ERICK VINÍCIUS COSTA DE ANDRADE[1]
(orientador)
RESUMO: O objetivo geral do presente artigo científico repousa na análise do voto do Min. Luiz Roberto Barroso nos autos do HC n.º 124.306/RJ, ao defender a inconstitucionalidade da tipificação penal do aborto em face a violação dos direitos humanos das mulheres. Para tanto, adotou-se os procedimentos metodológicos de uma pesquisa bibliográfica, seguindo uma abordagem qualitativa das informações e dados coletados. Destaca-se ainda a natureza de pesquisa exploratória e descritiva, haja vista a ênfase no detalhamento da gênese sociocultural que fundamenta as discussões sobre a temática do aborto no Brasil. Para lograr êxito na finalidade deste estudo, estabeleceu-se como objetivos específicos discorrer sobre o contexto sociofamiliar do patriarcado, analisar os tipos de aborto previsto na norma penal vigente e, por fim, contextualizar os direitos humanos das mulheres no plano nacional e internacional. Ao final deste trabalho científico, é possível concluir a importância do voto do Min. Luiz Roberto Barroso para que a questão do aborto ganhe mais espaço no Congresso Nacional, bem como na Suprema Corte. O voto não possui força vinculante, mas, constitui um marco de fortalecimento para o movimento feminista e, consequentemente, para que a descriminalização do aborto seja desprovida de engesso de dogmas retrógados e machistas, que apenas fomentam a desigualdade de gênero e suprime os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Palavras–Chave: Aborto. Violação. Direitos Humanos. Voto. Descriminalização.
ABSTRACT: The general objective of this scientific article rests on the analysis of the vote of Min. Luiz Roberto Barroso in the records of HC nº 124.306/RJ, when defending the unconstitutionality of the criminal classification of abortion in the face of the violation of women's human rights. To this end, the methodological procedures of a bibliographic research were adopted, following a qualitative approach to the information and data collected. The nature of exploratory and descriptive research is also highlighted, given the emphasis on detailing the sociocultural genesis that underlies discussions on the topic of abortion in Brazil. In order to achieve success in the purpose of this study, specific objectives were established to discuss the socio-family context of patriarchy, analyze the types of abortion provided for in the current criminal law and, finally, contextualize women's human rights at the national and international level. At the end of this scientific work, it is possible to conclude the importance of the vote of Min. Luiz Roberto Barroso for the abortion issue to gain more space in the National Congress, as well as in the Supreme Court. The vote has no binding force, but it constitutes a framework for strengthening the feminist movement and, consequently, for the decriminalization of abortion to be devoid of plastering retrograde and sexist dogmas, which only foster gender inequality and suppress sexual rights. and reproductive health of women.
Keywords: Abortion. Violation. Human Rights. Vote. Decriminalization.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente são cada vez mais comuns casos em que mulheres correm riscos de vida ou de lesões e sequelas graves em razão da prática de abortos clandestinos, haja vista que, em proteção a conceitos religiosos e demagogos, pautados na antiga instituição patriarcal, ainda persiste a criminalização do aborto no ordenamento jurídico penal vigente.
Assim, embora o movimento feminista tenha crescido nas últimas décadas e, especialmente, lutado contra a desconstrução de valores patriarcais, machistas, sexistas e religiosos, que fomentam a desigualdade de gênero, a questão da sexualidade e direitos reprodutivos das mulheres ainda é vista com um tabu e sofre fortes resistências, de modo a permanecesse engessadas por falsos valores morais que representam interesse utópico de uma parcela da sociedade brasileira, mas, se constituem em verdadeiros equívocos sociojurídicos, diante da famigerada garantia dos direitos da mulheres.
Neste contexto, a pesquisa ora pretendida surge em decorrência do histórico voto do Min. Luiz Roberto Barroso que, nos autos do Habeas Corpus n.º 124.306/RJ desmistificou muitos argumentos retrógados que servem alicerce para a perpetuação da tipificação penal do aborto e, sobretudo, traz ênfase jurídica a questão, sob a ótica dos direitos fundamentais das mulheres que encontram-se oprimidos e violados pela criminalização do aborto.
Diante disso, a presente temática justifica-se pela relevância sociojurídica em enfatizar as questões de gênero, propiciando um campo fértil de análise das desigualdades e das hierarquias sociais decorrentes da criminalização do aborto e as decisões que sucedem desta deliberação. Assim, considera-se que está pesquisa acerca das discussões para a descriminalização do aborto, suscitadas a partir do voto do Min. Luiz Roberto Barroso é de fundamental importância para a sociedade, no sentindo de elucidar e explanar pontos e questões que muitos desconhecem, e apenas narram o senso comum que é perpetuado por valores patriarcais e religiosos.
