CLÓVIS MARQUES DIAS JÚNIOR[1]
(orientador)
RESUMO: O trabalho ora apresentado possui o objetivo de discutir a responsabilidade civil do Estado perante os danos decorrentes dos crimes cometidos pelo beneficiário da saída temporária. Sabe-se que o Estado é quem possui a guarda do preso, sendo maior ainda sua responsabilidade sobre aquele detento que recebe o benefício da saída temporária. Entretanto, é notável uma falha em relação a vigilância do Estado sob esse apenado, razão pelo qual surge a seguinte problemática: O Estado possui a responsabilidade de ressarcir os danos decorrentes dos crimes cometidos pelos presos que são beneficiários da saída temporária? A proposta empregada para tanto, possui abordagem indutiva e qualitativa, a coleta de informações fundamentou-se em materiais publicados na internet, como artigos científicos, teses, dissertações, livros, periódicos, revistas, etc., denominando-se como revisão bibliográfica. Assim, constatou-se ao longo do estudo que, para que o Estado seja obrigado ao pagamento da indenização é necessário que haja o nexo causal entre o fato e o dano, ou seja, o crime praticado pelo condenado beneficiado com a saída temporária e a omissão do Estado e seus agentes em vigiar sua conduta longe do estabelecimento prisional, uma vez que sabendo da periculosidade existe o dever de manter uma supervisão do condenado. Portanto, resta a reflexão de que para o Estado é apenas mais uma indenização a ser paga, contudo, para a sociedade reina o sentimento de impunidade e fragilidade diante da criminalidade e a omissão estatal.
Palavras-Chave: Responsabilidade. Estado. Saída Temporária. Indenização.
Abstract: The work presented here has the objective of discussing the civil liability of the State in the face of damages resulting from crimes committed by the beneficiary of the temporary departure. It is known that the State is the one who has custody of the prisoner, and its responsibility is even greater on that detainee who receives the benefit of temporary release. However, there is a notable failure in relation to the surveillance of the State under this convict, which is why the following problem arises: Does the State have the responsibility to compensate for the damages resulting from the crimes committed by the prisoners who are beneficiaries of the temporary release? The proposal used for this purpose has an inductive and qualitative approach, the collection of information was based on materials published on the internet, such as scientific articles, theses, dissertations, books, periodicals, magazines, etc., denominated as bibliographic revision. Thus, it was found throughout the study that, in order for the State to be obliged to pay compensation, there must be a causal link between the fact and the damage, that is, the crime committed by the convict benefiting from the temporary departure and the failure of the State and its agents to monitor their conduct away from the prison establishment, since knowing the danger, there is a duty to maintain supervision of the convict. Therefore, there remains the reflection that for the State it is just another compensation to be paid, however, for society reigns the feeling of impunity and fragility in the face of crime and state omission.
Keywords: Responsibility. State. Temporary exit. Indemnity
1 INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado possui o objetivo de discutir a responsabilidade civil do Estado perante os danos decorrentes dos crimes cometidos pelo beneficiário da saída temporária em feriados como a semana santa, dia dos pais, dia das mães, entre outros. Sabe-se que o Estado é quem possui a guarda do preso, sendo maior ainda sua responsabilidade sobre aquele detento que recebe o benefício da saída temporária, em que é notável uma falha em relação a vigilância estatal sob esse apenado. Diante disso, torna-se necessária uma análise sobre os danos que serão causados devido as novas práticas delituosas cometidas, de modo a verificar se o Estado é ou não responsável por esses danos.
Nesse sentido, urge-se uma análise dos casos em que o Estado deve arcar com o dano e quais elementos da responsabilidade civil objetiva devem estar presentes para que este dano sofrido se concretize, para que seja comprovada a obrigatoriedade do Estado em ressarcir as vítimas. Serão abordadas hipóteses em que é possível uma análise sobre situações úteis e relevantes para a percepção de quais são as possibilidades de obrigação do estado de reparar do dano causado e a justificativa acerca disso.
Assim, espera-se que por meio da pesquisa apresentada, seja possível obter entendimentos conclusivos sobre a temática abordada. Torna-se oportuno dizer que a escolha do tema se deu pela afinidade com o assunto, que abrange diversas áreas jurídicas como o direito civil, direito administrativo e direito processual penal, bem como pela pertinência diante do grande debate levantado pela sociedade quando o Estado beneficia os presos com a saída temporária, razão pelo qual surge a seguinte problemática: O Estado possui a responsabilidade de ressarcir os danos decorrentes dos crimes cometidos pelos presos que são beneficiários da saída temporária?
