RESUMO: O presente trabalho visa explorar por meio de uma pesquisa bibliográfica a questão do direito à adoção por famílias homoparentais no Brasil. Verificou-se ao longo da pesquisa que, do ponto de vista jurídico, a questão é simples e encontra entravamento apenas na questão político legislativa, e que as soluções se apresentam por meio de instrumentos decorrentes de decisões judiciais que de forma anômala fazem o papel do judiciário tornar-se o do usurpador in bona partem. Concluiu-se que o direito à adoção homo parental é abarcado pelos princípios contidos nas convenções sobre direitos humanos, em que pese decorrer do reconhecimento da união estável civil entre casais homoafetivos e não de um direito naturalizado em si. Evidencia-se a necessidade de a norma dirimir os conflitos, incluindo-se a afirmação pela permanência do Estado democrático de Direito diante de uma situação política polarizada que pode levar a retrocessos, inclusive na situação das liberdades e direitos fundamentais do país no estado em que se encontram após décadas de lutas e conquistas sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Adoção; Famílias homoparentais; União civil estável homo afetiva.
INTRODUÇÃO
A homossexualidade sempre foi um comportamento presente na história da humanidade. A espécie humana se encontra entre aquelas em que a prática inequívoca da relação sexual intergênero se faz presente se não majoritariamente, pelo menos em uma fração significativa percentual, ao ponto de indivíduos homossexuais comporem sempre uma minoria importante em todas as sociedades.
À medida em que as sociedades humanas evoluíram para modelos civilizacionais estatais oligárquicos, abandonando o modo tribal de vida que tinha sua regulação própria, com instituição de rituais xamãnicos e tabus, dois fenômenos passaram a se apresentar de maneira generalizada: a divisão sexista do trabalho se transformou em uma colocação da mulher como um indivíduo de segunda categoria na sociedade e a homossexualidade de tolerada e até mesmo vista como algo naturalizado, passou a ser vista como perversão do ponto de vista comportamental e abominação do ponto de vista religioso.
Após todo um périplo de evolução social, da ascensão do cristianismo no ocidente, passando pela revolução iluminista do final do século XVIII e o pós-guerra no final dos anos 1940, particularmente neste ocidente cultural que tem por base a Europa, um Estado do bem estar social que se funda em tese nos direitos humanos passou a ser implementado na forma de agenda internacionalista, em que dentre várias temáticas tidas até então como controversas, como o aborto, a legalização ou descriminalização das drogas, o divórcio, os direitos e da mulher e – os direitos das populações homossexuais de não serem vítimas de preconceitos exsurgiram com uma força política no cenário dos debates.
Em 17 de maio de 1990, uma decisão da OMS (Organização Mundial da Saúde) (Fonte: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/ha-21-anos-homossexualismo-deixou-de-ser-considerado-doenca), retirou o sufixo “ISMO” que indica doença da palavra homossexual. Até a data, homossexualismo era considerado uma doença, e a forma correta a partir de então passou a ser designada de HOMOSSEXUALIDADE, que se refere à condição da opção sexual da pessoa humana.
O movimento político em prol dos direitos das pessoas homossexuais ganhou tanta força que criou um tabu em si mesmo, uma espécie de preconceito reverso. Pesquisas científicas sobre homossexualidade deixaram de ser feitas, mesmo em benefício da própria comunidade que atualmente se denomina em sua multiplicidade interna de LGTBQUIA+. A tal ponto o tema virou tabu que recentemente houve uma séria discussão sobre o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) incluir ou não dados na pesquisa do censo do país sobre a temática (Fonte: https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2022/03/25/mpf-ac-questiona-decisao-do-ibge-de-inserir-dados-sobre-populacao-lgbtqia-em-pesquisa-de-saude-e-nao-no-censo).
No campo político, no entanto, as populações LGTBQUIA+ focaram em direitos civis com uma luta árdua, mas que obteve sucesso, no Brasil especialmente com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 (Fonte: https://www.conjur.com.br/2021-mai-05/decisao-reconhece-uniao-estavel-homoafetiva-faz-10-anos).
Isto devido ao fato de que o artigo 1723 do CCB em seu caput que insere a tratativa da união civil estável define a mesma como uma união intergêneros.
Solução juridicamente efetiva, o reconhecimento de famílias homoparentais por força de decisão interpretativa abre espaço para a adoção homoparental com seus diversos vieses de apresentação na forma.
