JORGE BARROS FILHO[1]
(orientador)
RESUMO: Com a decretação de estado de pandemia pela Organização Mundial de Saúde, em razão do avanço mundial dos casos de contaminação da Covid-19, o Brasil, seguindo orientações internacionais sanitárias, adotou normas de restrição de circulação, todas elas impostas à população, que precisou se adequar para reduzir os casos no país. As novas regras levaram ao maior período de convivência familiar, com a adoção do teletrabalho por grande parte das empregadoras e profissionais liberais. O mesmo método de comunicação remota passou a ser utilizado no ensino, fazendo com que as crianças e adolescentes estudem em casa. Diante da maior convivência de crianças e adolescentes em suas residências, as violências sexuais cometidas contra eles também podem ter sido elevadas no decorrer da pandemia, problemática esta sobre a qual a pesquisa se desenvolve. O objetivo do estudo é discorrer sobre a ocorrência de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes durante a pandemia causada pela Covid-19 no Brasil e seus reflexos penais. Para atender ao planejado, a pesquisa é bibliográfica, com resultados expostos em forma textual segundo o método dedutivo, com a transcrição de trechos e opiniões localizadas em doutrinas, artigos e notícias disponibilizadas em revistas e demais instrumentos digitais de informação.
Palavras-chave: Abuso sexual. Intrafamiliar. Criança. Adolescente. Pandemia.
ABSTRACT: With guidance from the World Health Organization, following the guidance of the World Health Organization, following the guidance of the World Health Organization, following the guidance of the World Health Organization, following the guidance of the World Health Organization, following the guidance of the World Health Organization World Health Organization, the World Health Organization, the restriction of circulation of all World Standards, the World Health Organization to adjust to reduce cases in the country. As new family leads, to the longest period of coexistence for most workers and liberal professionals. The same method of remote communication began to be used in teaching, making children and adolescents study at home. Given the greater coexistence of children and adolescents in their homes, sexual violence committed against them may also have been high during the pandemic, a problem on which its evolution develops. The objective of the study runs on the occurrence of sexual violence against children and adolescents during the Brazilian pandemic against Covid-19 and its criminal consequences. To meet the plan, the research is bibliographical, with results in textual form according to the deductive method, with articles displayed from excerpts and opinions located in doctrines, and news published in magazines and digital information instruments.
Keywords: Sexual abuse. intrafamilial. Kid. Adolescent. Pandemic.
Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. A Proteção Legal das Crianças e Adolescentes. 2. As Espécies de Violência Contra Crianças e Adolescentes. 3. A Violência Sexual Intrafamiliar. 4. Os Impactos da Covid-19 nos Casos de Violência Sexual Intrafamiliar Contra Crianças e Adolescentes. 5. A Responsabilização dos Autores do Fato Pela Prática de Violência Sexual Intrafamiliar. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira, assim como em todos os países do mundo, precisou passar por uma mudança de hábitos nos últimos dois anos. Sem alternativa, a disseminação de um vírus altamente contagioso e em muitas situações letal à vida humana, os indivíduos foram obrigados a rever a convivência social em prol de assegurar a sua saúde e de sua família.
Um dos efeitos da pandemia da covid-19 é o aumento do período de convivência familiar, anteriormente reduzido pelos compromissos externos que retiravam pais, mães e crianças de suas casas. Com as regras de isolamento, o trabalho, os estudos e demais atividades passaram a ser feitas em ambiente domiciliar.
Com isso, todas as situações vivenciadas em ambiente familiar foram intensificadas, não apenas os momentos de felicidade, mas também os de infelicidades tornaram-se mais frequentes e intensos, marcados por violências, entre outros fatores.
Desta feita, as vítimas de violência sexual intrafamiliar ficaram mais expostas aos seus agressores, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidades, fato este que pode ter desencadeado o aumento dos crimes dessa natureza em período de pandemia.
É notório que não é apenas o covid-19 que tem aumentado, mas também os casos de abusos contra as crianças e adolescentes. Sobre a possibilidade de crescimento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes esta pesquisa se apresenta, compreendendo em seu conteúdo a violência em ambiente doméstico e as suas consequências segundo a legislação nacional.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizada em Gurupi, Tocantins, a pesquisa científica tem como instituição de ensino envolvida a Universidade e Gurupi-Unirg e se insere no tipo bibliográfico, baseado em revisão de literatura jurídica. É ainda exploratória quanto aos seus objetivos, por conter entendimentos doutrinários e jurisprudenciais recentes e qualificados.
