MATEUS LUCATTO DE CAMPOS
(orientador).
RESUMO: A violência de gênero mostra-se como uma atitude, infelizmente, persistente em nossa realidade, razão pela qual busca-se a adoção de instrumentos visando seu enfrentamento de modo efetivo, como é o caso da Lei Maria da Penha. Desde o início da quarentena imposta por força do surgimento da pandemia da Covid-19, em março de 2020, foi registrado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) um aumento da violência doméstica de 17,9% em todo o país, em comparação com o mesmo período em 2019 (BASÍLIO, 2020). O presente artigo buscará, mediante pesquisas realizadas nas principais bases de dados on-line disponíveis, expor as razões do aumento de casos na pandemia, dentre as quais se destaca o isolamento social imposto como medida de contenção do vírus, levando-se em consideração, ainda, o contexto de uma sociedade patriarcal. A pesquisa ainda discutirá possíveis soluções para esse problema, demonstrando que a questão deve ser enfrentada mediante a adoção de uma série de medidas interligadas e sequenciadas, tal como o acesso à informação e atendimento por meio de redes de proteção à mulher.
Palavras-chave: Violência doméstica; Violência; Lei Maria da Penha; Pandemia; Covid-19.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 3 O CONTEXTO DA SOCIEDADE PATRIARCAL EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 4 LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006). 5 A PANDEMIA COMO CIRCUNSTÂNCIA DE POTENCIALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 6 REDES DE PROTEÇÃO À VÍTIMA. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
A violência doméstica ou familiar contra a mulher pode ser definida como qualquer ato que mata, agride ou lesa a mulher, podendo ser cometida por qualquer pessoa que tenha uma relação familiar ou afetiva com a vítima. Esse tipo de violência está inteiramente relacionado, ainda, às relações de gênero patriarcais persistentes em nossa sociedade.
No Brasil, nota-se o surgimento de importantes instrumentos de enfrentamento da questão, tal como é o caso da Lei Maria da Penha, instituída e aperfeiçoada ao longo dos anos com a finalidade precípua de gerar mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica contra a mulher no âmbito familiar, doméstico ou em decorrência de afeto.
Contudo, mesmo diante dos avanços significativos no decorrer dos anos para conter a violência de gênero, o Brasil ainda é um dos países que possui a maior taxa de feminicídios do mundo. Esses números cresceram ainda mais após o surgimento e intensificação da pandemia da Covid-19, tendo sido registrado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) um aumento da violência doméstica de 17,9% em todo o país, desde o início da quarentena, em meados de março de 2020, em comparação com o mesmo período em 2019 (BASÍLIO, 2020).
Tal aumento, conforme será explicitado ao longo deste estudo, está relacionado ao fato de que as mulheres são forçadas a passarem mais tempo com seus agressores em virtude das medidas de isolamento social, bem como das dificuldades financeiras agravadas pela falta de emprego, do temor e estresse gerados pelo próprio vírus e da dificuldade de acesso às redes de proteção à mulher e aos canais de denúncia deste tipo de crime.
O tema violência doméstica tem ganhado cada vez mais espaço nas investigações acadêmicas, sendo abordado por diferentes concepções analíticas, uma vez que o panorama atual de pandemia pelo coronavírus despertou preocupação mundial. Além disso, seus efeitos nas vítimas vão além das agressões físicas, psicológicas e sexuais. Essa situação desencadeou e potencializou desajustes sociais, afetivos e psicológicos na população pelos sentimentos de inseguranças, impotência, ansiedade, depressão e até tentativas de suicídios.
O presente estudo tem como objetivo principal analisar o aumento de violência doméstica no Brasil após o surgimento e avanço da pandemia da Covid-19, buscando demonstrar as possíveis causas deste aumento e, por fim, as soluções para o enfrentamento da questão.
2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Segundo Ferraz et al. (2009, p.756), a violência em sentido amplo é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como:
O uso da força física, do poder real ou ameaça, praticado contra si ou contra outra pessoa, ou ainda, contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. É compreendida também como uma violação dos direitos do ser humano, uma vez que é um meio aplicado para coagir ou submeter outra pessoa ao domínio sem seu consentimento.
