DARIO AMAURI LOPES DE ALMEIDA[1]
(orientador)
RESUMO: Com passar dos anos, as formas de dar à luz foi se atualizando e novas técnicas foram criadas para implementar esse momento. Essas inovações foram acompanhando a evolução dos estudos dentro do campo da medicina obstétrica. Este marco foi crucial na vida das mulheres se comparar com os temos remotos, onde as mulheres, por falta de atenção intervencionista, tinham seus filhos dentro de caso com o auxílio de uma parteira, que era uma pessoa que tinha conhecimento no parto natural sem procedimentos médicos ou hospitalares. Essa metodologia era utilizada por dois fatores, tanto pela distância do local ao hospital, quanto pela escassez de médicos para dar a devida atenção a este procedimento. A falta de conhecimento e complicações que surgiam no momento desse tipo de parto resultava em inúmeros casos de óbitos no momento do parto. Por isso, nesses casos, parto cirúrgico se tornou uma alternativa imediata para salvaguardar a vida, tanto da mãe quanto do filho, em casos de complicações no parto vaginal. Este artigo tem como principal objetivo evidenciar os casos em que a violência obstétrica acontece dentro das maternidades e hospitais em desconformidade com o ordenamento jurídico. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de natureza descritiva, realizada em livros, ordenamento jurídico, doutrinas e artigos publicados, tais como na Scielo e JurisBrasil, que estejam de acordo com os objetivos desta pesquisa, pertencentes ao idioma português.
PALAVRAS-CHAVE: Violência obstétrica. Acompanhante. Ordenamento.
ABSTRACT: Over the years, the ways of giving birth have been updated and new techniques have been created to implement this moment. These innovations have accompanied the evolution of studies within the field of obstetric medicine. This milestone was crucial in women's lives if we compare it to the remote times, where women, for lack of interventionist attention, had their children inside the case with the help of a midwife, who was a person who had knowledge in natural childbirth without medical or hospital procedures. This methodology was used due to two factors, both the distance of the place from the hospital and the scarcity of doctors to give due attention to this procedure. The lack of knowledge and complications that arose at the time of this type of delivery resulted in numerous cases of deaths at the time of delivery. Therefore, in these cases, surgical delivery became an immediate alternative to safeguard the life of both mother and child in cases of complications in vaginal delivery. The main objective of this article is to highlight the cases in which obstetric violence occurs in maternity hospitals and hospitals in disagreement with the legal system. This is a bibliographic research of descriptive nature, conducted in books, legal system, doctrines and articles published in Scielo and JurisBrasil, which are in accordance with the objectives of this research, belonging to the Portuguese language.
KEYWORDS: Obstetric violence. Escort. Ordering.
1 INTRODUÇÃO
O parto pode ser tanto um processo naturalmente fisiológico, como profundamente complexo e disfuncional. Para muitas mulheres, o trabalho de parto é um momento de temor, oscilação, excitação e ansiedade. A mudança do ambiente familiar para o ambiente hospitalar, pode contribuir para estes anseios, portanto, é essencial fornecer tudo que for necessário para assegurar que a mãe e o recém-nascido recebam os cuidados mais seguros e humanizados possíveis (ALBUQUERQUE, 2016).
Assim, por ser um momento de total vulnerabilidade para uma mulher, torna-se necessário o acompanhamento, assistência e apoio, inclusive para realizar as atividades mais básicas. Uma gestante em trabalho de parto, precisa do seu acompanhante para evitar com que a mesma não se lesione pelos corredores do hospital ou maternidade ou evite com que procedimentos incorretos possam ser realizados, por obter uma pessoa de confiança perto para dar suporte (NICIDA et al., 2020).
Perante o exposto, o crescente número de partos principalmente cesáreos no Brasil mostra que é necessário tratar do tema voltado para violência obstétrica que ocorrem no processo do parto, que em sua maioria não tem informação sobre cada procedimento, sendo levadas a se conformarem com diversas situações importunas como maus-tratos, negligência, abusos, desrespeito e até práticas assistenciais obsoletas que ocorrem nas instituições de saúde. Tendo como consequências experiências ruins durante um momento de vulnerabilidade acarretando em traumas ou até transtornos psicológicos (ARAÚJO,2017).
Com base nisso, a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo princípios voltados para a dignidade humana da mulher, que passaram a ser respeitados com o passar do tempo e citados por leis que amparam e protegem a mulher no momento da gravidez e no parto, como a Lei do Acompanhante.
Com base nisso, este artigo tem como principal objetivo evidenciar os casos em que a violência obstétrica acontece dentro das maternidades e hospitais em desconformidade com o ordenamento jurídico. Como objetivos específicos busca-se apontar os tipos de violências obstétricas que colocam a paciente em situações constrangedoras e vexatórias; descrever as leis que amparam a proteção ao direito fundamental da mulher durante a gravidez e o parto; analisar as sanções, punições para quem comete violência obstétrica.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada em livros, ordenamento jurídico, doutrinas e artigos publicados, tais como na Scielo e JurisBrasil, que estejam de acordo com os objetivos desta pesquisa, pertencentes ao idioma português. Sendo portanto, uma análise qualitativa que traz consigo uma natureza descritiva dentro do ordenamento jurídico.
2 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
2.1 Primeiros Vestígios De Violência Obstétrica
O parto, dentro do seu mais amplo conceito, pode ser compreendido, dentro dos termos técnicos, como uma agregação de fenômenos e também de mecanismos que trazem como finalidade a expulsão do feto, junto de seus anexos, corpo e organismo materno. Diante a isto, quando se adentra ao período que antecede o parto, novas sensações, sintomas e fenômenos, sejam eles ativos ou passivos, acontecem no corpo da paciente para que esta consiga expelir o feto. Com isso, o parto é o momento que o feto deixa o útero e passa a ter contato com o externo (FREITAS; COSTA, 2019).