A metodologia selecionada para a análise dos dados e informações coletados consiste nas técnicas de análise qualitativa do texto (análise de conteúdo, análise do discurso, confrontamento de informações), uma vez que por ser revisão de literatura, expõe o que determina o ordenamento jurídico brasileiro com resultados apresentados na forma de transcrição de trechos, jurisprudências e informações coletadas no curso da pesquisa.
1 A PROTEÇÃO LEGAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Na qualidade de Estado Democrático de Direito, a República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988) e por tal motivo a proteção dos direitos e garantias individuais de todas as pessoas.
Foi a partir da Carta Magna que “O Direito da Criança e do Adolescente demarcou um campo especial no ordenamento brasileiro. A partir de 1988 crianças e adolescentes são reconhecidos na condição de sujeitos de direitos e não meros objetos de intervenção no mundo adulto” (MULLER, 2011, p. 1).
A Carta Cidadã se destacou das anteriores por ter dedicado um dispositivo para a proteção das crianças e dos adolescentes. O artigo 227 da Constituição é longo, constituído de 8 parágrafos, que deu as diretrizes para a regulamentação da matéria. O caput determina a responsabilidade da sociedade, do Estado e principalmente da família de dar acesso aos direitos dos menores de idade:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
Nos parágrafos que compõem o artigo da lei maior, encontram-se os deveres do Estado e as medidas a serem tomadas pelo Poder Público para assegurar os direitos fundamentais. Especificamente, o §8º determinou a edição de uma lei que estabelecesse os direitos dos jovens, através de um estatuto próprio, e um plano nacional de juventude.
Em suma, a Constituição brasileira tornou as crianças e adolescentes sujeitos dos direitos fundamentais atribuídos a todos os cidadãos, e além disso, titulares de direitos especiais, com base na sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (MULLER, 2011).
Dois anos após a promulgação da constituinte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi sancionado pelo Congresso Nacional, através da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, que no seu artigo 2º apresenta quem são os destinatários da proteção legal: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. (BRASIL, 1990)
A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece em seu artigo 4º o dever da família e da sociedade em resguardar os direitos das crianças e dos adolescentes.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)
A vida, a saúde, a segurança e a dignidade humana das crianças e dos adolescentes é amplamente assegurada no ordenamento nacional e decorrem do princípio da proteção integral.
A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a idéia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento (Cury, Garrido & Marçura, 2002, p. 21).
Todavia, apesar de tudo o exposto, infelizmente, existem vários casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Uma das formas corriqueiras é a de natureza sexual, mas várias são as modalidades praticadas dentro do ambiente familiar, por pessoas da própria família das vítimas vulneráveis.
2 AS ESPÉCIES DE VIOLENCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Para garantir a dignidade humana para as crianças e para os adolescentes, além de proporcionar mecanismos de sobrevivência, quais sejam educação, cultura, educação, lazer, etc., é essencial blindar esses indivíduos daquelas situações que lhe colocam em perigo de dano não apenas físico, mas também, moral e psicológico.
Por violência entende-se “qualquer atitude ou ação que cause algum prejuízo físico ou moral a uma pessoa ou ser vivo. Violência também pode ser entendida como o ato que agride ou pretende agredir. Violência, quando uma atitude intencional, é sempre um tipo de ataque” (Significados, 2022).
A partir do conceito acima, é perceptível que a violência pode ser expressada de várias formas. Em se tratando de vítimas crianças e adolescentes, as seguintes espécies de violência se apresentam possíveis, as quais são a apresentadas e definidas nos seguintes termos:
2.1.1 NEGLIGÊNCIA: forma de violência que tem como característica, ato de omissão por parte dos responsáveis da criança, em prover os cuidados básicos tais como: vacinação, alimentação, educação, higiene, e afeto e atenção.
2.1.2 ABANDONO: Assemelha-se a negligência, porém tem um diferencial, é caracterizado, por abandonar de forma parcial ou total, quando parcial a criança e adolescente fica por alguns dias sem a pessoa mais velha cuidando destes, e o abandono total é quando o responsável evadiu-se da residência, não mais retornando para responsabilizasse pela criança ou adolescente.