A violência é um fenômeno legitimado pela própria sociedade e possui raízes nas desigualdades sociais e iniquidades visíveis. Por isso, é uma problemática de caráter social e transformou-se em um problema mundial de saúde pública com consequências como mortes e adoecimentos, cada vez mais presentes em ambientes sociais como escolas e ambientes domésticos (apud MARCOLINO, Emanuella de Castro et al).
Segundo Brasil (2011b, p.14), o impacto da violência também sobrecarrega o sistema de saúde tanto em termos de recursos econômicos e humanos, quanto em custos sociais, como em decorrência de produtividade perdida para a sociedade em geral.
Para Campbell (2020 apud MELO, Bernardo Dolabella et al 2020, p.2), a violência é o fenômeno social, complexo e multifatorial que afeta pessoas, famílias e comunidades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chama a atenção para a violência como um problema de saúde pública.
Em relação especificamente à violência de gênero, a Declaração sobre a Violência Contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993, define a “violência contra a mulher” como “[...] todo e qualquer ato embasado em uma situação de gênero, na vida pública ou privada, que tenha como resultado dano de natureza física, sexual ou psicológica, incluindo ameaças, coerção ou a privação arbitrária da liberdade.” (ADEODATO, 2006, p.2).
Por seu turno, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) aponta que a violência doméstica e familiar contra a mulher é caracterizada como violência que mata, agride ou lesa a mulher, podendo ser cometida por qualquer pessoa, inclusive por outra mulher, que tenha uma relação familiar ou afetiva com a vítima.
“A violência familiar contra a mulher, denominada muitas vezes como violência doméstica, refere-se a agressões de ordem física, psicológica e sexual cujo principal agressor é o parceiro íntimo” (Day et al, 2003; OMS, 2002; Schraiber et al; 2002 apud MOTA, 2004).
Conforme dispõe o artigo 5º da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. A mesma lei traz, em seu artigo 7º, o conceito de cinco formas de violência doméstica e familiar, sendo elas a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A violência física consiste em atitudes que ofendam a integridade ou saúde do corpo humano, como, por exemplo, bater ou espancar, empurrar, arremessar objetos na direção da vítima, sacudir, chutar, apertar, queimar, cortar e ferir.
A violência psicológica é caracterizada por condutas que causam danos emocionais e diminuição da autoestima ou que tendam degradar ou controlar seus comportamentos, crenças e decisões, por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, observação constante, perseguição insistente, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
A violência sexual consiste em práticas que forcem a mulher a fazer, manter ou presenciar ato sexual sem seu consentimento, fazendo o uso da força, ameaça, ou constrangimento físico e moral.
A violência patrimonial fica caracterizada por atitudes que envolvam a retirada de dinheiro conquistado pela mulher com seu próprio trabalho, bem pela destruição de qualquer patrimônio, bem pessoal ou instrumento profissional.
Por fim, a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia (acusar falsamente da prática de um crime), difamação (atribuir fato negativo que não seja crime) ou injúria (atribuir palavras ou qualidades negativas, xingar, ofender).
Com o objetivo de manter e exercer controle sobre a mulher, o agressor imprime comportamentos sistemáticos, seguindo um padrão específico. Normalmente, inicia-se com tensões normais dos relacionamentos, tais como o desemprego, preocupações financeiras, hábitos irritantes e diferentes opiniões que fazem surgir as agressões psicológicas (MILLER, 1999 apud FONSECA E LUCAS, 2006, p.7).
As interações violentas em um relacionamento surgem a partir do momento em que a relação de poder e subordinação precisam ser confirmadas (FONSECA e LUCAS, 2007, p. 7). É oportuno ressaltar que as diferentes formas de violência sofridas por mulheres se manifestam de diferentes maneiras e com graus variados de intensidade. É evidente que tais atos de violência não acontecem isoladamente, mas em um movimento crescente no número de episódios de ocorrência, sendo o ato mais extremado o homicídio (PAIVA; SANTOS V.R e SANTOS, S.M, 2014, p. 7).
3 O CONTEXTO DA SOCIEDADE PATRIARCAL EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência doméstica está inteiramente ligada ao patriarcado, uma vez que se faz presente desde os primórdios.
