Resumo: Os primeiros anos de vida de uma criança exercem um profundo impacto no seu desenvolvimento e em sua formação como cidadão. Nesse contexto, este trabalho traz uma reflexão e análise acerca da Lei nº 13.257/2016, conhecida como Lei da Primeira Infância, e sua aplicabilidade no processo penal brasileiro como uma forma de garantir o melhor interesse dos infantes, com vistas a resguardar o desenvolvimento afetivo, social e físico destes últimos.
Palavras-chave: Primeira infância. Lei nº 13.257/2016. Políticas públicas. Processo Penal.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de primeira infância e sua relevância na formação do indivíduo. 2. Considerações sobre a Lei nº 13.257/2015. 3. A Lei da Primeira Infância e o direito processual penal. Considerações finais. Referências bibliográficas
Introdução
O presente artigo se propõe a trazer uma reflexão sobre a primeira infância e a sua importância no desenvolvimento do indivíduo e consequências na vida adulta e na formação do caráter causadas pelas experiências vivenciadas nesse período de vida. O estudo aqui proposto objetiva realizar uma análise do tema e dos seus reflexos no direito processual penal.
Nesse contexto, o assunto é abordado à luz dos conceitos aplicáveis, considerando os princípios e valores consagrados pela Constituição Federal de 1988, coletando-se informes e concepções oriundos da legislação e doutrina correlatas ao assunto, além de fontes bibliográficas multidisciplinares.
A primeira infância pode ser conceituada, de acordo com a lei, como o período que abrange os primeiros seis anos completos do indivíduo, ou 72 (setenta e dois) meses de vida.
Esse período merece especial atenção por parte do Estado e das políticas públicas, considerando o relevante papel que exerce na formação do indivíduo e sua relação direta com o desenvolvimento dos infantes, restando claro que os vínculos familiares e ambientais saudáveis são essenciais para desenvolver características essenciais para gerar adultos com uma melhor qualidade de vida.
Nesse sentido, a própria Constituição Federal de 1988 já estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
De acordo com a professora Mônica Maria de Almeida Vasconcelos, chefe do Departamento de Pediatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, “o desenvolvimento afetivo, social e físico das crianças nos primeiros anos de vida tem impacto direto em seu desenvolvimento e no adulto que se tornarão. Por isso a importância de entender bem a necessidade de investir nas crianças bem pequenas para maximizar seu futuro bem-estar.”. A professora destaca ainda que a primeira infância é um período crucial do desenvolvimento cerebral, com a aquisição de capacidades fundamentais para o aprimoramento de habilidades futuras mais complexas[1].
Considerando o contexto acima relatado, e a importância de uma infância saudável na formação dos cidadãos e, consequentemente, na construção de um país melhor a longo prazo, a Lei nº 13.257/2015, conhecida como Lei da Primeira Infância, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro uma série de políticas públicas voltadas para as crianças que estão na já conceituada “primeira infância”, trazendo reflexos para o direito processual penal, para a legislação trabalhista e para o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O próprio diploma legal é esclarecedor ao dispor que estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância, em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano.
Nesse contexto, a Lei nº 13.257/2015 trouxe alterações em diversas searas do direito, como podemos citar as alterações trazidas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, as alterações à legislação trabalhista e ao Código de Processo Penal.
Dessa forma, resta evidente a relevância do Marco Legal da Primeira Infância, a Lei nº 13.257/2015, ao buscar, nas diversas searas do direito, resguardar os interesses da criança nessa crucial fase da vida.
A Lei da Primeira Infância trouxe profundos impactos à legislação processual penal brasileira. Nesse sentido, o jurista Márcio André Lopes Cavalcante[2] explicita que o STF reconheceu a existência de inúmeras mulheres grávidas e mães de crianças que estão cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto. Além disso, não há berçários e creches para seus filhos. O STF afirmou também que existe no Poder Judiciário brasileiro uma “cultura do encarceramento”, que significa a imposição exagerada e irrazoável de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal e processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente.
Ainda de acordo com o citado doutrinador, a Corte admitiu que o Estado brasileiro não tem condições de garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional. Ademais, os cuidados com a mulher presa não se direcionam apenas a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos das crianças e adolescentes. Diante da existência desse quadro, deve-se garantir o estrito cumprimento da Lei da Primeira Infância (Lei 13.257/2016).
Nesse contexto, no âmbito do Código de Processo Penal, podemos destacar a inclusão, pela Lei da Primeira Infância, do inciso X ao art. 6º do referido diploma legal. Nesse sentido, dentre as providências que o Delegado de Polícia deve tomar logo após ter conhecimento da prática da infração penal, foi acrescentada a obrigação de averiguar a situação dos filhos menores da pessoa presa, devendo, nos termos do inciso incluído pela Lei nº 13.257/2016, colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência, além do nome e contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos.