Com passar dos anos, as formas de dar à luz foi se atualizando e novas técnicas foram criadas para implementar esse momento. Essas inovações foram acompanhando a evolução dos estudos dentro do campo da medicina obstétrica. Este marco foi crucial na vida das mulheres se comparar com os temos remotos, onde as mulheres, por falta de atenção intervencionista, tinham seus filhos dentro de caso com o auxílio de uma parteira, que era uma pessoa que tinha conhecimento no parto natural sem procedimentos médicos ou hospitalares. Essa metodologia era utilizada por dois fatores, tanto pela distância do local ao hospital, quanto pela escassez de médicos para dar a devida atenção a este procedimento. A falta de conhecimento e complicações que surgiam no momento desse tipo de parto resultava em inúmeros casos de óbitos no momento do parto. Por isso, nesses casos, parto cirúrgico se tornou uma alternativa imediata para salvaguardar a vida, tanto da mãe quanto do filho, em casos de complicações no parto vaginal (ZECHARIAS; NEGRINI, 2020).
Desse modo, a gravidez e o parto, podem ser considerados como momentos marcantes na vida de uma mulher. Visto que, desde o início de toda a história, eram diferentes formas de realizar o parto e todas foram sendo praticadas com o intuito de agilizar a vinda do feto ao mundo. Essas formas foram se tornando variáveis conforme o lugar e cultura de um determinado povo. Depois que houve novos conhecimentos que compreenderam a importância da preparação para o parto, surgiu o pré-natal, que é quando a grávida realiza todos exames iniciais com o intuito de prevenir complicações que possam surgir no momento do parto. Passando a ser um preparativo para o que a mulher realize perante o seu próprio corpo e sua saúde. Diante a isto, os profissionais que fazem parte desse momento, podem dar orientações sobre as vantagens do parto vaginal para a grávida em seu momento de parturiente, bem como em que situações podem acontecer o parto cirúrgico (FREITAS et al., 2016).
Com isso, o primeiro vestígio da violência obstétrica está relacionado com a omissão de informações que são importantes para a grávida ou parturiente. Visto que, essas informações estão diretamente ligadas com o corpo desta e com o direcionamento dos processos que serão aplicados nos momentos que antecedem o parto. Em um estudo realizado por Félix et al., (2019), com uma amostra de 100 gestantes com o intuito de evidenciar o grau de conhecimento destas sobre os sinais de alerta do trabalho de parto, idade materna e a importância de se obter informações importantes sobre o seu corpo, apenas 21% dessas gestantes apresentavam ter conhecimento sobre todas essas informações. Outros 61% apresentaram estar sem nenhum conhecimento sobre as informações importantes que deveriam saber sobre a preparação do pré-parto.
2.1.1 Formas de violência obstétrica
As formas de violência podem ser variadas, destacando-se as violências verbais, físicas e psicológicas, e até mesmo a sexual. Quanto a forma de ser expressadas, estas podem ser de forma implícita ou explícita, deixando consequências nas vítimas que afetam a sua integridade física, até mesmo sua saúde ou segurança, até sua saúde mental. Estas violências podem acontecer antes, durante e após o parto, bem como nos casos de aborto. Sendo considerada uma violência institucionalizada, não somente limitada às maternidades e hospitais, mas podendo ser praticadas em qualquer unidade de saúde que a grávida procura assistência, como em postos de saúde e consultórios médicos especializados em atender gestantes. Por isso, afirma-se que as violências obstétricas são práticas que trazem consigo significados culturais que estão geralmente estereotipados da desvalorização e submissão da mulher, essas percepções sobre a mulher tornam as práticas mais corriqueiras (ZANARDO et al.,2017).
Com isso, a tradição da aceitação das condições que são estabelecidas por médicos e profissionais da saúde, sem balbuciar, fixa na mente da sociedade que os profissionais possuem total domínio do que estão fazendo, sob a visão que as alternativas são as melhores para o paciente, justificado pela carga de conhecimento que os profissionais possuem tanto na prática quanto na vivência de sua profissão. Essa visão é forte que até os próprios médicos e enfermeiros possuem total convicção de que suas ações são as melhores escolhas para as pacientes, passando a realizar procedimentos de forma mecânica mesmo sendo desnecessários. Além disso, a violência ocorre também porque algumas maternidades e hospitais realizam práticas inadequadas por não se preocuparem com o bem-estar das grávidas ou parturientes, criando assim uma “indústria de partos”. O problema acontece no decorrer dessas práticas, pois as vítimas sofrem com traumas e podem durar por tempo indeterminado, impactando tanto na vida da mãe quanto do bebê, tais como problemas psicológicos como a síndrome de estresse pós-traumático, que acomete a vítima de lembranças negativas que envolvem um determinado momento de sua vida, impactando a sua saúde ou até a forma como esta vítima irá se relacionar com seu filho, podendo apresentar traços da depressão, dificuldades em retornar para a vida sexual ativa saudável, trazendo uma baixa autoestima (REZENDE, 2014).
