MAYDÊ BORGES BEANI CARDOSO[1]
RESUMO: O presente trabalho tem o propósito de analisar as consequências patrimoniais decorrentes da não verificação prévia de paternidade frente à obrigação de pagamento de alimentos gravídicos e a possibilidade de restituição dos valores adimplidos em face do verdadeiro genitor. Instituída para garantir a segurança indispensável para o completo desenvolvimento da criança durante o período gestacional, a Lei de Alimentos Gravídicos nº 11.804/2008 manteve a lacuna há muito tempo existente no Ordenamento Jurídico Pátrio, uma vez que este direito já estava implícito em vários outros dispositivos legais que garantem mecanismos de proteção à criança, sobretudo na Constituição Federal. O presente trabalho tem como propósito analisar as consequências patrimoniais e apresentar soluções e respectivos fundamentos jurídicos para a reparação do dano sofrido pelo genitor aparente que é indevidamente obrigado ao pagamento de alimentos, considerando tratar-se de verba irrepetível e a controvertida questão da responsabilidade civil da gestante. Para tanto será utilizado o método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica e análise jurisprudencial demonstrando quais ferramentas este possui para reaver o crédito pago indevidamente e se cabível a restituição da verba alimentar paga.
Palavras-chave: Obrigação Alimentar. Alimentos Gravídicos. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade Civil. Restituição.
ABSTRACT: The present work has the purpose of analyzing the patrimonial consequences resulting from the non- previous verification of paternity in the face of obligatio to pay pregnant alimony and the possibility of refunding the amounts paid in the face of the true parent. Established to guarantee the essential safety for the complete development of the child during the gestational period, the Gravid Food Law nº 11.804/2008 maintained the gap that has long existed in the National Legal Order, since this right was already implicit in several other provisions. Iaws that guarantee child protection mechanisms, especially in the Federal Constituion. The purpose of this work is to analyze the patrimonial consequences and present solutions and the respective legal bases for the repair of the damage suffered by the apparent parent who is unduly obliged to pay maintenance, considering that it is an unrepeatable sum and the controversial issue of civil liability od the pregnant. For this purpose, the deductive method will be used, through bibliographic research and jurisprudential analysis, demonstrating what tools it has to recover the credit unduly paid and if it is appropriate to refund the food allowance paid.
Keywords: Food Obligation. Gravid foods. Unjust enrichment. Civil responsibility. Restitution.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. A proteção jurídica ao direito alimentar do nascituro e a obrigação alimentar 2.1 Conceito e Natureza Jurídica da Obrigação Alimentar. 2.2 Espécies de Alimentos. 2.3 Características da Obrigação Alimentar. 2.4 Características do Direito Alimentar. 2.5 Pressupostos da Obrigação Alimentar. 2.6 Aspectos Processuais e materiais dos alimentos gravídicos. 3. Não verificação prévia da paternidade e suas consequências patrimoniais 3.1 Verificação da paternidade negativa e a responsabilidade civil da genitora. 3.2 O direito de ação de indenização por danos morais quando comprovada a má-fé da genitora. 3.3 Direito de o Suposto pai pleitear a restituição dos valores pagos à título de alimentos gravídicos em face do pai biológico da criança. 3.4 Enriquecimento sem causa do verdadeiro pai. 3.5 Direito Restituitório. Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O direito aos alimentos gravídicos é um braço do direito à vida, visto que caso o nascituro não seja amparado materialmente durante o período gestacional terá prejudicada sua subsistência. O pagamento dos alimentos é imprescindível e urgente quando demonstrada sua necessidade, especialmente quando o caso envolve interesse de incapaz.
Os alimentos gravídicos consistem nos dispêndios da fase gestacional, desde a fecundação até o parto e restam fixados com base em indícios de paternidade. Em seguida, comprovado o nascimento do nascituro com vida, ocorre a conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia.
