RESUMO: O ensino do Direito no Brasil enfatiza o dogmatismo das leis em detrimento da prática jurídica. Tal situação resulta em um distanciamento aparente entre a realidade dos fatos e sensação de justiça. Apesar dos esforços do MEC para tentar diminuir essa lacuna, incluindo matérias com menos conteúdo legal, percebemos que ainda há um longo caminho para que o texto da Lei reflita a complexidade das relações humanas. Neste cenário abissal entre realidade e Lei, onde o ensino do Direito no Brasil carece de efetividade para diminuir essa distância, um novo elemento é adicionado, a Inteligência Artificial que, em tese, tenta replicar como o ser humano pensa, aprenda e decide. Neste sentido, este artigo tem como objetivo investigar o uso ascendente da Inteligência Artificial e seus efeitos no ordenamento jurídico. Assim, a questão norteadora da pesquisa está voltada para responder quais são as possibilidades, reflexos e riscos que surgem com a aplicação desta nova tecnologia. Em termos metodológicos, será adotada uma abordagem sistêmica com matriz Luhmanniana e utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica. Como resultado do estudo, constatou-se que o avanço no uso da Inteligência Artificial no universo jurídico já está em andamento. Além disso, o debate buscou antever as possibilidades e implicações da Inteligência Artificial no mundo jurídico, pois melhor do que competir com ela é entender como ela funciona e aproveitar as possibilidades que pode proporcionar.
Palavras-chave: Democracia. Sociedade. Inteligência artificial. Sistema certo.
ABSTRACT: The teaching of the law in Brazil enphazie dogmatism of laws rather than legal practice. Such a situation results in an apparent distance between reality of the facts and sense of fairness. Despite MEC's exercises to try to reduce this gap, even with them incluiding less legal content, we realize that there is a long way to reach the complexity of human relationships, from the text of the Law. In this abyssal scenario between reality and Law, where the teaching of Law in Brazil lacks effectiveness to reduce this distance, a new element is added, Artificial Intelligence that, in theory, tries to replicate how human beings think, learn and decide. In this way, this article aims to investigate the upward use of Artificial Intelligence and its effects on the legal system. Thus, the leading question of the research is focused on answering what are the possibilities, reflexes and risks that arise with the application of this new technology. In methodological terms, a systemic approach with a Luhmannian matrix will be adopted and the bibliographic research technique will be used. As a result of the study, it was found that the progress in the use of Artificial Intelligence in the legal universe is already underway. In addition, the debate sought to foresee the possibilities and implications of Artificial Intelligence in the legal world, because better than competing with it is to understand how it works and take advantage of the possibilities it can provide.
Keywords: Democracy. Society. Artificial intelligence. Right system.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2.DESENVOLVIMENTO, 2.1. A COMPLEXIDADE DE UM MUNDO COMPLEXO, 2.2. O LIMIAR DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL; 3. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: REFLEXOS NO SISTEMA DO DIREITO; 4.O ENSINO DO DIREITO NO BRASIL E SUA APLICAÇÃO NA PROGRAMAÇÃO DAS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Produzimos dados a todo momento, seja quando andamos pela rua e somos monitorados por câmeras de vigilância, até quando acessamos um perfil em alguma rede social pela internet. Com a evolução tecnológica a coleta, transmissão e análise de dados se tornou ampla e massiva, gerando uma alta quantidade de informações que atingem o limite de interpretação do homem médio, gerando a necessidade de auxílio de outras tecnologias para interpretar tais informações.
Fato é que, em uma Sociedade da Informação, trabalhar com um volume alto de dados e utilizar esses de maneira a otimizar a solução de um problema, pode ser tornar desafiador, principalmente considerando a capacidade cognitiva do ser humano. Sendo assim, percebe-se um aumento gradativo na utilização tecnologias, algoritmos e inteligências artificiais para que interpretem os dados e tomem decisões sem interferência humana. No âmbito jurídico, a reação que emerge dessa dinâmica faz com que a democracia, a legislação, a prática interpretativa dos tribunais e os ensinamentos das universidades sejam reajustados a essa nova realidade (VESTING, 2016).
Por décadas, temos visto na literatura e no cinema a apresentação de muitas tecnologias que, em um primeiro momento se apresentam como algo fantástico e imaginativo, começam a permear nosso cotidiano. Em breve exploraremos uma nova faceta da relação entre o que já sabemos por meio da ficção científica e a nova realidade que se apresentará no mundo dos fatos. É verdade que as previsões feitas em filmes como Blade Runner sobre a sociedade povoada por androides em 2019, ainda, na época em que este artigo foi escrito, podem ser uma peça de ficção científica, porém a sociedade gerida por algoritmos e Inteligência Artificial já é uma realidade presente em diversos setores da sociedade. Embora o mercado jurídico ainda não tenha passado por mudanças significativas com o advento da IA (Inteligência Artificial), é muito provável que em menos de duas décadas a forma de trabalho dos advogados e juristas mude radicalmente (SUSSKIND, 2017).