Logo, este trabalho tem como objetivo geral analisar os argumentos do Min. Luiz Roberto Barroso para descriminalização do aborto apresentados em seu voto no HC n.º 124.306/RJ, estabelecendo, para tanto, como objetivos específicos: discorrer sobre o contexto sociofamiliar do patriarcado; analisar os tipos de aborto previsto na norma penal vigente e, por fim, contextualizar os direitos humanos das mulheres no plano nacional e internacional.
Trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica, pautada na análise e interpretação de leis, doutrinas e artigos científicos pertinentes ao tema, seguindo uma abordagem qualitativa como método de interpretação das informações e dados coletados. O artigo científico ainda possui os contornos de pesquisa exploratória e descritiva, diante da ênfase em investigar as origens da problemática enfocada e como a mesma manifesta-se na realidade social.
2 O CONTROLE SOBRE CORPO E A SEXUALIDADE DA MULHER A PARTIR DA ANTIGA ESTRUTURA PATRIARCAL
Inicialmente, para melhor compreensão sobre a criminalização do aborto e, consequentemente, as fortes resistências socioculturais para que ocorra a descriminalização, é indispensável traçar um relato, ainda que breve e sucinto, sobre a construção axiológica do sistema patriarcal e seus reflexos no ordenamento jurídico, servindo na atualidade de mecanismo de controle do corpo e sexualidade da mulher.
O patriarcado originou-se na Grécia Antiga, a partir da composição piramidal adotada pelas famílias gregas da época, em que o pater (marido) encontra-se no topo da estrutura familiar, sendo hierarquicamente superior à esposa e aos filhos. Na qualidade de chefe familiar, o pater tinha poderes irrestritos, enquanto aos demais membros da família cabia tão-somente cumprir as ordens do patriarca, de modo que ato de rebeldia e/ou desobediência eram veementemente punidos e, socialmente aceitos. Assim, o pater não tinha apenas controle absoluto sobre o patrimônio familiar, mas também sobre o corpo da esposa e filhos, uma vez que podia castiga-los como quisesse, inclusive, tirar-lhes a vida ou vendê-los como escravos. (DIAS, 2015).
Neste contexto, é a partir do surgimento e expansão do modelo familiar patriarcal na Europa e, posteriormente, para o continente americano com a colonização portuguesa e espanhola, que difundiu um conjunto ortodoxo de valores sociais e religiosos de opressão as mulheres e negativa de liberdade e reconhecimento de direitos.
Como aponta Safiotti (2015), o modelo familiar da Grécia Antiga associado aos dogmas da Igreja Medieval que defendia a submissão feminina e a perseguição e execução das mulheres que tivessem um comportamento diverso aos valores puritanos remodelaram o patriarcado, de modo que a partir da Idade Média ele tornou-se uma força política e jurídica que legitimava o controle sobre as mulheres e a restrição de direitos, perdurando tais entendimentos até o século passado.
Desta forma, as mulheres eram vistas como meros objetos dos homens, tendo como finalidade a satisfação dos desejos sexuais masculinos e a procriação. A ideia de interromper uma gravidez era inconcebível, uma vez que havia a valorização de famílias robustas, com muitos descendentes e ainda, a decisão sobre tais assuntos competia exclusivamente ao homem.
Corroborado por valores religiosos, o sistema patriarcal defendia a figura da esposa recatada e obediente, cujas realizações da vida restringiam-se ao matrimônio e à maternidade. Não havia margens para outros sonhos e metas, não se discutia os anseios e desejos femininos, pois as normas sociais e estatais eram instrumentos de marginalização das mulheres, atribuindo a elas exclusivamente aos papéis de esposa e mãe.
Dentre as instituições que contribuem para o controle da sexualidade no ocidente ao longo da história coube um importante lugar à Igreja Católica. O assunto esteve presente em algumas das encíclicas papais, dentre elas a Apostolicae Sedis, lançada em 1869 pelo Papa Pio IX, onde é oficialmente abordado um posicionamento construído ao longo do século XVIII: o aborto, em qualquer circunstância, é considerado um pecado contra a vida. (PORFÍRO; LACERDA; MEDEIROS, 2015, p.3).
A Igreja defendia o matrimônio como sacrossanto e a inviolabilidade da vida, servindo de paradigma do patriarcado. Assim, o sistema jurídico civilista legitimava o controle dos homens sobre as mulheres, inferiorizando-as e fomentando a desigualdade de gênero, prova disso era que o retrógado e já revogado Código Civil de 1916 considerava as mulheres relativamente incapazes para os atos cíveis. Além de discriminar relações conjugais não matrimoniais, sobretudo a mulher e os filhos advindos destes relacionamentos (DIAS, 2015).
E, na esfera penal, a personificação da dominação sobre o corpo e a sexualidade da mulher se concretizou através da criminalização do aborto no Código Penal de 1940, vigente até os dias atuais, ao passo que as normas estatais, para proteger o modelo patriarcal e os valores religiosos que o legitimavam, retirou das mulheres sua autonomia e liberdade reprodutiva.