Contudo a problemática deste trabalho se efetiva quando não se concretiza a confirmação da paternidade com a realização do exame de DNA e consequentemente surge a possibilidade de aquele que injustamente foi obrigado ao pagamento de alimentos pleitear em desfavor do pai verdadeiro, já que a produção do referido exame fica impedida durante o período gestacional sob o risco de prejudicar o desenvolvimento do nascituro.
O presente trabalho será pautado em pesquisa bibliográfica acerca do assunto, acompanhado de posterior análise jurisprudencial e legislativa objetivando apurar a perspectiva daquele que pagou alimentos indevidamente cobrar de quem deveria provisiona-los.
Para compreender melhor o assunto, serão abordadas as classificações e as características da obrigação alimentar, apresentando seus protagonistas e inferências.
Ademais, serão avaliados os aspectos materiais e processuais, explorando os tópicos legitimidade, os indicativos de presunção da paternidade, o foro competente, o quantum do dever alimentar, a conversão, revisão e extinção da obrigação alimentar e finalmente a prisão do devedor de alimentos gravídicos.
Dado todo o exposto, serão averiguados os danos patrimoniais sofridos pelo alimentante em virtude da não verificação de paternidade, consequentemente, a responsabilidade civil da mãe nas situações em que ficar demonstrado a imputação de má- fé e, nesse contexto, a possibilidade do pleito de danos morais em face da genitora, a reconsideração da irrepetibilidade dos alimentos gravídicos e a possibilidade de se requerer judicialmente a restituição dos alimentos adimplidos pelo suposto genitor em desfavor do verdadeiro frente a vedação do enriquecimento sem causa.
2 A proteção jurídica ao Direito Alimentar do Nascituro e a Obrigação Alimentar.
2.1 Conceito e natureza jurídica da Obrigação Alimentar
Para Venosa (2020) no que tange ao artigo 1.920 do Código Civil é possível entender que o conteúdo do termo “A temática de alimentos abrange a subsistência física e terapêutica, bem como a casa, enquanto o beneficiário viver, além da educação, se ele for menor.”
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
O tema também encontra previsão legal no artigo 1.694 do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (BRASIL, 2002).
Desse modo, a solidariedade humana e financeira é o fundamento da obrigação alimentar (GONÇALVES,2021), destarte os vínculos afetivos também geram o encargo de assegurar a subsistência daqueles que estão em situação de vulnerabilidade. Assim sendo, prevalece o dever legal de auxílio mútuo.
De forma característica, os alimentos são classificados pela doutrina quanto à natureza (naturais e civis), quanto à finalidade (provisórios, definitivos e transitórios), causa (voluntários, indenizatórios e legítimos), tempo (atuais, futuros e pretéritos) e modalidade (próprios e impróprios).
Observando diversos parâmetros prescritos pela doutrina, os alimentos são classificados por natureza, causa jurídica, finalidade, momento e modalidade. Doravante, passa-se às classificações:
Quanto à natureza, são duas as classes: naturais e civis. Os naturais são aqueles considerados indispensáveis e necessários, ou seja, aqueles que consistem na subsistência, necessidades básicas como alimentação, vestuário, habitação, educação e saúde (DIAS, 2017)
Os alimentos civis, segundo Gagliano (2014), compreendem não somente os recursos vitais, mas também os recursos essenciais para a manutenção da condição social do alimentando.
Quanto à causa jurídica, os alimentos podem ser voluntários (ou convencionais), ressarcitórios (ou indenizatórios) e legítimos (ou legais).
Os voluntários ou convencionais são aqueles resultantes da manifestação de vontade, havendo a possibilidade de declarar-se por ato inter vivos ou causa mortis. Em conformidade com Gonçalves (2021), aquele ocorre através de contrato, situando-se no campo do direito das obrigações, já os que procedem de causa mortis estão inseridos no direito das sucessões se denominando de testamentários.