Para tanto, o objetivo deste estudo será explorar as possibilidades de operacionalização de sistemas operados por Inteligência Artificial (algoritmos inteligentes), de modo que possam dar suporte aos subsistemas da sociedade, em particular o subsistema do Direito, na tarefa de selecionar os dados que se encontram disponíveis no ambiente, por recolha progressiva ou por análise da base de dados disponibilizada através da sua programação, o que aumenta exponencialmente a complexidade interna do sistema, para que a escolha que lhe seja mais adequada.
Como academia, queremos também contribuir para a análise, identificação e busca de soluções coerentes para os problemas existentes na sociedade. Para tanto, buscamos oportunizar que sistemas decisórios baseados em inteligência artificial de aplicação sociojurídica contribuam para a operacionalização mais capaz de possibilitar o aprimoramento contínuo do Sistema Parcial de Direito.
2.1. A COMPLEXIDADE DE UM MUNDO COMPLEXO
O processo acelerado pelo qual ocorrem as transformações sociais é uma característica evidente da sociedade atual. Do ponto de vista dessa observação, a sociedade funciona funcionalmente de forma diferenciada (ROCHA, 2013). Isso se deve a processos evolutivos e especializações comunicativas internas que emergem da própria sociedade. Essa característica é destacada pelo funcionamento dos subsistemas da sociedade a partir de características específicas de cada um deles. Exemplos de sistemas especiais são o subsistema de direito, política, economia, religião, amor, educação e saúde.
No entanto, outra visão não confirma que na sociedade de hoje "tais sistemas são isolados, não comunicados, insensíveis, imutáveis, mas que são 'componentes' ou 'elementos' de tais sistemas que interagem entre si. E apenas entre si" (RODRIGUES, NEVES, 2012, p. 24). Na verdade, é com base neste conceito que a sociedade é um sistema social onde a comunicação é o elemento mais importante que concretiza a ideia de abertura fechada e operacional dos subsistemas que compõem a sociedade.
Niklas Luhmann é o precursor que foi encorajado a formular uma teoria geral que pode explicar o funcionamento da sociedade. Esse caminho começou quando o conceito de sistema desenvolvido pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varella foi aprimorado. Na opinião de biólogos, como plantas, organismos vivos e bactérias, todos têm uma coisa em comum: ou seja, são sistemas fechados, autorreferenciais e autopoiéticos (FORTES, 2016).
Com base nisso, Luhmann começa a formular uma teoria dos sistemas sociais em combinação com uma teoria da sociedade contemporânea. Para ele, a sociedade pode ser definida como um “sistema social mais amplo de reprodução da comunicação pela comunicação” (FEDOZZI, 1997, p. 28). Portanto, não há comunicação entre a sociedade e o meio ambiente, ou melhor, entre a sociedade e os indivíduos que o habitam.
Nesse contexto, as características mais importantes a serem observadas na sociedade são a complexidade e a diferenciação funcional. Com efeito, se o sistema social quer viver, ou melhor, manter a diferenciação, "deve ser capaz de gerir de uma forma ou de outra essa complexidade e deve ser capaz de determinar os aspectos do ambiente que eles são relevantes para suas próprias operações e, por meio da estética, para a construção de seus próprios elementos” (LUHMANN, 1998, p. 7). Como visto, complexidade é sinônimo de modernidade, pois complexidade engloba todas as possibilidades que existem no mundo (NEVES, 2013).
Outra característica central desta discussão é a diferenciação funcional. Com efeito, por esta característica, o subsistema do direito é “programado por uma comunicação privada codificada, que declara o que é 'legal' e 'ilegal' segundo uma rede recursiva de operações normativas (FORTES, 2016, p. 195). Sistema ainda é diferente internamente, como no caso do direito penal, civil e trabalhista. Numa sociedade moderna com uma característica complexa, este diferencial funcional dos sistemas é uma característica, que é a principal diferença com os modelos de sociedade que nos precedeu (ROCHA, 2013).
Essa nova concepção passa a ser "o fundamento e a premissa de que, na interpretação de Luhmann, a teoria dos sistemas [...] poderia se transformar em uma teoria universalista" (FEDOZZI, 1997, p. 21). Isso significa que a teoria não lidará com sistemas na forma de objetos especiais, mas usando diferenciação específica. É essa cadeia comunicativa interna e autorreferencial do sistema que produzirá enunciados normativos binários, que dentro do sistema decidem o que é legal / ilegal (FORTES, 2016).
