ANDRÉ LUÍS AMÉRICO MOREIRA
(coautor)
RESUMO: Para reconhecermos a importância do fim das penas de restrição de liberdade no regulamento disciplinar utilizado atualmente no Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Tocantins é importante percorrer a história de parte das instituições militares brasileiras, relembrando eventos históricos que foram responsáveis pela estruturação dessas instituições militares ao longo dos anos e observando a difícil evolução de seus regulamentos disciplinares no que tange a humanização das penas, demonstrando desde a crueldade das penas contidas nos “artigos de guerra” Português de 1763 até a mais recente e impactante alteração, a promulgação da Lei n.º 13.967 em 2019, que extinguiu a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal. Foi utilizada uma ampla pesquisa bibliográfica, legislativa e histórica através de arquivos, produções científicas e sites institucionais. Analisando os regulamentos disciplinares militares estudados, verificamos que as modificações ao longo dos anos ocorreram de forma lenta e relutante em abandonar punições com características retributivas de justiça, a exemplo da insistência do Exército e da Marinha brasileira no século XIX em manter penas cruéis durante anos, mesmo esta estando proibidas pela constituição de 1824. Por fim, ficou evidenciado que mesmo ocorrendo de forma vagarosa, a adequação da regulamentação disciplinar militar aproximou-se da realidade jurídica atual, onde a nova legislação buscou utilizar a punição administrativa de forma mais preventiva e a privação da liberdade tornou-se medida extrema e que deve ser adotada somente em casos muito graves.
Palavras-chave: Regulamento Disciplinar. Punição. Prisão Militar. Bombeiros.
ABSTRACT: In order to recognize the importance of the end of liberty restriction penalties in the disciplinary regulation currently used in the Military Fire Brigade of the State of Tocantins, it is important to know the history of the Brazilian military institutions, remembering historical events that were responsible for structuring these military institutions throughtout the years and observing the difficult evolution of its disciplinary regulations regarding the humanization of penalties demonstrated since the cruelty of the penalties contained in the Portuguese “articles of war” of 1763 from the most recent and impactful change, the enactment of Law n. 13,967 in 2019, which extinguished the disciplinary prison sentence for the military police and military fire departments of the States, Territories and the Federal District. A wide bibliographic, legislative and historical research was used through archives, scientific productions and institutional websites. Analyzing the military disciplinary regulations studied, we discovered that the changes over the years occurred slowly and reluctantly in abandoning punishments with retributive characteristics of justice, such as the insistence of the Brazilian Army and Navy in the 19th century to maintain cruel sentences for the militaries during years, even though they were prohibited by the 1824 constitution. Finally, it became evident that, even though slow, the adequacy of military disciplinary regulation approached the current legal reality, where the new legislation sought to use administrative punishment in a more preventive way and the deprivation of liberty has become an extreme measure and should only be adopted in very serious cases.
Keywords: Disciplinary Regulation. Punishment. Military Prison Firefighters.
INTRODUÇÃO
Para conseguirmos observar a evolução das regulamentações disciplinares militares no que tange as punições administrativas e perceber quais foram as mudanças ocorridas para que se chegasse ao atual regulamento disciplinar do Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Tocantins (CBMTO) foi realizado o estudo desde as normativas que foram trazidas da Europa enquanto o Brasil ainda era colônia de Portugal. O estudo acompanhou as alterações ocorridas no decorrer do processo de independência brasileira, acompanhando as novas instituições policiais criadas nesse período como as milícias, as ordenanças e a Guarda Nacional. Nessa esteira, direcionando o estudo de forma a chegar ao regulamento do CBMTO, estudamos a norma disciplinar da então Província de Goyas e posteriormente do atual estado de Goiás onde estas foram diretamente utilizadas na criação do regulamento disciplinar utilizado no recém-criado Estado do Tocantins. Por fim foi demonstrada a evolução do regulamento disciplinar militar tocantinense nos últimos anos até a recente proibição das penas administrativas de restrição de liberdade.
Tal pesquisa buscou demonstrar a difícil mutabilidade das leis militares devido ao tradicionalismo e rigidez característicos das organizações militares, o que fez com que estas instituições geralmente andassem na esteira do que vem sendo praticado no mundo jurídico civil. Ficou claro que apesar dessa dificuldade houve um abandono das características retributivas nas punições disciplinares ao longo do tempo, ou seja, as punições disciplinares deixaram de punir o agente da transgressão exclusivamente pelo ato praticado, o que aproximou os regulamentos disciplinares militares dos preceitos legais mais modernos.