Diante disso, merece destaque as palavras de Safiotti, abaixo transcritas:
Uma sociedade profundamente patriarcal tenderá a eleger representantes que refletem essa ideologia e reproduzirão normas neste caráter; normas estas, que exercerão o controle do corpo e da sexualidade da mulher. Ou seja, o sistema-jurídico é o reflexo da sociedade, e como a sociedade é patriarcal, ele também o é. (SAFIOTTI, p. 52, 2015).
Pelo exposto, cumpre salientar que a Constituição Federal de 1988 rompeu com o patriarcalismo, e determinou a igualdade entre homens e mulheres, inclusive no âmbito das relações familiares, mas, este panorama constitucional é insuficiente para real e concreta materialização dos direitos das mulheres, especialmente aqueles que abrangem sua autonomia sexual e liberdade reprodutiva, pois, os instrumentos jurídicos de controle e dominação do corpo feminina ainda persistem nas normas vigentes e possuem defensores ferozes.
Isto ocorre porque os valores patriarcais ainda encontram-se difundidos no amago sociocultural, imperando dogmas machistas e sexistas, resultando na perpetuação da desigualdade de gênero. O movimento feminista, neste contexto, tem um caráter pedagógico, na medida em que busca a desconstrução dos valores sociofamiliares que ainda legitimam a existência de instrumentos jurídicos para fins reprodutivos e natalícios e, favorecem a cultura patriarcal, em detrimento dos direitos das mulheres.
3 CONCEITO ANALÍTICO DO CRIME DE ABORTO
Conforme discorrido na seção anterior, a criminalização do aborto é um reflexo de dogmas religiosos, associados ao antigo sistema patriarcal, que legitimava a cultura da inferioridade da mulher e o controle da sua sexualidade e capacidade reprodutiva pelo homem.
Dando continuidade à temática da criminalização do aborto, há divergência na análise do conceito doutrinário de aborto, pois o criminalista Júlio Fabbrini Mirabete esclarece em seu conceito que o aborto não significa necessariamente a expulsão do feto:
O aborto é a interrupção da gravidez e a destruição dos produtos da concepção. É a morte de um óvulo (até três semanas de gestação), embrião (três semanas a três meses) ou feto (após três meses) e não significa necessariamente expulsão. (MIRABETE, 2011, p. 93).
Diante disso, acrescenta-se que, no Brasil, o aborto é um crime raramente punido pelas leis que envolvem tais crimes, bem como não recebe atenção suficiente devido à incapacidade da prática jurídica nos casos mais amplos de gravidez indesejada (SCAVONE, 2008).
De acordo com o Código Penal, o aborto é uma ofensa, uma violação do direito à vida, neste caso, do nascituro. A configuração (consumação) do crime pressupõe o feto no útero, a interrupção da gravidez e, portanto, a consequente morte do feto. O Código Penal não faz distinção entre óvulo fecundado, embrião ou feto quando regulamenta o aborto, bastando que a gravidez seja interrompida antes do período normal para consumação do crime de aborto.
O aborto é um crime artístico clássico, estando tipificado nos artigos 124 ao 128 do Código Penal, in verbis:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
Pena - detenção, de um a três anos.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (BRASIL, 1940)
Observa-se que independentemente do estágio da gravidez, levar à sua interrupção constitui crime de aborto. Ademais, destaca-se que além das hipóteses permissivas para a prática do aborto, descritas no artigo 128 do CP, a ADPF n.º 54 reconheceu a possibilidade de aborto, nos casos de comprovação de anencefalia, ou seja, no caso de deformidades mais graves.
3.1 ESPÉCIES DE ABORTO
Do ponto de vista médico, os seguintes termos são usados para definir os tipos de aborto: espontâneo, que pode ocorrer de forma acidental ou natural; induzido, que é intencional, também conhecido como interrupção voluntária da gravidez. Existem duas subcategorias de aborto, o aborto terapêutico, que pode ser usado para salvar a vida da mulher, preservar sua saúde física e mental e interromper uma gravidez que pode levar a problemas congênitos no bebê; e o aborto eletivo, que é causado por qualquer outro motivo de.
Quanto ao aborto espontâneo, algumas mulheres perdem sangue e pensam que estão menstruadas, mas, na verdade, elas conceberam e eliminaram o embrião. Estima-se que 25% das gestantes sofrem aborto espontâneo, sendo que ¾ ocorre no primeiro trimestre de gestação (ROVERATTI, 2016).
O aborto espontâneo pode acontecer em vários estágios. Os sintomas evoluem para: sangramento intenso, contrações fortes e abertura do canal cervical, seguida de expulsão do feto. Os abortos que ocorrem após 20 semanas de gestação muitas vezes deixam um remanescente uterino, que deve ser removido cirurgicamente (ROVERATTI, 2016).