Portanto, uma abordagem sistêmica do tema que inclua a gestão de volumes exponenciais de informações que circulam no ambiente dos subsistemas da sociedade nos dará um novo olhar sobre o direito e a democracia. Isso porque "as múltiplas influências do direito, da política e da economia no atual estado constitucional são claras. Afinal, a Constituição é a lei suprema do país, a decisão política fundamental e o arcabouço institucional necessário para a economia de mercado" (FORTES, 2016, p. 198). De fato, essa nova forma de examinar os fenômenos sociais parece ser uma das poucas teorias, ultimamente, a ter implicações e polêmicas transdisciplinares entre os estudiosos (GUNTHER, 2012).
Para Bertalanffy (2008), essa especialização dos sistemas parciais se deve ao enorme somatório de informações e à complexidade das técnicas e estruturas teóricas de cada área do conhecimento. Na verdade, existem modelos, princípios e leis que se aplicam a sistemas generalizados como, portanto, a suas subclasses, quais são os relacionamentos como as forças que atuam sobre eles.
Para Gunther (2012) podemos abordar os problemas sociais por meio da teoria sistêmica, podemos considerar uma visão geral. Nesse sentido, uma das características mais importantes dessa teoria é que podemos entender um sistema (lei) por sua relação e não por sua decomposição em partes. Esta parece ser uma alternativa ao modelo de fragmentação do conhecimento, pois ajuda a unir as partes de um todo que se divide; permitindo assim que seja compreendido e transformado. De fato, os fundamentos dessa teoria sugerem que o sistema social como um todo deve ser analisado e não individualizado por si só, ou mesmo, como partes independentes que podem ser somadas para obter o todo. Por assim dizer, o todo é mais do que a soma das partes (NICOLA, 2013).
Outra característica encontrada na análise dos subsistemas da sociedade é o fato de que quando passam a ter uma estrutura funcionalmente diferenciada em relação ao meio ambiente, torna-se cada vez mais autônoma em relação a estes, ou mesmo, com os demais subsistemas operando na sociedade. Nessa perspectiva, o estudo dos subsistemas da sociedade abrange todos os componentes relacionados entre si, ou seja, as características da sociedade como sistema social não podem ser descritas isoladamente sem analisar as circunstâncias de seus elementos separadamente e as relações existentes. entre eles (URREA; ATEHORTÚA; VALDERRAMA, 2009).
Porém, é pela autorreferência de cada um desses subsistemas que eles começam a se diferenciar em relação ao ambiente que os cerca. De forma exemplar, ao isolar a observação do Sistema Parcial de Direito, o meio ambiente passa a ser tudo o que não pertence ao sistema, ou seja, a diferença entre o que pertence a ele e o que não pertence.
Nessa perspectiva, o estudo do sistema da sociedade como um todo é sustentado pela capacidade de formular princípios válidos para os subsistemas em geral e independentemente da natureza dos elementos que os compõem e das relações, como as "forças" Existentes entre eles (BERTALANFFY, 2008). Neste contexto, a questão central do Sistema Parcial de Direito é como se adaptar à crescente complexidade vivida pela sociedade e como o sistema pode utilizar os sistemas de apoio às decisões judiciais para lidar com uma maior chance de melhoria da escolha. para a decisão certa (NICOLA, 2013).
Na modernidade, ou seja, no contexto de uma sociedade complexa de conhecimento em rede, que mudou a epistemologia social, abre-se um espaço para uma nova reflexão sobre a relação entre o direito à democracia e a sociedade (VESTING, 2016). Nesse sentido, a análise sistêmica permite analisar o todo e ao mesmo tempo levar em conta suas partes e suas inter-relações comunicativas. Na verdade, uma análise sistêmica da sociedade, ou mesmo, dos subsistemas que nela operam, também fornece uma compreensão do mundo moderno que vivemos e relaciona todas as suas interações e interdependências que compõem esse sistema social.
Rocha e Duarte (2012) reforçam essa noção ao afirmar que, no contexto de uma sociedade globalizada e com a comunicação extrapolando qualquer fronteira, a teoria dos sistemas faz a análise da realidade, levando em consideração a construção da comunicação diante de uma sociedade complexa. Desta forma, pretendemos mostrar que a Inteligência Artificial pode atuar como Sistema de Apoio à decisão judicial e a operação do Direito, seja por meio da atuação como catalisador das informações que circulam pelo ambiente do sistema, ou ainda, fortalecendo os fluxos de comunicação compreensíveis pelo envio do sistema parcial de direito e seu interior, ajudando assim na realização de seu próprio direito. Adicionalmente, pretendemos trazer pontos de reflexão sobre o ensino desta Inteligência Artificial, para que não tragam os vícios do ensino jurídico e, como consequência, contaminem as decisões judiciais de maneira tal que possam ser consideradas injustas.