As relações de gênero patriarcais são o epicentro da violência em geral e que há um esquema para a sua compreensão. A sustentação dessa afirmação está na análise dos processos de produção da violência que resultam de um mundo no qual o valor das pessoas é desigual. Tal desigualdade começa no universo familiar e é a violência moral aí onipresente, considerada normal e naturalizada, a argamassa que mantém o sistema hierárquico, reproduzindo-o num tempo de tão longa duração que se confunde com a história da própria espécie (ALMEIDA, 2004, p. 236).
Almeida prossegue explicando que o patriarcado é uma estrutura hierárquica entre gêneros que não deve confundir-se com suas representações nem com a mobilidade de seus efeitos, tratando-se de uma “estrutura sem sujeito” que emerge feito um “mandato” (ALMEIDA 2004, p. 237). Melhor dizendo, é um ato persistente que passa de geração em geração.
No âmbito internacional, as intervenções com homens autores de violência já têm uma história de, pelo menos, quarenta anos. A primeira tentativa internacional de identificar e descrever políticas para autores de violência foi o Relatório “Intervining with Perpetrators of Intimate Partner Violence: a Global Perspective” lançado em 2003 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essas intervenções, em sua maioria, apresentavam “como elemento principal da violência a diferença de poder entre homens e mulheres e, como orientação teórica, as perspectivas feministas de gênero” (MISTURA; ANDRADE, 2017, p. 243 apud NOTHAFT; LISBOA, 2021, p. 03).
Mesmo a constante evolução da sociedade em geral não é o suficiente para extinguir a prática da violência de gênero, visto que esta continua fortemente enraizada em nosso corpo social, mormente em virtude das fortes relações de gênero patriarcais ainda persistentes em nossa sociedade.
4 LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)
A Lei 11.340/2006, denominada como Lei Maria da Penha, tem como finalidade gerar mecanismos para coibir e prevenir a mulher vítima de violência doméstica e intrafamiliar, em conformidade com o comando previsto no art. 226, §8º, da Constituição Federal, segundo o qual o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência doméstica no âmbito de suas relações”.
A lei em questão foi sancionada em 7 de agosto de 2006 após a luta constante de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher brasileira, cearense, vítima de violência doméstica por parte de seu então esposo, que foram desde de agressões até duas tentativas de homicídios, sendo que uma delas acabou gerando a necessitando de usar cadeira de rodas para se locomover em razão de ficar paraplégica.
Maria da Penha então procurou a justiça brasileira incansavelmente, mas não obteve sucesso. Foi então que, após 15 anos, com a ajuda do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), conseguiu que seu caso fosse analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em 2002, o caso de Maria da Penha só foi solucionado quando o Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, se vendo obrigado a reformular suas leis e políticas em relação à violência doméstica.
Para CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro et al (2015, p.8), a Lei Maria da Penha (LMP) representa um dos mais empolgantes e interessantes exemplos de amadurecimento democrático, pois contou na sua formulação com a participação ativa de organizações não governamentais feministas, Secretaria de Política para Mulheres, academia, operadores do direito e o Congresso Nacional (apud CALAZANS; CORTES, 2011).
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), de 2019 a 2021, oito leis foram sancionadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com o intuito de aperfeiçoar a Lei Maria da Penha. Ainda na atual gestão, outras três normas legislativas publicadas fizeram referência à terceira melhor lei de proteção à mulher no mundo.
Em vigor desde 2006, a Lei Maria da Penha passou por diversas mudanças no decorrer dos anos para melhor atingir seu objetivo de proteger mulheres no Brasil. A Lei Maria da Penha abrange não somente o sexo feminino, como também todas as pessoas que se identificam com o gênero, ou seja, mulheres transgêneros e transexuais também estão resguardadas pela referida lei.
O objetivo da lei, portanto, é coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conferindo proteção diferenciada ao gênero feminino, tido como vulnerável quando inserido nas situações legais específicas de violência já citadas, elencadas pelo art. 5° da lei.
5 A PANDEMIA COMO CIRCUNSTÂNCIA DE POTENCIALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, em 11 março de 2020, que a crise sanitária causada pelo Coronavírus tornou-se uma pandemia (WHO, 2021).
Desde sua emersão, a pandemia da COVID-19 tem gerado uma imensa e larga crise sanitária em inúmeros países, influenciando fortemente no modo de vida de cada uma de suas famílias e na sociedade de modo geral.
