RESUMO: O presente trabalho visa analisar os direitos do trabalhador e como eles ficaram durante a pandemia do novo coronavírus, e como os institutos do fato do príncipe e da força maior podem ser aplicados nesse momento, bem como a utilização do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado em todas as relações trabalhistas. Primeiramente o artigo irá abordar acerca do contrato de trabalho e sua definição, bem como analisar o referido princípio, para posteriormente ser analisado como ficou o ordenamento jurídico brasileiro com a edição da Medida Provisória pelo presidente da república, que visa à redução da carga horária e consequentemente dos salários durante a pandemia. Os institutos mencionados também serão analisados para que se possa ver como eles podem ser aplicados nesse momento que o Brasil e o mundo têm passado, bem como o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre esses institutos e a Medida Provisória.
PALAVRAS CHAVE: Direito do Trabalho. Princípio da boa-fé objetiva. Media Provisória.
ABSTRACT: The present work aims to analyze the rights of the worker and how they were during the pandemic of the new coronavirus, and how the institutes of the prince's suit and force majeure can be applied at that moment, as well as the use of the principle of objective good faith, which must be observed in all labor relations. First, the article will address about the employment contract and its definition, as well as analyze this principle, to later be analyzed how the Brazilian legal system was with the edition of the Provisional Measure by the president of the republic, which aims to reduce the workload and consequently wages during the pandemic. The mentioned institutes will also be analyzed so that it can be seen how they can be applied in this moment that Brazil and the world have passed, as well as the understanding of the Federal Supreme Court about these institutes and the Provisional Measure.
KEY WORDS: Labor Law. Principle of objective good faith. Provisional Media.
INTRODUÇÃO
A pandemia do novo coronavírus trouxe vários reflexos sociais e econômicos em todo o mundo. O alto número de mortes, as longas convalescenças, as medidas de isolamento social tomadas causaram um grande impacto nas indústrias, nas empresas, nos comércios, nos empregos, nos trabalhos informais, no mercado econômico e financeiro, são somente alguns dos efeitos desta catástrofe sanitária. Ela afeta de forma direta as relações jurídicas de direito privado em especial os contratos de trabalho celebrados antes de seu advento.
Desse modo, o desafio de reestabelecer a equação obrigacional é uma medida necessária, onde a mais importante recomendação para os empregados e empregadores é que, imbuídos de boa-fé, negociem as modificações que são precisas para preservar o contrato ou, se não for possível fazê-lo, a sua extinção de forma consensual. Acontece que, frente a existência de interesses divergentes nesse período difícil, nem sempre se chegará a um denominador comum entre a empresa e o seu trabalhador no que diz respeito a manutenção do contrato de trabalho, podendo levar a uma possível resolução no contrato de trabalho.
A recessão que a pandemia causou fez com que várias empresas tivessem que paralisar as suas atividades para evitar uma maior transmissão do vírus entre a população, o que ocasionou um aumento significativo nas resoluções de contrato de trabalho.
Desse modo, os contratos dissolvidos no decorrer da pandemia do COVID-19 devem ser vistos de forma diferenciada dos que foram rescindidos durante um período de normalidade, pois os possíveis fatos geradores da resolução contratual decorrente da pandemia são fenômenos jurídicos pouco abordados no âmbito do direito do trabalho. Por esse motivo, faz-se necessário o presente estudo, a fim de identificar qual instituto jurídico deverá ser aplicado quando a resolução do contrato de trabalho for decorrente da pandemia do COVID-19, bem como demonstrar as consequências que a sua aplicação proporciona na vida do empregador e do empregado.
2 O MODELO CLÁSSICO DE CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS
2.1 Breve histórico da formação do Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho tem diversos institutos, princípios e normas jurídicas, que resulta de um contexto histórico e específico, cujo surgimento remonta a uma complexa combinação de fatores econômicos, sociais e políticos (BARROS, 2012).
