identificar concessões fraudulentas do benefício, integrando entre os beneficiários servidores públicos, empresários, militares, figuras públicas, ou seja, pessoas que não preenchiam aos requisitos legais e, dolosamente solicitaram o auxílio emergencial (MARINS et al., 2021).
Segundo Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), divulgado em fevereiro de 2020, mais de 1,8 milhões de pessoas solicitaram e receberam indevidamente o auxílio emergencial, por incompatibilidade com os pressupostos legais para a concessão do mesmo, ocasionando um prejuízo de 809,9 milhões de reais aos cofres públicos. (BRASIL, 2022).
O Relatório da CGU apontou que, além de pessoas que solicitaram o benefício indevidamente, diversas organizações criminosas também conseguiram o benefício assistencial através da aquisição ilegal de informações de pessoas falecidas que residiam no exterior, presos, dentre outros. Ademais, as irregularidades constatadas na concessão do benefício foram as seguintes, de acordo com o Relatório da CGU:
· 15.751 beneficiários com indicativo de óbito;
· 239.773 beneficiários com renda familiar mensal em desacordo com os critérios de elegibilidade e de continuidade para o recebimento do benefício;
· 821.991 beneficiários com vínculo empregatício formal ativo registrado na GFIP;
· 160.662 beneficiários que receberam, simultaneamente, benefício previdenciário ou assistencial registrado na folha de pagamentos do INSS;
· 442.175 beneficiários do AER, que também receberam benefício do Programa Bolsa Família, cuja soma dos valores recebidos em ambos os benefícios foi superior aos limites estabelecidos;
· 17.993 beneficiários cuja família recebeu mais de duas cotas do benefício;
· 16.680 beneficiários que residem no exterior;
· 75.635 beneficiários que receberam mais parcelas do que o devido em 31.12.2020, considerando a data de concessão do benefício; e
· 38.282 beneficiários presos em regime fechado. (BRASIL, 2022)
Corroborando com as deficiências na execução para a concessão do benefício, o alto conhecimento informático e as vulnerabilidades de segurança na operacionalidade dos pagamentos, de responsabilidade da Caixa Econômica Federal, por meio da criação de uma conta digital, denominadas de Poupança Social Digital, resultou na prática de crimes virtuais de organizações criminosas, com o furto dos valores das contas digitais dos beneficiários (MARINS et al., 2021).
Observa-se que as fraudes ocorridas no pagamento do auxílio emergencial não geraram prejuízos somente para os cofres públicos, que pagou o benefício para milhões de pessoas que não faziam jus ao recebimento, mas, também milhares de famílias carentes, que foram vítimas das ações de grupos criminosos e acabaram sem usufruir do benefício assistencial.
4.1 As Ações do Governo Federal para Penalizar esses Crimes
As fraudes cometidas durante a vigência da concessão e pagamento do auxílio emergencial são tipificadas no Código Penal Brasileiro, podendo ser caracterizada como furto mediante fraude ou o estelionato.
O crime de estelionato está tipificado no artigo 171 do Código Penal, que assim prescreve:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (BRASIL. 1940)
Da análise da redação do citado dispositivo penal, o crime em tela tem como pressupostos a “vantagem ilícita” e o “prejuízo alheio”. Neste contexto, percebe-se que o agente ativo é beneficiado ilicitamente, ou seja, seu ganho (que não precisa ser necessariamente financeiro) está em desarcado com as normas vigentes e, consequentemente, causa danos a terceiros.
Assim, o agente ativo atua com má-fé, é o denominado “malandro” que utiliza-se de artimanhas para praticar uma fraude, induzindo um terceiro a erro e, consequentemente, alcançar vantagem indevida almejada. Para melhor entendimento, apresentam-se as lições do doutrinador criminalista Rogério Sanches Cunha:
Pune-se aquele que, por meio da "astúcià', "da esperteza", do "engodo", da "mentira', procura despojar a vítima do seu patrimônio fazendo com que esta entregue a coisa visada espontaneamente, evitando, assim, retirá-lo por meios violentos. Em suma, o agente busca lesar a vítima em seu patrimônio, de maneira sutil, mas sempre segura. A fraude pode ser empregada para induzir ou manter a vítima em erro. No ato de induzir (incutir) é o agente quem cria na vítima a falsa percepção da realidade. Já na manutenção, a própria vítima se encontra equivocada e o fraudador, aproveitando-se dessa circunstância, emprega os meios necessários para mantê-la nesse estado, não desfazendo o engano percebido (CUNHA, 2016, p. 347)
Diante do exposto, trazendo esses conceitos para os casos de fraudes no recebimento do auxílio emergencial, observa-se que as pessoas que solicitaram e usufruíram do benefício, tendo plena consciência da incompatibilidade de atendimento dos pressupostos legais, cometeram o crime de estelionato. A conduta ilícita é materializada no cadastramento indevido no CadÚnico e/ou aplicativos, seja por não preencher os requisitos ou, no caso das organizações criminosas, por utilizaram dados de terceiros.
Neste contexto, destaca-se que, segundo o Relatório da CGU, a partir da constatação da concessão viciosa de inúmeros benefícios do auxílio emergencial, os órgãos competentes veem atuando na identificação das pessoas que receberam indevidamente para que devolva os pagamentos indevidos, além da responsabilização criminal cabível, sendo que até a divulgação do relatório no início de fevereiro de 2022, o Governo Federal já havia recuperado cerca de R$ 44,4 milhões pagos indevidamente (BRASIL, 2022).
Com relação às solicitações indevidas realizadas por organizações criminosas, a Polícia Federal vem atuando em diversas investigações para identificar os suspeitos e colher provas sobre os métodos fraudentos empregados por eles para receber indevidamente o benefício emergencial (ABDALA, 2022).