O conflito se transfere para o campo cultural, educativo, do combate ao preconceito. No presente artigo, de forma exploratória e qualitativa, com base em pesquisa fulcrada em documental e literatura bibliográfica, buscou-se descrever de maneira clara, sintética e objetiva um apanhado da questão da adoção homoparental no país diante das conquistas já alcançadas e dos desafios do porvir.
1 DESENVOLVIMENTO
O Brasil vive um pós-modernismo cultural e político. Desde a revolução colorida de 2013 que culminou com o impedimento da presidente Dilma Rousseff, o país, democrático e sem inflação, vem se transformando em um país com inflação e com tendências políticas neonazistas.
Grupos conservadores emergem de toda a parte da sociedade, das igrejas protestantes e católica, de setores acadêmicos, da justiça, do ministério público, das polícias civil e militar, de todos os espectros das classes sociais e matizes étnicos. Pessoas pretas defendem ideias nazistas, pessoas homossexuais defendem ideias nazistas, judeus defendem ideias nazistas, cristãos defendem ideias nazistas.
Em meio a este paradoxo societário, em reforço à situação delicada destas incongruências, o Brasil avança no campo humanitário conferindo direitos às populações pobres, pretas, mulheres, defendendo as populações diante de ataques sucessivos a seus direitos e protegendo as populações LGTBQUIA+.
Na subdivisão dos tópicos a seguir do presente desenvolvimento, especificamente, serão abordados estes avanços em relação aos direitos das populações LGTBQUIA+ em relação aos seus direitos civis no que tange ao reconhecimento familiar homoparental e a adoção homoparental.
1.2 Família: um direito de todos
Quer seja no que se concebe como Oriente ou Ocidente na atualidade, desde a antiguidade remota, no que tange à concepção familiar, sempre imperou o conceito de legitimidade parental. Imperou também o reconhecimento da união marital como algo pertinente a sexo intergênero.
Curiosamente, porém, a legitimidade familiar não era exclusividade da formação de laços consanguíneos, sendo a adoção uma forma plenamente aceita de laço parental, só revogada a partir do direito medievo, enquanto costume aceito. De faraós egípcios, passando por imperadores romanos até os mongóis, a adoção era algo naturalizado.
Mas no ocidente medieval, por uma conjunção dos direitos canônicos que se sobrepuseram ao direito civil romano, com a necessidade de legitimar as coroas barbáricas que se formavam em novos reinos após a queda do império romano no ocidente, prevaleceu o direito à sucessão com base na consanguinidade, na primogenitura e no patriarcado.
Tal modelo medievo prevaleceu no Brasil até os anos 1970 quando começou a ser contestado pela sociedade, com a busca pelo direito ao divórcio, igualdade de gênero, reconhecimento de filhos na linha sucessória – o que ainda era um problema devido à questão probante, não havia exames de DNA a época, e tal questão poderia se arrastar sem sucesso por anos a fio nos tribunais.
Munhoz (2020), sobre os filhos havidos fora do casamento, remonta ao decreto 678/92 que recepciona o pacto de San José da Costa Rica no ordenamento pátrio, que em seu artigo 17, por sua vez, protege os direitos dos filhos havidos fora do casamento. Como a emenda 45 da CF/88 em seu texto prevê também a elevação de status dos tratados que o Brasil é signatário a condição de emenda constitucional, todo tratado passa quando recepcionado pelo ordenamento, a ter força de texto constitucional.
A autora ainda fala do histórico da questão no Brasil, quando Império, da admissão do filho natural mediante escritura pública ou testamento (em 1847). O decreto 181 de 1890 tratava da investigação de paternidade, já no advento da república. O Código Civil de 1916 por sua vez trazia em seu bojo muita discriminação, que foi em parte resgatada pelo Código Civil de 2002 que tem foco qualificado em torno da dignidade da pessoa humana.
Até o advento da CF/88, que em seu artigo 227, §6º proíbe qualquer tipo de designação discriminatória em relação à filiação, a lei brasileira era eivada de termos preconceituosos que estigmatizavam a pessoa humana nascida fora de uma relação marital formal heterossexual.
Não se aprofundando na questão, é importante observar que faz parte da luta em que se desdobra tanto o reconhecimento da união homoafetiva quanto da adoção homoparental sob a perspectiva histórica.