A Revolução Industrial é considerada por toda a doutrina de forma pacífica como uma das fontes matriz, pois com ela se iniciaram os debates sobre o sofrimento imposto aos trabalhadores e o diminuto rol de direitos estabelecidos em prol destes, resultando no surgimento do movimento operário, responsável por impulsionar o surgimento desse ramo do Direito, adstrito à benevolência da classe patronal e a atuação do próprio Estado. Também houve outros fatores para o seu desenvolvimento, por exemplo, ações humanitárias que falavam da necessidade do Estado olhar para a classe trabalhadora, novas doutrinas sociais e econômicas que buscavam modificar a postura não intervencionista do Estado Liberal.
No Brasil, o Direito do Trabalho teve início com a promulgação da Lei Áurea, que acabou com à escravidão no país e possibilitou que surgisse outras formas de utilização da força de trabalho resultando, assim, nas relações de emprego (DELGADO, 2016, p. 110).
Para Nascimento e Nascimento (2015), a formação do Direito do Trabalho no Brasil aconteceu devido a fatores internos e externos. Entre os fatores externos estão as transformações que aconteciam na Europa; a proteção ao trabalhador que estava em pauta na esfera legislativa; o compromisso internacional que o Brasil assumiu quando participou da Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes (1919), e um fator mais recente foi a crise econômica mundial de 2008. Os fatores internos que tiveram influência para o surgimento do Direito do Trabalho no Brasil foram: o movimento operário que foi marcado por várias greves no fim do século XIX e início do século XX; o surto industrial, que aconteceu o aumento do número de fábricas e operários; a política trabalhista de Getúlio Vargas (1930) e a Constituição de 1988.
Para Delgado (2016), essa evolução no Brasil se divide três períodos. O primeiro aconteceu entre os anos de 1888 e 1930, sendo chamado de “fase de manifestações esparsas” tendo como característica um movimento operário ainda sem organização, responsável pelo surgimento de normas dispersas para trazer algumas garantias ao trabalhador, mesmo que poucas.
O segundo período, chamado de “fase de oficialização do Direito do Trabalho”, iniciou com a criação do Ministério do Trabalho no ano de 1930 e com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, que é a principal legislação de natureza infraconstitucional trabalhista já criada no ordenamento jurídico brasileiro. E, por fim, o terceiro período surgiu com a Constituição Federal de 1988, e a consequente transição democrática do Direito do Trabalho brasileiro. Foi com a Carta constitucional que os empregados urbanos e rurais tiveram os seus direitos sociais garantidos; os trabalhadores rurais conquistaram o direito ao FGTS; foi fixado o salário mínimo e estabelecido piso salarial para as categorias, reduziu a carga horária semanal para 44 horas, entre outros (DELGADO, 2016).
Feito esse breve contexto histórico do surgimento do Direito do Trabalho, a partir de agora será falado sobre um dos institutos desse Direito, que é o contrato individual de trabalho, objeto de estudo do presente artigo científico.
2.2 Contrato individual de trabalho
O contrato individual de trabalho tem seu conceito disposto no artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho que diz: “Contrato individual de trabalho é acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. A maior parte da doutrina critica esse conceito pois diz que essa expressão “contrato de trabalho” está equivocada e que deveria ser “contrato de emprego”, critica também o fato que o contrato não corresponde necessariamente à relação de emprego, o que ela faz é criar uma relação jurídica. Para Barros (2012, p.185) o conceito seria esse:
O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não-eventual, mediante um salário e subordinação jurídica. Sua nota típica é a subordinação jurídica. É ela que irá distinguir o contrato de trabalho dos contratos que lhe são afins e, evidentemente, o trabalho subordinado do trabalho autônomo.