Os ressarcitórios são os alimentos designados à vítima de ato ilícito gerando forma de indenização do dano ex delicto, estando incluído também na seara do direito das obrigações.
Por fim, de grande relevância, os alimentos legítimos são os oriundos da Lei, tendo como um dos requisitos o vínculo familiar ou conjugal, e que está subordinado à prisão civil em caso de inadimplemento.
No tocante à finalidade, delimita-se na seguinte subdivisão: provisórios, definitivos, provisionais, compensatórios e transitórios.
Os provisórios são aqueles em que a fixação ocorre antecipadamente, pelo procedimento especial regulamentado pela Lei 5.478/1968, ficando dependente de prova de parentesco, casamento ou companheirismo pré-constituída, conforme previsto pelo artigo 4º da referida Lei.
Quanto aos definitivos, estes, tem caráter permanente e são fixados pelo juiz em sentença ou acordo homologado entre as partes (GONÇALVES, 2021), além de não estarem impossibilitados de serem requantificados, conforme dispõe o artigo 1.699 do Código Civil.
No que concerne aos alimentos provisionais estão disciplinados pelo artigo 1.706 do Código Civil que dispõe: “Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual” através de pedido de tutela de urgência em ações distintas das processadas pela Lei de Alimentos (TARTUCE, 2017).
Os alimentos compensatórios são tratados pela doutrina e jurisprudência. Dias (2017) leciona que o termo mais apropriado seria verba indenizatória, prestação compensatória ou alimentos indenizatórios, haja vista seu objetivo seja o de corrigir uma grave desigualdade financeira e decorre da previsão do artigo 1.566, inciso III do Código Civil que regulamenta o dever de cooperação mútua consistente na obrigação do cônjuge ou companheiro em melhor situação financeira garantir ao ex consorte seu reequilíbrio econômico.
Por último, os alimentos transitórios, são conhecidos pela jurisprudência como o resultante do direito de o ex-cônjuge hipossuficiente receber pensão até sua inserção no mercado de trabalho ou em caso de transcurso de lapso temporal fixado judicialmente (GONÇALVES, 2021).
Quanto ao momento, os alimentos se dividem em atuais, futuros ou pretéritos.
A primeira categoria decorre de uma obrigação que surge em razão de decisão judicial e tem como marco inicial a citação do devedor. Por outro lado, os pretéritos dizem respeito às prestações anteriores ao ajuizamento da ação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
São atuais, os que são pleiteados desde o ajuizamento da ação e são exigíveis de imediato.
Diversamente do que acontece com os alimentos futuros que decorre de decisão judicial que estabelece uma obrigação que retroagirá, em regra, à data da citação do devedor. Em contrapartida, os alimentos pretéritos são os que não foram pleiteados em momento adequado não sendo mais passíveis de cobrança.
Quanto à modalidade são classificados como próprios e impróprios, temos que os próprios são aqueles necessários à manutenção da pessoa, prestados in natura. Por outro lado, os impróprios, proporcionam através da pecúnia a aquisição de bens necessários à subsistência (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
2.3 Características da Obrigação Alimentar
Conforme defende Gonçalves Dias, a obrigação alimentar é transmissível, divisível, condicional, recíproca e mutável.
A transmissibilidade é uma novidade do Código Civil de 2002, e institui que a obrigação alimentar se transmite aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1.694 (artigo 1.700 do Código Civil) garantindo que, ainda que o alimentante venha a falecer, o alimentado receba o sustento necessário.
Ademais, a transmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros do cônjuge devedor, está prevista pelo artigo 23 da Lei do Divórcio, contudo, só após a vigência do Código Civil de 2002, é que os alimentos devidos em razão do parentesco foram incluídos no rol de obrigação alimentar (GONÇALVES,2021, p.519).