1. PORTUGAL E SUA INFLUÊNCIA NOS REGIMENTOS DISCIPLINARES MILITARES DO BRASIL
A história da regulamentação disciplinar militar no Brasil nos remete a história de organização do exército de Portugal, seu país colonizador. Participando na Europa como aliada da Inglaterra na chamada Guerra dos Sete Anos (entre os anos de 1756 e 1763) Portugal buscou na pessoa do general alemão Friedrich Wilhelm Ernst Von Schaumburg-Lippe, conhecido como Conde Lippe, organizar e aprimorar seu exército. (PALMEIRIM, 1873)
Conde Lippe foi o responsável por organizar e aperfeiçoar o exército português desde o treinamento dos combatentes até a criação de regulamentos. O escritor português do século XIX, Luís Augusto Xavier Palmeirim, no livro Alguns factos militares portuguezes no século XVIII, descreve que a importância do trabalho do general naquele momento:
“Por toda a parte (em 1762) faltava em Portugal aquele entusiasmo que, ou seja pela pátria ou pela honra, é o único que completa o soldado, pelo que não poderia o exército subtrair-se a ser vítima do inimigo. [...] Para lhe acudir de remédio deu o conde regulamento e leis fundamentais à tropa e uma organização bem pensada. Fez considerável alteração na parte administrativa ...” (PALMERIM, 1873, p.9 – 10)
Com a vinda do Conde Lippe ao Brasil Colônia, implementou-se nas instituições militares daqui, a partir do Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro, os artigos reguladores da disciplina militar, conforme ressalta Petrus Genuíno (2019).
De acordo com o historiador Coralio Bragança Pardo Cabeda (2000) em seu artigo intitulado “A Sombra do Conde Lippe no Brasil: Os Artigos de Guerra” no final do século XVIII o Brasil era a mais importante colônia do Reino de Portugal e carecia de organização em praticamente todos os setores, o que não era diferente nas forças militares. Vendo a melhora em seu exército em solo europeu, Portugal então resolve transplantar no Brasil Colônia toda sua legislação militar desenvolvida por Lippe, entre elas estaria o Regulamento de 1763, que continha em seu capítulo XXVI os chamados Artigos de Guerra, uma série de artigos disciplinadores severos que previam penas de prisão, expulsão, castigos corporais e até de morte, conforme a conduta transgressora praticada pelo militar.
Cidade (1960) apud Cabeda (2000) onde este transcreve na íntegra os Artigos de Guerra em seu trabalho, nos possibilitando visualizar as penas disciplinares dispostas nestes artigos de 1763, que em suma são: o trabalho nas fortificações, o arcabuzamento (fuzilamento), a expulsão com infâmia, a morte, o castigo rigoroso, a condenação ao carrinho (bola de ferro acorrentada a perna), pancadas de espada de prancha, a condenação por seis anos a trabalhar nas fortificações, o enforcamento, em alguns casos inicialmente a condenação a prisão e em caso de reincidência a morte, a prisão rigorosa, o castigo corporal, a condenação ao carrinho perpétuo e por fim a expulsão.
Como se não bastasse a rigidez dos castigos trazidos pelo regulamento militar português somaram-se as modalidades de castigos, maneiras próprias de punição praticadas na colônia e baseadas na herança escravagista, como o tronco, a chibata, o estaqueamento, o sarilho d’armas, o marche-marche, a célula, os bolos e as varadas, conforme relata o General e escritor Demerval Peixoto autor de Memória de um Velho Soldado (1960 apud GENUÍNO, 2019, p. 22). As punições eram verdadeiras torturas legalizadas que não mediam a crueldade.
Sob a ótica da Teoria das Penas[1] percebemos que a forma como eram utilizadas as punições nesse período as aproximam da denominada Teoria Retributiva ou Absoluta, na qual a punição “não tem finalidade prática, pois não se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente como retribuição a pratica do ilícito penal.” (MASSON, 2015, p. 608) e na mesma esteira, por possuir características semelhantes as apontadas por Damásio de Jesus como sendo inerentes a esta teoria, ou seja, “1ª) aplica um castigo; 2ª) a posição da vítima é secundária; 3ª) representa o poder do Estado. ” (DAMÁSIO, 2000)
2.INÍCIO DA REGULAMENTAÇÃO DISCIPLINAR MILITAR EM TERRITÓRIO BRASILEIRO
Como enfatiza Dilma Cabral (2011) com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808 surgiu a necessidade de uma melhor estrutura administrativa para viabilizar o funcionamento do governo português. Nesse sentido a esfera militar também recebeu atenção, sendo uma importante ação a criação da Academia Real Militar em dezembro de 1810 no Rio de Janeiro. A partir daí nota-se a preocupação com a formação intelectual dos novos integrantes das forças militares o que gradativamente colaborou para a diminuição da violência das legislações disciplinares criadas adiante. Kate Constantino Oliveira (2016, p.10) afirma em seu artigo A Instrução Militar e o Ensino de Francês em Portugal e no Brasil (1761-1810) que “pautada em parâmetros racionalistas, civilizatórios e confiantes no progresso garantido pelo avanço da ciência, assim se instituiu a Academia Real Militar do Rio de Janeiro [...]”.
Como não haviam instituições policiais militarizadas no Brasil Colônia, unidades do exército eram utilizadas caso necessário[2], houve a necessidade de se criar instituições para atividades de policiamento, sendo as primeiras criadas no Rio de Janeiro, com a denominação de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, em 13 de maio de 1809, posteriormente em Minas Gerais em 1811, no Pará em 1818, no Maranhão em 1820 e na Bahia e em Pernambuco em 1825[3].