As formas de violência que antecedem o parto estão presentes na intimidação e na omissão de informações que a paciente passa a ter no primeiro momento que busca assistência, que no caso é no pré-natal. Essas violências podem ser representadas no momento em que a paciente questiona uma atualização sobre o estado de sua gestação, com respostas que podem ser realizadas de forma rude, introduzindo-se piadas ou recriminação sobre a gestante por esta estar chorando, gritando, com medo ou com vergonha, bem como quando esta manifesta suas dúvidas. Tratar essa gestante como uma incapaz ou de uma maneira inferior do padrão de atendimento, retirando desta a possibilidade de escolher previamente o local do parto, direcionado esta vítima de forma forçada ou influenciando-a para o parto cirúrgico sem a devida necessidade, gerando falsas indicações para que esta cirurgia aconteça. Outros comportamentos como: recusar de atender a gestante; realizar sua transferência sem repassar as informações para esta paciente sobre e sem sua devida autorização; impedir a sua comunicação, seja através de celulares, telefonar ou atender ligações de sua família ou de seu acompanhante; submeter essa vítima em situações degradantes e humilhantes, como por exemplo o exame do toque por vários profissionais; raspagem dos pelos pubianos; lavagem intestinal ou atendimento com a porta aberta, que exponha a mulher ao constrangimento; deixar de aplicar anestesia no momento que é necessário, permitindo com que a paciente sinta todas as dores desnecessariamente; aplicar o soro com ocitocina para fazer com que o útero da paciente tenha contrações artificialmente; não deixar a mulher ingerir água ou de se alimentar; usar palavras técnicas sabendo que a paciente não possui formação técnica para compreender; omitir a mulher do conhecimento sobre após os vinte e cinco anos e com mais de dois filhos a possibilidade da mesma obter de forma gratuita o ligamento das trompas dentro dos hospitais e maternidades públicas; outros comportamentos de incitação sexual (DUTRA, 2017).
Durante o processo do parto, a violência pode se manifestar em forma de procedimentos que são realizados sem o conhecimento da paciente e sem a sua devida permissão. Outra forma de violência obstétrica é quando a detenta permanece algemada no momento de trabalho de parto; obrigar a mulher a ficar em uma posição que é dolorosa e totalmente desconfortável para dar à luz (DUTRA, 2017).
2.1.2 Manobra de Kristeller
Essa manobra recebeu esse nome devido ao seu criador, chamado de Samuel Kristeller, que iniciou essa técnica no ano de 1867, desde o seu surgimento até os dias atuais, essa técnica já foi banida na maior parte dos países do mundo. O motivo de evitar esse procedimento é devido os riscos que oferece tanto para a paciente quanto para o feto. Em contrapartida, no Brasil, essa também é uma das manobras mais praticadas nos partos normais. Geralmente essa manobra ocorre tanto pelo médico quanto pelo enfermeiro obstétrico, sendo composta pela pressão que é feita na parte superior da barriga da paciente, com o intuito de empurrar o bebê para que mesmo saia de forma rápida (ANDRADE, 2014).
A prática da manobra de Kristeller, sendo uma manobra totalmente dolorosa no qual o médico sobe em cima da gestante e fica fazendo pressão na barriga da gestante, empurrando o feto com as duas mãos, braços e antebraços, apoiando os joelhos na pelve da grávida, para que o bebê saia imediatamente (XAVIER, 2018).
2.1.3 Episiotomia e ponto do marido como violência contra a mulher
A episiotomia é um procedimento cirúrgico que geralmente é realizado na região do períneo, com o principal objetivo de abrir passagem para o feto e que ele possa sair de forma mais rápida, aumentando o lúmen do introito vaginal. Possui vários estudos que apresentam controvérsias sobre esse procedimento. Sabe-se que depende do país sobre a sua aceitação no pré-parto (FRANCIELI et al., 2019).
Entretanto, conforme descreve a Organização Mundial da Saúde (OMS), o procedimento de episiotomia somente pode ser realizado de 15% a 30% dos partos vaginais, respeitando o limite. Como forma de proteger a mulher, surgiu a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) 477/15. Outra legislação do COFEN também tem o intuito de proteger a parturiente conforme a resolução 478/2015 (COFEN, 2016).
De acordo com as pesquisas realizadas por Dengo Var (2016), no sistema público de saúde é onde existe maiores casos de uso de episiotomia, sendo realizada em 94% dos partos normais vaginais. Em casos que ocorram a conversa com a paciente e esta é informada da probabilidade da prática cirúrgica, a equipe informa que será necessária para evitar dilacerações graves e preservar a função sexual, bem como reduzir a incontinência urinária e fecal. Contudo, esse procedimento deve ocorrer somente com a autorização da paciente e estando ela consciente do porquê da escolha do procedimento.
Dentro desse contexto, pode-se ressaltar que o parto vaginal ideal seria aquele que a dilatação ocorre de maneira natural e gradativa, em conformidade com a descida do feto, ocorrendo de maneira agressiva para o canal vaginal. Quando esse processo ocorre de forma natural, as lacerações que ocorrem são leves ou as vezes nem acontecem. Contudo, quando o feto desce de forma rápida a laceração profunda pode ocorrer no momento que a dilatação da vagina não ocorre na mesma velocidade que a cabeça do feto vai abrindo passagem (GÜNI et al., 2016).
Kondo (2016) afirma que esses casos de parto normal no país ocorrem de forma contínua e rotineira. Entretanto, um procedimento cirúrgico precisa ser, primeiramente esclarecido para a paciente para que esta possa autorizar ou não realizar esse procedimento cirúrgico em seu corpo. Pelo contrário do que deveria ser feito, os procedimentos ocorrem sem a devida autorização da paciente, onde no qual quando ela percebe já está com sutura em suas partes íntimas. Outro detalhe grave a ser levado em consideração é que nem sempre a anestesia não é aplicada ou não reage no momento da cirurgia, ocorrendo que a paciente sinta extrema dor desde o momento do corte com o bisturi até o momento do último ponto da sutura.