Uma outra característica dos alimentos é a divisibilidade (também chamada de ausência de solidariedade) prevista pelos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil, possibilita que o alimentando enfrente o pleito em face de mais de um alimentante, tornando possível o rateio da obrigação entre diversos alimentantes, onde cada devedor responde por sua quota parte, conforme seu poder econômico (VENOSA,2020).
Gonçalves Dias manifesta ainda que a obrigação alimentar é também condicional ou subordinada ao binômio alimentar. Isso porque sua eficácia está relacionada com à subordinação dos alimentos a uma condição resolutiva que considera a necessidade do alimentando e também as possibilidades do alimentante, visando estabelecer uma obrigação equilibrada para este e aquele.
Outra característica dos alimentos é a reciprocidade que determina que o direito alimentar é uma via de mão dupla, na qual os papéis de alimentante e alimentado podem ser invertidos a depender da necessidade das partes na situação fática.
Por fim, a mutabilidade que também é conhecida como variabilidade que se refere a capacidade de a obrigação alimentar sofrer mudanças conforme a necessidade do reclamante e possibilidade do reclamado (GONÇALVES, 2021).
2.4 Características do Direito Alimentar
O direito aos alimentos na ótica doutrinária é pessoal, impenhorável, intransacionável, irrenunciável, irrepetível, incompensável, imprescritível, periódico e divisível. O direito alimentar é personalíssimo vez que objetiva garantir a existência do alimentando.
. E por essa razão não pode ser cedido, de acordo com o disposto pelo artigo 1.707 do Código Civil, mesmo fator pelo qual, o referido direito é também impenhorável. Contudo o instituto da impenhorabilidade não atinge os frutos e impossibilita a transação do direito a alimentos (DIAS, 2017). Além disso, o artigo 1.707 também regulamenta a irrenunciabilidade, possibilitando ao credor escolher não exercer o direito aos alimentos, porém este não poderá renuncia-lo.
A irrepetibilidade é uma característica que estabelece que ainda que haja decisão judicial de revisão ou exoneração da obrigação, o alimentando não será coagido a devolver as prestações pagas ao alimentante em razão de tal verba visar assegurar a subsistência do pensionista. Porém, caso seja exista e seja comprovada a má – fé do credor, admite-se a devolução das prestações pagas, vez que a irrepetibilidade não pode ocasionar o enriquecimento injustificado.
A incompensabilidade encontra previsão no artigo 373, inciso II do Código Civil e perpassa pela própria natureza dos alimentos já que os compensar com qualquer outra obrigação anularia por completo o seu propósito de garantir a subsistência do alimentando (VENOSA,2020).
A imprescritibilidade diz respeito ao direito de pleitear alimentos quando os pressupostos estiverem presentes.
Sobre a periodicidade comumente se refere às prestações mensais, sendo possível fixar outros períodos, contudo, não se admite pagamento em parcela única.
E por fim, com relação à divisibilidade deve se entender que a obrigação alimentar é divisível, possibilitando que o requerente venha a pleitear seu sustento de mais de um requerido, de forma que cada qual possa contribuir com os alimentos, na proporção de sua capacidade econômica
2.5 Pressupostos da Obrigação Alimentar
De acordo com Gonçalves Dias (2021), os pressupostos da obrigação alimentar: são: a existência de vínculo de parentesco, a necessidade do reclamante, a possibilidade da pessoa obrigada e a proporcionalidade.
Com relação à existência de vínculo de parentesco, a previsão legal encontra-se no artigo 1.694, § 1º do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
A necessidade é um pressuposto caracterizado pela incapacidade do requerente de sobreviver com recursos provenientes do próprio esforço. Tal incapacidade pode proceder de doença, imaturidade, idade avançada, incapacidade física ou mental e até crise econômica ou pública.
Em contrapartida a possibilidade está relacionada com a capacidade econômica do alimentante de fornecer alimentos sem comprometer sua própria mantença.