Conforme destaca Petrus Genuíno (2019) as regulamentações disciplinares no Brasil só passaram a sofrer limitação legal quanto à violência nas penas impostas a partir de 1824 quando fora outorgada a Constituição e teve o início do abrandamento jurídico das penas disciplinares, pois esta em seu artigo 179 inc. XIX abolia os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis como forma de punição[4]. Petrus ressalta que apesar da proibição legal, na prática, tais sanções continuaram sendo aplicadas, principalmente a escravos fugitivos e militares considerados indisciplinados. Só foram abandonadas de fato pelo Exército após a lei nº 2556 de 26 de setembro 1874[5] que em seu artigo 8º abolia no exército os castigos corporais e os substituía por outras penas disciplinares. Já a Armada (Marinha de Guerra) mesmo com o advento da República e edição do decreto nº 3, de 16 de novembro de 1889 proibindo tais medidas punitivas continuou a praticá-las, o que ensejou um dos mais marcantes eventos históricos relacionado a punições disciplinares militar, a Revolta da Chibata. Como se extrai do artigo escrito pelo professor Daniel Neves Silva, Revolta da Chibata, e publicado no site Brasil Escola, em suma, tal revolta ocorreu porque oficiais da Marinha, mesmo legalmente proibidos, frequentemente utilizavam castigos corporais (chibatadas) contra seus tripulantes, até para punir delitos menores, e em resposta os marinheiros liderados por João Cândido Felisberto utilizaram os navios de guerra para um motim cuidadosamente planejado e executado em novembro de 1910 no Rio de Janeiro. (SILVA, 2022)
O início do século XIX foi um momento de muita turbulência política no Brasil, pois o domínio real português sobre a colônia sofria instabilidade com a abdicação do monarca Dom Pedro I. No período regencial foi realizada uma reformulação das instituições responsáveis pela segurança no Brasil, a Guarda Real da Polícia do Rio de Janeiro foi extinta, e em seu lugar foi autorizado a formação de um Corpo de Guardas Municipais Voluntários, sendo igualmente permitido às províncias criarem corporações assemelhadas, caso julgassem necessário. As milícias e as ordenanças também foram extintas, e substituídas por uma Guarda Nacional.
3.CRIAÇÃO DA GUARDA NACIONAL E SEU REGULAMENTO DISCIPLINAR
A Guarda Nacional foi criada no período regencial Brasileiro, momento onde se havia certa tensão entre nacionais e lusitanos. Como descreve Castro (1977, p.62):
“Com o 7 de Abril, foi o país tomado de intensa agitação. com motins e rebeliões por todas as províncias, colocando a Regência frente ao problema básico daquele momento: a manutenção da unidade nacional. Mas, a quem· deveria o Governo confiar tal missão? Com um Exército de reduzido efetivo, num clima de insubordinação quase geral, obrigado ficou o Governo a procurar apoio em outra força, a fim de conjurar a crise. Assim, surgiu a Guarda Nacional - resposta civil dos liberais ao grave problema - como uma tropa econômica e eficiente para agir nessa emergência.”
A lei de criação da Guarda Nacional de 18 de agosto de 1831[6] trouxe medidas disciplinares que muito se diferiam dos antigos “artigos guerra” trazidos de Portugal. Os castigos corporais e as penas cruéis deram lugar a penas de repreensão, prisão e baixa do posto. A lei da Guarda Nacional previa ainda um agravamento da pena caso o militar estivesse em destacamento (serviço fora de seu município) ou em corpo destacado (auxiliar do exército). Outra questão tratada na lei de criação e organização da Guarda Nacional e que serviu de referência legal dali adiante foram as regulamentações contidas no capitulo IX - seções II e III, que dispõem sobre a formação do Conselhos de Disciplina e sobre o rito processual a ser seguido por estes.
Em 1834 realizou-se uma reforma administrativa através da Lei nº 16 de 12 de agosto, conhecida como Ato Adicional de 1834, onde houve uma descentralização político-administrativa e na qual as Assembleias Legislativas provinciais passaram a fixar, anualmente, e sobre informação do Presidente da Província, as forças policiais respectivas, conforme artigo 11 parágrafo 2º (BRASIL, 1834). Mudança essa que delineou a criação das corporações militares estaduais.
4.FORÇA POLICIAL DA PROVÍNCIA DE GOYAZ E SUA REGULAMENTAÇÃO DISCIPLINAR
A província de Goyaz, que se tornou atual Estado de Goiás, englobava a região onde hoje se encontra o atual Estado do Tocantins e sua legislação serviu de referência para criação da legislação Tocantinense[7], desta forma, seus regulamentos foram parte do caminho trilhado pela regulamentação disciplinar militar até chegarmos ao regulamento vigente no Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Tocantins.
A primeira força policial goiana foi criada em 28 de julho de 1858 pela resolução nº 13 do então presidente da Província de Goyaz, Francisco Januário da Gama Cerqueira (GOIÁS, 1859), e teve sua regulamentação administrativa e disciplinar publicada em 03 de novembro do mesmo ano. Os primeiros policiais da província eram civis, não utilizavam armas de fogo e serviam também como força auxiliar do exército, característica esta que ainda hoje pertence às forças militares estaduais[8].