O princípio que dá legitimidade e confere por sua vez legalidade a adoção homoparental é, no entanto, efetivamente, o resultado da luta pelo reconhecimento da união estável homoparental.
E neste tocante também é necessário fazer um parêntese, não se tratando apenas da luta pelo reconhecimento da existência de fato de uma família homoparental, mas de toda e qualquer família que fuja ao arquétipo de um casal heterossexual que vive sob a égide de um contrato formal de casamento, muitas vezes referendado culturalmente pela via da cerimônia religiosa.
O que se entendeu é que na sociedade moderna, ultraexplorada pelo capitalismo neoliberal, em que os núcleos familiares são desagregados em função das disrupturas socioeconômicas, em que a disfuncionalidade é uma presença constante na célula mater das comunidades, família passa a ser qualquer núcleo de pessoas que convivem juntas, laboram conjuntamente pela sobrevivência, imperando os laços de afinidade sobre os laços de consanguinidade.
Martins (2014) aborda a temática sobre um aspecto particular, o da inépcia legislativa, que leva um suposto confuso ativismo judicial a tentar suprir lacunas que não são de sua alçada. Neste bojo estão a ADI 4277 e a ADPF 132, que, segundo o autor, em apertada síntese interpretativa aqui exposta, atacam o artigo 1723 do CCB, estendendo ao mesmo uma interpretação constitucional que modifica o entendimento sobre o artigo 226, §3º da CF/88, reconhecendo a união estável homoparental e por conseguinte, a mudança da interpretação do artigo 227, §5º, no que tange também à adoção. Seria muito mais correto a mudança do texto do CCB, do que uma decisão da Suprema Corte constitucional do país, não colegiada, acrescente-se de passagem.
Em linhas introdutórias de trabalho monográfico sobre a questão da união estável homoafetiva, Parreira (2010) coloca que:
A entidade familiar é a célula mater da sociedade por ser o núcleo onde os indivíduos desenvolvem sua personalidade e, portanto, recebe do Estado proteção especial. A sociedade sofreu inúmeras transformações ao longo dos séculos, que refletiram sobremaneira no Direito e, especialmente, no Direito de Família. As transformações ocorreram, sobretudo, nos papéis desempenhados por cada membro da família e na forma de constituição do núcleo familiar. Com o fenômeno da constitucionalização do Direito de Família e a adoção do princípio da pluralidade familiar, a família matrimonial perdeu o status de família legítima e outras espécies de família foram admitidas pelo ordenamento jurídico, passando a gozar da proteção especial que o Estado lhes confere. Mas, devido ao dinamismo das relações sociais, que muitas vezes o Direito não consegue acompanhar na mesma velocidade, outras formas de família surgiram e têm batido às portas do Judiciário em busca de proteção aos seus direitos. Tem crescido na sociedade brasileira - e não somente nesta - um novo modelo de entidade familiar: famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, essas famílias ainda sofrem com o preconceito e a intolerância e são marginalizadas por grande parte da sociedade, inclusive pelo próprio direito de família que, à semelhança do disposto na Carta Magna, não as contempla entre os tipos de entidades familiares constitucionalmente reconhecidas. Questiona-se se o rol trazido pela Constituição Federal é numerus clausus ou meramente exemplificativo. Ao analisarmos as disposições constitucionais juntamente com os princípios fundamentais que nela se encontram, chegaremos à conclusão que, para efetivar-se a dignidade humana é necessário garantir a todos a liberdade de conviver em comunhão de vida com quem desejar e assim ter condições de buscar a tão almejada felicidade. (PARREIRA, 2010 – p8/9).
Por mais que se questione, o indivíduo conservador racional, tem de reconhecer o contido no último trecho colacionado acima: um direito à felicidade que não necessariamente é igual a um conceito singular próprio. É isto que as cortes superiores no Brasil de forma questionável e torta na forma têm buscado pacificar na prática. O direito de ter reconhecido o seu meio próprio de vivenciar uma experiência familiar salvadora, edificante em seu objeto primeiro, independente de sua composição.
A autora, no segundo capítulo de sua monografia, (PARREIRA, 2010 – p16/32) elenca os princípios envolvidos, constitucionais, da dignidade da pessoa humana, do Estado democrático de Direito, da igualdade, da não discriminação, e, destaca-se, do afeto como fundamento das relações familiares e do Direito a felicidade.