Quando o embrião é gravemente anormal, à medida que a gravidez avança, parece que até o corpo da mãe percebe que há um grande problema com o desenvolvimento do bebê e opta por rejeitá-lo. Em alguns casos, os embriões apresentam deformidades ou alterações genéticas que caem naturalmente. Outras causas incluem incontinência cervical, malformações uterinas, displasia uterina, miomas, infecção embrionária (ROVERATTI, 2016).
Um aborto tardio é a interrupção intencional de uma gravidez, removendo o feto da cavidade uterina. Esse tipo de aborto ocorre por meio de medicação ou mecanicamente (ROVERATTI, 2016).
Algumas pílulas abortivas são fáceis de encontrar em algumas sociedades. Contém um medicamento que avisa que não deve ser usado em mulheres grávidas, pois contém uma combinação de ervas declaradas como pílula abortiva. Durante a Primeira Guerra Mundial, quando os abortos à base de chumbo se tornaram populares na zona rural da Inglaterra, os médicos adotaram a prática de investigar mulheres grávidas por envenenamento por chumbo, conhecido como envenenamento por chumbo, que causava cegueira e morte em mulheres grávidas.
Outro método de aborto é através de agulhas de tricô e crochê, lascas de madeira, velas, espetos e agulhas longas, que são introduzidas no útero com o objetivo de perfurá-lo ou danificá-lo. A placenta, que expulsa o feto do corpo da mulher, pode causar doenças graves e até a morte, ao usar soluções de lavagem intrauterina contendo iodo, sabão, vinagre e até soluções antissépticas (ROVERATTI, 2016).
O aborto induzido pode ocorre de várias formas, como dilatação ou corte, quando um dispositivo rasga o corpo do feto em pedaços. Aspiração ou sucção, que pode ser feita durante a 12ª semana do ciclo menstrual. A dilatação e curetagem envolve um dilatador cervical e uma cureta (uma ferramenta de aço semelhante a uma colher) que raspa suavemente o endométrio do embrião, a placenta e as membranas ao redor do embrião. Medicamentos e plantas, algumas substâncias são tóxicas e inorgânicas, como arsênio, antimônio, chumbo, cobre, ferro, fósforo e diversos ácidos e sais (ROVERATTI, 2016).
Essas plantas podem ser losma, auteia, alecrim, algodão, oleandro e várias ervas amargas. Um aborto espontâneo ocorre quando uma mulher não menstrua há menos de sete semanas. Os médicos realizam exames internos manuais para determinar o tamanho do feto e a posição do útero. Lave a vagina com solução antisséptica e, sob anestesia, prenda agulhas afiadas em até três pontos do útero ao corpo com um tipo chamado pinça de tração, depois segure um material plástico fino e flexível O tubo é inserido no útero. Um dispositivo de sucção é conectado a esta sonda e o endométrio e o produto de design são removidos. Intoxicação por sal, 16 a 24 semanas de gravidez. A anestesia local é aplicada no ponto entre o umbigo e a vulva que se estende além da parede abdominal, útero e membrana amniótica. A seringa aspira o líquido amniótico, que será substituído por soro fisiológico ou uma solução de prostaglandina. Asfixia, chamada de parto parcial, em que o bebê fica do lado de fora com a cabeça voltada para dentro. Um tubo é inserido no pescoço, o que causa morte encefálica (ROVERATTI, 2016).
Há as consequências do aborto induzido, como: sangramento, retirada de parte do útero, se o sangramento não for controlado. Infecção e bloqueio do tubo, levando à infertilidade. Há também consequências psicológicas, incluindo depressão, distúrbios neurológicos, insônia, várias neuroses e frigidez, que é a perda da libido. Isso leva a consequências tardias do aborto induzido, como danos às trompas de falópio que podem resultar de infecção pós-aborto, infertilidade em 18% das pacientes e aumento da porcentagem de abortos espontâneos em pacientes que já abortaram, entre outras consequências (ROVERATTI, 2016).
4 OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
O processo de positivação dos direitos humanos vivenciado a partir da segunda metade do século XX, com o reconhecimento constitucional destes direitos pelos países ocidentais, foi indispensável para extirpação do sistema patriarcal e, consequentemente, para o reconhecimento dos direitos das mulheres e adoção de mecanismos de repressão a desigualdade de gênero.
Embora muitos juristas, como Robert Alexy, defendam que a origem dos direitos humanos está adstrita ao lema da Revolução Francesa, a saber, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, as primeiras discussões sobre os direitos humanos remetem ao jusnaturalismo, quando se defendia a existência de um conjunto de leis naturais e universais, cuja observância era imprescindível para o ser humano, haja vista que são normas relacionadas a própria compreensão da existência e sobrevivência humana (COMPARATO, 2020).