A parte disciplinar denominada “Os Delitos e Penas” foi prevista no capitulo 3º da regulamentação. O regulamento disciplinar da Força Policial de Goyaz previu de forma ampla a utilização da pena de prisão como forma de punição aos mais variados crimes e transgressões disciplinares cometidos pelos militares. As penas previam um agravamento em sua forma e duração conforme o caso, e poderiam ser prisão, prisão com trabalho ou prisão solitária e com tempo mínimo e máximo podendo ser dobrados e chegando a 24 meses se agravada. No caso de penas meramente disciplinares estas poderiam ser impostas a livre arbítrio do comandante da companhia, conforme previa o artigo 51, onde a pena de prisão passou a ser o meio mais severo de punição dos militares e seu uso, sustentado nesse artigo, poderia ocorrer de forma indiscriminada nos quartéis em decorrência da falta de tipificação e pela discricionariedade dada ao comandante para definir quais “faltas leves de disciplina ou serviço”, que ainda não estavam especificadas no regulamento, poderiam ser consideradas como transgressões. Poderia também o comandante, conforme artigo 52, deixar de seguir um processo para aplicar a pena disciplinar em caso de falta de até três dias ou falta com mais de três dias ainda não qualificada como deserção desde que o militar se apresentasse voluntariamente o comandante da companhia (GOIÁS, 1859).
Apesar de não prever punições físicas e cruéis como os regulamentos anteriores, podemos observar que a discricionariedade dada pelo primeiro regulamento da Força Policial da Província de Goyaz aos comandantes para punir seus subordinados deixou margem para excessos e foi exatamente o que os regulamentos disciplinares posteriores tentaram impedir.
Progredindo no tempo, o Decreto-lei Presidencial nº 667, de 2 de julho de 1969 (Brasil, 1969), que reorganizava as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, estabeleceu em artigo 18 que os regulamentos disciplinares dos Estados deveriam ser redigidos à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército, sendo assim, mais de um século após a edição do primeiro regulamento disciplinar Goiano, o decreto Nº 2.639, de 21 de outubro de 1986 (Goiás, 1986) trouxe o que seria o último regulamento disciplinar militar antes da divisão do Estado de Goiás e criação do Estado do Tocantins[9]. Depreende-se da leitura desse regulamento, que em comparação ao de 1858, apresentou uma maior especificação e classificação das transgressões disciplinares. Ele trouxe em seu bojo não só menções às transgressões, mas também a previsão de condutas necessárias à boa formação e ao bom convívio policial militar. Deixou claro logo em seu início sobre a importância do respeito, urbanidade e justiça entre superiores e subordinados[10].
O artigo 13 do regulamento de 1986 tipificou 130 (cento e trinta) condutas consideradas como infrações disciplinares, diferentemente do primeiro regulamento em 1858 que deixava a critério do comandante definir o que poderia ser considerado uma infração disciplinar. Desde que não houvesse causas de justificação previstas no artigo 18 essas condutas eram classificadas, conforme sua intensidade, em leves, médias e graves para fim de definição da punição e classificação comportamental. Foi elencado nos artigos 19 e 20 respectivamente, uma série de situações onde a transgressão seria atenuada ou agravada. As modalidades de punição do regulamento de 1986 foram descritas no artigo 22 e previam a advertência, a repreensão, a detenção, a prisão, a prisão em separado, o licenciamento e exclusão a bem da disciplina.
Tivemos aí, além da prisão, outra forma de cerceamento de liberdade que foi a detenção e, conforme o artigo 25, “esta consiste no cerceamento da liberdade do policial-militar, o qual deve permanecer no local que lhe for determinado, normalmente o quartel, sem o caráter de confinamento” (Goiás, 1986), como ocorre na prisão. Outra diferença trazida pelo decreto de 1986 estava na limitação temporal da punição onde as funções disciplinares de detenção e prisão não poderiam ultrapassar de 30 (trinta) dias.
Em suma, depois de mais de um século o regulamento disciplinar manteve punições de cerceamento de liberdade, porém com limitação temporal e também passou a prever outras medidas punitivas, como a advertência e repreensão, de forma que servissem de exemplo dentro da organização militar e não fossem tão severas. A limitação ao poder punitivo também é percebida na diminuição da discricionariedade de definição dos atos como transgressões, passando a serem puníveis somente as condutas tipificadas.
Apesar da pouca mudança nas modalidades de punição entre o regulamento de 1858 e o regulamento de 1986, podemos observar uma grande evolução na legislação como um todo, na medida em que trouxe mais clareza e justiça na aplicação das medidas disciplinares, quando este especificou e classificou as transgressões disciplinares e normatizou a amplitude e a aplicação das punições.
5.REGULAMENTAÇÃO DISCIPLINAR MILITAR APÓS A CRIAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS
Aproveitando o advento da Constituição de 1988, lideranças políticas se mobilizaram e conseguiram incluir na reforma constitucional a divisão do Estado de Goiás, criando então o Estado do Tocantins pelo artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, em 05 de outubro de 1988[11].
Com a criação do Tocantins houve a necessidade de se criar também toda a estrutura legal que regulasse o aparato estatal e consequentemente as forças militares estaduais:
“Em 1º de janeiro de 1989, o então Governador do Estado de Tocantins, José Wilson Siqueira Campos, assinava a Medida Provisória nº 001, que definia a estrutura organizacional básica do Poder Executivo do Estado e inseria a Polícia Militar no seu organograma geral” (PMTO, 202-).
