RESUMO: O presente estudo tem a intenção de fornecer uma visão geral a respeito das modalidades de Intervenção do Estado na Propriedade e no domínio econômico. A Intervenção do Estado na Propriedade é atividade estatal que tem como finalidade ajustar o interesse da propriedade de um particular ao bem comum, ao interesse público da sociedade. Portanto, o Estado, com base na Constituição federal, restringe ou suprime o direito individual em prol da comunidade. Por sua vez, a Intervenção do Estado no Domínio Econômico está efetivamente autorizado a intervir graças ao art. 170 da Constituição Federal onde estão elencados todos os princípios da ordem econômica. Nele está previsto o respeito à livre iniciativa ao mesmo tempo em que é necessária a manutenção do status quo.
Palavras-chave: Intervenção. Estado. Propriedade. Domínio Econômico.
Abstract: This study intends to provide an overview of the modalities of State Intervention in Property and in the economic domain. State Intervention in Property is a State activity whose purpose is to adjust the interest of a private person's property to the common good, to the public interest of society. Therefore, the State, based on the Federal Constitution, restricts or suppresses the individual right in favor of the community. In turn, State Intervention in the Economic Domain is effectively authorized to intervene thanks to art. 170 of the Federal Constitution where all the principles of the economic order are listed. It provides for respect for free enterprise while maintaining the status quo.
Keywords: Intervention. State. Property. Economic Domain.
Noções Iniciais
Fundo financeiro, segundo Hely Lopes Meirelles, “é toda reserva de receita para a aplicação determinada em lei. No dizer de Cretella Júnior, “é a reserva, em dinheiro, ou o patrimônio líquido, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo Estado, a determinado fim”. Ainda, nos termos do Art. 71 da Lei 4320/64, a qual cuida das normas gerais de Direito Financeiro, fundo é “o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam a realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.
No dizeres de Sanchez:
Embora os fundos de natureza orçamentária só tenham se tornado populares no contexto da administração federal a partir dos anos setenta – com fundamento na flexibilização das normas sobre fundos realizada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, nas disposições do Art. 71 da Lei nº 4.320/64 e na norma do Art. 172 do Decreto-lei 200/67, as vinculações de receitas e os fundos especiais são relativamente antigos no setor público brasileiro. São evidências materiais dessa situação, além de sua previsão no Código de Contabilidade Pública, de 28 de Janeiro de 1922, o fato do Decreto nº 23.150, de 15 de Setembro de 1933, ter proibido, pelo seu art. 24, “a criação de fundos especiais...” e a existência, já à essa época, de pelo menos três fundos: o Fundo de Amortização dos Empréstimos Internos (criado pelo Decreto nº 4.382, de 8 de Abril de 1902), o Fundo Naval (criado pelo Decreto nº 20.923, de 8 de Janeiro 1932) – o mais antigo fundo programático do Brasil – e o Fundo Especial de Educação e Saúde (criado pelo Decreto nº 21335, de 29 de Abril de 1932). Curiosamente, já nesse limitado universo podemos identificar instrumentos de distintas naturezas: o primeiro, um Fundo Contábil – na acepção atual –, destinado a acumular recursos para a amortização da dívida interna; o segundo, um Fundo De Reequipamento, para a aquisição de embarcações, equipamentos e meios de sinalização naval; e o terceiro, o primeiro a incluir o termo “Especial”, um Fundo Programático vinculado a um setor e fundado num tributo especialmente criado.
No âmbito constitucional, a ideia de vincular receitas a determinados fins e de instituir fundos para realizar a gestão de tais vinculações foi tratada, precipuamente, na Constituição de 1934. Nela, os artigos 141, 157 e 177, previram o emprego desses meios para os fins de amparo à maternidade e à infância (Art. 141), de desenvolvimento da educação (Art. 157, §1º e §2º) e de defesa contra a seca nos Estados da Região Norte (Art. 177).