Para tanto, a metodologia utilizada para nortear a referida pesquisa classifica-se como exploratória, uma vez que possui o intuito de proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ao construir hipóteses e esclarecer conceitos conclusivos (GIL, 2010). Entre os métodos que utilizam fundamentos lógicos na investigação, destaca-se a abordagem indutiva, visto que, a responsabilização civil do estado nos crimes cometidos por beneficiários durante a saída temporária abrange constatações particulares a leis e teorias mais gerais.
Essa modalidade de pesquisa é extraída por meio de observações e experiências sobre determinado fato e a partir deste, busca a compreensão sobre as causas do fenômeno estudado.
A indução é parte de um processo mental em que a partir de dados particulares e suficientemente contatados “infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam” (LAKATOS; MARCONI, 2007, p.86).
Para delinear o presente estudo, buscou-se por meio do levantamento teórico, elucidar os conceitos do tema utilizando o procedimento técnico bibliográfico. De acordo com Gil (2010, p.29-31) “a pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos”.
Nesse viés, a coleta de informações fundamentou-se em materiais publicados na internet, como artigos científicos, teses, dissertações, livros, periódicos, revistas, etc. E por fim, a abordagem utilizada para análise destes dados possui natureza qualitativa, em que descreve uma relação entre o objetivo e os resultados que não podem ser interpretadas por meio de números (FERNANDES, 2017), posto que, trata-se de uma pesquisa em que a análise ocorrerá por meio da doutrina jurisprudencial e legal acerca da responsabilidade civil do Estado.
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A presente sessão abordará elementos que servirão como orientadores para a discussão do tema desta pesquisa. De forma inicial, almeja-se discutir acerca da responsabilidade civil do Estado de forma geral no direito brasileiro. Para que em seguida, seja possível abordar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado fundamentada no risco e a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Será tratado acerca do instituto da saída temporária, e, por fim, não menos importante, será feita análise jurisprudencial e legal em cima da responsabilização do Estado diante de crimes cometidos por presos beneficiários da saída temporária.
2.1 Concepções introdutórias acerca do instituto da responsabilidade civil do Estado
Inicialmente, antes de adentrar nos detalhes da responsabilidade civil, é de suma importância a sua conceituação. Para que se entenda o significado de responsabilidade civil é necessário que se entenda o sentido de responsabilidade. Sabe-se que toda atividade humana gera responsabilidade, ou no mínimo, remete de forma tangente à mesma. Diante disso, a responsabilidade deriva de uma obrigação jurídica contraída após uma conduta humana, bem como, pode derivar da proibição de ofender (GAGLIANO, 2019). Nas palavras de Farias, Rosenvald e Netto (2015, p. 9):
O adjetivo responsável arrasta em seu séquito uma diversidade de complementos: alguém é responsável pelas consequências de seus atos, mas também é responsável pelos outros, na medida em que estes são postos sob seu encargo ou seus cuidados e, eventualmente, bem além dessa medida.
Compreende-se que as leis em geral empregam para a sociedade o dever-ser, ou seja, regras de conduta social, apontando infração para aquele que as descumprir gerando dano a terceiro. Diante disso, pode-se assumir a ideia de que a responsabilidade civil pode se originar de uma conduta danosa de um agente que age ou deixa de agir voluntariamente, de forma negligente ou imprudente, conforme artigo 186 do Código Civil, dar-se o nome de responsabilidade civil extracontratual ou extranegocial (BRASIL, 2002).
De outro modo, o dever de reparar dano também pode surgir diante do descumprimento de uma obrigação contraída de uma relação contratual entre partes. Em outras palavras, quando uma das partes de um contrato deixa de cumprir cláusulas que estejam estipuladas neste, gera o dever de reparar o dano em relação à parte que sofreu o dano. A essa nomeia-se de responsabilidade civil contratual.
Nesse sentido, a responsabilidade civil do Estado sintetiza-se a partir dos postulados de Hely Lopes Meirelles, como aquela que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las (MEIRELLES, 2016). Outrossim, segundo Yussef Said Cahali (2007, p. 13) entende-se por responsabilidade civil do Estado a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades (apud NORONHA, 2017). Nesse sentido, cumpre esclarecer que no Brasil, tal responsabilidade encontra-se normatizada no art. 37, §6º, da CF/88, nos seguintes termos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).
Todavia, torna-se oportuno ressaltar que tal definição não foi pacífico ao longo da história, uma vez que, houveram diversas abordagens adotadas para tratar da referida matéria, tendo como extremos a irresponsabilidade estatal e o risco integral. Observa-se, que durante o período absolutista, vigorou a teoria da irresponsabilidade do Estado, segundo a qual a Administração Pública não respondia por seus atos.