Em 31 de janeiro de 1990 foi criada a lei nº 125 (Tocantins, 1990) que dispunha sobre os direitos e obrigações dos policiais militares tocantinenses e que continha em seu artigo 12 considerações sobre a disciplina militar e principalmente estabelecia a observância de certas particularidades para edição do regulamento disciplinar, tais como, limitação temporal de trinta dias para as penas privativas de liberdade, o direito a ampla defesa, o direito de recorrer das decisões, a manutenção da harmonia policial militar e o exemplo a tropa como objetivo da punição disciplinar.
Conforme previa o artigo 12 § 4º e o artigo 46 e da lei nº 125/1990, em 28 de agosto de 1990 foi editado o decreto 1.642 que trazia o primeiro regulamento disciplinar da polícia militar do Estado do Tocantins. Este regulamento em muito se assemelhou ao regulamento disciplinar goiano de 1986 visto anteriormente e não trouxe muitas novidades em relação às modalidades de punição. Em seu artigo 14 definiu transgressão disciplinar como:
“[...] qualquer violação dos princípios éticos da atividade policial-militar, na forma estabelecida no Estatuto dos Policiais Militares, dos deveres e das obrigações profissionais, na sua manifestação elementar e simples, bem como qualquer ação ou omissão contrária aos preceitos estabelecidos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crime ou contravenção”. (Tocantins, 1990)
As transgressões disciplinares foram dispostas no artigo 16 através de oitenta incisos. Houve uma diminuição na tipificação de condutas consideradas transgressoras em relação ao regulamento disciplinar utilizado anteriormente, ainda de Goiás. Dentre as condutas que deixaram de ser consideradas como transgressões disciplinares estão: a participação em associações, a não comunicação de mudança de residência, a realização de transações pecuniárias entre os militares, manter relações de amizade com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes ou apresentar-se publicamente com elas, recorrer ao judiciário sem antes esgotar todos os recursos administrativos, falta de asseio próprio ou coletivo em situação alheia ao quartel, maltratar ou não ter o devido cuidado no trato com animais, etc.
A tipificação das transgressões trazidas pelo primeiro regulamento disciplinar da polícia tocantinense passou a ter um maior respeito a privacidade do militar e a dar uma maior liberdade de conduta em assuntos e momentos não referentes a atividade militar em comparação ao regulamento antecessor[12].
Nesse contexto legal é criado dentro da Policia Militar do Tocantins a Companhia Independente de Bombeiros (1ª CIBM), por meio de decreto 6676 em dezembro de 1992[13], onde permaneceu ligada organicamente até 2005 quando se desmembrou e se transformou numa instituição militar autônoma.
6.CRIAÇÃO DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO TOCANTINS E SUA LEGISLAÇÃO
No dia 26 de setembro de 2005 através da Emenda Constitucional Tocantinense n.º 15 foi criado o Corpo de Bombeiros Militar (Tocantins, 1989), desmembrando-o da Polícia Militar do Estado, dando independência administrativa e financeira a corporação. Ainda assim foi mantida a vinculação do Corpo de Bombeiros Militar à Polícia Militar até a edição da Lei Complementar nº 45 em 3 de abril de 2006 (Tocantins, 2006), que dispunha sobre a Organização Básica do Corpo de Bombeiros, conforme regia o Parágrafo único do art. 117 da Constituição do Estado[14].
O regulamento disciplinar de 1990, decreto 1642/90, foi o primeiro dispositivo legal tocantinense a regular a disciplinar militar estadual e citava como seu objeto somente a polícia militar, porém na falta de legislação própria o CBMTO continuou a utilizar esta, como previa o artigo 26 da lei complementar nº 45, de 03 de abril de 2006 – Lei de Organização Básica da corporação (Tocantins, 2006)[15]. Essa situação foi sanada com a edição do novo Estatuto dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Tocantins pela lei nº 2.578 de 20 de abril de 2012, que regulava “o ingresso na Corporação, a relação jurídica funcional, os direitos, as obrigações, a ética e as prerrogativas” em ambas as corporações (Tocantins, 2012). Em seu artigo 42 esse novo estatuto dos militares trouxe uma definição renovada de transgressão disciplinar como “a infração administrativa caracterizada pela violação aos preceitos ou deveres da ética inerentes à atividade militar incorrendo o autor nas sanções previstas nesta Lei” (Tocantins, 2012). As tipificações das transgressões foram elencadas e classificadas como leves, médias e graves, respectivamente, nos artigos 44, 45 e 46, num total de oitenta e três incisos. Além das transgressões tipificadas, a lei nº 2578 considerou como transgressões graves as condutas que violem os preceitos e deveres éticos contidos neste Estatuto, conforme artigo 48.
O Estatuto dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Tocantins (lei nº 2578/2012) trouxe ainda, no parágrafo 6º do artigo 13, os requisitos a serem observados para edição do regulamento disciplinar, especificamente no inciso VI elencou as modalidades de punição disciplinar possíveis como sendo a advertência, a repreensão, a detenção, a prisão, a reforma disciplinar e a demissão. Tanto a detenção quanto a prisão são penas restritivas de liberdade, porém, o estatuo legalmente as diferenciou. Conforme artigo 108 inc. I, o detido:
“pode locomover-se no interior da unidade na qual estiver cumprindo a punição, sendo liberado para fazer suas refeições, às suas expensas, em local externo e em horários previamente estipulados, conforme autorização da autoridade competente” (Tocantins, 2014, grifo nosso)
Já a prisão, conforme artigo 109:
“consiste no confinamento do punido em local designado pelo comandante da unidade de cumprimento.”