No mesmo sentido, o art. 304 teve o seu parágrafo 4º incluído pela Lei da Primeira Infância, dispondo que, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar as mesmas informações listadas acima, referentes à existência de filhos, suas idades e eventual responsável. Outrossim, o art. 185, §10 passou a prever que, durante o interrogatório judicial, o magistrado tem a obrigação de averiguar se o réu possui filhos e quem está sendo o responsável pelos cuidados com os infantes.
Ademais, quanto às hipóteses de prisão domiciliar, a Lei nº 13.257/2016 acrescentou ao artigo 318 do Código de Processo Penal os incisos IV, V e VI, que determinam que a prisão preventiva poderá ser substituída pela prisão domiciliar quando o agente for gestante, mulher que tenha filho menor de 12 (doze) anos de idade incompletos, e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Nesse sentido, a jurisprudência é clara quanto à importância da aplicação de tal substituição, senão vejamos:
O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), ao alterar as hipóteses autorizativas da concessão de prisão domiciliar, permite que o juiz substitua a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho até 12 anos de idade incompletos (art. 318, IV e V, do CPP). Com base nessa orientação, a 2ª Turma do STF concedeu a ordem em habeas corpus para determinar a prisão domiciliar de mulher que estava presa preventivamente por tráfico de drogas quando deu à luz a uma criança. (STF. 2ª Turma. HC 134069/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/06/2016)
Nesse contexto, urge salientar que o objetivo da lei é proteger o infante e o seu desenvolvimento, de forma que o simples fato de ter um filho na referida faixa etária não concede à mãe o direito irrestrito de ter a prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar, caso essa substituição não represente a melhor opção para resguardar o bem-estar da criança. É o que se observa, por exemplo, no caso em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é cabível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando o crime é praticado na própria residência da agente, onde convive com filhos menores de 12 (doze) anos (STJ, 6ª Turma, HC 441.781/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 12/06/2018, DJE 19/06/2018).
Em entendimento semelhante, o STF também decidiu que, no caso de uma mulher presa preventivamente pela prática dos crimes de associação criminosa, posse irregular de arma de fogo de uso permitido e posse irregular de arma de fogo de uso restrito, a substituição seria indevida, considerando que o próprio convívio com a mãe poderia prejudicar o desenvolvimento do menor (STF, HC 166.900/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/09/2019).
Considerações Finais
Após a análise trazida acerca da relevância da primeira infância para a formação do indivíduo, verificou-se a importância da formulação e implementação de políticas públicas que busquem resguardar o desenvolvimento dos infantes na referida faixa etária.
Dito isso, a Lei nº 13.257/2016 se destaca como importante mecanismo utilizado pelo Estado Legislador para garantir o bem-estar das crianças e o consequente desenvolvimento do indivíduo, com todas as consequências advindas de uma infância vivida em um contexto sadio e equilibrado. Assim, a Lei da Primeira Infância representa uma aplicação daquilo que a ciência dispõe acerca do desenvolvimento das crianças, como uma forma de, ao investir nessa fase da vida, trazer transformação social a longo prazo, como uma importante arma contra a desigualdade.
Restou esclarecida, portanto, a importância da implementação das medidas aqui comentadas e a necessidade de o Estado direcionar especial atenção aos infantes nessa relevante fase da vida. De igual modo, verificou-se que, com o advento do Marco Legal da Primeira Infância, houve significativa alteração benéfica aos infantes, de forma a buscar tutelar os interesses destes últimos.
Referências bibliográficas
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 8. Ed. Ver., Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Marco Legal da Primeira Infância e prisão domiciliar. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1a3f91fead97497b1a96d6104ad339f6>. Acesso em: 02/10/2021
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
DELMANTO, Fábio Machado de Almeida, Medidas substitutivas e alternativas à prisão cautelar. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Editora Método, 2011.
BRASIL. LEI Nº 13.257, DE 08 DE MARÇO DE 2016. MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2016/lei/l13257.htm#:~:text=2%C2%BA%20Para%20os%20efeitos%20desta,meses%20de%20vida%20da%20crian%C3%A7a. Acesso em: 02 de outubro de 2021.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.Rio de Janeiro, 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689.htm.Acesso em: 25 set. 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art227. Acesso em 02 de outubro de 2021.
[1] VASCONCELOS, Mônica Maria de Almeida Vasconcelos. Disponível em https://www.medicina.ufmg.br/a-importancia-da-primeira-infancia-para-o-desenvolvimento-da-sociedade-e-tema-da-proxima-webconferencia/. Acesso em: 02/10/2021.
[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Marco Legal da Primeira Infância e prisão domiciliar. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1a3f91fead97497b1a96d6104ad339f6>. Acesso em: 02/10/2021
Graduada em Direito pela UFRN. Pós Graduada em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Maryana Ferreira Vieira. A relevância da primeira infância e a Lei nº 13.257/2016 no contexto do direito processual penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58457/a-relevncia-da-primeira-infncia-e-a-lei-n-13-257-2016-no-contexto-do-direito-processual-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.