Neste contexto, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, fruto da Revolução Francesa, e que consagrou o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, trata-se de uma reformulação dos direitos naturais, como instrumento de valorização do homem (no sentido de espécie humana, e não restrito ao sexo masculino), contra os desmandos governamentais das monarquias absolutistas. E, no século XX, os direitos naturais, agora sobre a nomenclatura de direitos humanos, vivencia um novo processo de reformulação, como resposta imediata aos horrores praticados contra a humanidade na Segunda Guerra Mundial (COMPARATO, 2020).
A banalização da vida humana durante a Segunda Guerra Mundial justificada por dogmas de supremacia racial e ideologias discriminatórias resultou em horrendos e cruéis massacres de milhares de pessoas. O fim do conflito bélico levou a comunidade internacional a rediscutir seus ordenamentos jurídicos e como eles fomentavam a intolerância e marginalizava grupos sociais.
No entendimento de Flávia Piovesan (2016, p. 28): “se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução”. Isto porque, os anos posteriores foram caracterizados pela reconstrução dos valores político-jurídicos que emergiram na criação do Estado moderno e na constitucionalização dos direitos humanos, sobre o prisma do princípio universal da dignidade da pessoa humana.
Neste cenário, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 é o marco normativo para promoção e tutela dos direitos humanos pela comunidade internacional, servindo de paradigma para os Estados iniciarem um processo de adequação das normas internas aos ideários humanitários ratificados na Declaração de 1948, de modo o resultar na constitucionalização destes direitos.
Seguindo o contexto internacional, o Brasil incorporou o espírito humanitário e a supremacia da dignidade da pessoa humana através da Constituição Federal de 1988, marco normativo do processo de redemocratização, após a vivência de 21 anos sob a governança ditatorial de militares.
Resguardando notoriedade e relevância jurídica aos direitos humanos, o Estado brasileiro, através da Constituição de 1988 assume o compromisso de lutar contra as distorções sociais, especialmente aquelas fundadas em dogmas discriminatórios e preconceituosos, bem como estabelecer uma política inclusiva para os grupos marginalizados, dando ênfase a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade individual.
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;
(...)
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
II – prevalência dos direitos humanos; (BRASIL, 1988).
Este novo panorama constitucional abriu precedentes para discutir a existência de dogmas patriarcais que restringiam o exercício pleno de direitos humanos das mulheres, como a autonomia reprodutiva e a liberdade sexual, deixando-as reféns das políticas de natalidade do Estado e a imposição da maternidade compulsória.
Diante disso, observa-se a disparidade da criminalização do aborto pelo Código Penal, quando o artigo 226, §7º da Constituição Federal de 1988 atribui aos homens e às mulheres o poder decisório acerca do planejamento familiar, assegurando a autonomia e liberdade das pessoas quanto à questão reprodutiva.
Neste contexto, a temática dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres ganha notoriedade discursiva com a Conferência Mundial de População e Desenvolvimento de 1994 e Conferência Mundial da Mulher de 1995, documentos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.
A Conferência Mundial de População e Desenvolvimento de 1994 é considerada um marco normativo para a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, pois constitui a primeira discussão e, especialmente, questionamento das políticas demográficas e de natalidade estatais sob o prisma da violação dos direitos humanos (VENTURA, 2019).
Independentemente de dogmas religiosos, filosóficos, políticos ou ideológicos, é o princípio da dignidade da pessoa humana que norteia o sistema normativo e ainda, confere as mulheres a capacidade de autodeterminação como pessoa e ser racional, ciente da sua própria existência e controle sobre o próprio corpo.
É amparado por este princípio que a liberdade reprodutiva das mulheres constitui um direito de caráter personalíssimo, sendo, portanto, um direito humano fundamental, vez que é indispensável à própria condição humana, cabendo ao Estado Democrático reconhecer, promover o seu respeito, efetivá-los e, por fim, readequar suas normas para viabilizar a autonomia e liberdade sexual e reprodutiva das mulheres (VENTURA, 2019).
Neste contexto, Miriam Ventura apresenta a seguinte definição para os direitos reprodutivos e sexuais:
Os direitos reprodutivos são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e responsável, da sexualidade e reprodução humana. É, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir sobre o número de filhos e os intervalos entre os seus nascimentos, e ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza. (VENTURA, 2019, p.19).
Diante do exposto, cabe mencionar que a sexualidade da mulher e a maternidade sempre foram discutidas social e juridicamente sob o enfoque do sistema patriarcal, de modo que ao longo dos séculos atribuiu-se as mulheres o exercício do sacerdócio maternal, não possibilitando a oportunidade de qualquer outra aspiração.
Neste contexto, a Conferência Mundial de População e Desenvolvimento de 1994 demonstra que a limitação do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é um reflexo da desigualdade de gênero, pois, enquanto homens tem autonomia e liberdade para traçar seus planos e sonhos pessoais, as políticas demográficas tendem a atribuir as mulheres concretização forçada da maternidade.