[...]
“§ 5o As refeições do militar preso administrativamente são realizadas somente no interior da Unidade, sendo custeada pela Administração ou, optando o preso, às suas próprias expensas, todavia sob a anuência e fiscalização da autoridade competente.” (Tocantins, 2014, grifo nosso)
Segundo o Estatuto dos Militares Tocantinenses de 2012 as penas restritivas de liberdade, oriundas das transgressões administrativas, somente deveriam ser aplicadas, conforme a previsão do artigo 13 parágrafo 6º inciso IV, ou seja, “visando à manutenção da harmonia militar e o exemplo que pudesse ser transmitido a todos os integrantes da Corporação” (Tocantins, 2012). A finalidade pretendida pelo legislador nesse dispositivo por vezes não era alcançada e de modo contrário esse tipo de pena acabava gerando um sentimento de injustiça e revolta entre os militares, como concluíram Nascimento e Carneiro (2020) no artigo intitulado Extinção da Detenção e da Prisão Administrativa como Forma de Punição Disciplinar no Âmbito da Polícia Militar do Estado do Tocantins: Reflexões Jurídicas:
“Indubitavelmente concluímos que o cerceamento da liberdade não condiz com a realidade do atual Estado democrático de Direito, do mesmo modo, não contribuindo com mudança de comportamento dos militares estaduais infratores. Muito pelo contrário, a imposição dessas sanções de privação de liberdade causa desconforto, prejuízos psicológicos e emocionais, humilhação, descredibilidade do infrator que resultam em desvalorização do policial militar enquanto membro da instituição. No qual retornará para sua atividade junto à comunidade desmotivado, frustrado e extenuado.” (Nascimento e Carneiro, 2020, n. p.)
Uma nova regulamentação dos processos administrativos disciplinares dos militares estaduais tocantinenses ocorreu com a edição do Decreto nº 4.994 em 14 de fevereiro de 2014, atualmente em vigor e chamado de RDMETO. Apesar de não se distanciar muito do antecessor editado em 1990, este regulamento disciplinar criado na conformidade da Lei 2.578, de 20 de abril de 2012, trouxe certo ar de modernização à legislação militar ao dedicar uma seção inteira aos Direitos Humanos, como vemos:
“Seção II
Dos Direitos Humanos
Art. 5º Cumpre ao militar estadual obedecer ao Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, instituído pela Organização das Nações Unidas por meio da Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, ratificado pelo Governo do Brasil.
Art. 6º Cabe ao militar estadual respeitar e proteger a dignidade da pessoa humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas.
Art. 7º Somente é permitido ao militar estadual o emprego da força quando tal se afigure estritamente necessária e na medida exigida para cumprir seu dever, apoiado nos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade.
Art. 8º Nenhum militar estadual pode infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou outra forma de tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o estado de guerra ou a ameaça à segurança nacional, a instabilidade política e interna ou qualquer outra emergência pública como justificativa para tortura ou outra forma de tratamento cruel, desumano ou degradante.
Art. 9º O militar estadual deve respeitar a capacidade e as limitações individuais de todo o cidadão, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político, posição social e quaisquer outras formas de discriminação.” (Tocantins, 2014, grifo do autor)
7.FIM DAS PENAS RESTRITIVAS DE LIBERDADE NOS REGULAMENTOS DISCIPLINARES MILITAR
Como percebemos após a extinção das punições com castigos corporais e meios cruéis em 1824 pela Constituição, os regulamentos disciplinares militares sofreram poucas mudanças no que versa sobre as modalidades de punições, sendo a alteração legal que proibiu a pena de restrição de liberdade nas transgressões administrativas (prisão e detenção) a mais impactante desde então.
A maior preocupação dos legisladores em garantir ao militar punido disciplinarmente a não reincidência e o exemplo aos pares, como determinou o Estatuto dos Militares Tocantinenses de 2012 em seu artigo 13 parágrafo 6º inciso IV[16] deu as punições atributos que passaram a afastá-la da corrente retributiva, onde não havia finalidade prática na pena, e a aproximá-la da corrente preventiva ou relativista, onde o exímio operador do direito, jurista e professor Magalhães Noronha destacou:
“As teorias relativas procuram um fim utilitário para a punição. O delito não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada. Não repousa na ideia de justiça, mas de necessidade social (punitur ne peccetur). Deve ela dirigir-se não só ao que delinqüiu, mas advertir aos delinquentes em potencial que não cometam crime. Consequentemente, possui um fim que é a prevenção geral e a particular” (Noronha, 2000, p. 223)
Na mesma esteira Cleber Masson reforçou que “para essa variante, a finalidade da pena consiste em prevenir, isto é, evitar a pratica de novas infrações penais (punitur ne peccetur). É irrelevante a imposição de castigo ao condenado.” (MASSON, 2015, p.608).