A concepção de que o Estado (em sentido amplo), personificado na pessoa do governante, pudesse fazer o que bem entendesse com os indivíduos reverberou por muitos séculos. Nesse sentido, expressões como "o Estado sou eu", de Luís XIV, intitulado “Rei Sol” na França absolutista, representam a ideia de que a sociedade, à época, servia ao governante, e não este à sociedade. Por tal razão, é conhecida no direito administrativo a locução "The king can do no wrong" ("O rei não erra"), para simbolizar a época em que o Estado não era responsabilizado por seus atos (FINGER, 2020).
Assim, após as revoluções liberais do séc. XVIII, o poder estatal foi limitado, motivo pelo qual surge o entendimento de que, além de respeitar os direitos fundamentais, o Estado deveria estruturar-se, promovendo a descentralização do seu poder e sua atividade deveria ser regida pela lei e por princípios, esta é a própria ideia de constitucionalismo e de submissão do Estado à Lei (Constituição). Por conseguinte, dada a incapacidade da corrente absolutista em atingir a sua finalidade de reparar os danos equalizando as relações sociais, a mesma fracassou e foi sucedida pela teoria civilista (MEIRELLES, 2016).
Tal teoria, distinguia os atos da Administração Pública em atos de império e atos de gestão, no qual resultou a possibilidade de reparação apenas para estes últimos. Os atos de império conceituam-se como aqueles em que o Estado atuava em sua função pública propriamente dita, como por exemplo a imposição de sanções. Por outro lado, nos atos de gestão, a Administração Pública atuava de forma semelhante ao cidadão, se colocando em patamar equiparado a este, respondendo, assim, conforme as regras do direito civil e comercial (CARVALHO FILHO, 2011).
Apesar do avanço perceptível do aspecto social da época no que concerne à sua antecessora (teoria da irresponsabilidade do Estado), a doutrina civilista sucumbiu igualmente em razão da dificuldade prática em diferenciar atos de gestão de atos de império. Ocorre que, a atuação concreta do Estado é complexa, sendo, portanto, insidioso classificar seus atos de modo preciso e excludente (CARVALHO FILHO, 2011).
Desse modo, considera-se a teoria civilista como superada, uma vez que esta foi sucedida pela teoria da culpa anônima ou culpa do serviço. A partir desta, para ser configurada a responsabilidade estatal é necessário que haja a presença do elemento culpa, não se tratado, porém, da culpa individualizada de um agente, e sim do Estado, conforme ensina Cavalieri Filho (2014, p. 285):
A noção civilista da culpa ficou ultrapassada, passando-se a falar em culpa do serviço ou falta do serviço (Faute du service, entre os franceses), que ocorre quando o serviço não funciona, funciona mal ou funciona atrasado. Noutras palavras, o dever de indenizar do Estado decorre da falta do serviço, não da falta do servidor. Bastará a falha ou mal funcionamento do serviço para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes aos administrados.
Ademais, a teoria da culpa do serviço representou uma quebra de paradigma com relação às suas antecessoras, por romper com o conceito civilista de culpa. Não obstante, foi sucedida pela teoria da responsabilidade objetiva do Estado, pautada no risco administrativo, haja vista a maior capacidade desta última em oferecer uma maior proteção às vítimas dos eventos danosos, conforme se esmiuçará no tópico a seguir.
2.2 A teoria da responsabilidade objetiva do Estado fundamentada no risco
A teoria da responsabilidade objetiva do Estado possui fundamento na doutrina do risco, vez que parte da premissa de que a atuação do Estado, por si só, traz o risco de ocasionar danos aos administrados o que pressupõe um dever objetivo do ente público de repará-los (DI PIETRO, 2019). Não obstante, faz-se necessário pontuar a existência de duas subteorias que possuem visões diferentes sobre a responsabilidade do Estado baseada no risco, qual seja, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral.
Evidencia-se que a teoria do risco administrativo é caracterizada pela imposição ao Estado do dever de indenizar as vítimas, independente de culpa, bastando para tanto que o dano tenha sido ocasionado por fato imputado àquele, conforme ensina Hely Lopes Meirelles (2016, p. 781):
A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado.
Por sua vez, a teoria do risco administrativo encontra respaldo na solidariedade social. A atuação do Estado provoca o risco de gerar danos aos cidadãos de forma individualizada, uma vez que todos os cidadãos são potencialmente beneficiários dos mesmos serviços públicos. Dessa forma, seria uma injustiça que, havendo um dano individual ocasionado pelo Estado, apenas a vítima suportasse o seu ônus.