Além disso, esse procedimento cirúrgico é prejudicial para as relações sexuais da paciente, uma vez que os procedimentos cirúrgicos, principalmente do sistema único de saúde não se preocupa com a estética dos resultados. Isto é, um procedimento desse porte na vagina, pode deixar cicatrizes que comprometam as relações sexuais e também afete a sua própria autoestima, por adquirir uma cicatriz permanente em seu corpo, visto que por muitos médicos é considerada como uma lesão de segundo grau. Compreende-se que por muitos anos, as gestantes tiveram parto vaginal normal, sem precisar de cortes de segundo grau para dar passagem ao bebê, pois sempre foi respeitado o momento natural do corpo da mãe em ritmo com o feto, sem apressar o parto para evitar lesões e nem tornar rápido um processo natural para que seja necessário realizar procedimentos cirúrgicos (KONDO, 2016).
2.2 Leis De Proteção Contra Violência Obstétrica
2.2.1 Direito Reprodutivo das mulheres
De acordo com Piovesan (2014), os direitos que envolvem a capacidade reprodutiva correspondem ao conjunto dos direitos básicos voltados para o exercício da sexualidade e reprodução da vida humana. Esse direito corresponde ao acesso a um serviço de saúde que possa assegurar, acima de qualquer coisa, a informação, educação e os meios, tanto para que esta mulher consiga ter controle de natalidade quanto para proteger seu corpo de riscos. Visto que, os direitos reprodutivos não estão somente ligados somente à saúde sexual, mas à saúde reprodutiva, dando direito a esta mulher de dar à luz de uma forma digna.
Na esfera nacional, o sistema jurídico brasileiro traz consigo diversos ramos do direito que podem tratar sobre os direitos reprodutivos, estando presente dentro da Constituição Federal, Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no Código Civil. Dentro da própria Constituição, mais precisamente nos art. 1º, descreve como essencial para a República Federativa do Brasil a dignidade do indivíduo, e no art. 3º a importância na promoção do bem, sem que haja distinção de cor, sexo e raça (DUTRA, 2017).
Dentro do art.5º, traz à luz os direitos e garantias fundamentais, que asseguram os direitos tanto do individual quanto do coletivo. Em seu caput, destaca a igualdade de todos perante a lei, sem que haja distinção de qualquer natureza, dando ênfase ao inciso X. Com base nisso, se consolidou importantes avanços sobre a defesa dos direitos sexuais, como uma forma de garantir o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Desse modo, conforme o código civil, que passou a vigorar em 2003, houve uma adequação com a Constituição Federal no tocante do direito de família, voltados diretamente para os direitos reprodutivos. Como cita o art. 1.511 que dispõe sobre a igualdade dos direitos e deveres de ambos os cônjuges, abrindo espaços para indagações voltadas sobre a vida e sobre o corpo da mulher, bem como os seus direitos sexuais e reprodutivos.
Dentro desse quesito de direitos reprodutivos, a violência obstétrica se apresenta como uma violação aos direitos humanos da mulher. Como pode-se observar dentro do Código Civil, citado no parágrafo anterior, os direitos reprodutivos estão diretamente ligados à saúde sexual da mulher e também ao direito de decidir quantos filhos deseja ter, sem que tenha que ser discriminada, violentada ou constrangida por causa disso. Por isso, entende-se que a proteção voltada para a maternidade inicia desde a concepção, gestação, nascimento e as primeiros anos do bebê, sendo que todos os envolvidos possuem esse direito, tanto a grávida quanto o nascituro e a criança. Por isso, quando uma grávida passa por momentos que a expõem a dor e ao sofrimento, sem a sua vontade, ocorre a violência, pois as vítimas se sentem violadas, feridas e maltratadas. Percebe-se que muitas grávidas não sentem ainda que estão sendo violentadas quando uma informação é omitida, quando buscam informações sobre o parto e não conseguem obter essa resposta de forma eficiente tanto de médicos como de enfermeiro ou da própria instituição que a acolhe (PULHEZ, 2013).
2.2.2 Direito a um parto humanizado
O que se observa é uma omissão de informações que condicionam a vítima a permitir que os profissionais tomem a decisão de realizar um parto cirúrgico como uma forma de agilizar o parto, sem respeitar o tempo do organismo da mulher e muito menos seu poder de decisão sobre ter um parto vaginal humanizado ao invés de ter um procedimento cirúrgico. Ao contrário do que muitos conhecem do que é um parto humanizado, sendo limitado a um tipo de parto, a humanização está voltada para a forma como são cuidadas tanto a mãe quanto bebê, de maneira que estes sejam os protagonistas de todo esse evento chamado nascimento. A humanização está voltada em deixar a paciente livre para decidir, amparada de informações sobre a sua própria saúde, sendo cercada de atenção e afeto pelos profissionais que se ofereceram para seguir carreira na assistência à saúde humana por livre e espontânea escolha, mesmo que sejam adversos os motivos por esta. Assim, a humanização é obter desses mesmos profissionais todo conforto, compreensão sobre as dores que estas gestantes sentem e sobre toda vulnerabilidade que passam nesse período, oferecendo em contrapartida segurança, atenção, respeito, amparados por conhecimento científico atualizado para realizar qualquer intervenção (ROCHA; MARINHO, 2019; ZANON; RANGEL, 2019).
As alternativas de parir precisam ser oferecidas para as gestantes e todas as mulheres grávidas que buscam por acolhimento. Nesse mesmo sentido que há uma reivindicação por parte das grávidas ao sistema de saúde brasileiro, onde no qual precisam obter intervenções urgente na assistência ao parto e ao nascimento de forma humanizada. Por isso que o parto sendo humanizado traz de forma inerente todos os direitos ofertados à reprodução e à mulher como protagonista junto de seu filho. Assim, se essa mesma mulher obter informações importantes desde o período do pré-natal reduz bastante o número de gravidez de risco e aumenta o atendimento com qualidade, pois essa mulher saberá quais são os seus direitos. Trata-se do reconhecimento à autonomia da mulher, tornando-a um sujeito ativo no poder de decisão do que é melhor para seu filho e, principalmente para o seu corpo, subvertendo uma lógica patriarcalista subjacente ao modelo tecnocrático. Nesse sentido de ter poder de decidir se deixa o médico realizar um procedimento podendo fazer outro menos doloroso, é que se fala do empoderamento dessa mulher e na sua conquista voltada para o seu protagonismo no momento de dar à luz (ROCHA; MARINHO, 2019).