Hodiernamente, os fundos são regidos pela Lei 4320/64, que trata das normas gerais de Direito Financeiro, tendo sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, conforme se verá adiante. Além disso, a própria Carta Magna traça regras de delineamento dos fundos, principalmente no que se refere às restrições a sua criação e funcionamento.[1]
Há uma certa discussão na doutrina quanto à existência ou não de personalidade jurídica e personalidade judiciária pelos fundos. Entende Régis Fernandes Oliveira[2] que:
A corrente que entende da inexistência, seja de personalidade jurídica, seja de personalidade judiciária é a correta. Em primeiro lugar os fundos não são titulares de direitos, nem sujeitos de obrigações. Ser pessoa jurídica significa estar no centro de imputação normativa, isto é, ter vontade, praticar atos, interferir no centro imputativo de outra pessoa jurídica, poder firmar contratos, ir a juízo, etc, mas nada disso faz o Fundo. De outro lado, não pratica atos jurídicos e, pois, não pode ser sujeito ativo ou passivo em relação processual.
Classificação
Os fundos podem ser divididos, precipuamente, em fundos especiais ou fundos atípicos. Os primeiros possuem características definidas no ordenamento pátrio, enquanto os últimos, muito embora sejam criados por normas de ordem superior, não encontram características definidas na lei.[3]
Os fundos atípicos, segundo Osvaldo Maldonado Sanchez[4], se enquadram em cinco categorias, quais sejam: a) fundos de repartição de receitas; b) fundos de redefinição de fontes; c) fundos de instrumentalização de transferências; d) fundos de incentivos fiscais; e) fundos por designação.
Fundos de repartição de receitas, de que são exemplos o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), são instrumentos de repartição de recursos entre os entes federados, segundo critérios estabelecidos na Constituição Federal.[5]
Os fundos de redefinição de fontes são excepcionados (pelo próprio texto constitucional) da observância às normas que regem a instituição e operação de fundos, possuindo, assim, as seguintes singularidades: a) não constituem unidades orçamentárias; b) não possuem uma programação própria sujeita a um gestor determinado; c) não se vinculam a um órgão determinado da Administração. Em resumo, tais “fundos” são mais uma forma de particularizar recursos nos orçamentos, por meio de fontes diferenciadas, do que instrumentos especiais de programação e de gestão de recursos. São exemplos o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, criados pelas Emendas Constitucionais nºs 10 e 31.[6]
Os Fundos de instrumentalização de transferência são uma categoria constituída pelos Fundos Difusos, ou seja, por itens de programas de trabalho que sem constituir um fundo, transferem recursos para fundos estaduais com vistas ao cumprimento de disposições constitucionais ou legais.
Constitui exemplo típico deste tipo de fundo as transferências previstas na Lei Orçamentária Anual para os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criados nos Estados. Como fundos contábeis, em obediência ao que estabelece o Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (EC nº 14/96). As finalidades desses fundos e os critérios de distribuição do recursos constam do próprio ato legal que os institui. Ao que parece, também o fundo derivado do Fundo de Erradicação da Pobreza deverá se enquadrar nessa categoria.[7]
Fundos de incentivos fiscais são aqueles que não operam diretamente com o orçamento, utilizando-se, na verdade, dos recursos provenientes de benefícios fiscais. São exemplos o Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM), criados pelo Decreto-lei nº 1.366, de 1974.[8]
Por último, têm-se os fundos de designação, que são aqueles fundos que, rigorosamente, não são fundos, sendo na realidade entidades da Administração Indireta formalmente designadas ou chamadas de fundos. São exemplos o Fundo Nacional De Desenvolvimento Da Educação (FNDE) – criado em 21 de Novembro de 1968, pela Lei nº 5.537, como autarquia federal – e o Fundo Nacional De Desenvolvimento (FND) – instituído em 1974 pela Lei nº 6.093 e recriado pelo Decreto-lei nº 2.288/86, como autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda.[9]
Como dito alhures, os fundos podem ser especiais ou atípicos. Acima foram destacadas as principais características das categorias de fundos atípicos, cabendo agora a análise dos fundos especiais.