Conforme anteriormente esclarecido, não há necessidade que seja demonstrada a culpa da administração. No entanto, admite-se que o Estado atenue ou até se livre do dever de indenizar, conforme o caso concreto, desde que esteja presente alguma das causas de exclusão do nexo causal, a saber: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato de terceiro (CAVALIERI FILHO, 2014).
Em outro aspecto, a teoria do risco integral apresenta como diferença a impossibilidade que o Estado possui em se eximir do dever de indenizar, mesmo que concretas as situações em que há a exclusão do nexo de causalidade elencadas. Nesse viés, a teoria supracitada tende a ter uma visão mais extremada, conferindo ao Estado o ônus de indenizar inclusive os casos em que a própria vítima tenha dado origem ao dano.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 405), embora haja uma certa confusão na doutrina, acerca de qual teoria teria sido adotada pela Constituição de 1988 (A teoria do Risco Integral ou a do Risco Administrativo) essa confusão seria mais de ordem semântica, visto que todos os doutrinadores, no final das contas: “Partilham do entendimento de que as regras constitucionais impuseram a responsabilidade objetiva do Estado pela reparação do dano, não significando, contudo, que tal responsabilidade subsista em qualquer circunstância, mas podendo ser excluída em caso de culpa da vítima ou de força maior”.
Diante disso, com base na teoria do risco administrativo, o Estado responde objetivamente pelos danos causados. Entretanto, observa-se uma controvérsia doutrinária referente aos danos causados pelo Estado de forma omissiva. Por tal constatação, torna-se oportuno discutir a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos, consoante ao tópico que se subsegue.
2.3 A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos
Nos atos omissivos, o Estado possui o dever de agir e não o faz, por consequência, causa dano ao particular. A omissão passa a ser a causa para acontecer o resultado, uma vez que, se o Estado tivesse atuado com medidas eficientes, ainda que em eventos naturais inevitáveis, o dano não teria ocorrido. Assim, a omissão caracteriza-se a partir da inércia de comportamento, isto é, não fazer aquilo que moral e ou juridicamente se devia fazer.
Nesse liame, para Cavalieri Filho (2011, p. 297), quando a constituição estabelece a responsabilidade objetiva do Estado em seu art. 37, § 6°, constata-se a concepção de que não há apenas condutas comissivas, mas também as omissivas. Assim, as vítimas de tais condutas enquadram-se na proteção deste dispositivo. O autor, depreende que há distinção quanto à responsabilidade por ações ou omissões do Estado. Nas ações, seria aplicada a norma do dispositivo supracitado, nas omissões, haveria a necessidade de demonstrar a culpa do Estado quanto ao dano.
No entanto, o autor enfatiza que não é o caso de afirmar que a responsabilidade objetiva configura-se como aplicada, senão vejamos:
Queremos deixar claro, no entanto, que o elemento marcante da responsabilidade extracontratual do Estado é efetivamente a responsabilidade objetiva; daí não se nos afigurar inteiramente correto afirmar que, nas condutas omissivas, incidiria a responsabilidade subjetiva (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 14057 - 14068).
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010) corrobora com a perspectiva de a responsabilidade subjetiva existe quando se trata de dano causado por omissão do Estado, porém, ressalta que não se trata de uma responsabilidade imposta à toda e qualquer omissão, é necessário que o Estado tenha a obrigação legal de agir para impedir o dano e não o faça, conforme se demonstra:
Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto eqüivaleria a extraí-la do nada (MELLO, 2010, p. 1013).
A omissão estatal é classificada pela doutrina em dois tipos, quais sejam: a omissão geral e a específica. Na primeira, o Estado se omite com relação a um dever genérico, como, por exemplo, prover segurança pública. Na segunda, o Estado deixa de agir em uma situação em que atua como garante com relação à vítima (CAVALIERI FILHO, 2014).
Em virtude disso, o Supremo Tribunal Federal diferencia as duas modalidades, postulando que, na primeira, só haverá dever de indenizar quando verificada a culpa do Estado, com base na teoria da Faute de Service, conforme se evidencia na ementa do Recurso Extraordinário 179.147/SP:
[...] III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo eventual ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses (BRASIL, 1998, online).
No que concerne a omissão específica, o Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário 841.526/RS, com repercussão geral, estabelece que se trata de responsabilidade objetiva, tanto para as ações como para as omissões, em que persistem ambos os casos previstos anteriormente referenciados nos moldes do parágrafo do art. 37 da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe:
[...] A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6o, subsuma-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. [...] 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO (BRASIL, 2016, online).