Visto o conceito de contrato de trabalho, os elementos que caracterizam o mesmo são os mesmos da relação de emprego, ou seja, a pessoalidade, a onerosidade, a alteridade, é não-eventual e precisa ter subordinação. É importante destacar que todos esses elementos precisam estar presentes, pois com a ausência de algum deles, o contrato celebrado poderá ser considerado qualquer outro. Porém, é necessário seguir os elementos de um contrato que estão presentes no artigo 104 do Código Civil, ou seja, o agente precisa ser capaz, o objeto do contrato tem que ser lícito e a vontade das partes, entretanto, nesse caso, têm que se levar em consideração a idade do agente, pois, um menor de 14 anos, mesmo tendo capacidade civil, não pode ser parte em um contrato individual de trabalho, pois é expressamente proibido em lei que esses indivíduos sejam parte nesses contratos.
Quanto a sua classificação, o contrato de trabalho pode é: nominado, ou seja, ele é previsto em lei; personalíssimo, o que significa que somente a pessoa que assina o contrato que pode prestar o serviço, não podendo colocar outrem para fazê-lo; oneroso, ou seja, existe uma contraprestação pelo serviço prestado; não solene, o que significa que pode ser feito até de forma verbal o referido contrato, pois, a mera execução do serviço pode caracterizá-lo; de trato sucessivo, pois ele não se encerra quando efetua alguma atividade, mesmo sendo por prazo determinado; comutativo, pois ele produz direitos e obrigações; sinalagmático, pois ele se baseia no principio da autonomia da vontade, onde a pessoa só aceita o trabalho se ela quiser, e, por último, principal, pois ele existe por si mesmo, não precisando de nenhum outro (MARTINEZ, 2017).
2.3 A indispensabilidade do princípio da boa-fé nos contratos de trabalho
O princípio da boa-fé consiste em uma conduta que a pessoa deve seguir nas suas obrigações, nas posses, no direito real, e, também nos contratos de trabalho. Para Cordeiro (2016), esse princípio traz previsões normativas que são de extrema importância para que a ordem privada seja mantida, o que significa que ambas as partes do contrato precisam agir com boa fé para que os direitos e obrigações constituídos pelo contrato sejam preservados.
Desse modo, a boa-fé normatiza os fatos que são a fonte das obrigações e matem o paralelo com a eficácia do negócio, e a sua fonte não na norma que diz que é preciso para que o negócio seja respeitado, mas, sim, no próprio negócio. Essas fontes do dever de agir com boa fé precisam estar presentes em todas as relações interpessoais:
[...] o início de negociações preliminares, a existência de um contrato, ou da sua aparência, a conexão de terceiro com uma obrigação ou o desaparecimento de um negócio. (CORDEIRO, 2016, p. 646).
A jurisprudência que tem como base a “boa-fé demonstrou que sempre que era possível atingia um dos mais nobres e delicados níveis da cultura jurídica que era acorrigir as leis injustas ou inconvenientes. No Brasil, antes do Código Civil de 2002, o princípio da boa-fé era dividido em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva.
A boa-fé subjetiva é aquela que está no psicológico da pessoa, que faz alguma coisa sem saber que aquilo é errado. Na maioria das vezes isso acontece devido a ignorância do sujeito sobre alguma situação, por exemplo, quando possuidor de boa-fé subjetiva que não sabe que sua posse tem algum defeito. Desse modo, neste exemplo, o legislador procura ampará-lo, o que não faz em relação ao possuidor de má-fé.
Para Cordeiro (2016), quando existe uma boa fé puramente fática, o juiz precisa dispor se o sujeito tinha ciência ou não do fato. Essa é uma necessidade delicada e que utilizar os indícios externos. Entretanto, às vezes o juiz precisa abdicar do elemento considerado mais segura para determinar a sua conduta. Na boa-fé subjetiva, trata-se somente de decidir se o sujeito conhecia ou não a ilicitude do ato.