Dando maior ênfase ao tema, após a Conferência de 1994, realizou-se no ano seguinte a Conferência Mundial da Mulher em Pequim, na China, na qual se reconheceu que, assim como a vida, a liberdade, a igualdade, dentre outros, a sexualidade e a reprodução humana também constituem elementos que integram a noção de condição humana, abarcando, inclusive, a liberdade de escolha pelo exercício ou não da maternidade, não podendo esta decisão ser objeto de deliberação estatal.
Neste sentido, Dworkin leciona que:
Uma mulher que seja forçada pela sua comunidade a carregar um feto que ela não deseja não tem mais o controle sobre o seu próprio corpo. Ele lhe foi retirado para objetivos que ela não compartilha. Isto é uma escravização parcial, uma privação da liberdade. (DWORKIN apud SARMENTO, 2015, p. 45)
Pelo exposto, observa-se que a criminalização do aborto violação o direito à liberdade das mulheres, contribuindo para o estereótipo patriarcal da mulher esposa e mãe, de modo a ferir sua dignidade como pessoa humana e restringindo sua autodeterminação sobre seu corpo e a maternidade.
5 O HABEAS CORPUS 124.306 COMO RESULTADO DAS REIVINDICAÇÕES DAS MULHERES NA LUTA PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL
O arcabouço teórico construído até o presente momento é indispensável para compreensão desta seção, haja vista que nela repousa o principal objetivo deste estudo: discorrer sobre o voto do Min. Luís Roberto Barroso no HC 124.306/RJ e sua importância sociojurídica para tutela dos direitos das mulheres na questão da descriminalização do aborto.
Inicialmente, é importante trazer algumas informações e dados antecedentes sobre o caso envolvendo a impetração do referido remédio constitucional. O caso em análise teve início na 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, quando integrantes de uma clínica clandestina que realizavam abortos, foram acusados pelo crime constante no art. 126 culminado com art. 127 do Código Penal, em razão do falecimento de 02 (duas) pacientes que realizaram o aborto clandestino. Ajuizada a persecução penal pelo Ministério Público, o juízo a quo concedeu liberdade provisório aos envolvidos, mas o Parquet recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, requerendo a prisão preventiva dos acusados, logrando êxito na 2ª instância. A decisão pela manutenção da prisão preventiva dos acusados pelo Tribunal fluminense resultou na impetração do Habeas Corpus n.º124.306 perante o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2014).
Para justificar a cerceamento da liberdade dos acusados, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, adotando um discurso conservador e, implicitamente eivados de dogmas patriarcais, em que discorre sobre a gravidade do crime de aborto para a sociedade, renegando a marginalização jurídica as verdadeiras vítimas, ou seja, milhares de mulheres que recorrem a ilegalidade, pois esbarram em normas que reprime seus direitos, ao invés de tutelá-los.
Neste contexto, é imprescindível trazer um dos argumentos do Min. Luiz Roberto Barroso nos autos do HC 124.306/RJ, in verbis:
Deixe-se bem claro: a reprovação moral do aborto por grupos religiosos ou por quem quer que seja é perfeitamente legítima. Todos têm o direito de se expressar e de defender dogmas, valores e convicções. O que refoge à razão pública é a possibilidade de um dos lados, em um tema eticamente controvertido, criminalizar a posição do outro. Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as mulheres façam sua escolha de forma autônoma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O Estado precisa estar do lado de quem não deseja –geralmente porque não pode ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado não pode escolher um. (BRASIL, 2016, p.14).
No acórdão da Suprema Corte, seguindo o entendimento explanado pelo Min. Luiz Roberto Barroso, evidenciou-se a discrepância sociojurídica do crime de aborto que, visa a tutela de elementos morais de natureza religiosa e advindos do antigo sistema familiar patriarcal, sendo que vive-se um Estado Laico desde a Revolução Francesa e, o patriarcado, sequer é mais legitimado pelas normas constitucionais vigentes. Assim, para proteger uma parcela da sociedade, a norma penal vem suprindo direitos fundamentais de milhares de mulheres.
Utiliza-se como argumento social a criminalização do aborto o fato da religião predominante no país ser o Cristianismo, no entanto, é importante destacar, mais uma vez, a laicidade do Estado Brasileiro e, principalmente, a multirracialidade da sociedade brasileira, composta por diversas etnias, culturais e religiões, não cabendo espaço para superioridade de uma sobre as demais.
Assim, em seu voto, o Min. Luiz Roberto Barroso destaca uma falsa moralidade social que, explicitamente “repudia” o aborto, mas, implicitamente recorrem a clinicas clandestinas para realizarem tais práticas, em face, tão-somente do arcaico Código Penal que, sendo fruto da década de 40, possui em sua gênese a tutela dos valores patriarcais da época, ao passo que é incompatível com o contexto constitucional vigente e o panorama internacional de proteção dos direitos humanos.