O Direito à felicidade é presente na carta magna norte-americana e foi muito criticado quando o então senador Cristovão Buarque tentou inserir o mesmo na constituição brasileira. Mas é um direito que existe e é, em essência, a soma de toda evolução humana, se uma relação homoafetiva faz dois seres humanos felizes, e para completar esta relação o casal buscar cuidar e educar uma criança, então este direito deve ser preconizado e defendido.
Lopes et al (2013) resumem a questão com a seguinte abordagem:
Vê-se que, paralelamente ao casamento contrapõe-se a união livre, que também gera efeitos jurídicos. A família é um fenômeno social preexistente ao casamento, um fato natural. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta e, a partir daí, surge a problemática da união conjugal sem casamento. Alguns ordenamentos jurídicos, como o brasileiro, já reconhecem como entidade familiar o relacionamento decorrente da união estável; em outros, a legislação já reconheceu e concedeu certos direitos aos conviventes sem, no entanto, reconhecer como família a relação estável, pública e duradoura entre homem mulher que vivem como se casados fossem. Entende-se que a referida transformação vem ocorrendo em decorrência das mudanças comportamentais vivenciadas pela sociedade, que terminam por refletir, no direito, novas ideias e concepções. Ocorre que a sociedade ainda mantém uma postura discriminatória nas questões da homossexualidade, apesar de se proclamar defensora da igualdade e, em virtude deste preconceito, tenta-se excluir a homossexualidade do mundo do direito. A base do sistema jurídico brasileiro, bem como o português, é o respeito à dignidade humana, à liberdade e à igualdade. Sendo todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, inclui-se, obviamente, a orientação sexual que se optar. Destarte, a homossexualidade merece a tutela jurídica. (LOPES et al, 2013 – p3).
Para pontuar a citação acima em consonância com a temática ora abordada, é preciso alcançar uma dimensão para além da questão dos direitos civis dos homossexuais, da união estável homoafetiva. Do que se está falando afinal? O que se busca? O que se pretende?
É preciso explicitar que a luta contra o preconceito, a luta por direitos dos homossexuais, é uma luta por dignidade humana, que afeta a todos. Afeta outros direitos inclusive, de outros segmentos sociais, de outras minorias. Não se pode dar a um e não se dar a outro os benefícios da humanidade. Mas há algo mais.
A sociedade mundial que se vive na atualidade é baseada no regramento jurídico. Se por um lado há a submissão a tutela do Estado, por outro é esta mesma tutela que nos assegura os direitos. Da união estável homoafetiva, decorre uma série de consequências jurídicas, direito a pensões, direito a sucessão, obrigações como prestação de alimentos – e, é do reconhecimento dessa união, feito jurisprudencialmente até a presente data, que decorre também o direito de adotar.
É o que diz o trecho anterior colacionado em sua chave assertiva final: sendo humano, o individuo homossexual está sob a tutela jurídica humana. A condição humana antecede a opção sexual. Negar os direitos e deveres, a existência destes direitos e deveres em função da opção sexual da pessoa é a negação da própria dignidade.
É isto, não é só a união estável homossexual, é toda a cadeia de direitos e deveres que decorre do reconhecimento de uma situação de fato, que pode até contrariar a moral de uma maioria, mas sob a lógica da ética pura, não configura um malefício. É uma situação humana, nada novidadeira, nada incomum para a qual não há razão efetiva de repúdio. O repúdio, e isto já é assentado no pensar jurídico, volta suas baterias para o preconceito, para a indignidade humana.
Vista a questão conforme o prometido, de maneira mais clara, objetiva e suscinta, ou seja, a solução que há para o momento que assegura o reconhecimento da união estável homo afetiva, como base de direitos de uma parcela da população que é alvo de extremo preconceito na sociedade brasileira, aborda-se no tópico a seguir, o direito decorrente de adoção homoparental.
1.3 O direito de exercer o amor humano pelos filhos
Amor, afeto, qualquer nome que se dê ao sentimento bom que um ser humano desenvolve em relação a outros seres humanos – este conceito internalizado que a academia não consegue definir em palavras e que os poetas se esforçam estoicamente em colocar em versos vãos – é, de alguma forma até mesmo em algumas outras espécies, o que define e encanta a vida.