Dando continuidade, quando as fraudes estiverem relacionadas a subtração dos valores das contas digitais dos beneficiários, o crime é o furto mediante fraude, tipificado no artigo 155, §4º, II do Código Penal, in verbis:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(...)
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
(...)
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; (BRASIL, 1940)
Pelo exposto, percebe-se que o crime de furto deriva da tutela constitucional do direito à propriedade, de modo que o crime consiste na usurpação da posse de um bem de forma indevida, isto é, sem a permissão, o conhecimento do seu real proprietário (MASSON, 2015).
Cabe mencionar que o crime de furto ofende a posse do bem e não sua propriedade, que continua pertencendo da vítima do delito. Além disso, destaca-se que o §4º, II trata-se de uma figura qualificadora, ou seja, a descrição penal traz novas elementares do tipo, ou seja, novos requisitos que resultam no agravamento da conduta e, consequentemente, na culminação de uma pena maior.
Neste contexto, a figura qualificadora que interessa ao presente estudo, diz respeito à prática da fraude que, segundo Cleber Masson (2015, p. 329), é o “artifício ou ardil, ou seja, meio enganoso utilizado pelo agente para diminuir a vigilância da vítima ou de terceiro sobre coisa móvel, permitindo ou facilitando sua subtração”.
Trazendo estes conceitos para a temática abordada, o crime de furto qualificado mediante fraude ocorre quando a ação dos criminosos atua para subtrair os valores (a posse) das contas digitais dos beneficiários. Neste contexto, cabe à vítima, através do registro do Boletim de Ocorrência, informar o ocorrido às autoridades competentes, para que as devidas providências sejam tomadas para identificar e punir os criminosos.
Ademais, frisa-se que a Polícia Federal também vem atuando em diversas investigações para identificar os integrantes das organizações criminosas que praticaram esse tipo de crime durante a vigência do auxílio emergencial (ABDALA, 2022).
5 CONCLUSÃO
O presente artigo teve como finalidade discorrer sobre as fraudes no auxílio emergencial, buscando identificar o enquadramento criminal de cada conduta e suas consequentes penalidades.
Neste contexto, para compreensão da temática suscitada, inicialmente apresentou-se a contextualização dos primeiros casos da COVID-19 na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, as incertezas científicas quanto a doença, até a classificação de pandemia pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020. Além disso, apresentou-se a diferenciação conceitual de surto, endemia, epidemia e pandemia, conceitos estes necessários para melhor entendimento dos impactos decorrentes da classificação da COVID-19 como uma pandemia mundial.
Observou-se que as medidas de isolamento social, especialmente aquelas que determinaram o fechamento das atividades comerciais e industriais, geraram reflexos negativos para a economia, tanto no âmbito externo como interno, impactando diretamente famílias vulneráveis, que ficaram sem nenhum meio de renda ou sofreu uma redução drástica na mesma.
Desta forma, o governo federal, por meio da Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, criou o auxílio emergencial, caracterizado pela concessão de uma proteção assistencial de natureza pecuniária, pagos inicialmente em 03 (três) parcelas de R$ 600,00 (seiscentos reais), para as pessoas que preenchessem os requisitos legais.
Diante da perpetuação da pandemia da COVID-19 e, consequentemente, dos impactos socioeconômicos, a medida emergencial foi estendida, mas com parcelas de valores menores, de modo que o benefício perdurou até outubro de 2021.
Estudou-se detalhadamente os requisitos para o recebimento do auxílio emergencial, bem como o público alvo desta política de transferência de renda, para que, na parte final deste trabalho, fossem compreendidas as falhas na execução deste benefício que, inegavelmente, contribuíram para a ocorrência de fraudes na concessão e recebimento do auxílio emergencial.
A pesquisa realizada permitiu compreender a dimensão dos prejuízos para os cofres públicos em razão das fraudes no auxílio, pois segundo dados pesquisados, mais de 1,8 milhões de pessoas solicitaram e receberam indevidamente o auxílio emergencial, ocasionando um prejuízo de 809,9 milhões de reais ao erário público, valores estes que poderiam ter sido empregados em outras medidas de combate à pandemia ou beneficiado famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Concluiu-se também que as pessoas que solicitaram e usufruíram do benefício, tendo plena consciência da incompatibilidade de atendimento dos pressupostos legais, cometeram o crime de estelionato, enquanto que a subtração do valor do benefício das contas digitais dos beneficiários caracteriza o crime de furto qualificado. Destaca-se que ambos os crimes estão previstos no Código Penal, a saber, art. 171 e o art. 155, §4º, II, respectivamente.
Por fim, destaca-se que o auxílio emergencial constituiu um importante benefício social para alento dos efeitos econômicos da pandemia da COVID-19, mas a má implementação desta política assistencial, diante da postura centralizada do Governo Federal, sem a atuação conjunta com Estados e Municípios, acabou por facilitar a ação de criminosos e pessoas mal intencionadas, prejudicando não só os cofres públicos, mas, sobretudo, milhares de pessoas que sofreram e ainda sofrem os efeitos devastadores da pandemia.
REFERÊNCIAS
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[1] Advogada. Assessora Jurídica na PGE/MA. Coordenadora Adjunta e Professora do Programa de Graduação em Direito (IESMA/UNISULMA). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (FDDJ). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). E-mail: [email protected]
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA). E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Warley Henrique. Os impactos da Covid-19 no contexto social e o auxílio emergencial: um estudo acerca das fraudes cometidas no recebimento do benefício federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58261/os-impactos-da-covid-19-no-contexto-social-e-o-auxlio-emergencial-um-estudo-acerca-das-fraudes-cometidas-no-recebimento-do-benefcio-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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