O tratamento penal dado ao tema, no Brasil, pelo Código Penal de 1940, afeta a capacidade de autodeterminação reprodutiva da mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a maternidade, sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada. E mais: prejudica sua saúde reprodutiva, aumentando os índices de mortalidade materna e outras complicações relacionadas à falta de acesso à assistência de saúde adequada. (BRASIL, 2016, pp. 10-11).
Pelo exposto, observa-se a crítica do Min. Luiz Roberto Barroso à percepção penal dada a questão do aborto e que, além de consistir uma violação aos direitos fundamentais das mulheres, ainda caracteriza em uma problemática de saúde pública, haja vista que a criminalização leva muitas mulheres a prática do aborto de forma clandestina e por métodos insalubres e/ou inapropriados, contribuindo para resultados como morte, lesões graves, esterilidade.
No Brasil, o aborto é uma questão de saúde pública, penalizando mais severamente as mulheres negras, pobres e jovens que acessam os serviços públicos de saúde para finalizar um aborto iniciado em condições inseguras. Os abortos acontecem, na maioria das vezes, através de procedimentos realizados sem assistência adequada, sem nenhuma segurança e em ambientes sem os mínimos padrões sanitários, com possibilidades de complicações pós-aborto, como hemorragia, infecção, infertilidade e/ou morte. Parte destes casos chega às maternidades públicas como abortamento incompleto. (GALLI; VIANA; SHIRAIWA, 2020. p.7)
Neste contexto, é importante mencionar sobre a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, vez que a criminalização do aborto renega a milhares de mulheres a oportunidade de tratamento adequado e seguro, deixando como única opção a sujeição às práticas clandestinas e precárias que colocam em risco suas vidas e integridades físicas.
Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive o de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida. (BRASIL, 2016, p. 9).
Pelas palavras do Min. Luiz Roberto Barroso, na relatoria do HC n.º 124.306/RJ, é inconcebível o Estado, um ente impessoal, interferir diretamente na vida particular de uma mulher, tirando-lhe a autonomia sobre o próprio corpo e impondo-lhe o encargo de uma maternidade não desejada.
A criminalização do aborto não fundamenta-se na tutela da moralidade coletiva, mas, na proteção de conceitos religiosos, que reafirmam o machismo e o retrógado sistema patriarcal. Assim, embora existam posições favoráveis e desfavoráveis a criminalização do aborto, o ponto de equilíbrio para análise do tema pelos legisladores e juristas repousam nos princípios e direitos fundamentais que alicerçam o ordenamento jurídico vigente.
Se, no passado, o sistema jurídico vigente era caracterizado pela marginalização e privação de direitos as mulheres, hodiernamente, as leis buscam equidade e justiça social, assegurando um conjunto de direitos individuais indispensáveis da materialização das concepções ontológicas do princípio da dignidade humana.
Como falar em igualdade de gênero, quando a lei impõe a maternidade compulsória, enquanto homens podem exercer plenamente o domínio dos seus corpos e o planejamento familiar? Como falar em dignidade humana quando a criminalização do aborto leva muitas mulheres a se submeterem a condições desumanas e que colocam em risco a suas vidas? Como falar em liberdade quando a lei retira de uma mulher a liberdade de escolha pela maternidade e a obriga ser mãe de um ser indesejado?
Neste contexto, o Min. Luiz Roberto Barroso afirma que:
A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. (BRASIL, 2016, p.1-2).
Diante do exposto, destaca-se que o primoroso texto do voto do Min. Luiz Roberto Barroso não é inovador no sentido de pontuar e discutir os direitos humanos das mulheres violados pela perpetuação da criminalização do aborto, pois o movimento feminista, nas últimas duas, três décadas, ecoam essa questão e clamam pela dignidade e respeito das mulheres. A importância desde voto nos autos do HC n.º 124.306/RJ repousa em dá ênfase e visibilidade a este clamor, que é silenciado em face de valores “morais” pautados na instituição patriarcal e com forte teor religioso.
Neste contexto, cumpre salientar que a pauta do HC n.º 124.306/RJ não era a criminalização ou descriminalização do aborto, mas a existência dos pressupostos legais ensejadores da prisão preventiva de réus acusados pela prática do crime de aborto. Mas, essa discussão se mostrou oportuna e indispensável, haja vista que era latente que o acórdão do tribunal estadual fluminense não se justificava com base na norma processual penal, muito pelo contrário, apresentava como argumentos a proteção ao repúdio de uma parte da sociedade ao crime de aborto.