Inicialmente devemos apontar que a própria Constituição Federal de 1988, apesar de ser considerada a constituição cidadã, previu a possibilidade de punições disciplinares privativas de liberdade em seu artigo 142 § 2º ao dizer “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares” (Brasil, 1988), porém “não obrigou os legisladores estaduais a necessariamente adotar essas penalidades, especialmente no caso das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares” (GURGACZ, 2016, n. p.)[17].
Diante dessa vedação constitucional o Supremo Tribunal Federal (STF) visando garantir a Ampla Defesa ao militar punido administrativamente construiu ao longo dos últimos anos uma sólida jurisprudência no sentido da possibilidade do habeas corpus nas punições disciplinares desde que este não ataque o mérito das razões que ensejaram a punição e somente questione a violação dos pressupostos de legalidade. Nesse sentido temos como exemplos as decisões da Ministra Ellen Gracie do STF no julgamento do RE 338840/RS[18] em 19/03/2003 e do Ministro Nunes Marques do STF no julgamento do HC: 200044/SP em 27/04/2021[19] reforçadas pelo entendimento do Defensor Público Jair Soares Junior (2018, p.66) para o qual essa vedação do habeas corpus “[...] somente encontraria apoio na Constituição quando a transgressão disciplinar tiver sido praticada por militar em uma das funções típicas das Forças Armadas [...]”.
A garantia do militar à Ampla Defesa dada pelo STF através do habeas corpus foi um avanço legal, porém alguns argumentos forçaram ainda mais a necessidade do fim das penas administrativas restritivas de liberdade. Um deles foi, conforme ressaltou o Senador Acir Gurgacz (2016), a necessidade de acompanhar a evolução jurídica brasileira, que passou a adotar penas alternativas ao cerceamento de liberdade em casos muito mais graves e que, desta forma, não se justificaria em sanções disciplinares administrativas somente por serem organizações militares:
“A privação de liberdade, cada vez mais em nosso ordenamento legal e cultura jurídica, é concebida como medida repressiva à prática de crimes graves. Tanto é assim que diversos crimes são apenados com penas restritivas de direitos, como o pagamento de multa, prestação de serviços à comunidade, entre outros.” (Gurgacz, 2016, n. p.)
Outro argumento pelo fim das penas administrativas de liberdade, e já citado anteriormente, foi o exposto por Nascimento e Carneiro (2020) onde destacou-se que sendo as penas de prisão e de detenção aplicadas desproporcionalmente a conduta delitiva, ao invés de gerarem uma mudança comportamental no apenado e na tropa, como esperado, estas se transformaram em fator desmotivador, humilhante, revoltante e que causavam prejuízos psicológicos e emocionais.
Diante dessa situação e tentando dar certa isonomia de tratamento aos cidadãos brasileiros o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 148, de 2015 (Brasil, 2015), de autoria do Deputado Subtenente Gonzaga e Deputado Jorginho Mello, que alterou o art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969 extinguindo a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal.
Sancionada em 26 de dezembro de 2019 a lei nº 13.967 (Brasil, 2019) estabeleceu novos princípios limitadores a serem observados pelos Códigos de Ética e Disciplina militares estaduais, sendo eles a dignidade da pessoa humana, a legalidade, a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, a razoabilidade e proporcionalidade e a vedação de medida disciplinar privativa de liberdade.
CONCLUSÃO
Depois de perpassar mais de 250 anos de história das regulamentações disciplinares e demonstrar a evolução das punições administrativas militares fica clara a evolução das penas aplicadas, deixando estas de terem características meramente retributivas, conforme praticava o Regulamento de 1763, que continha em seu capítulo XXVI os chamados “artigos de guerra” e que as penas eram tidas como um castigo ao mal causado pelo transgressor, servindo somente ao fim de fazer justiça e nenhum outro mais.
Vemos um grande avanço legal rumo à humanização das penas disciplinares militares com a vinda da Família Real Portuguesa e posteriormente com a outorga da Constituição Brasileira, pois houve, a partir daí o abrandamento jurídico das penas disciplinares, já que esta em seu artigo 179 inc. XIX abolia os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis como forma de punição.
Direcionando o estudo pelo caminho que levou a regulamentação disciplinar do Estado do Tocantins entramos nos regulamentos que marcaram a história de nosso predecessor Estado de Goiás, onde foi possível comparar a falta de tipificação das transgressões e a discricionariedade para punir, concedida aos comandantes militares pelo primeiro regulamento da Força Policial da então Província de Goyaz, com o último regulamento disciplinar antes da divisão do estado Goiano em 1986. Este último além de apresentar uma maior especificação e classificação das transgressões disciplinares, já trazia em seu bojo não só menções as transgressões, mas também a previsão de condutas necessárias a boa formação e ao bom convívio policial militar deixando clara a importância do respeito, urbanidade e da justiça entre superiores e subordinados.
Nesta evolução no sentido da humanidade e sob a égide da Constituição de 1988 surgiu o regulamento disciplinar das forças militares tocantinenses, num primeiro momento para disciplinar a Polícia Militar e logo em seguida, também, o Corpo de Bombeiros Militar. Fica claro que punições com características retributivas deram lugar a punições com características preventivas, onde as penas passam a ser utilizadas para prevenir transgressões futuras, visando a manutenção da harmonia militar e o exemplo que pudesse ser transmitido a todos os integrantes da Corporação.