Cumpre esclarecer, portanto, que quando o dano se refere à omissão do Estado, torna-se necessário a configuração do nexo de causalidade entre a omissão estatal e o resultado danoso. Assim, na hipótese do Estado atuar na condição de garantidor e agir para evitar o dano, a responsabilidade será objetiva. Por outro lado, caso a omissão da Administração Pública tenha sido genérica, a responsabilidade será subjetiva.
3 O INSTITUTO DA SAÍDA TEMPORÁRIA
A presente subseção dedica-se à discussão acerca da saída temporária, uma vez que o instituto fora inaugurado na edição da Lei n. 7.210/1984, (Lei de Execução Penal – LEP), em uma nova fase no plano da execução da pena privativa de liberdade, em que se evidencia normas para que o Estado concretize sua função punitiva de forma assegurada, diante do cometimento de delitos (BRASIL, 1984).
O diploma supracitado se demonstra inovador, visto que, possui como finalidade o fim ressocializador da pena privativa de liberdade refletindo em seus postulados a preocupação em assegurar direitos fundamentais ao sentenciado. Em virtude disso, a referida Lei foi plenamente recepcionada pela Constituição Brasileira de 1988 e prescreve institutos destinados a cumprir com os objetivos da pena privativa de liberdade além de garantir direitos aos enclausurados, dentre eles a permissão de saída temporária.
A saída temporária é um dos institutos mais importantes consagrados na LEP, lei originária de um momento ideológico de 1984, que vislumbrava um modelo penal integrado, amparado em uma política global de prevenção do crime e tratamento do delinquente (CARVALHO, 2003). O artigo 122 do referido diploma legal preconiza que:
Os condenados que cumprem pena no regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I – visita à família; II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau, ou superior, na comarca do Juízo da Execução e III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Nota-se que a saída temporária prevista no artigo 122 da LEP, não se confunde com a permissão de saída prevista nos artigos antecedentes do mesmo diploma legal, visto que, são institutos distintos que possuem finalidades dissemelhantes. De acordo com a previsão do artigo 124 da LEP, o condenado poderá usufruir até 35 dias por ano, fora do ambiente carcerário, sem vigilância, o contato com a família e sociedade (BRASIL, 1984).
Todavia, a saída temporária é um direito subjetivo, em que o apenado necessita cumprir alguns requisitos subjetivos, além do cumprimento de um sexto da pena se não reincidente e um quarto se reincidente, de modo que lhe permitam fazer jus ao benefício. Assim, no que diz respeito Moraes e Smanio (2002, p. 192), “o preenchimento dos requisitos legais objetivos e subjetivos previstos em lei para a saída temporária confere ao condenado o direito público subjetivo à obtenção do benefício legal”. A referida questão se encontra pacificada pelos tribunais pátrios, no sentido de que:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. ANÁLISE DO LAUDO TÉCNICO. POSSIBILIDADE. SAÍDA TEMPORÁRIA. INDEFERIMENTO. Não é vedada ao julgador a adoção de outros meios de prova na formação de sua convicção acerca do efetivo papel da pena, com seu caráter de retribuição ao mal causado e prevenção de futuros delitos, bem como, em tese, a ressocialização do apenado. Diante dessa possibilidade é que, existindo nos autos a prova técnica na forma de laudos psicossociais do segregado, esta pode e deve ser valorada no intuito de individualizar a aplicação da Lei Penal, cotejando-a com os demais elementos apresentados, para levar a efeito aquela que é a real tarefa do julgador - analisar e decidir casos concretos dentro do estrito cumprimento das normas de direito. Embora o atestado carcerário certifique conduta plenamente satisfatória, os demais elementos probatórios desaconselham, por ora, a pretensa progressão de regime. Mantido o apenado no regime fechado, impõe-se o indeferimento da postulada saída temporária. AGRAVO DESPROVIDO (BRASIL, 2010).
Destarte, observa-se a opinião quase unânime no sentido de que as saídas temporárias possuem o escopo de preparar o indivíduo para o retorno ao convívio social de forma satisfatória, não sendo plausível usufruir de tal benefício, o apenado que não apresenta conduta condizente com os fins da execução. Nesse sentido, verifica-se incontestável a importância do instituto abordado para fins de ressocialização e efetivação dos propósitos da execução penal (BRASIL, 1984).