2.2. O LIMIAR DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
O limiar da IA (Inteligência Artificial) data do final dos anos 1940. Naquela época, John Von Neumann, usando a matemática, desenvolveu a arquitetura binária (arquitetura de Von Neumann), que ainda hoje é usada em programas de computador. Desde então, o desenvolvimento desse tema, ou seja, a IA (Inteligência Artificial) segue em progressão, estagnação e retoma, mas ainda, pelo menos ao que nos parece, está longe de representar algo que se assemelhe a um ser autônomo, sensível, consciente de si mesmo e com capacidade de se autorregenerar.
O primeiro trabalho com IA (Inteligência Artificial) data de 1943. Foi desenvolvido por Warren McCulloch e Walter Pitts e propôs um modelo de neurônios artificiais. A base de sua pesquisa foi baseada em três pilares: (i) conhecimento da filosofia básica relacionada à função dos neurônios no cérebro; (ii) o estudo formal da lógica proposicional desenvolvido por Russel / Whitehead; e, (iii) a teoria aritmética de Turing (RUSELL; NORVIG, 2013).
Embora algumas décadas tenham se passado desde aquele primeiro experimento, a definição terminológica e conceitual do que é "Inteligência Artificial" ainda não parece uma tarefa fácil, ainda mais para quem tem pouca aventura neste campo do conhecimento. Não há um consenso, mas para efeito de definição e didática, podemos conceituar Inteligência Artificial como “uma área inerente à computação e que busca, por meio de algoritmos sofisticados, atribuir funções inteligentes à objetos de diferentes naturezas, conferindo-lhes a habilidade de não realizar funções de maneira imperativa, mas sim, de responder a comandos e definir o que fazer mediante cada situação (SANTOS, DEL VECHIO, 2020)
Ato contínuo, vale esmiuçar mais o que é Inteligência Artificial e para que serve. Uma das primeiras definições sugeriu que uma máquina pode ser considerada tão inteligente quanto pode enganar e caber tão inteligente aos olhos dos homens (COPPIN, 2017), como a Máquina de Turing. No entanto, outra definição se refere à IA como um “estudo comportamento inteligente (em humanos, animais, máquinas) e tentar encontrar maneiras pelas quais esse comportamento possa ser transformado em qualquer tipo de artefato pelo engenheiro” (WHITBY, 2004, p. 19).
Como sabemos e percebemos, ser humano é incapaz de poder ler, ver, sentir, ouvir e interpretar a totalidade dos dados que afetam seu trabalho, sua profissão e sua vida. Porém, para um melhor entendimento do potencial da inteligência artificial e seu número de aplicações, passamos a defini-la de forma simples, como máquinas equipadas com sistemas inteligentes que possuem as habilidades necessárias para realizar tarefas que normalmente exigem o uso da inteligência humana, por exemplo, funções cognitivas (LIMA, 2014).
Talvez uma descrição mais fácil se refira à capacidade dos computadores de aprender, argumentar, se comunicar e, em última análise, tomar decisões como seres humanos. Nesse sentido, sistemas são programas treinados e planejados para aprender a realizar tarefas tradicionalmente realizadas por humanos. O foco desses sistemas computacionais é buscar padrões nos dados disponíveis no ambiente, para testar e encontrar, ou mesmo entregar resultados ou tomar decisões.
Mas por que isso é importante? Porque de acordo com a IBM (2017) dois milhões e meio de bytes (dados) são gerados todos os dias. Nesse sentido, suponha que você não se atualize nos próximos dez dias, você terá um déficit de 2.500.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 bytes. Considerando a habilidade de qualquer ser humano de ver e entender este nível de dados é praticamente impossível, a ajuda computacional é essencial para que tais dados não passem desapercebidos ou sejam ignorados Talvez seja por isso que o uso da Inteligência Artificial é aderente e está mais enraizado na modernidade, pois somos uma sociedade da informação, e a utilização das IA “nos abre para a realidade que a formou e que por sua vez foi moldada por ela”. (GANASCIA, 1997, p. 107).
Além de identificar linhas, colunas, números e textos, as máquinas começaram a manipular um volume gigantesco de dados. A próxima etapa possibilitou entender esses dados e correlacioná-los com outros dados para encontrar padrões. Se isso não bastasse, foi possível usar ferramentas que raciocinam e aprendam com isso. Recentemente, enquanto alguns sistemas computacionais tradicionais foram delineados sob a lógica de entrada de dados, correções de bugs (automanutenção) e saída padronizada, com o uso da Inteligência Artificial (IA), as saídas começaram a mudar constantemente, ou seja, não seguem mais a lógica anterior; o que pode gerar mudanças do sistema e diferenciação. Isso acontecia porque a saída poderia ser alterada com base nas próprias escolhas através de algoritmos inteligentes.