2.1.3 VIOLENCIA PSICOLOGICA OU EMOCIONAL: É uma forma de violência, que podemos chamá-la de silenciosa, ou mais difícil de ser identifica, pois a primeira vista não se apresenta visível de ser identifica. Lembrando que está violência está geralmente acompanhada dos demais tipos de violência. Tem como características, o processo de humilhação, xingamentos, e rejeição. São comuns “certas frases como: “não sei por que você nasceu”, você é burra”, você não presta para nada”, você é um atraso na minha vida”.
2.1.4 VIOLENCIA FISICA: Este tipo é um dos mais fáceis de ser identificado, pois a criança geralmente apresenta marcas, escoriações, vermelhidões, hematomas e até mesmo algum membro do corpo quebrado. Muita das vezes esse tipo de violência ocorre, com a justificativa do responsável de que é necessário “educar” “corrigir” e não admite ser uma violência praticada. Dependendo do grau da violência pode levar a morte da criança.
2.1.5 VIOLÊNCIA SEXUAL: É praticada, sem o consentimento da criança e adolescente, parte do principio o abuso de autoridade perante a criança sendo obrigados a praticas sexuais. Pode ser classificada como abuso sexual intrafamiliar e extra familiar, exploração sexual comercial. [...]
2.1.6 BULLYING: Refere-se a atitudes de atos de violência de modo intencional e sistemático. A tradução da palavra BULLYING para a nossa língua portuguesa significa: brutal, tirano. Geralmente é praticada por um grupo de pessoas para com uma única pessoa, o ofendido (a), muitas das vezes as situações de Bullying são por questões relacionadas pela intolerância, em relação a orientação sexual, identidade de gênero, forma física, raça, etnia, nacionalidade. É praticado em qualquer ambiente, não se restringindo ao universo escolar (MELLO, 2017, p.1).
Evidente que muitas outras situações podem ocorrer e se caracterizar como violência, sendo que em todas elas devem ser coibidas pela sociedade, pelo Estado e principalmente pela família, responsáveis direitos pelo cuidado das crianças e dos adolescentes. Contudo, o problema maior reside em ser a violência praticada em ambiente intrafamiliar, com destaque para a forma sexual, objeto deste estudo.
3 A VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR
Uma das espécies corriqueiras, a violência sexual contra crianças e adolescentes é caracterizada como um crime grave contra os direitos humanos, e que deve ser enfrentado, haja vista que se apresenta como um fenômeno violador da integridade física e psicológica de pessoas em fase peculiar de desenvolvimento (SILVA e MARQUES apud MOUSINHO e REIS, 2018, p. 01).
Dado a gravidade da conduta, o artigo 227 da Constituição determina expressamente que: “§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. ” (BRASIL, 1988).
Infelizmente, existem situações em que o abuso sexual ocorre dentro de casa, mediante relação familiar preexistente. Essa violência intrafamiliar é marcada pela existência de uma relação de convivência com o abusador, diferentemente da que ocorre em outros ambientes em sociedades.
O abuso sexual intrafamiliar geralmente é alguém em que a criança, confia, tem respeito e que possui algum grau de parentesco seja, avos, tios, irmãos, pais, mães, padrastos, madrastas. Já o abuso sexual extra familiar é alguém geralmente muito próximo a criança e que também há uma relação de proximidade e confiança tais como: pastores, padres, vizinhos, amigos da família dentre outros. Cabe destacar aqui, que eventualmente ocorre esse tipo de violência por pessoas desconhecidas (MELLO, 2017, p.1).
A violência sexual intrafamiliar pode ser observada nas mais diversas famílias, apesar de ser mais comuns em lares instáveis e desestruturados. O motivo dessa informação reside nos números oficiais nacionais.
O abuso sexual intrafamiliar entre criança e adolescente é uma prática que vem ocorrendo com frequência não só nas famílias conhecidas como desestruturadas, mas em todas as classes sociais independentes de cor, crenças ou poder aquisitivo, são atos que podem desenvolver na criança ou adolescente diversas psicopatologias. Estas consequências poderão ocorrer pois a vítima não tem estrutura psíquica e muitas vezes, física em seu desenvolvimento. No Brasil anualmente 6,5 milhões de crianças e adolescentes passam por algum tipo de violência doméstica, entre elas 18 mil são espancadas diariamente e 300 mil são vítimas de incesto. Os adolescentes entre 10 e 14 anos foram os mais atingidos por violência física, e em segundo lugar por violência sexual (AZEVEDO, ALVES E TAVARES, 2018, P.1).