2 .6 Aspectos Processuais e materiais dos Alimentos Gravídicos
No que tange os alimentos gravídicos e seus aspectos materiais, estes foram inseridos no ordenamento jurídico por meio da Lei nº 11.804/08, regimentando uma pensão alimentícia determinada judicialmente para assistir à gestante durante à fase gestacional com as despesas referente à assistência médica e psicológica, alimentação especial, exames complementares, internações, parto, medicamentos e quaisquer outras prescrições preventivas e terapêuticas, conforme previsto pelo artigo 2º da referida Lei (MADALENO, 2020).
Se antes do vigor da Lei, era necessária a prova de parentesco para a concessão dos alimentos gravídicos, hodiernamente, basta a existência de indícios de paternidade (PEREIRA, 2017, P.436).
Já no que se refere aos aspectos processuais, inicialmente, examinar-se-á a legitimidade ativa para propositura da ação e em seguida os indicativos de presunção de paternidade.
Posteriormente, observar-se-á qual é o foro competente propor a demanda, além do termo inicial, do quantum alimentar, a conversão, a revisão e a extinção dos alimentos gravídicos.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, a legitimidade propor a demanda de alimentos gravídicos é da gestante, independentemente da existência de vínculo com o suposto pai. A legitimidade passiva, por seu turno, foi conferida ao suposto pai, não sendo estendida a outros parentes do nascituro.
Para que o magistrado fixe os alimentos gravídicos, não é exigida a prova cabal da paternidade, mas apenas indícios desta. Nesse sentido, é necessário que a requerente apresente ao juízo os elementos probatórios para seu convencimento, como depoimentos de testemunhas e provas escritas, dentre outros meios (NADER,2016.
Acerca da comprovação da gravidez pela requerente, é elemento indispensável para a concessão dos alimentos gravídicos, regra decorrente do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, que dispõe que é responsabilidade do autor a apresentação de prova constitutiva do direito alegado.
Ana Maria Gonçalves Louzada (2010, p.40) afirma:
Mas e se a genitora não tiver essas provas, se foi um encontro eventual, poderá o magistrado, apenas com um laudo atestando a gravidez, fixar alimentos? Entendo que sim, uma vez que a experiência forense tem nos mostrado que na imensa maioria dos casos, em quase sua totalidade, as ações investigatórias de paternidade são julgadas procedentes, não se mostrando temerária, a fixação dos alimentos gravídicos sem provas (até porque a lei não exige). Elege-se a proteção da vida em detrimento do patrimônio (grifou-se).
Mesmo diante da incerteza decorrente de um relacionamento vago entre a gestante e o suposto pai, do qual não se pode pressupor evidente fidelidade, o direito aos alimentos subsiste, considerando que o devedor, a quem for atribuída a suposta paternidade, poderá requerer o ressarcimento dos alimentos pagos indevidamente em caso de negativa de paternidade (MADALENO,2020).
O foro de competência para a propositura da ação de alimentos gravídicos é o do domicílio da genitora (DONOSO, 2009).
Freitas (2011), de igual forma assevera que o foro competente para o ingresso da ação de alimentos gravídicos é o da gestante, se utilizando da Súmula 383 do STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”.
Quanto ao termo inicial, é a matéria concernente a este assunto, de maior debate entre os doutrinadores e Tribunais, visto que se refere à obrigação de alimentos gravídicos. Isso porque uma corrente defende que a obrigação existe desde a concepção, uma outra que esta vigora a partir do ajuizamento da ação e por último a que defende que a obrigação se dá desde a decisão que deferiu o pleito.
Para Caio Mário da Silva Pereira, o termo inicial deve ser conhecido desde o momento em que o magistrado despacha a petição inicial, visto que o dispositivo legal, por meio do artigo 9º da Lei 11.804/08 determina que os alimentos consistem nas despesas desde a concepção até o parto. Ademais, a respeito disso, a Lei de Alimentos Gravídicos dispõe expressamente que ao despachar a petição inicial o juiz fixa, de antemão, alimentos provisórios (PEREIRA,2017).