A boa-fé objetiva é um princípio geral que traz um roteiro que precisa ser seguido em todos os negócios jurídicos, inclusive nas normas de condutas adotadas pelas partes. Com esse lado objetivo para o princípio da boa-fé, o juiz parou de seguir somente o que está em lei e passou a poder fazer a justiça conforme cada caso concerto. A boa-fé objetiva está relacionada com a lealdade, a honestidade que o indivíduo mantém em seu comportamento.
De acordo com Silva (2017), é complicado dizer o que é resultado do princípio da boa-fé e o que é a interpretação da norma. Pois, mesmo que ela seja utilizada para aumentar o conteúdo do contrato existe também a vontade das partes na hora da sua celebração. E para que possa contrato possa ter seus efeitos produzidos corretamente as partes precisam, em determinadas ocasiões, se comportarem conforme das disposições do contrato. Nesse ponto a boa-fé atua frente à necessidade de qualificar esses comportamentos indispensáveis à garantia da satisfação contratual e à plena produção dos efeitos oriundos do conteúdo contratual.
A boa-fé objetiva é bem mais do que agir de acordo coma ética, é noção técnico-operativa que se especifica. Por isso, no momento vivido atualmente em todo o mundo, com a disseminação do coronavírus em razão da transformação social imposta pela pandemia advinda da Covid-19, que determinou a reestruturação das relações interpessoais e a implementação de medidas de cunho sociojurídicas, até mesmo com a edição de Medidas Provisórias que autorizam a redução de salários, jornada de trabalho e também a suspensão do contrato de trabalho, de modo que se torna indispensável aos envolvidos em uma relação contratual laboral, seja por parte do empregador, seja por parte do empregado, naquilo que lhe couber, a submissão e adoção de postura legais e contratuais de acordo com esse princípio, pois, caso contrário, poderão correr o risco de imposição recíproca de circunstâncias injustas, afetando diretamente a própria relação de trabalho.
3 MEDIDA PROVISÓRIA 936/2020 E A PERMISSÃO DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO E REDUÇÃO DE SALÁRIO
A Medida Provisória 936 de 01 de abril de 2020, que foi recepcionada pelo Senado Federal e convertida na Lei nº 14.020\2020, autoriza que o empregador reduza os salários e a jornada de trabalho por até 90 (noventa) dias e que suspenda os contratos de trabalho por até 60 (sessenta) dias, com direito a estabilidade temporária do empregado e que ele receba o benefício emergencial pago pelo governo. Essa redução na jornada de trabalho pode ser de 5%, 50% ou 75% por meio de acordo individual ou coletivo, ou outro percentual, podendo ser até mesmo 100%, mas por meio acordo coletivo. Essas medidas são aplicadas também para os empregados domésticos, aprendizes e pessoas com jornada parcial (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2020).
Sua vigência a partir começou no dia de sua publicação, ou seja, em 01 de abril de 2020, e foi mais uma tentativa do governo para que os efeitos da COVID-19 fossem atenuados no mercado de trabalho, pois a pandemia trouxe um cenário de incertezas e instabilidade econômica para o país, ante a adoção de medidas sanitárias e de isolamento social, dentre as quais, a determinação de fechamento do comércio de atividades classificadas enquanto não essenciais, para evitar que o vírus se espalhasse em território nacional de forma descontrolada.
Com a redução dos salários ou suspensão do contrato de trabalho, o governo instituiu o auxílio emergencial pago aos trabalhadores para que ele conseguisse manter as suas despesas e necessidades básicas nesse período difícil que o mundo está passando.
O empregado que teve a jornada de trabalho reduzida ou então o contrato suspenso tem o direito de garantia provisória no emprego depois que a jornada de trabalho voltasse ao normal por período equivalente, por exemplo, se o contrato foi suspenso ou reduzido por 4 (quatro) meses, a estabilidade do empregado na volta será também de 4 (quatro) meses.