No entanto, mesmo que alcançado o objetivo e a oportunidade de usufruir tal benefício muitos indivíduos não conseguem estabelecer este contato com a sociedade de forma salutar, frustrando expectativas, provocando um debate que ainda não encontra uma resposta concreta. Ao lado disso, surge o questionamento, o que seria primordial? assegurar direitos ao sentenciado, que é sujeito de direito igual a qualquer outro cidadão livre à luz da Constituição Federal ou primar pela segurança e integridade da coletividade, que também é um direito consagrado pela Carta Magna? (BRASIL, 1984).
Evidencia-se que quando a opção escolhida é a de garantir direitos ao sentenciado, tal como o de lhe assegurar o benefício à saída temporária, na maioria das vezes, surge uma legião de opositores manifestando-se de forma radical e contrária à concessão da benesse. Essas vozes oposicionistas ganham força principalmente quando os meios de comunicação anunciam delitos cometidos por sentenciados durante o gozo do benefício ou quando parcela desses sentenciados não retorna ao cárcere no final de período concedido, considerados assim, em fuga do sistema prisional. Por tal questão, demonstra-se imprescindível analisar o tema sob a ótica jurisprudencial, consoante ao tópico subsequente.
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL E LEGAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DE CRIMES COMETIDOS POR PRESOS SOB SUA GUARDA
Embora haja determinada rigorosidade na concessão da saída temporária, evidenciam-se os delitos praticados durante tal benefício, em que surge a preocupação de identificar a responsabilidade das partes diante dos crimes cometidos pelos beneficiados. De acordo com o artigo 144 da Carta Magna de 1988, a segurança pública é dever do Estado e é exercida para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme se observa:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) (BRASIL, 1988).
O artigo supracitado, ao preconizar em seu caput a palavra “incolumidade”, cujo significado é “garantir a integridade” e “segurança à população”, atribui ao Estado a responsabilidade das situações em que ocorre falhas nesta prestação. Depreende-se, portanto, que é dever do Estado prover a segurança pública e garantir a integridade da população, visto que, conforme o tema em análise, o Estado concede ao sentenciado a saída temporária, logo compreende-se que o Estado é responsável por tais condutas.
Nesse sentido, para que o Estado seja responsabilizado faz-se necessária a existência do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a ação ou omissão administrativa. Constata-se, portanto, que a responsabilidade do Estado está associada ao dever de vigilância e controle dos presos beneficiados, uma vez que não se espera uma conduta criminosa de um condenado que possui bom comportamento carcerário.
Assim, o Estado possui o dever de fiscalizar os presos que estão sob sua custódia, tendo como objetivo resguardar a sociedade da possível ocorrência de novos crimes por parte daquele preso que pode ainda não estar totalmente recuperado (MACHADO, 2012). No entanto, isso não ocorre, uma vez que quando o apenado não retorna, o ente estatal não realiza a busca imediata para que este cumpra o restante da pena, em decorrência da falta de recursos e estruturas para encontrar o fugitivo.
Em virtude disso, os tribunais têm se posicionado pela responsabilização do Estado desde que presentes a negligência do ente estatal, o nexo de causalidade, o ato omissivo e os danos provocados pelo apenado à vítima. Destarte, observa-se conforme entendimento do TJ-MG, a seguinte decisão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SAÍDA TEMPORÁRIA. PRESO FORAGIDO. RECAPTURA. MORA. OMISSÃO. DEVER DE VIGILÂNCIA. MORTE. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. DESPESAS COM O FUNERAL. PENSÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DANO MORAL IN RE IPSA. EXTENSÃO. PROVA. 1. O Estado responde pelos danos à viúva e filhos vítimas de latrocínio praticado por preso que, violando as condições da saída temporária, não é, por omissão estatal, procurado como foragido imediatamente quando não retorna ao estabelecimento prisional. 2. A ocorrência de dano moral advindo da morte do ente familiar independe de prova e a extensão do dano dá a medida da indenização. 3. Em caso de óbito de conjunge e ascendente, o pensionamento é devido se demonstrada a dependência econômica, presumida quanto aos filhos menores. 4. As despesas com o funeral da vítima substanciam danos emergentes indenizáveis (TJ-MG – AC: 1.0120.11.001015-0/001 (Acórdão), Relator: Des. Oliveira Firmo, Data de julgamento: 16/02/2016, 7ª Câmara de Direito Cível) (MINAS GERAIS, 2016).
O caso apresentado trata-se de responsabilidade estatal em razão da deficiência do serviço administrativo em recapturar um preso foragido após ser beneficiado com a saída temporária, tendo em vista a omissão do Estado no dever de vigilância. Vê-se, que as diligências da recaptura do detento foram realizadas tardiamente, apenas após a repercussão do fato danoso que vitimou um homem pela prática de latrocínio.