Por fim, para selar a evolução das penas administrativas ao longo desses mais de 250 anos tivemos recentemente, em 2019, a proibição das punições disciplinares privativas de liberdade. Essa alteração, baseada em princípios constitucionais, aproximou os regulamentos disciplinares das instituições militares do que vem sendo praticado nos tribunais civis, ou seja, as penas restritivas de liberdade passam somente a atender condutas muito graves, buscando atingir o militar que incorrer em crime e não somente em transgressão disciplinar.
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[1] Teorias que buscam explicar as finalidades da pena, sendo três as mais aceitas pelos doutrinadores: a Teoria absoluta ou retributiva, a Teoria relativa ou preventiva e a Teoria mista ou eclética.
[2] As atividades policiais eram exercidas por tropas auxiliares do exército, conhecidas como milícias, e que tinham como atribuição garantir a posse territorial, a ordem e a lei, conforme Leonzo (1986).
[3] Conforme se extrai do artigo “Polícias militares têm origem no século 19” publicado no site https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/25/policias-militares-tem-origem-no-seculo-19.
[4] Art. 179 inc. XIX. “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.” (Brasil, 1824)
[5] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leimp/1824-1899/lei-2556-26-setembro-1874-589567-publicacaooriginal-114514-pl.html Acesso em: 21 de agosto de 2021.
[6] BRASIL, lei 18 de agosto de 1831: Cria as Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias, guardas municipais e ordenanças. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18-agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html
[7] O art. 13 da ADCT/CF 1988, que criou o Estado do Tocantins, estabeleceu em seu artigo 6º que se aplicaria “à criação e instalação do Estado do Tocantins, no que couber, as normas legais disciplinadoras da divisão do Estado de Mato Grosso” (ADCT-1988), sendo que a lei complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977 que criou o Estado de Mato Grosso do Sul em seu artigo 40 definiu que a legislação vigente no momento de sua criação, continuariam a ser aplicadas, até que leis ou decretos-leis a substituíssem (Brasil, 1977).
[8] POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS. História. Data do acesso: 24 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.pm.go.gov.br/historia-2
[9] A criação do Estado do Tocantins se deu dois anos depois com o advento da Constituição Federal em outubro de 1988.
[10] Art. 3º - A civilidade é parte da educação policial-militar e, como tal, de interesse vital para a disciplina consciente. Importa ao superior tratar os subordinados em geral, e os recrutas, em particular, com urbanidade e justiça, interessando-se pelos seus problemas. Em contrapartida, o subordinado é obrigado a todas as provas de respeito e deferência para com seus superiores, de conformidade com os regulamentos policiais militares (Goiás, 1986).
[11] SECRETARIA DA CULTURA E TURISMO. l) Criação do Estado do Tocantins – 1988. [s.d.] Data do acesso: 14/09/20021. Disponível em https://www.to.gov.br/sectur/l-criacao-do-estado-do-tocantins-1988/69ku6myrjrwe
[12] O regulamento anterior de 1986, ainda de Goiás, considerava como transgressão disciplinar, por exemplo, “manter relações de amizade com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes”, “esquivar-se a satisfazer compromissos de ordem moral ou pecuniária que houver assumido” e “frequentar lugares incompatíveis com seu nível e o decoro da classe” (Goiás, 1986).
[13] Disponível em: https://www.to.gov.br/bombeiros/historia-do-cbmto/4mz86sya9cdi#:~:text=Supera%C3%A7%C3%A3o%2C%20for%C3%A7a%20de%20vontade%2C%20amor,)%2C%20em%20dezembro%20de%201992. Acesso em: 14 set, 2021.
[14] TOCANTINS. Constituição, 1989. Art. 117 “Parágrafo único. Lei Complementar organizará a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar.” (Tocantins, 1989)
[15] TOCANTINS. LC 45 “Art. 26. O CBMTO, nos casos de matéria não regulada em legislação específica, adota leis, decretos, regulamentos e normas em vigor da Polícia Militar do Estado do Tocantins, podendo também utilizar-se, supletivamente, da legislação do Exército Brasileiro no que lhe for tecnicamente pertinente.” (Tocantins, 2006)
[16] “visando à manutenção da harmonia militar e o exemplo que pudesse ser transmitido a todos os integrantes da Corporação” (Tocantins, 2012).
[17] (Gurgacz, 2016) Parecer e voto favorável do senador Acir Gurgacz, presidente da comissão de constituição, justiça e cidadania do Senado Federal e relator do projeto que extingui a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal.
[18] “Não há que se falar em violação ao art. 142, § 2º, da CF, se a concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito. ” (Rel. Min. ELLEN GRACIE; data do julgamento: 19/08/2003; Segunda Turma).
[19] “A Constituição Federal, em seu art. 142, § 2º, enfatiza que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares". Contudo, a doutrina e a jurisprudência, pacificamente, firmam que tal proibição somente encontra guarida em relação ao mérito das punições disciplinares, que fica reservado à apreciação da autoridade administrativa militar, mas a apreciação dos pressupostos de legalidade da punição pode ser submetida ao Poder Judiciário por meio da impetração de Habeas Corpus. ” (STF - HC: 200044 SP 0051010-62.2021.1.000000, Relator: NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 27/04/2021, Data de Publicação: 30/04/2021)
Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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