Essas medidas de redução de salário com redução proporcional da carga horária de trabalho e da suspensão do contrato de trabalho, como já dito, devem ser implementadas através de acordo individual ou de negociação coletiva quando: o empregado receber um salário igual ou inferior a R$ 3.135,00; ou nos casos em que o empregado for portador de diploma de nível superior e que tenha salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Para os outros empregados as medidas de proteção ao emprego só seriam estabelecidas através de convenção ou acordo coletivo, podendo também ser feita por meio de acordo individual.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a liminar da ADI 6.363, no dia 06/04/2020, onde o ministro Ricardo Lewandowski foi contra as medidas da MP 936/2020, e fez as empresas terem que notificar os sindicatos de categorias para que pudessem suspender temporariamente contratos ou realizar corte salarial.
Desse modo, se estabeleceu um prazo de 10 dias para a comunicar os sindicatos, e nesse período, se essas entidades quiserem, poderão fazer a negociação coletiva, "importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes".
Essa ação foi protocolada pelo Partido Rede Sustentabilidade, onde alegou que a Medida Provisória afronta os direitos e garantias individuais dos trabalhadores. E conforme entendimento de Lewandowski, afastar os sindicatos das negociações pode causar danos aos empregados e "contraria a própria lógica subjacente ao Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral".
Mas, essas medidas muitas vezes foram usadas de forma equivocada pelo empregador, como em casos onde foi adotado de forma precipitada os institutos da força maior e do fato do príncipe, onde eles só consideraram a situação das empresas sem pensar em como poderia afetar o trabalhador, e, também, sem utilizar o princípio da boa-fé objetiva.
3.1 Força maior
A pandemia do novo coronavírus, levando em consideração os parâmetros legais, foi comparada a um episódio de “força maior” e, por esse motivo, precisa dar aos empresários alternativas emergenciais e sem viés burocrático para as empresas manterem os seus negócios economicamente viáveis e também proteger os empregos de seus funcionários. Entretanto, o conceito de “força maior”, para a Medida Provisória 927/2020 deve ser entendido como um modo de preservar os empregos, sendo perigoso que esse estado seja estendido para justificar hipóteses de rescisão de contratual.
O principal objetivo da Medida Provisória 927, neste contexto, foi dispor de alternativas para o empregado conseguir executar as suas funções de forma remota, como flexibilizar o teletrabalho, com a retirada temporária de alguns requisitos formais para a sua implementação. A referida MP também trouxe outras possibilidades para o empresário manter os seus empregados mesmo com as atividades paralisadas, como a antecipação de férias e feriados.
A referida MP então caracteriza o estado de calamidade que a pandemia de COVID-19 trouxe como uma hipótese de “força maior”, além das que já estão dispostas no artigo 501 da CLT, que são:
Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa, não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.
Além do mais, o artigo 21, inciso I, da MP 927, dispõe que o empregador, enquanto a mesma estiver em vigor, não precisa efetuar o pagamento das multas por atraso no recolhimento do FGTS, caso a empresa tenha optado pelo recolhimento diferido nos termos da MP.
Essa é a única vez que a MP dispõe sobre a rescisão do contrato de trabalho. Pois, até a MP 936, que dispõe sobre as medidas de redução da jornada/salário, suspensão do contrato de trabalho e pagamento de ajuda emergencial aos empregados, não traz, em nenhum momento, alguma hipótese de flexibilização de rescisões contratuais. Portanto, pode-se concluir que o governo federal queria manter os empregos, mesmo que isso afetassem trabalhadores de forma temporária devido a diminuição de salários ou mudanças de local de trabalho, sendo importante destacar que essas mudanças, em nenhum momento, retiraram direito do empregador em rescindir contratos.
Mas, o que se observa através do noticiado pela mídia, é que várias empresas não estão conseguindo manter os empregos e não só isso, muitas estão encerrando as suas atividades empresariais, pois elas estão completamente comprometidas financeiramente.