Novamente, podemos perguntar quais aplicações e consequências a IA traz, ou mesmo, pode trazer para a vida em sociedade? Podemos visualizar alguma aplicação da IA à lei? Para responder a essa pergunta, precisamos definir as aplicações da IA em três áreas: Aprendizado de Máquina, Aprendizado Profundo e Processamento de Linguagem Natural. Neste universo onde a IA é um dos alicerces, novos hábitos são criados, novas profissões surgirão e outras estarão fadadas à extinção, outras ainda não foram sequer profetizadas.
Dentre as áreas de aplicação da IA, o Aprendizado de Máquina é certamente a mais utilizada. Possibilita o desenvolvimento de sistemas com competências para aprender e aprimorar conhecimentos por meio de experiências, sem estar programado para esse fim. Isso significa que os sistemas são capazes de descobrir, entender e aprender com os dados que analisa. Além disso, o sistema se adapta e aprende quando as informações se acumulam por meio dele.
A tecnologia que impulsiona o processamento de linguagem natural permite que os computadores analisem, entendam e fechem com base na fala. Como tal, traduções, análises de sentimento, entre outras, incluem o espectro de suas aplicações.
Finalmente, o Deep Learning está em um nível refinado. Sua capacidade inclui a observação e assimilação de padrões e comportamentos múltiplos e complexos. De forma intuitiva, o sistema descobre táticas de resolução de problemas que podem ter levado muito tempo para o talento humano ser aperfeiçoado. A partir dessa constatação, o sistema é capaz de apresentar resultados para diversas tarefas, incluindo tarefas relacionadas ao direito, semelhantes com extrema precisão às tarefas realizadas por humanos.
Embora o uso da inteligência artificial no campo do direito ainda esteja engatinhando, já é perceptível em comparação com outras áreas do conhecimento (comércio e medicina) uma mudança em curso, à medida que os grandes escritórios de advocacia, departamentos jurídicos de empresas e os Tribunais começaram a colher os benefícios dos conceitos de IA. O caminho para a solidificação de um programa inteligente que possa funcionar como sistema de apoio à operação jurídica ou a decisão judicial baseada na inteligência artificial requer, entre outras competências, a distinção entre racionalidade, onisciência e aprendizagem, por meio da qual a informação se transforma em conhecimento (ROSSELL, 2013),
Quando buscamos descobrir a racionalidade, representamos quatro fatores relacionados ao tema, que é a medida de desempenho que define o critério de sucesso, qual conhecimento o agente possui do ambiente, quais ações o agente pode realizar e a sequência de percepções que não o agente até agora. Portanto, podemos dizer que o agente é realmente racional quando seu desempenho se torna tão alto quanto o de outro agente (humano) que pode realizar aquela tarefa (REZENDE, 2003).
Onisciência significa capacidade de saber tudo. Um agente com essa habilidade é capaz de conhecer todos os resultados de suas ações e, portanto, pode agir com base nesse conhecimento. No entanto, sabemos que a onisciência não é nada prática. Da mesma forma, precisamos entender que a aplicação da inteligência artificial a um ramo específico da sociedade, como a sua aplicação à lei, não pode pretender ser onisciente.
Aprender é o terceiro elemento do que estamos falando. Para Whitby (2004, p. 47) “o conhecimento humano é uma coisa complexa. Muitas vezes é um produto da experiência, em vez de um simples aprendizado”. Para o autor, o conhecimento quase sempre depende de julgamentos sutis e não apenas de um comportamento que segue cegamente as regras. Na verdade, esta avaliação soa como um alerta se você imaginar que a Inteligência Artificial pode ser adicionada à estrutura do sistema jurídico parcial apenas como um sistema que inclui a entrada de dados (entradas) e então, por subtração, produz informações (saídas) que vem da tomada de decisões. Este ponto é um dos primeiros riscos, ou melhor, pontos de atenção no que tange ao ensino do Direito para as Inteligências Artificiais. Se as entradas forem “ruins” as saídas (decisões) também serão igualmente ou exponencialmente “ruins”.
Portanto, o agente inteligente (IA) não deve apenas ser treinado para reunir as informações que circulam pelo ambiente do sistema, mas também ser capaz de compreender essas informações contidas no sistema, potencial, ganhar experiência operacional, autonomia, por meio de conhecimento prévio ou, caso contrário, por meio de conhecimento dupla seletividade de informações. A dupla seletividade a que nos referimos "existe ao mesmo tempo em fazer uma seleção progressiva das possibilidades do mundo e isso significa 'obter espaço no mundo', ordenando-os na forma de um código significativo e mantendo a capacidade de operar com este código em situações concretas” (NEVES, 2013, p. 13).