Assim, a humanização no parto busca devolver para essa mulher o direito dela ter poderes em decidir perante ao nascimento de seu filho, repassando para esta mãe as informações que a mesma precisa ter sobre a direção das intervenções que poderão ser realizadas no momento do parto e o que será realizado no período puerperal, visto que essas intervenções impactam na sua condição biológica, bem como na sua capacidade de se reproduzir novamente (ZANARDO et al., 2017).
2.2.3 Lei nº 11.108/05 – Lei do Acompanhante
De acordo com Ciello et al., (2016), a Rede Parto do Princípio chegou a lançar um dossiê com o nome “ Parirás com dor” onde foram descritas a importância do acompanhante para a paciente nos momentos de pré-parto, sendo a sua presença relevante para: diminuição do tempo do trabalho de parto, confiança e segurança; a paciente consegue se comunicar com alguém mais próximo; menos necessidade de medicações ou analgésicos; menor necessidade de parto cirúrgico; redução da dor da paciente; controle contra o pânico e a exaustão.
Assim, Lei de Acompanhamento à gestante nº 11.108/05 traz consigo os direitos garantidos que envolve a presença de um acompanhante nos momentos de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Esta por sua vez, assegura a grávida ou parturiente da segurança necessária para que este consiga confiança e bem-estar para o momento do parto (TOMASI et al., 2021).
2.3 Violência Obstétrica e Código Penal
O Código Penal apresenta condutas que podem ser enquadradas como violência obstétrica. No entanto, vale ressaltar que o médico assim como o enfermeiro podem cometer violações arriscadas com o intuito de salvar a vida de um indivíduo, não sendo uma profissão que exata, baseada em probabilidades e decisões a serem tomadas a partir de dados que podem auxiliar para uma intervenção, por isso nesses casos, as condutas estão dentro da modalidade culposa (art. 18, II, CP), visto que se ocorre um erro médico, prevalece dentro da doutrina penal a subjetividade da culpa, em que consiste que o agente não queria aquele resultado e nem assumiu o risco de produzi-lo (BRASIL, 1940).
Destaca Correia-Lima (2012) que o erro médico advém de uma conduta profissional atípica, irregular ou inadequada, contra um determinado paciente ou no exercício médico, sendo caracterizada através da imperícia, imprudência, negligência, mas nunca considerada como “dolo”. Visto que o médico não atua com o sentido de matar, busca uma solução, mesmo que de forma inadequada.
Por isso quando ocorre a imperícia, negligência ou imprudência médica e estas resultam na morte da mulher ou do bebê, ocorre um homicídio culposo, como descreve-se dentro do Código Penal, art. 121, §§ 3º e 4º. Visto que a morte, nesse caso ocorreu por uma inobservância de uma regra técnica discriminada dentro da profissão. Ainda citando o art. 129, § 1º, IV, o ato de tentar acelerar o parto pode se configurar crime de lesão corporal de natureza grave, principalmente se desse aceleramento acabou resultando na morte do feto, ocorrendo com isso o aborto, que é crime de lesão corporal de natureza gravíssima (ZANON; RANGEL, 2019).
No tocante voltado para os crimes de honra, que podem ser cometidos inclusive dentro de um consultório médico, como descreve o art. 140, está caracterizado nos comentários maldosos direcionados à gestante, piadas com duplo sentido da linguagem, comentários racistas ou que inferiorizem a mulher seja por sua classe social, cor, local de origem, podem ser moldados como crimes contra a honra. Dentro do Código Penal pode ser aplicado art. 140 § 3º, se referindo à crime de injúria relacionada aos elementos que estão voltados para a dignidade da pessoa.
2.3.1 Responsabilidade civil nos casos de violência obstétrica
A responsabilidade civil ocorre decorrente de danos que um indivíduo tenha causado para outrem, que pode ser tanto danos morais quanto materiais, obrigando-se a restituir o indivíduo que se sentir lesado a um estado anterior ao dano ocorrido e, quando não pode ser recuperado que seja pelo menos recompensado por esse dano (OLIVEIRA, 2018).
Com base nisso Correia-Lima (2012, p.31) descreve a responsabilidade civil como uma “[...] aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar danos moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato, de coisa ou animal sob sua guarda [...]”. Dessa maneira, entende-se que a responsabilidade civil pode representar diversas modalidades, dividindo-a como objetiva e subjetiva. Sendo assim, a responsabilidade subjetiva é aquela que é comprovada pela vítima, para que possa obter a indenização com o intuito de reparar o dano causado, se comprovada a culpa, sendo o objeto da análise o comportamento do agente. Com isso, a culpa possui uma representatividade dentro da teoria da culpa ou subjetiva, sendo um pressuposto totalmente indispensável ao dano indenizável.