Conclui-se, portanto, que o termo inicial ocorre desde a concepção. Reconhecer qualquer outro momento como o termo inicial da ação de alimentos gravídicos ensejaria em diversas estratégias protelatórias e não estaria conforme a previsão do dispositivo legal expresso no artigo 2º da Lei 11.804/08 que regulamenta que os alimentos gravídicos devem ser prestados desde a concepção até o parto.
No tocante ao quantum alimentar, respeita-se a regra prevista pelo artigo 1.694 do Código Civil no qual se observa o binômio necessidade-possibilidade e ainda o artigo 2º da Lei 11.804/08 que estabelece que a pensão fixada pelo juízo consistirá em valor os alimentos fixados consistirão em valor satisfatório para suprir todas as despesas decorrentes da gestação entre a concepção até o parto.
E por fim, quanto à conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos, em conformidade com o que assevera o artigo 2º do Código Civil, o artigo 6º da Lei de Alimentos Gravídicos preconiza que após o nascimento com vida do nascituro, os alimentos gravídicos se convertem automaticamente em pensão alimentícia em favor do infante, havendo a possibilidade de revisão (CAHALI,2009).
A conversão automática dos alimentos gravídicos também encontra guarida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade”. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.423-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/6/2017(Info 606)
No que concerne a extinção da obrigação alimentar, Maria Berenice Dias (2017) argumenta que nem o indeferimento judicial dos alimentos provisórios, sequer o nascimento do infante durante o trâmite da ação pode acarretar a extinção do processo, uma vez que a lei assegura a transformação do encargo em favor do menor. Apenas os casos de aborto espontâneo suportam a extinção dos alimentos, inexistindo a possibilidade de reembolso ou restituição dos valores pagos.
3 A não verificação prévia da Paternidade e suas consequências patrimoniais
3.1 Verificação da Paternidade Negativa e a Responsabilidade Civil da Genitora
Nos casos em que por ato comprobatório se confirma a negativa de paternidade, se discute acerca da responsabilidade civil da genitora. Contudo, é cabível preliminarmente a compreensão acerca da responsabilidade civil objetiva e subjetiva.
Acerca da responsabilidade civil, são necessários os seguintes elementos na ação ou omissão: (a) violação do dever jurídico, (b) dano causado à vítima, (c) a ação ou omissão seja culposa, (d) esteja presente o nexo de causalidade.
Com relação à conduta da gestante, que aponta ao magistrado destinatário de ação de alimentos que sabe não ser o pai ou que sabe haver dúvida quanto a este ser o pai, se valendo de dolo ou imprudência, indubitavelmente se emoldura no que aponta o artigo 186 do Código Civil. Dessa forma, o dano causado ao alimentante em razão de falsa imputação é o elemento que completa o quadro que tipifica o ato ilícito.
Destarte, quando a gestante deixar de exercer seu direito regularmente e aproveita-se do instituto dos alimentos gravídicos para lograr auxílio financeiro de terceiro que saber não ser o pai, fica configurado o abuso de direito, que por efeito do artigo 927 do Código Civil se equipara ao ato ilícito.
3.2 O direito de ação de indenização por danos morais quando comprovada a má-fé da genitora
Para uma melhor compreensão vale ressaltar o conceito de dano moral indicado por Yussef Said Cahali, que diz:
[...] como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos (CAHALI, 2003, p. 88).
Nas palavras de Venosa (2015), dano moral consiste em um dano imaterial que procede da violação dos direitos da personalidade.
Em relação à negativa de paternidade, o suposto pai estaria desprotegido legalmente, ficando impossibilitado de pleitear a restituição dos valores pagos, vez que o artigo 10 da Lei 11.804/08 que previa a compromisso da gestante fora vetado. Contudo, apesar de não haver a possibilidade de se imputar à responsabilidade civil objetiva à genitora, permeia-se um debate acerca da admissão do pleito de indenização quando comprovado o dolo (COELHO, 2017).