Por fim, “a mudança da relação constitutiva entre direito e espaço é condicionada pela circulação da informação” (BARBOSA, 2016. p. 242). Isso significa a existência de um gigantesco volume de informações disponíveis no ambiente do subsistema de direito. É muito grande e maior a capacidade estrutural do próprio sistema para selecioná-los e compreendê-los. Certamente, há mais informações no ambiente do sistema do que a capacidade do próprio sistema de usá-las. Neste ponto, a Inteligência Artificial parece ser uma oportunidade. Isso porque ele pode atuar como uma estrutura do subsistema da capacidade certa para selecionar grandes quantidades de informações que circulam no ambiente daquele sistema, entendê-las e aprimorá-las, para operar desta forma, como um Sistema de Apoio à Inteligência Artificial baseado em A Inteligência Artificial contribui para aumentar a complexidade interna do sistema, permitindo que execute a melhor decisão com as melhores chances de sucesso.
3.INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: REFLEXOS NO SISTEMA DO DIREITO
Da incapacidade de ensinar tudo a qualquer pessoa, da incapacidade do homem que gerencia todos os dados que afetam sua vida, talvez o uso da Inteligência Artificial possa ajudar nessa tarefa, ou seja, talvez os algoritmos inteligentes (usando computadores ou sistemas) pode ser programado para executar tarefas acessíveis a humanos.
Essa nova realidade também é observada no campo jurídico. Embora possa suscitar inúmeras dúvidas, suspeitas, incertezas, por outro lado, também produz expectativas, até porque a Inteligência Artificial permite tirar conclusões, encontrar padrões, conexões e correlações na seleção de dados do ambiente do subsistema de direito que dificilmente poderia ser aplicável ao público.
De fato, essa revolução silenciosa já está em andamento, e grande parte do universo jurídico ainda não avaliou a velocidade dos acontecimentos e os reflexos da Inteligência Artificial no meio jurídico (SUSSKIND, 2017). Segundo o autor, essa nova realidade mudará radicalmente o que sabemos e o que sabemos sobre o campo do direito, como fez com inúmeras outras áreas. Imagine, por exemplo, pessoas que procuram especialistas que trabalham em bancos de renome para orientá-los sobre como o sistema financeiro se comportaria e qual seria o melhor investimento a ser feito. Hoje se sabe que o dinheiro, no sistema financeiro, é essencialmente administrado por algoritmos inteligentes. Lógica semelhante ocorria no sistema médico, em que o especialista diagnosticava um paciente com autoridade desrespeitosa, com pouca consideração por dados ou conceitos estatísticos. No entanto, essa lógica mudou a ponto de o especialista ler as evidências e o algoritmo inteligente indicar qual doença e qual tratamento deve ser administrado ao paciente. Em suma, atualmente, já interagimos com a Inteligência Artificial em diferentes níveis. No momento em que estamos utilizando um corretor ortográficos ou quando estamos investindo em bolsa de valores, a inteligência artificial atua para minimizar o esforço humano e otimizar os resultados. O destaque da inteligência artificial é a capacidade de lidar com um grande volume de dados, de maneira contínua e com mínimos erros.
Mas antes de entrar neste campo de pesquisa, é necessário esclarecer as diferenças entre dados, informações e conhecimentos. Os dados podem ser entendidos como um elemento puro, quantificável sobre um determinado evento, como o do Sistema Parcial de Direito (número “x” de decisões judiciais). Quando os dados são analisados e contextualizados, temos as informações. Por sua vez, o conhecimento é caracterizado pela “capacidade de criar um modelo mental que descreva o objeto e indique as ações a serem implementadas, as decisões que precisam ser tomadas” (REZENDE, 2003, p. 5).
Segundo Rover (2001), o raciocínio é definido como "um processo de compreensão do mundo em que um conjunto definido de regras é aplicado a um conhecimento específico e não necessariamente estruturado. Dessa forma, a razão é fazer transformações de informações, ou seja, para definir a demanda em um espaço de estados”.
Por sua vez, o conhecimento pode ser adquirido por diversos meios, a partir da combinação adequada de inúmeras informações. Portanto, o conhecimento é "o conhecimento novo, decorrente de análises e reflexões de informações de acordo com os valores e modelo mental de quem o desenvolve, e proporciona uma melhor adaptabilidade às condições do mundo" (SORDI, 2008, p. 12).
Segundo Rezende (2003), o desenvolvimento de Sistemas Inteligentes parte do pressuposto de que o conceito, a análise e a síntese necessária à tomada de decisão são consideradas inteligentes a partir do nível de conhecimento. Na verdade, os sistemas inteligentes devem incluir a capacidade de usar o conhecimento para realizar tarefas ou resolver problemas, combinada com a capacidade de tirar proveito de associações e conclusões para explicar problemas complexos que são idênticos aos reais.