No Brasil, a severidade dessa crise assumiu características sem precedentes (SILVA, 2021), colapsando o sistema de saúde e registrando, na data de 29 de junho de 2021, mais de 18.448.402 casos e 514.092 mortes (BRASIL, 2021), o que levou, desde o início, a adoção de uma série de medidas na tentativa de controle e combate ao vírus, dentre elas o isolamento social – tido como o afastamento de quem está doente para evitar a transmissão da doença – e a quarentena – medida preventiva adotada para conter a doença.
Contudo, segundo Reger, M. A et al (2020 apud MELO, Bernardo Dolabella et al 2020, p.3), as mesmas medidas de distanciamento social que podem desacelerar a contaminação pelo coronavírus também tendem a aumentar as taxas de tentativas de suicídio, podendo ser listados como fatores de risco o estresse econômico, a diminuição do acesso às redes socioafetivas, a diminuição do acesso a tratamentos de saúde mental, problemas graves de saúde física prévios à infecção e excesso de cobertura midiática da pandemia, que pode causar a impressão que demais serviços de saúde estariam desativados.
Na mesma linha de raciocínio, a crise social, sanitária e econômica trazida pela pandemia de Covid-19 impacta diretamente na vulnerabilidade social de diversos grupos já anteriormente vulneráveis e exacerbam as desigualdades sociais. Sujeitos como mulheres, crianças em condição de exploração, negros, refugiados e imigrantes representam grupos de pessoas que podem ser mais afetados, uma vez que o impacto dessa crise mundial perpassa a esfera individual, atingindo também as esferas relacional, comunitária e social (MARQUES et al., 2020).
A pandemia também traz repercussão no nível comunitário do modelo ecológico, na medida em que diminui a coesão social e o acesso aos serviços públicos e instituições que compõem a rede social dos indivíduos. A busca por ajuda, proteção e alternativas ficou prejudicada devido à interrupção ou diminuição das atividades em igrejas, creches, escolas e serviços de proteção social, bem como pelo deslocamento das prioridades dos serviços de saúde para as ações voltadas à assistência aos pacientes com sintomas respiratórios e casos suspeitos e confirmados da COVID-19. Todos esses fatores contribuem para a manutenção e o agravamento de situações de violência já instaladas (MARQUES et al., 2020).
A situação não é diferente em relação à violência contra a mulher. A OMS alerta que a violência de gênero ou familiar vem aumentando desde o início da pandemia da COVID-19. Organizações internacionais voltadas ao enfrentamento da violência doméstica já observaram aumento deste tipo de violência em países como a China, a Espanha e o Brasil. Na China, os números da violência doméstica triplicaram; na França houve um aumento de 30% das denúncias e, no Brasil, estima-se que as denúncias tenham aumentado em até 50%. A Itália, assim como os demais países, também indicou que as denúncias de violência doméstica estão em ascensão (VIEIRA, GARCIA & MACIEL, 2021).
Foi registrado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) um aumento da violência doméstica de 17,9% em todo o país, desde o início da quarentena, em meados de março de 2020, em comparação com o mesmo período em 2019 (BASÍLIO, 2020).
De acordo com a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o número de ligações para canal de denúncia de violência doméstica (Disque 100 e Ligue 180) cresceu 18% no Brasil durante o início do período de quarentena (BRASIL, 2021).
Não é de hoje que evidenciamos o quanto é difícil para uma mulher romper o ciclo da violência por uma série de questões que passam por subjetividades emocionais até contextos práticos. Com o necessário isolamento social para o enfrentamento à pandemia como medida de segurança, seria inicialmente fácil, cômodo e agradável passar essa dificuldade dentro de suas casas. Porém, essa realidade foi bem diferente para muitas das mulheres vítimas de violência doméstica e intrafamiliar. O que para muitos é um lugar de refúgio, descanso e lazer, para as vítimas se tornou mais um obstáculo para o enfrentamento dessa situação. Sem lugar seguro, elas estão sendo obrigadas a permanecer mais tempo no próprio lar junto a seus agressores, muitas vezes em habitações precárias, com os filhos, e vendo sua renda diminuída.