É necessário que o Judiciário e a sociedade mantenham-se atentos a tais situações, uma vez que a violência sexual intrafamiliar se tornou um empecilho cujo enfrentamento da sociedade é preciso, uma vez que tal prática viola os direitos humanos das crianças e adolescentes e causam impactos profundos no seu desenvolvimento psicológico (SZEBOT, 2021).
A violência sexual contra crianças e adolescentes, enquanto manifestação da violência que acomete o segmento infanto-juvenil é negação dos direitos humanos porque viola a integridade física e psicológica dos sujeitos em fase peculiar de desenvolvimento, podendo deixar marcas profundas em seus corpos e mentes. É um fenômeno que os destitui a condição de detentores de direitos que é característico e especifico dessa fase da vida, ao torná-los objeto de satisfação e desejo daquele que comete o ato violento, retirando sua posição de sujeito que ainda não adquiriu integralidade, que ainda está em fase de construção de personalidade (MOUSINHO e REIS, 2018, p. 03).
Neste sentido, devem ser criados mecanismos de intensificação da proteção das crianças e dos adolescentes.
Da breve análise dos princípios incorporados pela Doutrina da Proteção Integral, bem como do rol de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, conclui-se que os direitos fundamentais refletem a proteção integral preconizada, representando um avanço. Porém, o desafio que atinge a todos, sociedade, famílias e Estado, é o de transformar os direitos fundamentais em prática no atual momento histórico da infância e adolescência no Brasil, e não somente representar uma conquista formal. No sentido de concretizar os direitos e contribuir para a efetivação da cidadania, torna-se indispensável a implantação de políticas públicas, programas, atividades, ações do cotidiano que atendam crianças e adolescentes nas demandas próprias do seu desenvolvimento, atingindo de igual forma as suas famílias. É necessário um comprometimento efetivo com a criança e adolescente, para que seja fortalecida a nova ordem recomendada pela Doutrina da Proteção Integral, com vistas à promoção da sua dignidade humana e o pleno exercício da cidadania (MULLER, 2011, p.1).
De fato, a responsabilização dos autores de tais condutas é necessária e será mencionada a seguir, antes disso, são analisados os impactos que a Covid-19 causaram nos casos de violência sexual intrafamiliar no Brasil.
4 OS IMPACTOS DA COVID-19 NOS CASOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Com a mudança de hábitos, a sociedade foi marcada pela retomada de convívio doméstico e familiar. Muitas famílias, passaram a conviver por mais tempo, fato este ampliou não apenas os pontos positivos, mas também os negativos, intensificando os problemas e as violências em face das crianças e dos adolescentes, especialmente a sexual intrafamiliar.
Diante do fechamento das escolas e de outros espaços importantes para a construção de vínculos de confiança com adultos fora de casa, crianças e adolescentes ficaram ainda mais vulneráveis à violência sexual durante a pandemia da Covid-19, alertam o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Esse foi um dos achados do estudo produzido pelas três organizações, que teve como objetivos verificar os possíveis impactos do isolamento social na ocorrência e na notificação da violência sexual e dar visibilidade a esse grave e recorrente problema e à necessidade de avançar no enfrentamento (UNICEF, 2020, p. 1).
Em um período de convivência comum, a violência sexual intrafamiliar já consistia em uma preocupação social de alta relevância. Com a vinda das normas restritivas de convivência em combate à contaminação da Covid-19, que causou uma pandemia, a preocupação sofreu aumento significativo, ante a maior exposição das crianças e adolescentes ao convívio com abusadores sexuais.
Os fatos comprovam que, embora o isolamento em casa seja uma medida de controle que pode conter o desenvolvimento de um novo vírus denominado coronavírus, esse procedimento tem desencadeado um aumento nos casos de violência doméstica. Pois embora a casa geralmente seja um “lar”, um grande número de pessoas ainda sofre por causa do ambiente inseguro, pois muitos familiares precisam dividir o espaço com o agressor (BESSA, 2021, p.1).
Caso o ambiente familiar fosse um lugar seguro para todas as crianças e adolescentes, naturalmente, o isolamento social deveria significar a redução das violências sexuais. Contudo, o resultado foi o contrário, sendo comum as denúncias de violência física e psicológica no curso da pandemia da Covid-19.