É importante ressaltar que levando em consideração tudo o que tem acontecido, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, não deferiu o pedido de liminar contido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que foi protocolada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), contra alguns dispositivos contido na Medida Provisória nº 927/2020, dando a entender que o Poder Judiciário está visando proteção de empregos.
Porém, como esse é um assunto muito novo, existem poucas jurisprudências sobre as dispensas pelo motivo de força maior, mas destacando o deferimento recente do pedido feito pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção e do Mobiliário de Joaçaba – SC, em sede de tutela antecipada para suspender as rescisões dos contratos de trabalho que foram fundamentas no artigo 502 da CLT pelas empresas do ramo de Construção, pedindo também pela reintegração de todos os trabalhadores, como também, enquanto durar a pandemia, os contratos de trabalho não poderem ser rescindidos, sob pena de multa. Posteriormente, as partes celebraram acordo.
3.2 Fato do príncipe
Algumas empresas foram caminho um pouco mais ousado ao rescindir contratos de trabalho invocando o chamado “Fato do Príncipe”, que é a hipótese de extinção do contrato de trabalho conforme o disposto no artigo 486 da CLT, é definido por Cavalcante (2015) como todo ato que a administração faz voluntariamente e que onera a parte que contrata com ela. Essa teoria é muito importante nos contratos administrativos, pois ela permite que o prejudicado obtenha reparação do Estado. Já no Direito do Trabalho, ela compreende a paralisação, podendo ela ser temporária ou definitiva que tem por motivação algum ato de autoridade municipal, estadual ou federal.
Dito isso, pode-se dizer que é certa a inspiração no Direito Administrativo como uma forma de conseguir indenizações por parte do Estado. E no Direito do Trabalho, em tese, sempre que tiver paralisação temporária ou definitiva das atividades empresariais devido a algum ato do poder público, a entidade do governo que foi a responsável pela paralisação precisa efetuar o pagamento das indenizações
Bem por isso, como o risco do negócio não deve ser transferido do empresário à pessoa do empregado, o não pagamento da multa de 40% do FGTS, ou, ainda, do aviso prévio indenizado, para quem entende que aludida parcela rescisória também fica rechaçada em caso se configurar o “fato do príncipe”, acarretará automaticamente na penalidade do art. 477, §8º, da CLT — multa equivalente ao salário do empregado – levando ao aumento exponencial de ações judiciais e ao contingenciamento do passivo trabalhista das empresas (CASSAR, 2017).
De resto, se vislumbram, em tese, situações em que o empregador poderá lançar mão do artigo 486 da CLT, sob o ponto de vista de não onerar demasiadamente o passivo trabalhista. A primeira delas é fazendo na forma de ação de regresso contra o Estado, hipótese em que o empregador é quem paga as indenizações devidas aos colaboradores, pedindo o devido ressarcimento ao Poder Público em ação autônoma. A segunda delas é se socorrer da ação de consignação em pagamento, depositando em juízo os valores rescisórios que entende serem devidos ao ex-funcionário. A terceira, por fim, é o ajuizamento de uma ação declaratória, em face da autoridade pública responsável pelo decreto que paralisou as atividades, para o fim específico de se obter a chancela judicial do “fato do príncipe” (CASSAR, 2017).
3.3 Entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF sobre a suspensão dos contratos de trabalho durante a pandemia
Na sessão de julgamento do dia 17/04, o Plenário do STF revogou liminar que foi concedida pelo Ministro Lewandowski indeferindo a ADI 6363/2020, protocolada pelo Partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da Medida Provisória 936/20, a qual autoriza a suspensão do contrato e redução da carga horária e salários de trabalhadores por acordo individual.
Como dito anteriormente, essa Medida Provisória foi editada em 1º de abril, ficando conhecida popularmente por implementar o Benefício Emergencial de Prevenção do Emprego e da Renda em casos de redução proporcional da jornada de trabalho ou suspensão temporária do Contrato de Trabalho. O objetivo do Governo com a edição dessa Medida foi à preservação do emprego e da renda, visando a continuidade das atividades laborais e empresariais, além de buscar reduzir o impacto social decorrente do estado de calamidade pública.