Além disso, outro efeito direto em função do isolamento é a redução de denúncias registradas nas delegacias de polícia em todo o Brasil. Essa diminuição se dá pela dificuldade das vítimas de saírem de suas casas para registrarem as denúncias em casos em que há a necessidade de representação exclusiva da vítima. Apesar dos números indicarem um déficit nas denúncias, na realidade, os crimes não diminuíram, mas sim a dificuldade de sua comunicação.
Assim, pode-se atribuir o aumento de casos de violência na pandemia, provavelmente, à coexistência forçada entre a vítima e seu agressor por longos períodos em virtude da imposição do isolamento social, somados ao estresse financeiro, mental e físico causado pela situação no geral e, ainda, às maiores dificuldades no acesso às redes de proteção à mulher e aos canais de denúncia deste tipo de crime.
6 REDES DE PROTEÇÃO À VÍTIMA
Duas formas importantes para conter a violência doméstica são a informação e o atendimento.
Diante do conhecimento do aumento da prática de violência doméstica durante o período da pandemia, algumas instituições e organizações sociais têm expandido materiais para prevenção de crimes desta natureza.
Os canais já existentes realizados por instituições governamentais e não governamentais em nosso país tem um forte papel nesses casos.
Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), os canais são: a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), a Casa da Mulher Brasileira, os Centros de Referência de Atendimento à Mulher e os Serviços de Saúde Especializados de Atendimento à Violência Sexual
A Central de Atendimento à Mulher Ligue 180, que tem como finalidade receber denúncias de violência doméstica, reclamações e até mesmo elogios sobre o atendimento, além de orientar as vítimas sobre seus direitos e sobre a legislação vigente. O atendimento é realizado 24 horas.
A Casa da Mulher Brasileira é por sua vez uma ferramenta que propõe o atendimento humanizado e adaptado às mulheres vítimas que estão em situação de violência e vulnerabilidade. Ademais, ainda no mesmo espaço físico, são oferecidos serviços especializados que atendem outros tipos de violências contra a mulher, como: acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia especializada, serviço de promoção de autonomia econômica, espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca, alojamento de passagem e central de transportes, juizado especializado em Violência Doméstica e Familiar contra as mulheres, Ministério Público e Defensoria Pública. O atendimento também é realizado 24 horas.
Outro refúgio disponibilizado são os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, que são espaços públicos que visam prestar acolhimento, acompanhamento psicossocial e orientação jurídica às mulheres que estão em situação de violência. O horário de atendimento é comercial.
Os Serviços de Saúde Especializados de Atendimento à Violência Sexual, que são unidades que prestam Serviços de Saúde Especializados no Atendimento às Mulheres em Situação de Violência e contam com equipes multidisciplinares (psicólogos, assistentes socias, enfermeiros e médicos), todos devidamente capacitados para melhor atender as vítimas desses casos.
Resumindo, pode-se caracterizar a rede de proteção governamental pelos seguintes serviços: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Tribunal de Justiça, Defensorias da Mulher, Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Conselhos Tutelar para a população infantojuvenil e idosos, Polícia Civil e Polícia Militar (apud MARCOLINO, Emanuella de Castro et al).
É oportuno ressaltar a importância das redes de apoio se modernizarem de acordo com a tecnologia. A internet, quando usada para o bem, é um grande aliado favorável em situações de perigo e vulnerabilidade das vítimas do crime de violência doméstica.
As redes de proteção às vítimas de violência doméstica mobilizaram órgãos governamentais como os tribunais de justiça; as delegacias da mulher; as polícias civil e militar; e órgãos de assistência social em diferentes municípios do país, articulando ações para garantir a proteção das vítimas em situação de violência doméstica por meio de veículos on-line e virtuais, seja por aplicativos de mensagens, programas para realização de boletins de ocorrência on-line ou escutas para assistência psicológica de forma virtual, assistência fundamental (MARCOLINO, Emanuella de Castro et al).
Os meios utilizados como estratégicas governamentais e não governamentais formuladas no Brasil basearam-se em ampliação de atendimentos telefônicos, espaços virtuais de apoio e implementação de meios digitais de denúncia com envio de fotos, vídeos ou depoimentos. Essa tática aflorou como uma possibilidade viável à situação emergencial, trazendo uma luz no fim do túnel e um aparato de possibilidades para as vítimas recorrerem aos serviços de proteção e terem acesso às principais medidas protetivas. Ações assim possibilitam um caminho mais acessível e delicado, além de serem alternativas para as vítimas de violência doméstica na busca pela garantia de seus direitos (BRASIL, 2021).