Durante o isolamento social em decorrência da pandemia da Covid-19 no país, o canal de denúncias de violação aos direitos humanos já recebeu, até maio de 2021, 25,7 mil denúncias de violência física e 25,6 mil de violência psicológica. Crianças e adolescentes correspondem a 59,6% do total de ocorrências.
Em março de 2020 escolas de todo o país fecharam as portas para colaborar com medidas preventivas e de contenção da disseminação do vírus. Até hoje, 14 estados e o Distrito Federal continuam com instituições de ensino público sem aula presencial, diminuindo o contato de crianças e adolescentes com pessoas de fora do círculo familiar.
De acordo com o Departamento de Polícia Judiciária da Macro Região (Demacro), houve queda de 70% no número de ocorrência de abuso sexual e violência a jovens no estado de São Paulo em abril de 2020, quando em comparação com o mesmo mês de 2019. Isso indica subnotificação, já que não há evidência de fatores favoráveis à diminuição da violência, a qual vinha crescendo nos anos anteriores.
Segundo um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), o fechamento das escolas foi vetor da diminuição de denúncias, já que professores frequentemente conseguiam identificar a vítima, além de tomar providências (RACIUNAS e O´KUINGHTTONS, 2021, p. 1).
De fato, a UNICEF já constatou a redução das denúncias, apesar do crescente número observado nos anos anteriores. De acordo com estudo realizado, as denúncias de estupro de vulneráveis, que vinham crescendo nos últimos anos, reduziram significativamente no primeiro semestre de 2020 em 15% (quinze por cento) em comparação com o mesmo período do ano de 2019 (UNICEF, 2020).
O ano de 2020 teve queda de 4,5% nas denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Disque 100, em relação a 2019; foram 14.621 registros no primeiro ano da pandemia. Em 2021, até 12 de maio, o Disque 100 registrou mais de 6 mil denúncias de violência sexual infantil. A pandemia, que levou ao fechamento das escolas e lugares de sociabilidade das crianças e adolescentes, é apontada por fontes ouvidas pela Gênero e Número como uma das justificativas para a diminuição das denúncias. Segundo a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (parte do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), ano passado apenas 6% das denúncias de violência de qualquer tipo contra crianças e adolescentes foram realizadas pelas vítimas no Disque 100 (SILVA e MARTINS, 2021, p. 1).
Segundo a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a redução das denúncias não representam a redução da violência, uma vez que a baixa dos números decorrem das medidas impostas pela pandemia da Covid-19, responsável pelo afastamento das crianças e adolescentes de ambientes escolares e locais públicos em que as violências poderiam ser observadas por terceiros, os principais denunciantes dessas condutas criminosas, tendo a pandemia contribuído para a subnotificação da violência sexual intrafamiliar (SILVA e MARTINS, 2021).
Contudo, apesar de muitas famílias omitirem e até compactuarem com as violências sexuais contra crianças e adolescentes, a sociedade e o Estado possuem o dever constitucional de impedir a violação dos direitos humanos desses indivíduos, o que ocorre principalmente através da responsabilização dos envolvidos com essas práticas.
5 A RESPONSABILIZAÇÃO DOS AUTORES DO FATO PELA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR
Em se tratando de práticas sexuais em ambiente familiar, o alto grau de reprovabilidade desses abusos se concretiza através da sua caracterização delitiva.
Os crimes de natureza sexual estão tipificados do artigo 213 a 218 do Código Penal, havendo crime próprio quando a vítima for considerada vulnerável, situação que compreende as crianças e adolescentes menores de 14 (catorze) anos de idade (BRASIL, 1940).
Quando se trata de crimes sexuais praticados contra vulneráveis, incide a majorante de pena prevista no inciso II do artigo 226 do Código Penal, que aumenta a pena “de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela” (Brasil, 1940).
No exemplo a seguir, o abuso sexual intrafamiliar levou à condenação do autor do fato, na forma majorada, com base no depoimento da vítima como prova suficiente à comprovação da materialidade delitiva e autoria.
APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ACUSADO CONDENADO À PENA DE 12 (DOZE) ANOS DE RECLUSÃO PELO CRIME DESCRITO NO ART. 217-A C/C ART. 226, INCISO II DO CÓDIGO PENAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO, POR INSUFICIENCIA DE PROVAS E FALTA DE CONSTATAÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL PELO LAUDO PERICIAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COLHIDAS A PARTIR DAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E DOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. RELEVANCIA DA PALAVRA DA OFENDIDA. PERÍCIA PSICOLÓGICA QUE ATESTA A POSSIBILIDADE DE VIOLÊNCIA SEXUAL SOFRIDA PELA VÍTIMA, DESNECESSIDADE DE PRESENÇA DE RESQUÍCIOS FISICOS DOS ATOS LIBIDINOSOS EM LAUDO PERICIAL. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL, MAJORANTE PERTINENTE À CONDIÇÃO DE ASCENDENTE DO AGENTE DO DELITO. REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. IMPERIOSIDADE DA REPREENSÃO DO ABUSO SEXUAL PRATICADO NO ÂMNITO INTRAFAMILIAR. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. (TJBA – Classe: Apelação. Número do processo: 0302463-33. 2012.8.05.0259, Relator: Soraya Moradilio Pint. Segunda Câmara Criminal – Primeira Turma, Publicado em: 09/05/2019).
Além de responsabilizar criminalmente os autores dessa violência, em sendo titular do poder familiar, deverão ser desconstituídos desse direito e dever, conforme a jurisprudência exemplifica:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. SITUAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA VERIFICADA. Genitores que não apresentam condições de proporcionar aos filhos adequado e saudável desenvolvimento. Juízo de procedência dos requerimentos iniciais do Parquet que tem arrimo na repetição crônica dos episódios de negligência e/ou violência intrafamiliar, marcados pelo descaso e pela indiferença dos pais em relação à prole, de modo que não se mostraram capazes de alcançar aos protegidos os cuidados de proteção mínimos de que nenhuma criança ou adolescente deve ser privada. Prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente. Sentença de procedência confirmada. APELO DESPROVIDO. (TJ-RS – AC: 70084537885 RS, Relator: Rosana Broglio Garbin, Data de Julgamento: 27/11/2020, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 07/12/2020).
Diante de tais informações, resta demonstrado que o ordenamento jurídico nacional criou mecanismos legais de proteção da criança e do adolescente, punindo penalmente aqueles que violem seus direitos e lhes causem violências, mas tais fatos devem ser levados ao conhecimento das autoridades. Desta forma, compete à sociedade e ao Poder Público contribuir para que tais condutas não ocorram, especialmente em um período conturbado como o decorrente de pandemia.
CONCLUSÃO
Ao levar em consideração as modificações sociais advindas das novas regras de convivência determinadas pelo governo brasileiro, de todos os entes federativos, em razão da pandemia da Covid-19, as famílias passaram a conviver por mais tempo juntos. Ocorre que o aumento da convivência nem sempre é positivo.
A pandemia, portanto, modificou a sociedade e causou danos em todas as pessoas que precisaram se adequar à nova realidade. Quando se tratam de crianças e adolescentes, pessoas vulneráveis, há uma preocupação em acompanhar essas mudanças para que situações de violência não sejam facilitadas pelo isolamento social.
O crescimento da convivência ocasionou a sensação de aumento também dos episódios de violência intrafamiliar. Contudo esses fatos não foram necessariamente denunciados e os números oficiais provavelmente não refletem a totalidade de violências praticadas, o que se atribui ao fato de as crianças e os adolescentes terem ficado sem contato com pessoas que poderiam denunciar às autoridades.
Se, por um lado, houve o aumento de denúncias, em muitos casos o socorro policial e das demais autoridades acaba sendo tardio, uma vez que, realizado o abuso sexual de crianças e adolescentes, está concretizado o prejuízo físico e psicológico ao qual as vítimas são submetidas.
Após realizada a pesquisa, a conclusão obtida consiste na necessidade de criação de mecanismos de proteção das vítimas em situação de vulnerabilidade em todas as circunstancias possíveis, aplicando as penas cíveis e criminais aos responsáveis, a fim de assegurar o gozo pleno dos direitos individuais das crianças e dos adolescentes brasileiros.
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[1] Professor(a) Especialista do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAYSLA CALIXTO PóVOA, . Violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes durante a pandemia da covid-19 no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58413/violncia-sexual-intrafamiliar-contra-crianas-e-adolescentes-durante-a-pandemia-da-covid-19-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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