O amor por uma pessoa com quem compartilhamos a vida, o amor pelos amigos, pelos vizinhos, parentes, o amor pela alegria e, sobretudo, o amor que se tem pelos filhos, é, de uma forma inexplicável o que pode posicionar a humanidade da melhor maneira em relação ao universo ou criação, como se queira designar o mundo em que vivemos.
Muitas pessoas movidas pela misantropia ou até mesmo pelo excessivo amor à humanidade, abdicam de ter filhos, de cuidar de outra pessoa, de exercer o papel de educar um ser humano pequeno frágil. Outras têm esta responsabilidade e não a exercem, tornando-se mães e pais lenientes, ausentes.
Ser pai e mãe deveria ser uma escolha consciente para a qual todos deveriam se preparar. Mas é também um direito. A ideia evolutiva moderna, atual, põe este direito no campo do amor, do afeto. O afeto é a base do direito moderno, se converteu em um princípio que se sobrepõe ao costume, as tradições e a consanguinidade.
Privar um casal homoafetivo desta experiência é uma crueldade que contraria todos os princípios por sua vez da dignidade humana.
Machin (2016) em artigo relatando estudo de caso, fala da questão da construção desta família homoparental e das terminologias que vêm sendo construídas para designar esta situação que finalmente encontra-se reconhecida pela justiça brasileira. A autora relata em linhas conclusivas que:
As narrativas revelam que a adoção legal prevalece como escolha baseada na importância do reconhecimento legal das famílias e do bem-estar da criança acolhida. Manifestam igualmente receio de que a opção por outros arranjos utilizados para viabilizar a chegada de um filho possa criar vulnerabilidades para o casal e a criança, por temerem que a força dos laços biológicos se sobreponha ao vínculo social ou dispositivo legal. No discurso dos casais sobressai a percepção da adoção como um compromisso social. Nesse sentido, é importante destacar que os casais (gays e lésbicas) entrevistados buscam crianças para adoção fora dos perfis mais demandados no país, demonstrando maior abertura pela acolhida de crianças com perfil fenotípico distintos dos integrantes do casal (em particular, quanto à etnia/raça), portadoras de necessidades especiais ou com problemas de saúde. Esta situação guarda correspondência com a literatura internacional sobre tema. (MACHIN, 2016 – p9).
Não apenas, pois, os casais homossexuais buscam na adoção uma forma menos controversa de realizar seu desejo quanto a ter filhos, como também tem a ideia de que o ato é um manifesto social, na medida em que aceitam criar crianças que costumam ser rejeitadas por casais heterossexuais. Embora estudos neste sentido sejam muito delicados e raros, a autora afirma que os resultados obtidos estão em consonância com outras pesquisas relatadas no mundo todo, revelando assim um perfil padronizado da questão.
Uma questão que se denotou na literatura é que é muito mais fácil a um homossexual solteiro adotar uma criança, a família homoafetiva monoparental, poder-se-ia classificar assim. O ECA em seu artigo 42, §2º preconiza para a adoção de casal, a formalização do casamento ou da união estável, no que foi discutido no tópico anterior a importância das decisões judiciais no sentido deste reconhecimento, ao menos da união estável, para casais homossexuais.
Silva et al (2017), por sua vez, sobre a questão do enfoque no termo homoparentalidade se manifesta neste sentido:
O uso do referido termo traz em seu cerne vários questionamentos, pois coloca em evidência a “orientação sexual” dos pais, onde é diretamente associada ao cuidado dos filhos no exercício da parentalidade. Essa forte associação referente a orientação sexual dos pais e cuidado com os filhos é o que as pesquisas cientificas sobre a homoparentalidade se propõem a desmistificar, revelando que homens e mulheres homossexuais podem ser ou não bons pais, assim como homens e mulheres heterossexuais e que a “boa parentalidade” não depende da orientação sexual e sim da qualidade estabelecida no relacionamento com os filhos, bem como na capacidade relacionada ao cuidado e construção do vínculo no núcleo familiar.(Silva et al, 2017 – p2).
Em comento interpretativo, o que se observa no trecho colacionado da parte dos autores, é a antecipação de uma discussão. Enquanto se busca uma terminologia para qualificar o momento, este em que o direito de homossexuais de adotarem filhos encontra-se literalmente dependurado em uma decisão da suprema corte brasileira – algo que pode muito bem mudar em um horizonte próximo se houver um acirramento da polarização política com uma guindada definitiva para um regime ditatorial, também se discute um futuro em que a adoção será normalizada sem mais esta distinção em se tratando de casais homossexuais ou heterossexuais, que, afinal, como o próprio texto expõe, podem ou não ser bons ou maus pais/e/ou/mães, em ambas as situações.