Outrossim, a responsabilidade civil objetiva não está tão focada na culpa para que exista o dever de reparar um dano. Assim, sendo comprovado o nexo da causalidade do agente com a vítima, surge o dever de indenizar, para que seja possível reparar o dano, ainda que a conduta seja isente de culpa, independente do propósito do agente. No caso do médico, ao praticar a violência obstétrica, decorre da comprovação da culpa, que se divide em dolosa ou culposa. Visto que se considera doloso quando o agente age com o intuito de realizar o dano ou realiza a ação mesmo tendo conhecimento dos riscos de sua conduta. Já a parte culposa corresponde à imprudência, desatenção, isto é, o médico não teve o interesse de trazer danos mas acabou lesando a paciente devido a negligência que cometeu (OLIVEIRA, 2018).
Nesse caso, aplica-se o dispositivo à responsabilização civil do médico, que ocorre por causa dos danos que causa à paciente, independente se forem materiais ou imateriais, bem como estéticos, obtendo-se a obrigação de repará-los. Quando ocorre a violência obstétrica resulta em dano e, com isso, passível de reparação civil (BRASIL, 2002).
Entretanto, o contrato que existe entre um paciente e um médico é bilateral de meio, não focado no resultado, como no caso de cirurgias estéticas. Dessa feita, quando se trata de resultado do meio, é quando o profissional não está obrigado a apresentar um resultado específico e pré-estabelecido, sendo a sua responsabilidade totalmente subjetiva. Desse modo, para que exista a obrigação de reparar o dano à grávida é preciso existir a comprovação de que houve um dolo ou culpa do profissional (OLIVEIRA, 2018).
Pode-se, inclusive, buscar dentro do Direito do Consumidor, sobre as garantias das prestações de serviços hospitalares, para encontrar embasamento contra a violência obstétrica, justamente onde evidencia-se que há uma falha na prestação de serviço hospitalar que está sendo realizada. Mediante a isto, configura-se uma incidência das disposições voltadas para o consumo em decorrência do que está sendo ofertado tanto pelo médico, quanto pelo hospital (BRASIL, 1990).
Em relação ao hospital, a sua responsabilidade é objetiva, pois não precisa que seja comprovada a culpa para que possa existir a obrigação de reparar os danos que foram causados ao paciente, já que o hospital ou maternidade é um fornecedor de serviços à paciente, sendo, portanto, um consumidor final no caso de prestação de serviços, como disponibiliza dentro do próprio Código de Defesa do Consumidor (SOUZA, 2021).
No caso do atendimento do médico, para que seja de fato ensejada a responsabilidade civil, se faz necessário comprovar a culpa, ou seja a imperícia, como estabelece o Código consumerista (art. 14, § 4º), como discrimina no respectivo artigo: “Art.14 [...] §4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação da culpa” (BRASIL, 1990).
Com isso, pode-se evidenciar algumas decisões que foram realizadas para mostrar como este conceito está sendo compreendido dentro do âmbito jurídico. Mesmo não existindo uma lei específica que esteja direcionada a forma como a grávida é atendida ou acolhida dentro dos hospitais, maternidades e consultórios médicos. Com isso, o termo Violência Obstétrica já tem sido adotado dentro de variados Tribunais, mesmo que na maioria dos casos os magistrados possam se basear nos erros médicos para que possa ser reconhecida a responsabilização civil, sendo o dever de indenizar o da instituição ou do profissional. Como pode-se observar a seguir:
CIVIL. APELAÇÃO CIVIL. DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. Autora que realizou parto normal necessitando posteriormente passar por curetagem uterina devido a permanência de restos placentários no útero. Sentença de parcial procedência. Inconformismo das partes. Acolhimento parcial. O hospital responde solidariamente pelos atos do médico que atuava em suas dependências, e isso independe de vínculo empregatício com o nosocômio. Legitimidade passiva caracterizada. Obrigação de meio. Responsabilidade subjetiva do médico e objetiva do hospital, que pressupõe a prova da culpa do profissional a quem se imputa a prática direta do ato ilícito. Culpa do profissional caracterizada. Indenização devida. Valor da reparação reduzido de R$ 20.000,00 para R$ 10.000,00. Sentença reformada, em parte Recurso dos réus parcialmente providos e negado provido ao recurso da autora (TJ-SP – APL: 33804920108260400 SP 0003380-49.2010.8.26.0400, Relator: Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 31/07/2012, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/08/2012 (SÃO PAULO, 2012).
Outro caso apresentado encontrado é o que ocorreu no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com a Apelação Cível, que teve como seu relator J.B. Paula Lima, julgamento realizado no dia 08 de maio de 2020. 10ª Câmara de Direito Privado. Como pode-se observar abaixo:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATENDIMENTO EM PRONTO SOCORRO. Autora gestante de risco com dor e sangramento. Demora no atendimento. Paciente com sangramento visível, deixada na recepção do hospital. Violência Obstétrica. Dano moral. Indenização devida. Recurso provido. Responsabilidade Civil. Atendimento em pronto socorro. Autora gestante de risco com dor e sangramento. Demora injustificada no atendimento. Dano moral caracterizado. Fixação do valor da reparação à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sentença reformada. Recurso provido (TJ – SP – AC: 10103335020138260127 SP 1010333 – 5.2013.8.26.0127, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 08/05/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2020) (SÃO PAULO, 2020).