Para Cahali (1998), todos os casos de investigação de paternidade ilegítima provocam uma situação de constrangimento àquele que foi indicado como pai e não o era, colocando em desequilíbrio a reputação do alimentante.
Por ser este o entendimento predominante também nos Superiores Tribunais, conclui-se que existe a possibilidade do pleito pela indenização por danos morais em face da genitora em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, bem como da condenação da genitora ao referido pagamento de danos.
3.3 O direito do suposto pai de pleitear a restituição dos valores pagos à título de alimentos gravídicos em face do pai biológico da criança
Para uma melhor compreensão no tocante à possibilidade de o suposto pai pleitear o ressarcimento dos alimentos pagos indevidamente em razão da vedação do enriquecimento sem causa, é necessário ponderar sobre a irrepetibilidade dos alimentos.
Os alimentos são irrepetíveis e para Dias (2017) se trata de um princípio que se fundamenta na natureza da verba. Isso porque, tal princípio tem por objetivo proteger o alimentando de eventual devolução de prestações alimentícios que porventura tenham sido pagas em duplicidade ou que tenham sido prestadas indevidamente, em razão de a restituição dos alimentos estar impedida em razão de sua destinação, pois serão em tese consumidos (MADALENO, 2020).
Apesar disso, o princípio da irrepetibilidade de alimentos não é absoluto, pois a devolução dos alimentos somente é possível quando quando ficar comprovada a má-fé ou postura maliciosa do credor (DIAS, 2017).
No geral, a excepcional relativização da irrepetibilidade é a posição adotada por diversos outros autores, quais sejam Arnaldo Marmit, Fernanda Tartuce, Paudo Nader, Yusef Said Cahali, dentre outros.
Beneficiar-se dos proventos de outrem sem justa causa, configura enriquecimento ilícito, razão pela qual fica obrigada a restituição, mesmo que sua origem tenha se dado por meio de relações familiares. Admitir a aplicação absoluta do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, consistiria em admitir que o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o enriquecimento sem causa no Direito de Família, ou seja, mesmo em face do pagamento indevido, inexiste a obrigação de restituição, vez que o oposto geraria manifesto desequilíbrio patrimonial (REZENDE,2009).
Os requisitos para a exequibilidade da devolução são estes: a vedação do enriquecimento sem causa, haja vista o pai biológico não poder se beneficiar financeiramente por ter tido uma dívida adimplida por terceiro, quando este é que deveria ter arcado com a despesa e a observância, por analogia, do artigo 871 do Código Civil.
3.4 Enriquecimento sem causa do verdadeiro pai
O enriquecimento sem causa está disposto no Capítulo IV do Título VII, do Código Civil, que trata dos atos unilaterais, que dispõe sobre os atos unilaterais.
Contudo, a materialização de um ato unilateral se dá por meio da manifestação da vontade do agente que dá origem à obrigação, em contrapartida o enriquecimento sem causa, nem sempre é decorrente da vontade do enriquecido (NANNI, 2012).
Para a configuração do instituto, são necessários quatro requisitos, quais sejam: enriquecimento do beneficiado, à custa de outrem, sem justa causa e nexo de causalidade entre o enriquecimento e empobrecimento (NANNI,2012). Tais requisitos estão expressos no artigo 884 do Código Civil.
Acerca do enriquecimento sem causa, Nanni (2012, p.209) ensina:
O enriquecimento deve consubstanciar-se num dado objetivo, numa vantagem concreta, permitindo a sua identificação para o exercício da ação de enriquecimento em busca de extrair-se das mãos do enriquecido o produto que foi indevidamente auferido.
Por outro lado, para a constituição do enriquecimento sem causa se exige a ausência de justa causa ou ausência de causa jurídica que pode ser conceituado como a inexistência de liame jurídico que legitime o acréscimo patrimonial de um em detrimento do sacrifício patrimonial de outro.