Compreende-se que após conceder cumprimento à medida da saída temporária ao apenado, o Estado deve desenvolver mecanismos para ser eficiente na busca do recalcitrante que sem voltar, torna-se foragido. Dessa forma, no período em que o apenado saiu e não retornou no prazo legal, o Estado deveria se aparelhar para acusar automaticamente a evasão, que se dá concomitantemente à não apresentação a termo do prisioneiro à penitenciária. Nesse momento, o Estado já deveria ter acionado o aparato da recaptura, indício de que poderia encontrar o fugitivo mais rapidamente.
No caso, porém, o foragido não foi imediatamente posto sob o alerta das autoridades, ao contrário, teve espaço e tempo confortáveis para cometer novo ato ilegal, e, nesse contexto, a responsabilidade estatal objetiva restou configurada. Se, não comunicada a situação do foragido, o indivíduo vem a cometer um ato criminoso qualquer, independente da gravidade, o Estado responsabiliza-se por omissão culposa, visto que esse fato só foi ensejado por sua ineficiência em recuperar o fugitivo, tanto sob o aspecto da ressocialização gradativa, quanto sob o aspecto do reencarceramento.
Não há como negar a condenação da responsabilidade estatal, de modo a forçar o Poder Público a investir recursos e direcionar verbas para enfrentar a problemática da segurança pública. A condenação provoca o ente público à revisão proposta orçamentária e, antes dela, a própria orientação de políticas de cumprimento da pena, abandonando a ideia de transformar os presídios em depósito de pessoas, aceita como algo natural pela sociedade, sem considerar minimamente a vertente constitucional ressocializadora que orienta toda a legislação penal de execução penal.
Fica evidente, portanto, os danos morais, a omissão estatal e o nexo de causalidade entre um e outros, ensejando o dever de reparação por parte do ente estatal. Os apelantes pleitearam a condenação ao pagamento de pensão mensal por 5 (cinco) salários mínimos, vitalícia ou até a expectativa de vida do de cujus, para a viúva, e até 25 (vinte e cinco) anos de idade, para os filhos. Outrossim, sob a mesma perspectiva, observa-se outra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG):
EMENTA: CIVIL - INDENIZAÇÃO - PRESIDIÁRIOS - REGIME FECHADO - PROGRESSÃO - REGIME SEMIABERTO - TRABALHO EXTERNO - VIGILÂNCIA - AUSÊNCIA - FUGA DE PRESOS - AUTORA VÍTIMA DE ROUBO - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO CONFIGURADA - DANOS MORAIS - CRITÉRIO DE FIXAÇÃO - RECURSO PROVIDO. O cumprimento da pena em regime semiaberto e a responsabilidade pelo trabalho do preso constituem ônus estatal, motivo pelo qual o trabalho externo prestado pelo condenado em entidade pública, deve sempre estar sob vigilância, pena de a medida transmudar-se numa progressão ao regime aberto. Se a peculiaridade do caso concreto evidencia o nexo de causalidade entre a conduta omissiva estatal - em não promover vigilância adequada aos presidiários que exercem atividade externa - com o dano suportado pela autora, vítima de roubo por condenados que se evadiram do local de trabalho, tem-se por demonstrados os requisitos ensejadores da reparação por dano moral. Para a fixação dos danos morais deve-se levar em conta as condições econômicas das partes, as circunstâncias em que ocorreu o fato, a intensidade do sofrimento da vítima, o grau de culpa do ofensor, o caráter repressivo e pedagógico da reparação. [...] (TJ-MG - Apelação Cível: AC 0614024-17.2011.8.13.0145 MG. Relator: Corrêa Junior. DJ 12/03/2013, 2013) (MINAS GERAIS, 2013).
Diante disso, verifica-se demonstrado o nexo de causalidade entre o ato omissivo do ente público pela negligência ou falta no serviço e o prejuízo causado pela conduta do apenado em que há a responsabilidade civil estatal, considerando a responsabilidade objetiva, advinda da omissão estatal em fiscalizar os beneficiados pela saída temporária.
RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DO COMPANHEIRO E GENITOR DOS AUTORES POR FORAGIDO DO SISTEMA PRISIONAL, SEM QUALQUER INICIATIVA PARA SUA RECAPTURA, POR MAIS DE SESSENTA DIAS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO PARA A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E PENSÃO MENSAL. “A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos presos sob sua custódia, a inércia do Poder Público no seu dever de empreender esforços para a recaptura do foragido são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade.” (RE n. 607771 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 13-5-2010).