Nesse caso acima, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu o deve do hospital de indenizar a vítima por danos morais, por expor a paciente a uma demora injustificada no momento do atendimento, sendo caracterizada como uma violência obstétrica por conduzir a vítima a espera, que por sua vez, permitiu com que tivesse mais dor e sofrimento, sem uma justificativa para tal. Assim, outro caso semelhante com a prática da violência obstétrica foi julgado, conforme pode-se observar abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Complicações à saúde decorrentes de violência obstétrica. Comprovação de conduta e do nexo de causalidade do caso concreto. Responsabilidade civil do estado configurada. Art. 37, §6º, CF – dever de indenizar evidenciado – sentença reformada em parte – recurso parcialmente provido. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art.37, §6º, da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem e terceiros, com fundamento no art.37, §6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e ato/omissão do Poder Público (AgRg no RE com Ag 697.326/RS, 1ª T, rel. Min, Dias Toffoli, DJe 25.04.2013). Demonstrado nos autos que a despeito de as circunstâncias fáticas (gestante portadora de glicose sanguínea elevada e bebê com sobrepeso, com apenas sete meses de gestação) recomendarem a realização da cesariana, os médicos que assistiram a parturiente fizeram parto normal com utilização de procedimento para expulsão do feto sem os cuidados necessários (Manobra de Kristeller), ocasionando-lhe sofrimento e sequelas físicas, imperioso o reconhecimento do dever de indenizar, nos moldes do art. 37, § 6º, da Constituição Federal (TJ – MT – APL: 00002329820158110003 MT, Relator: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de julgamento: 08/07/2019, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Data de Publicação: 08/08/2019 (MATO GROSSO, 2019).
Como pode-se observar na decisão acima, foi baseada nas comprovações realizadas pela vítima de que no momento do parto normal foi realizada a Manobra de Kristeller, que por sua vez, como sabido, é uma técnica que se aplica a força para que o feto saia sob pressão, muitas vezes sendo utilizada pressão com braços e antebraços sob o abdômen da grávida, além de fazer com que a vagina rompa com a pressão do feto, sem ser respeitado o seu respectivo tempo natural de dilatação. Contudo o dever de indenizar recai sob a instituição.
No entanto, nas decisões apontadas pelos Tribunais, ainda há uma escassez da utilização do termo violência obstétrica nesses julgamentos, visto que existe diversas formas de violência obstétricas mas não são relatadas como violências, não tenho ao menos reconhecimento dentro dessa categoria, em casos graves são tratadas apenas como erro médico. Ainda não há um reconhecimento da violência que ocorre durante o processo de atendimento à mãe e ao bebê, sendo considerados apenas 3aos fatos que acontecem quando lesionam fisicamente a mãe e o bebê, não reconhecendo a violência de gênero nesses casos (NOGUEIRA; SEVERI, 2017).
Um exemplo dessa falta de reconhecimento acontece em uma decisão que ocorreu no Tribunal do Rio Grande do Sul, através da apelação cível n. AC: 70064663990 RS, relator Marcelo Cesar Muller, com julgamento realizado em 25 de junho de 2015. 10ª Câmara Cível, onde o Tribunal negou provimento ao recurso da vítima, esclarecendo que em prestações de serviço à saúde há riscos inerentes, e estes não podem ser atribuídos somente aos médicos e à instituição, fazendo com que seja necessário provar a culpa do profissional ou a falha da instituição no serviço prestado, apontando dentro do Código Consumerista (art. 14, §4º). No caso apresentado, o magistrado entendeu que o serviço foi prestado dentro dos padrões da técnica médica, não tendo sido identificado erro do médico ao optar pela realização de episiotomia no momento do parto, mesmo apresentando complicações para a parturiente (RIO GRANDE DO SUL, 2015).
Essas decisões trazem uma certa insegurança quanto à proteção a mulher no momento de dar à luz, pois não reprime os casos de violação a esse direito. Contudo, a existência desse tipo de violação existe e é reconhecida no âmbito jurídico, visto que os juristas, para que possam atuar a favor do direito das mulheres precisam fazer uso do que já existe na legislação, mesmo não tendo uma legislação específica, mas pode estar enquadrando-se em outras leis que envolvem a violência contra a mulher, como pode-se estar utilizando a Lei no 11.340/2006 – Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006).
Essa lei traz dentro de sua descrição a relação de algumas formas de violência que podem ser cometidas contra a mulher, assegurando a vítima de proteção de alguns abusos e violações, não somente no tocante da violência doméstica, mas em diferentes nuances da violência contra mulher. Contudo, não cita todas as possíveis violências que podem ser praticadas na mulher ou contra o seu corpo, como no caso de violência de gênero (SOUZA, 2021).
Contudo, ao observar atentamente o art. 5º da respectiva Lei Maria da Penha, pode-se encontrar a seguinte garantia, que dispõe da seguinte forma: “Art. 5º [...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause a morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Podendo-se utilizar esse artigo para incorporar a violência de gênero. Destarte, a citada lei, dentro do art. 8º, VII, estabelece como diretriz a formulação de políticas públicas contra a violência doméstica e familiar que vá contra a integridade da mulher. Mesmo citando a violência doméstica ou familiar, envolve outras violências que podem abranger a violência obstétrica (NOGUEIRA;SEVERI, 2017).
Contudo, essa lei não pode ser aplicada na sua totalidade nos casos de violência obstétricas advindas do médico e das instituições (maternidade e hospital), pois está direcionada a essa violência partindo de pessoas próximas ou da própria família, considerando que a violência obstétrica traz o conceito primordial da relação entre paciente e profissionais da saúde (NOGUEIRA;SEVERI, 2017).
Assim, voltando-se a Lei do Acompanhante, resta esta a forma de prevenir os casos de violência obstétrica, visto que essa lei deve ser cumprida e se torna a forma mais eficiente de salvaguardar os direitos da grávida ou parturiente na sua totalidade, pois o acompanhante se torna a pessoa mais próxima, testemunha do que está sendo realizado com a paciente, mesmo que esta esteja inconsciente.
Dentro dessa perspectiva o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em Apelação Cível, tendo como seu relator Cezar Augusto Rodrigues Costa, no dia 10 de dezembro de 2019, dentro da 8ª Câmara Cível, reconheceu como dano moral com o dever de indenizar a Instituição em face da gestante, Ao vedar o acesso do acompanhante ao centro obstétrico, o que se configurou no ato como uma violação ao preceito cristalino na Lei no 8.080/1990 (art.19 – J), acrescentado pela Lei no 11.108/2005 (RIO DE JANEIRO, 2015).