Desta forma, podemos conceituar um sistema do tipo decisão legal, como um programa estrutural de computador (algoritmo inteligente), desenvolvido e instruído com o objetivo de executar uma determinada aplicação que se limita a uma fração limitada do conhecimento humano. Assim, o programa poderia tomar uma decisão, desde que apoiado em conhecimentos justificados (conhecimentos programados), os quais devem ser acessados em uma base de informações idêntica àquela que um especialista em determinada área do conhecimento pode realizar (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ, 2004).
Embora um sistema de suporte à decisão precise ser instruído e isso pareça muito difícil ao Direito, um processo idêntico já foi desenvolvido com o Sistema de Suporte à Decisão Médica. Nessa área do conhecimento, o programa também precisava ser treinado e instruído do zero, ou seja, primeiro o sistema precisava entender a linguagem médica, depois era preciso estudar medicina. Além disso, teve que ser contratado para lecionar química, biologia, entre outros temas necessários ao desempenho de funções relacionadas à medicina.
O período estimado para esse processo de aprendizagem foi de três anos. Podemos pensar que é muito tempo, mas não é muito se compararmos com o tempo necessário para um acadêmico estudar medicina e se tornar um especialista renomado nesta área do conhecimento.
Esse processo é conhecido como já explicado, anteriormente, aprendizado de máquina. Como já mencionado, esta ferramenta de IA visa o "desenvolvimento de técnicas computacionais tanto na aprendizagem como na construção de sistemas que podem adquirir conhecimento automaticamente" (REZENDE, 2003, p. 90).
Esse tipo de sistema (programa de computador) que toma decisões com base nas experiências e as coletas em seu banco de dados para aprendizagens futuras pode ser ainda mais especializado, pois sua capacidade de observação e assimilação de múltiplos e complexos comportamentos e padrões pode ser implementada de forma intuitiva. Assim, o sistema descobre novas táticas para solucionar os casos que lhe são apresentados sem estar programado para isso. Assim, o Deep Learning permite que o sistema se adapte às novas circunstâncias, extrapolando os padrões que foram previamente programados.
Dito isso, vale a pena perguntar qual seria a importância dessa nova tecnologia para o subsistema do direito? Para responder a esta questão, vamos usar alguns exemplos do uso da Inteligência Artificial no campo do subsistema de direito.
O primeiro "advogado robô" desenvolvido com essa tecnologia foi Ross Intelligence (IBM, 2017b) e o objetivo era atender o escritório da Baker & Hostetler dos Estados Unidos. Ross possui inúmeras habilidades, entre elas, a capacidade de ler e compreender a linguagem natural, desenvolver hipóteses conforme solicitado, realizar pesquisas jurídicas (entradas) e gerar respostas, ou ainda, conclusões fundamentadas (saídas) sem interferência humana. Além disso, ele é capaz de aprender por meio de suas experiências, o que lhe permite ganhar velocidade e conhecimento de suas próprias interações. Se isso não bastasse, Ross manterá toda a legislação necessária, e estará em constante atualização, assim como toda jurisprudência, precedentes e outras fontes de treinamento jurídico.
Além desse programa, o Supreme Court Forecast Project fornece algoritmos inteligentes para fazer conclusões e previsões com um alto grau de probabilidade assertiva sobre o resultado de futuros julgamentos nos Estados Unidos. Para tanto, utiliza-se o programa de seleção, manipulação e aprendizagem de dados públicos das decisões judiciais já proferidas.
No exemplo mencionado acima, durante o desenvolvimento do projeto, "questões idênticas" foram simultaneamente focadas no programa de computador e em um grupo seleto de especialistas jurídicos que atuaram com jurisdição naquele tribunal norte-americano. Surpreendentemente, o modelo estatístico operado por Inteligência Artificial obteve sucesso em 75% dos casos analisados, enquanto os especialistas não alcançaram 60% dos resultados (RUGER, 2014).
Exemplo outro de sistema foi desenvolvido com o auxílio da Inteligência Artificial foi descrito como um Sistema de Suporte a Decisão Judicial que opera em alguns condados americanos. Por lá, decisões a serem tomadas sobre a possibilidade de conceder a liberdade condicional é operada por algoritmos inteligentes ao invés de juízes. As justificativas para o desenvolvimento desse tipo de sistema podem ser inúmeras, dentre elas, o fato de o juiz estar sujeito a fatores diversos em seu processo de decisão, a exemplo dos casos anteriores, ou até mesmo o dia e horário em que a decisão é proferida, ou ainda, o risco do solipsismo decisional.
No Brasil, essa nova tecnologia, embora ainda embrionária, começa a surgir no campo jurídico. Neste sentido, o “Assistente Digital do Magistrado”, “Assistente Digital do Ministério Público” e o “Assistente Digital do Ministério Público” são exemplos nacionais de programas que utilizam Inteligência Artificial. Os programas referenciados constroem documentos processuais, que podem ser enviados via computador ao judiciário, contestar e buscar a jurisprudência para subsidiar decisões sem o envolvimento "humano", ou mesmo contribuindo para esse processo. Além disso, o SAJ Analytics pode usar o programa Big Data para combinar dados e prever padrões de entrada para novos processos, classificando peças (processos) em categorias específicas.