De acordo com explanado em informativo específico, essa redução da jornada de trabalho dos empregados poderá acontecer pelo período de até 90 (noventa) dias, porém o valor do salário-hora de trabalho precisa ser mantido respeitando assim a garantia Constitucional da irredutibilidade salarial.
Ela também autoriza reduções proporcionais de jornada de 25%, 50% e 70% e permite a suspensão dos contratos por até 60 (sessenta) dias, prevê a possibilidade das negociações serem realizadas individualmente entre empregado e empregador, sem a participação do Sindicato da categoria, o que gerou uma série de questionamentos e discussões quanto a violações à Constituição Federal.
E foi a previsão de negociações individuais que levou o Partido Rede Sustentabilidade a ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6363/2020) para suspender de forma liminar a aplicação dos artigos da MP que dispõem sobre a redução e a suspensão por acordo individual escrito entre empregador e empregado (artigo 11, §4º; artigo 12; artigo 7º, inciso II; artigo 8º, §1º e §3º, inciso II; artigo 9º, §1º, inciso I), e ao final, requerer a declaração de inconstitucionalidade de tais dispositivos.
No dia 06 de abril o Ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADI 6363/2020, concedeu liminar parcial da seguinte forma:
“(...) Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. Solicitem-se informações à Presidência da República. Requisitem-se a manifestação do Advogado-Geral da União e o parecer do Procurador-Geral da Republica.”
Diante desta decisão liminar, o Advogado Geral da União interpôs recurso de Embargos de Declaração, e apontou supostas contradições e omissões na decisão de Lewandowski, destacando a aplicabilidade/validade do acordo individual entabulado entre empregado e empregador antes da apreciação do Sindicato.
Apesar do recurso ter sido rejeitado pelo Ministro no dia 13 de abril de 2020, a fundamentação de sua Decisão esclareceu que, em seu entendimento, os efeitos dos acordos individuais teriam validade imediata, inclusive durante o prazo de 10 dias previstos para comunicação do Sindicato; o acordo individual somente perderia a sua eficácia mediante negociação coletiva posterior, ou ainda, caso o Sindicato da categoria não se manifestasse no prazo legal.
Porém, o tramite do processo levou essa questão para o Plenário do STF, que decidiu, em 17 de abril, com a maioria de votos, pela revogação da decisão que foi proferida anteriormente Relator e indeferiu a liminar pleiteada pelo Partido Rede Sustentabilidade, dispensando o aval dos Sindicatos nos acordos trabalhistas firmados durante a pandemia do coronavírus.
Essa decisão do STF autoriza a redução proporcional do salário e da jornada de trabalho mediante negociação individual, nas hipóteses previstas na própria Medida Provisória, a qual, vale ressaltar, estabelece a concessão de benefício emergencial como forma de suplementação salarial.
Além de prezarem, em seus votos, pela manutenção dos empregos, os Ministros que votaram a favor do texto da MP, dentre eles o Min. Alexandre de Moraes, destacaram que o aval dos Sindicatos deve ser relativizado durante o período de calamidade pública, a fim de se evitar que empregados que já estejam recebendo o benefício complementar do Estado tenham que devolver tais valores recebidos durante dois ou três meses – considerando, nesta hipótese, que o Sindicato da categoria não homologaria o acordo individual anteriormente firmado.
O Ministro Luis Roberto Barroso, por sua vez, sopesou, de um lado, o direito ao trabalho e às garantias de proteção ao emprego, e de outro, a redução salarial, concluindo que a demissão em massa seria muito mais prejudicial do que a redução proporcional da jornada de trabalho.