3 CONCLUSÃO
De acordo com os objetivos dessa pesquisa, que se destaca em apontar os tipos de violência obstétricas que colocam a paciente em situações constrangedoras e vexatórias, bem como descrever as leis que amparam e protegem a mulher da violência obstétrica durante a gravidez e o parto, permite-se analisar quais sanções são possíveis para quem comete essas violências contra a grávida ou parturiente dentro de consultórios médicos, maternidades ou hospitais.
Pode-se constatar que a mulher sofre violências em diversos âmbitos de sua vida, seja dentro de casa, no ambiente de trabalho e até no momento de dar à luz. Esse comportamento que conduz pessoas a tratarem com inferioridade assuntos voltados ao interesse da mulher, como resíduo de uma sociedade patriarcal onde o homem é o centro, passível de ter os seus direitos atendidos por ser o que labora ou traz subsistência para todo seu lar e por isso a sua saúde precisa ter mais atenção, seus negócios precisam ter mais apoio e sua renda é passível de ser maior. Esse pensamento e ideologia respinga no atendimento médico que as mulheres possuem no momento da gravidez, tanto em maternidades públicas quanto em hospitais particulares, disfarçada, omitida, mas presente, com características de violência de gênero que resulta em violência obstétrica. A violência de gênero é citada por esta ser uma violência que somente quem sofre é quem é mulher, possuidora de útero e passível de dar à luz, com sintomas, dores e desconfortos que somente sentem quem também é pertencente ao mesmo gênero.
Dessa forma, a violência obstétrica é a que faz a mulher sofrer pela falta de conhecimento, omissão de informações e pela falta de autonomia que esta passa a ter no seu próprio corpo. A falta de conhecimento advém pela necessidade da paciente precisar saber o que está acontecendo e ser repreendida, discriminada ou ainda constrangida pelo médico ou por outros profissionais da saúde que a nega esse direito. A omissão de informações acontece quando a paciente procura informações sobre seu parto e os profissionais desviam assunto, avisam que está tudo bem e acabam conduzindo a paciente para outro hospital ou maternidade sem a mesma saber das informações do que está acontecendo sobre o seu corpo. A autonomia sob o próprio corpo é perdida quando o médico induz a paciente para um parto cesárea sem a devida necessidade e estando com condições de realizar o parto vaginal, respeitando o tempo de dilatação e obtendo as intervenções profissionais para que essa dilatação ocorra.
Além disso existem técnicas como a episiotomia e a manobra de Kristeller que violam a integridade do corpo da mulher, que podem ser substituídas por outras técnicas menos agressivas e que não tragam sequelas para as pacientes. Essas técnicas além de fazer o feto sofrer ao ponto de ir a óbito (manobra de Kristeller) também trazem complicações para a parte íntima da mulher, como a episiotomia que faz com que a mulher sinta dores intensas, compromete as suas necessidades fisiológicas, como urinar e ter relações sexuais, além do desconforto, dor e possibilidades de infecções que podem trazer a sérias complicações para a mulher.
Para prevenir esse tipo de violência faz-se necessário que as autoridades incluam desde o pré-natal uma preparação melhor da mulher, com informações no qual as mesmas podem obter conhecimento junto de seus acompanhantes, pois os mesmos aprendendo sobre o que agride a mulher na hora que antecede o parto, bem como durante ou após, o acompanhante poderá fazer com que os direitos da grávida existam e reduzem as práticas.
Além disso a lei dos acompanhantes também colaboram para que a Lei 11.634/2007, que discrimina que a grávida tem o direito de saber para onde está sendo vinculada para assistência no Sistema Único de Saúde, possa ser aplicada, pois o acompanhante consciente de seus direitos e da grávida poderá solicitar por ela, pois esta encontra-se nesse momento vulnerável, todas as informações necessárias para evitar com que omissões possam acontecer ou que a grávida fique sem conhecimento do que está acontecendo.
Os Tribunais ainda possuem um entendimento divergente sobre o momento que ocorre a violência obstétrica, por causa das falhas do erro médico, e de seu caráter dentro da teoria da culpa. No entanto, nem sempre a violência obstétrica possui consequências físicas como resultar em óbito do feto ou complicações no corpo da paciente. Em muitos casos, a violência traz danos psicológicos para a mulher, comprometendo a qualidade do nascimento, visto que é um momento marcante na vida de uma mulher, dar à luz. Esses danos que precisam ser analisados.
Contudo, há embasamentos que podem ser usados para serem salvaguardados o direito da gestante ou parturiente. Podendo ser amparada pela Lei do Acompanhante e em partes pela Lei da Maria da Penha, visto que violência obstétrica pode ser caracterizada como uma violência de gênero contra a mulher.
Sugere-se para estudos futuros a atualização dos Tribunais quanto a essas violências que acontecem durante todo o processo de atendimento e acolhimento da mulher, tanto dentro das maternidades ou hospitais privados. Para que todos os magistrados possam ter entendimento sobre o que causa dor e sofrimento para a mulher e com isso, faça valer o que está na lei, assegurando a mulher de maus tratos e violências que podem ser físicas ou psicológicas, tornando o nascimento o evento que envolve alegria e satisfação.
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[1] Professo orientador Formado em Direito, especialista em Direito processual e civil.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALLES, Kleanne dos reis. Violência obstétrica: a afronta à dignidade humana e materna nos dias atuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58322/violncia-obsttrica-a-afronta-dignidade-humana-e-materna-nos-dias-atuais. Acesso em: 23 dez 2024.
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