Os fundos especiais, como visto, possuem características definidas no ordenamento jurídico. A primeira definição legal dos fundos especiais foi prevista no Código de Contabilidade Pública, cujo art. 83 dispunha como fundo especial “o produto das fontes de renda a que, em virtude de preceitos de lei e de estipulações contratuais, houver sido determinada aplicação especial”. Tal definição foi aprimorada pela Lei 4.320/64, cujo art. 71 estabelece: “constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normais peculiares de aplicação.”[10]
Os fundos devem integrar, obrigatoriamente, a lei orçamentária. Nesse sentido a lei 4320/64, em seu art. 3º, estabelece que “ a Lei do orçamento compreenderá todas as receitas, inclusive as operações de crédito autorizadas em lei”. No mesmo rumo o art.165, parágrafo 5, I, da CF/88 aduz que “a lei orçamentária anual compreenderá o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
A partir da caracterização legal dos fundos especiais pode-se destacar como seus atributos: a) receitas especificadas (o fundo especial deve ser instituído com base em receitas específicas determinadas em lei, como por exemplo tributos e contribuições); b) gastos vinculados à realização de determinados objetivos (a aplicação das receitas deve vincular-se à realização de investimentos, serviços ou ações claramente conexos com os programas de interesse da Administração que levaram à instituição do Fundo); c) vinculação a órgão da Administração Direta de um dos Poderes; d) aplicação dos recursos por meio de dotações consignadas na Lei Orçamentária, seja por alocação originária ou mediante créditos adicionais (os fundos constituem meios para a execução orçamentária de despesas); e) utilização de contabilidade particularizada no âmbito do sistema contábil setorial (ou seja, esta não existe em separado, mas como parte da contabilidade do órgão orçamentário a cuja programação o Fundo se integra na Lei Orçamentária; f) normas peculiares de aplicação (a lei que instituir o fundo especial poderá estabelecer ou dispor sobre condições e exigências para aplicação dos recursos); g) emprego de meios adicionais de controle (fundos requerem orçamentos detalhados, contabilidade particularizada e prestações de contas específicas); h) preservação dos saldos do exercício (ou seja, salvo disposição em contrário na lei que instituir o Fundo, os saldos apurados no Balanço de final de exercício se convertem em disponibilidade deste para gastos futuros).[11]
Os fundos especiais podem ser divididos em fundos de natureza contábil e fundos de natureza financeira. Os primeiros são fundos que distribuem recurso por meio de dotação específica na lei orçamentária ou em créditos adicionais, tendo seus saldos controlados em contas. Os fundos de natureza financeira, por sua vez, são fundos que realizam execução orçamentária e financeira de despesas que gerenciam, por meio de dotações orçamentárias detalhadas no orçamento fiscal.[12]
Os fundos contábeis são aqueles cujos atos de instituição explicitam a sua natureza. Quando não há menção o fundo será financeiro.
A Constitucionalidade dos Fundos Públicos
Não obstante a ocorrência passada e com alguns resquícios nos dias atuais de discussão quanto à constitucionalidade dos fundos, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se decidiu sobre a matéria na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) número 1726-5[13].
Julgou o Supremo que a exigência de prévia lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o Art. 165, § 9, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4320, de 17 de Março de 1964, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar. Entendeu ainda o Pretório Excelso que embora os fundos especiais não estejam previstos constitucionalmente, eles estão disciplinados nos Arts. 71 a 74 da Lei nº 4320/64.