(TJ-SC – AC: 20130072393 SC 2013.007239-3 (Acórdão), Relator: Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Data de julgamento: 21/07/2014, Primeira Câmara de Direito Público Julgado) (SANTA CATARINA, 2014).
Fica evidenciado, portanto, que o Estado pratica falhas ou atos ilícitos na prestação de seus serviços, que causam danos e consequentemente necessitam ser reparados, tanto para punir, quanto para prevenir a constatação de novas falhas. Ademais, salienta-se que por se tratar de uma responsabilidade jurisdicional, a saída temporária tem auferido dos órgãos julgadores a garantia da reparação dos danos causados pelos condenados enquanto na condição de beneficiários.
Os julgados apresentados demonstraram que, para que a responsabilidade civil do Estado seja caracterizada na hipótese de crimes cometidos por beneficiários da saída temporária, faz-se necessário a presença de três requisitos: a conduta omissiva praticada pelo Estado, o dano praticado pelo beneficiário e o nexo de causalidade entre a omissão do Estado e seus agentes em vigiar a conduta do apenado longe do estabelecimento prisional, tendo em vista a periculosidade do condenado.
Assim, o efeito da responsabilidade estatal é a obrigação de indenizar as vítimas do criminoso e as consequências sobressaem-se perante a sociedade que não possui a devida segurança reiterada pela Carta Magna.
5 CONCLUSÃO
Diante o exposto, resta evidenciada a existência da responsabilidade civil do Estado no tocante aos delitos praticados por presos durante a concessão do benefício da saída temporária. A responsabilidade se aponta de forma objetiva pela omissão do Estado quanto à efetiva vigilância daqueles que adquirem o benefício, por não atuar de modo a evitar a pratica de novos crimes, tendo em vista o percentual elevado de presos que cometem outros delitos após terem sido favorecidos com a saída temporária para visita aos familiares ou mesmo com fins educativos ou empregatícios, que como foi visto, aguardam a oportunidade para voltar a delinquir, já que a verdade do sistema prisional não permite a sua ressocialização.
É notório que, por vezes, o Estado pratica falhas ou atos ilícitos na prestação de seus serviços, que causam danos e que necessitam ser reparados, tanto para punir, quanto para prevenir a ocorrência de novas falhas. A saída temporária, por se tratar de uma responsabilidade jurisdicional, tem auferido dos órgãos julgadores a garantia da reparação dos danos causados pelos condenados enquanto na condição de beneficiários.
De modo que o efeito da responsabilidade estatal é a obrigação de indenizar as vítimas do criminoso e o castigo da sociedade que paga por sua segurança, pelo sustento do sentenciado no estabelecimento prisional e em compensação recebe o criminoso ainda mais perigoso e violento de volta ao meio social, fazendo cada vez mais vítimas. Observa-se, dessa forma, os inúmeros impactos negativos que uma gestão precária pode causar na sociedade, que são muitas vezes irreversíveis, com resultado de morte.
Nesse sentido, cabe ao Estado o dever de vigilância para que o benefício proposto pelo art. 122 e seguintes da LEP sejam um fator benéfico tanto para o apenado quanto para a própria sociedade, que sofre com a medida proposta de forma irregular. Assim, para que o Estado seja obrigado ao pagamento da indenização é necessário que haja o nexo causal entre o fato e o dano, ou seja, o crime praticado pelo condenado beneficiado com a saída temporária e a omissão do Estado e seus agentes em vigiar sua conduta longe do estabelecimento prisional, uma vez que sabendo da periculosidade existe o dever de manter uma supervisão do condenado.
Diante disso, resta a reflexão de que para o Estado é apenas mais um delito, mais uma estatística, apenas mais uma indenização a ser paga. Contudo, para a sociedade reina o sentimento de impunidade e fragilidade diante da criminalidade e a omissão estatal.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutorando em Direito (UniCEUB). Mestre em Educação (UFMA). Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP) e Gestão Pública (UFMA). Bacharel em Direito (UFMA). Professor do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior de Sul do Maranhão (UNISULMA/IESMA). E-mail: [email protected].
Bacharelanda do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA/IESMA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, HELEN CAROLINE DE OLIVEIRA. Responsabilidade civil do Estado nos crimes cometidos por beneficiários da saída temporária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58297/responsabilidade-civil-do-estado-nos-crimes-cometidos-por-beneficirios-da-sada-temporria. Acesso em: 27 dez 2024.
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