Ressalva importante fez o Ministro Luiz Fux, que destacou a diminuição de autonomia dos Sindicatos após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista): “Se o sindicato hoje pela reforma trabalhista não interfere no mais, que é a rescisão do contrato de trabalho, como pode ser obrigatório sindicato interferir entre acordo entre trabalhadores e empregados? [...]”
Já os Ministros que votaram pela inconstitucionalidade dos dispositivos da MP (vencidos), ressaltaram que os acordos individuais ferem a igualdade, estimulam o conflito social e a judicialização, desprotegem os mais vulneráveis e ferem a Constituição Federal, em especial os artigos que garantem a participação do Sindicato nas negociações e a irredutibilidade salarial.
Com este entendimento, negociações individuais entre empregadores e empregados realizadas durante a calamidade pública, conforme MP 936/20, voltadas à redução da jornada de trabalho ou à suspensão do contrato, não serão submetidas ao crivo dos Sindicatos da categoria, tendo plena eficácia durante o estado de calamidade.
Não se sabe se os Tribunais manterão tal entendimento após o fim deste período excepcional. Contudo, é notório que a discussão quanto a relativização dos poderes e da representatividade dos sindicatos está em pauta.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por ser considerada uma calamidade pública mundial, a pandemia do novo coronavírus causou determinadas situações em toda a sociedade incluindo também no ramo do direito, em especial do direito do trabalho. Para combater à crise causada pelo COVID-19, o direito se tornou necessário para conseguir diminuir os problemas causados pela pandemia, buscando a utilização de fenômenos jurídicos que podem ser aplicados ao caso, porém sabendo que a sua utilização tem que ser feita de modo pacifico.
Em frente às consequências causadas pela pandemia do novo coronavírus, por exemplo, o fechamento de atividades comerciais por um período de tempo, é indubitável que as empresas e os estabelecimentos comerciais tenham que se adaptar a uma nova realidade, na qual a redistribuição dos gastos será vista como uma prioridade.
Devido a isso, os contratos de trabalho firmados terão as suas condições modificadas, podendo ser resolvidos de outro modo. Partindo do princípio de que vários empregadores decidiram findar o contrato de trabalho para adaptar os gastos de suas empresas, o presente trabalho trouxe à tona o debate sobre de dois fenômenos jurídicos que podem ser usados como fundamento para a resolução contratual em razão da paralisação da empresa devido o combate da pandemia do COVID-19, e, o mais importante, a utilização do princípio da boa-fé objetiva em todos os contratos de trabalho.
Após longa do artigo pode-se concluir o quão temerário é dispor de uma relação direta entre a teoria do fato do príncipe, disposta no artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, com os contratos dissolvidos durante a pandemia do COVID-19. Porém, não sendo considerada uma forma mais adequada para a solução dos casos de encerramento dos estabelecimentos em razão dos decretos estaduais e municipais editados com a finalidade de conter a pandemia do novo coronavírus.
Entretanto, a interpretação do parágrafo único do artigo 1º da Medida Provisória 927/2020, como também a inexistência do nexo causal entre o ato de autoridade e a descontinuidade da atividade comercial, leva a entender que a força maior, disposta no artigo 501 da CLT, é o instituto que mais adéqua para fundamentar as resoluções dos contratos de trabalho durante a pandemia do COVID-19, impondo, portanto, a aplicação das consequências jurídicas ocasionadas por este fenômeno jurídico.
Espera-se que este trabalho tenha colaborado para uma melhor compreensão sobre o tema relevante e atual das resoluções contratuais ocasionadas pela paralisação das atividades comerciais em decorrência da pandemia do COVID-19 e que venha a servir de apoio para os novos estudos que venham a ser desenvolvidos.
REFERÊNCIAS
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Graduanda de Bacharel em Direito na Universidade de Gurupi - Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBALHO, Letícia Miranda de Amaral. Os direitos do trabalhador em meio a pandemia de coronavírus Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58432/os-direitos-do-trabalhador-em-meio-a-pandemia-de-coronavrus. Acesso em: 23 dez 2024.
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