E por fim, o último requisito é o nexo de causalidade, que se trata de liame entre o enriquecimento e o empobrecimento, que embora derivem do mesmo fato, não necessariamente tem uma relação de causa e efeito (NANNI, 2012).
Neste sentido, constata-se que o verdadeiro genitor, percebeu vantagem econômica em detrimento do suposto pai, pois não auxiliou a gestante no custeio das despesas referentes ao período gestacional, tendo o terceiro inocente custeado com as referidas despesas indevidamente, importando num enriquecimento sem causa, vedado no ordenamento jurídico (MORELLI, 2019).
Conclui-se que o pagamento indevido, dá origem à obrigação e restituir à parte prejudicada, caso em que o suposto pai tem o direito de buscar do verdadeiro genitor a restituição dos alimentos, conforme será analisado a seguir.
3.5 Direito Restituitório
O Direito restituitório se sustenta no princípio da conservação estática dos patrimônios e está expresso nos artigos 884 a 886 do Código Civil, com regras gerais expressas ou no caso de pagamentos indevidas com regras específicas (MICHELON, 2007).
Madaleno (2020) ensina que, o verdadeiro devedor fica passivo ao ressarcimento dos alimentos, quando estes foram pagos indevidamente por quem não os devia, sob pena de configurar o enriquecimento ilícito, nos casos em que por exemplo o suposto genitor arcou com todas as despesas referente ao período gestacional até o nascimento e após a realização de exame de DNA, restar comprovado não ser o pai, poderá cobrar os valores desembolsados do verdadeiro genitor.
Importante ressaltar que a obrigação de devolver os valores pagos de forma indevida independe de conduta ilícita ou de qualquer comportamento do enriquecido.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu:
ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los. (SÃO PAULO, TJ, Apelação 248/25 Luiz Antônio de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado. 24 /01/2017).
Dessa forma, Fernando Noronha (2013), ensina que os encargos de enriquecimento sem causa amparam o interesse do credor de apropriar-se do patrimônio do credor de valores que erroneamente estão acrescidos noutro patrimônio.
Por todo o exposto, resta comprovado que o suposto pai goza do direito restituitório em face do verdadeiro genitor, uma vez que sofreu uma redução patrimonial indevida, enquanto por outro lado, quem deveria verdadeiramente arcar com a obrigação percebeu vantagem econômica.
Dessa forma, para que seja manifesta a responsabilidade de reparar o dano, é imprescindível a confirmação de má-fé da gestante ao imputar falsa paternidade, caracterizando o abuso do direito de ação, circunstâncias estas em que o suposto pai poderá pleitear danos morais em face da genitora.
Desse modo, a medida que é vedado o enriquecimento sem causa, demonstra-se respaldo para o referido direito no ordenamento jurídico brasileiro. A lei condena quem percebe vantagem patrimonial à custa de outrem sem justa causa, obrigando o enriquecido a restitui-lo, Cuida-se de fonte autônoma de obrigação.
Para a configuração do enriquecimento sem causa, basta a verificação da exigência de conduta ilícita que se encontra no âmbito da responsabilidade civil.
Nesse sentido, o direito restituitório do suposto pai em face do verdadeiro genitor assiste razão, vez que o pagador não devia os alimentos, sendo a dívida uma obrigação do pai biológico. Viu-se ainda que aquele que paga dívida indevidamente dá origem à obrigação de restituir, razão pela qual aquele que proveu os alimentos poderá cobrar de quem deveria ter desembolsado os valores.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VOLPATI, Valquiria Martins. A possibilidade de o suposto pai pleitear o ressarcimento de alimentos gravídicos em face do verdadeiro genitor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58423/a-possibilidade-de-o-suposto-pai-pleitear-o-ressarcimento-de-alimentos-gravdicos-em-face-do-verdadeiro-genitor. Acesso em: 23 dez 2024.
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