Tanto a proteção das mulheres vitimadas quanto a punição de seus agressores são importantes no combate à violência doméstica. Contudo, os importantes avanços contra a violência doméstica observados no Brasil, é o caso da Lei Maria da Penha, não se mostram, por si só, suficientes para a solução da questão, na medida em que, conforme visto, a violência doméstica e familiar é um problema estrutural diretamente relacionado à estrutura patriarcal existente em nossa sociedade.
Daí é necessário, para o enfrentamento da questão, a adoção de uma série de medidas interligadas e sequenciadas, dentre as quais se pode citar a inserção de discussão da matéria em grades escolares, inclusive com a abordagem da Lei Maria da Penha; a realização de pesquisas e análises que possam permitir a coleta de dados para geração de estatísticas a nível nacional para melhor compreensão do aumento da violência doméstica na pandemia e a promoção de campanhas educativas contra a violência de gênero.
É necessário intensificar a mobilização da sociedade, considerando-se que muitas ações dependem da ajuda da mesma e de políticas intersetoriais. Sendo assim, gestores precisam diversificar os canais de denúncia e sua divulgação tanto por meio de estratégias de comunicação como em locais públicos especialmente de grande circulação, como farmácias, supermercados, escolas e demais serviços autorizados a funcionar durante e após a pandemia, para que mulheres possam acessá-los mais facilmente.
Ademais, é oportuno ressaltar que também é viável implementar protocolos de verificação de denúncias por vizinhos e ou familiares, uma vez que na maioria dos casos são eles os primeiros a testemunharem.
Outrossim, para que mulheres não sejam colocadas em maior risco se faz necessário aumentar a criação de campanhas que encorajem a sociedade em geral a denunciar casos de violência, garantindo-se respostas rápidas das autoridades para a proteção da mulher, como a retirada do lar do autor de agressão ou a busca de locais de abrigamento seguro durante período de distanciamento social.
Diante do exposto no presente artigo, ficou claro que existe uma relação entre a pandemia da Covid-19 e o aumento da violência doméstica no Brasil.
Nota-se que a sociedade em geral vem lutando contra a disseminação desse vírus, o que inclui as recomendações de isolamento social. Porém, na perspectiva da violência de gênero, o isolamento se apresenta como mais um obstáculo que limita as vítimas a denunciarem e registrarem as ocorrências.
Some-se a isto, ainda, que as mulheres são forçadas a passarem mais tempo com seus agressores, bem como o fato de que a pandemia agravou as dificuldades financeiras e sentimentos de medo e temor pela própria situação, o que também contribui para o aumento da violência de gênero.
Nesse sentido, é crucial a cooperação entre o Direito e a comunicação. O primeiro tem a capacidade de transformar as relações sociais e o segundo de democratizar essas mudanças. Os direitos humanos estabelecem finalidades e objetivos para a sociedade, criam uma nova moralidade e, ao dar nome às queixas e aos desejos coletivos, acabam cumprindo seu papel pedagógico e revolucionário.
Ademais, além da proteção das mulheres vitimadas e da punição de seus agressores por meio da criação de leis como a Lei Maria da Penha, conclui-se que também é necessária a adoção de uma série de medidas sequenciadas para o enfrentamento da questão, dentre as quais se pode citar a inserção de discussão da matéria em grades escolares; a realização de pesquisas e análises que possam permitir a coleta de dados para geração de estatísticas a nível nacional e a promoção de campanhas educativas que encorajem a sociedade em geral a denunciar casos de violência.
Por fim, acredita-se que este trabalho atingiu seus objetivos e se estabelece como um incentivo a outros alunos que queiram se inteirar sobre essa temática, além de consolidar academicamente o arcabouço teórico do mesmo.
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Bacharela em Direito, Universidade Brasil (UNIBRASIL), Fernandópolis - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCELA BARRADO MARçAL, . O aumento da violência doméstica durante a pandemia covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58409/o-aumento-da-violncia-domstica-durante-a-pandemia-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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