Os autores ainda mencionam conclusivamente que a lei 12.010/2009, a lei especifica sobre adoção acaba revogando e implementando inovações que antes eram atribuídas única e exclusivamente ao ECA, mas, na prática, o artigo 42, §2º da referida lei remete apenas ao caput do artigo 1723 do CCB e retorna-se mais uma vez ao dilema da situação sob judice, sem que o poder legislativo no Brasil ouse cumprir aquilo que nada mais é do que uma obrigação ética.
Não se aprofunda, porém o debate, no sentido de dar voz às dissonâncias, que existem, mas que por serem tão abjetas diante de uma situação clara, se tornaria uma razão de cizânia ao semear a dúvida onde, não que não exista, mas onde não pode existir.
A síntese é direta. O direito de adoção por parte de casais homossexuais é algo que necessita ser ultrapassado no debate social e normalizado. A orientação sexual não é motivo de funcionalidade ou disfuncionalidade familiar. A regulação normativa porvir da questão de forma mais clara não só abrem novas oportunidades a adoção, como possibilita de acordo com o estudo uma probabilidade maior de crianças e adolescentes excluídos terem a oportunidade do afeto do convívio familiar.
Embora expresse opinião, o que não é bem quisto no texto acadêmico, não há como não lamentar o fato de que a justiça tem sido feita não com base na lei, mas em decisão judicial cujo parâmetro não é o direito universal a adoção, mas o reconhecimento da união estável homo afetiva.
Os últimos autores em comento (SILVA et al – 2017) em seu trabalho ainda afirmam que a questão pertinente que pende na razão política ainda é o preconceito. O caminho da vitória política definitiva sobre a questão encontra-se, portanto, alicerçada na luta contra o preconceito.
CONCLUSÃO
Embora traduzida em uma questão dilemática, calcada na covardia das autoridades e na ignorância da população, a questão da adoção homoparental se consolida praticamente na esfera do possível no campo da justiça.
Hermeneuticamente, a questão é de uma simplicidade sorrateira. Os dispositivos legais para adoção, quer seja o CCB, o ECA e a lei 12.010/2009 quando da adoção por pessoas que formam um casal, exigem o reconhecimento de união estável do ponto de vista civil ou casamento formal (que ainda só é admitido na forma intergênero).
A interpretação que o STF dá ao texto constitucional e que se sobrepõe a legislação ordinária e especial tem seu peso em plena vigência, mas até quando?
Não só a união estável civil entre homossexuais deve continuar sendo reconhecida, com aprimoramento da lei, como o próprio instituto do casamento deve ser revisto, afinal, em que pese à liberdade de culto religioso, o direito a igualdade, o princípio da igualdade em face da lei também deve ser respeitado.
A adoção por parte de famílias homoparentais não pode depender mais de toscas construções doutrinárias e jurisprudenciais, e não deveria sequer depender do reconhecimento também precarizado de uma relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo. As relações afetivas são fatos e fatos têm consequências jurídicas e, portanto; são também fatos jurídicos.
Em sendo fatos jurídicos corriqueiros têm de ser abraçados pela norma de maneira franca e valente, a não depender disto ou daquilo, daquele ou deste juiz de direito, ou promotor de justiça. O direito que decorre do fato também expressa um valor a ser respeitado mesmo que em contraposição a supostos valores de uma maioria opressora.
REFERÊNCIAS
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Brasil. Código Civil (2002). Código civil brasileiro e legislação correlata. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
Brasil. Lei da Adoção. Lei 12.010/2009. Disponível em <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/818490/lei-12010-09>. Acesso em 28/03/2022.
Estatuto da criança e do adolescente. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
LOPES, Marcelo Leandro Pereira et al. UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO E
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MACHIN, Rosana. Homoparentalidade e adoção: (re) afirmando seu lugar como família. Psicologia & Sociedade. São Paulo:2016. Disponível em <https://www.scielo.br/j/psoc/a/MCcMf88RtYyFp84cZVsTrtb/?format=pdf&lang=pt.>. Acesso em 28/03/2022.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUSTROZA, VILMÁRIO SOARES. A adoção por famílias homoparentais no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58310/a-adoo-por-famlias-homoparentais-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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