Por fim, entende-se que as discussões suscitadas pelo Min. Luiz Roberto Barroso no julgamento do Habeas Corpus n.º 124.306/RJ, especialmente ao afirmar que a tipificação do aborto é inconstitucional, pois é incompatível com o pensamento constitucional contemporâneo e viola direitos humanos das mulheres, servindo, tão-somente como sustentáculo para a sobrevivência da sociocultural de valores patriarcais, embora não possuía força vinculante, abre margens para discussões legislativas mais sérias e desprovidas de demagogia moralista.
Ademais, a criminalização do aborto transcende a esfera da segurança pública, sendo uma problemática sociocultural que reflete na acentuação da desigualdade de gênero e na opressão dos direitos das mulheres e, neste sentido, o voto do Min. Luiz Roberto Barroso é importante, na medida em que descortinar essa realidade e impulsiona uma nova perspectiva de discussão para a descriminalização do aborto.
6 METODOLOGIA
O trabalho foi desenvolvido a partir da realização de uma revisão literária, de modo que o estudo classifica-se da seguinte forma: qualitativo que, segundo a sua finalidade é de natureza exploratória e descritiva. No tocante aos meios utilizados na aquisição de dados, este é classificado como bibliográfico, haja vista a utilização de livros, artigos científicos, dissertações, dentre outros materiais impressos ou disponibilizados no meio eletrônico.
A pesquisa utilizou de meios eletrônicos relacionados à divulgação de informações e de comunicação, procurando constatar como a problemática do estudo ocorre e interfere, de fato, na sociedade, tendo como palavras-chave pesquisas que reportem sobre a violação de direitos das mulheres, a partir da perpetuação da criminalização do aborto. Portanto, essa pesquisa fez um resgate bibliográfico, analisando e verificando as informações e aspectos que possuem correlação com a temática enfocada.
7 CONCLUSÃO
O presente artigo científico teve como finalidade discorrer sobre a problemática da criminalização do aborto, tendo como objeto de estudo o voto do Min. Luiz Roberto Barroso no julgamento do Habeas Corpus n.º 124.306/RJ, em que é apresentado por ele argumentos relevantes para discutir a necessidade de descriminalizar essa prática, em face da gritante violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, fomentando as desigualdades de gênero e a marginalização sociojurídicas feminina.
Neste contexto, para compreensão da temática suscita, inicialmente apresentou-se a contextualização da instituição patriarcal desde sua gênese na antiga sociedade grega até seu enraizamento sociojurídico na população brasileira, que através do Código Civil de 1916 e do Código Penal de 1940, constituíam instrumentos legais para estigmatização social e repressão aos direitos das mulheres.
Desta forma, dando continuidade ao estudo, discorreu-se sobre as formas de aborto tipificadas no vigente Código Penal de 1940, além de mencionar quais são os permissivos legais para a realização do aborto sem caracterizar o cometimento de um crime.
Posteriormente, analisou-se os direitos humanos das mulheres, através de uma breve e sucinta explanação histórica sobre os direitos naturais, a Revolução Francesa e o contexto pós Segunda Guerra Mundial, uma vez que são marcos históricos para o processo de afirmação e desenvolvimento dos direitos humanos e, consequentemente, para o reconhecimento e garantia dos direitos das mulheres.
Este embasamento teórico possibilitou compreender a relevância sociojurídica do voto do Min. Luiz Roberto Barroso no HC n.º 124.306/RJ, para demonstrar a violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres diante da continuidade no ordenamento penal vigente da criminalização do aborto.
Embora o objetivo de julgamento do referido remédio constitucional repousasse sobre o preenchimento ou não dos requisitos legais da prisão preventiva, era evidente que o cerceamento da liberdade dos pacientes encontrava raízes nos dogmas conservadores e moralistas relacionados a questão do aborto e não nos pressupostos impostos na norma processual penal.
Assim, conclui-se que as discussões e questionamentos levantados pelo ministro da Suprema Corte foram oportunos, dando ênfase a luta do movimento feminista por dignidade, autodeterminação, igualdade e liberdade, bem como demonstra que não há mais espaço para perpetuação de conceitos morais retrógados e com forte teor religioso e patriarcal no ordenamento jurídico, e, desta forma, o crime de aborto é inconstitucional.
Ademais, as palavras do Min. Luiz Roberto Barroso em favor dos direitos das mulheres e pela descriminalização do aborto não resolvem o problema, haja vista que seu voto não possui força vinculante, mas, sem sombras de dúvidas, abre margens para discussões no âmbito legislativo e, eventualmente, pelo Supremo Tribunal Federal para legalização do aborto e garantia, desta forma, da autodeterminação, igualdade, dignidade e liberdade das mulheres quanto aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Nicole França. A descriminalização do aborto: uma análise do voto do Min. Luiz Roberto Barroso no HC nº 124.306/RJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58298/a-descriminalizao-do-aborto-uma-anlise-do-voto-do-min-luiz-roberto-barroso-no-hc-n-124-306-rj. Acesso em: 23 dez 2024.
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