Como se pôde observar, a discussão girou em torno justamente da não existência de lei complementar definidora das condições gerais dos fundos, o que ocasionaria, supostamente, a sua inconstitucionalidade. No entanto, com o reconhecimento do status de lei complementar para a Lei nº 4320/64, parece não haver mais dúvida nesse sentido. Com efeito, dispõe o art. 16557 da Constituição Federal, em seu parágrafo nono:
§ 9º - Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.O relator da ADIN, ministro Maurício Corrêa58, entendeu que:
Equivocou-se o requerente, pois não tendo sido editada lei complementar que disciplinasse o preceito constitucional invocado, a Lei 4320, de 17 de Março de 1964, que institui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos da União, está recepcionada pela Constituição Federal, com status de lei
complementar, visto que do contrário restaria de braços cruzados e em pânico, a Administração Pública, impedida que estaria de realizar as suas atividades institucionais.
Votou ainda o eminente relator no sentido de que “embora a Constituição não se refira a fundos especiais, contudo estão eles disciplinados na Lei 4320/64, que foi recepcionada pela Carta Política Federal vigente.”
O posicionamento do Supremo nos remete então, claramente, à constitucionalidade dos fundos instituídos com base na Lei nº 4320/64, recepcionada como lei complementar.
Exemplos de Fundos Bem-sucedidos
Como se disse antes, países que dispuseram (e ainda dispõe) de algum recurso mineral em abundância ao longo de sua história adotaram a estratégia da criação de diversos tipos de Fundos. Os fundos, em geral, surgiram a partir da constatação de que a grande exploração e produção de petróleo (ou outro recurso) não correspondia a um necessário e consequente crescimento e desenvolvimento econômico. Muitos desses países produtores possuíam educação, saúde e saneamento totalmente precários, não obstante a “riqueza do petróleo”.
Talvez o grande motivo seja a já comentada “Doença Holandesa”, uma verdadeira maldição para os grandes exploradores de petróleo. Os fundos aparecem, nesse contexto, como mecanismos de gestão dos recursos provenientes dessa atividade, buscando atenuar os efeitos da Doença Holandesa, gerando desenvolvimento econômico.
Dois Fundos aparecem em destaque no cenário mundial, pelo seu caráter exitoso: o da Noruega e o do Alaska (EUA).
Em 1990, a partir das receitas obtidas com a exportação do petróleo, o parlamento norueguês criou um fundo de reservas, o Government Petroleum Fund. Em 2006, o fundo foi renomeado de Government Pension Fund - Global. Este compõe, juntamente com o Government Pension Fund – Norway (GPF-N), um fundo ainda mais amplo que lhes dá nome, o Government Pension Fund (GPF), cujo objetivo é facilitar a formação de poupança pelo setor público, necessária para, no futuro, fazer frente à rápida expansão dos gastos com seguridade social (pensões e aposentadorias), assim como garantir a gestão de longo prazo das receitas provenientes do petróleo. Os ativos do Government Pension Fund chegaram a US$ 382,2 bilhões em março de 2008.
O Government Pension Fund Global tem como objetivos: proteger a política fiscal e monetária de desdobramentos das oscilações do preço do Petróleo, transformar recursos naturais de ativos reais em ativos financeiros, a fim de permitir que as gerações futuras.
Referências
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[1] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 284
[2] ibidem, p. 289.
[3] SANCHEZ, Osvaldo Maldonado, op. cit., p. 09
[4] idem
[5] OLIVEIRA, Regis Fernandes de, op. cit. p. 285.
[6] SANCHEZ, Osvaldo Maldonado. Fundos Federais: origem, evolução e situação atual na Administração Federal. Revista De Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, pag 10, jul./ago. 2002
[7] idem
[8] idem
[9] idem
[10] ibidem
[11] ibidem
[12] 55Taxonomia dos fundos públicos. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/download/relatorios/Apresentacao_Taxonomia_Fundos_Publicos.pdf.
[13] BRASIL, STF – ADIN nº1726-5, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30.04.2004, pp. 431-449. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347237>
Graduado em direito pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduado em direito do Trabalho e processo do Trabalho pela Faculdade Damásio de Jesus, pós-graduado em Direito Público: constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Roosevelt Oliveira de Melo. A Importância dos Fundos públicos para o Desenvolvimento Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58325/a-importncia-dos-fundos-pblicos-para-o-desenvolvimento-nacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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