É verdade que algoritmos dotados de inteligência artificial capazes de realizar operações desse tipo acessam e utilizam dados, informações, conhecimentos, raciocínios, estatísticas, evidências, entre outras habilidades exigidas. O campo jurídico é indicado como adequado ao funcionamento de tais sistemas, visto que são regidos por princípios, leis, normas e regulamentos constitutivos que podem estar sujeitos a aprendizagem por algoritmos inteligentes. Tal fato ainda é mais aplicável se considerarmos os sistemas rígidos como o subsistema romanístico, Civil Law.
Com efeito, a possibilidade de “aprender” com os dados que vêm do campo jurídico já disponível e conhecido, ou não, com os que podem ser produzidos, permite uma melhoria exponencial da informação que circula nas proximidades destes sistemas. A operação referenciada pode escolher esta informação para padrões que possam ser reconhecidos pelo subsistema da lei, subsidiando (apoiando) futuras tomadas de decisão.
É certo que essa possibilidade de seleção de dados que terá de operar o sistema apoiado em Inteligência Artificial, como a plataforma do portal brasileiro de dados abertos, do CNJ, ou mesmo, de outro tribunal brasileiro, para superar uma série de dilemas, entre ela, a dificuldade de obtenção de dados a qualidade desses dados, seja por interfaces pouco amigáveis, seja pela não padronização das bases de dados, seja por outros problemas.
No entanto, uma aparência diferente pode indicar que, quando encontramos uma dificuldade, também somos confrontados com o paradoxo da possibilidade. Na verdade, as máquinas sempre representaram, e ainda representam, expectativas de benefícios e riscos. Optamos por nos dedicar a explorar as perspectivas positivas da utilização desta tecnologia, quer através da sua utilização como Sistemas de Apoio à Decisão Judicial, quer através da capacidade de disseminar competências e conhecimentos como nunca. No entanto, prevemos que essas perspectivas se revelarão um caminho sem volta.
4. O ENSINO DO DIREITO NO BRASIL E SUA APLICAÇÃO NA PROGRAMAÇÃO DAS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS.
Como dito anteriormente, o processo acelerado pelo qual ocorrem as transformações sociais é uma característica evidente da sociedade atual. Tais transformações estão sendo catalisadas pelo uso das tecnologias, principalmente as ligadas a comunicação entre as pessoas.
Neste contexto e complexidade, também é notório que o ordenamento jurídico[1] é impactando por essas mudanças e evoluções; entretanto, principalmente nos locais onde o subsistema romanístico, Civil Law, é adotado, um vácuo legislativo pode vir a existir entre o fato social[2] e a criação de uma Lei que regule este fato.
No Brasil adotamos o sistema romanístico, ou seja, o processo legislativo tem papel primário em nosso ordenamento, deixando para um papel secundário outras fontes do direto. Um exemplo é o princípio da legalidade indicado, principalmente, no inciso XXXIX da Constituição Federal brasileira, que garante que nenhum cidadão será acusado de crime caso não haja previsão deste ato como sendo criminoso na legislação. Portanto, no Brasil, prima-se pela lei para regular as relações sociais.
Ocorre que, por mais ágil e preditivo que possa ser legislação brasileira, esta não consegue ter o dinamismo para regular todas os eventos que permeiam as relações sociais; principalmente, como dito, os avanços tecnológicos impactam de maneira severa as relações humanas.
Em um raciocínio lógico, pode-se concluir que, para aqueles que querem ser operadores do Direto no Brasil, e aqui trazendo a figura da Inteligência Artificial no Brasil, devem privilegiar o estudo da legislação, ou seja, deve-se adotar, em tese, uma posição juspositiva que utiliza métodos científicos para adequar o direito apenas em seu direito positivo (leis). Portanto, presume-se que o ensino do Direito no Brasil deve primar pelo estudo do texto de lei e treinar os operadores para adaptar os fatos sociais a esta.
Percebemos que este foco é aplicado ao ensino do Direito quando é exigido em exames da OAB, concursos para ingresso em carreiras públicas, embasamento de teses e argumentação jurídicas em peças processuais, entre outros. Porém, como dito, a evolução legislativa brasileira e, consequentemente, o ensino dogmático do Direito no Brasil, não consegue acompanhar a velocidade e variabilidade das relações sociais atuais.
Uma consequência nefasta desse dogmatismo do ensino do direito é a lacuna que o operador do direito percebe ao enfrentar o caso prático de frente. Este compreende, de maneira quase decepcionante, a imensa distância que há entre o que ele sabe, ou aprendeu, dos dogmas ensinados e a prática, sendo que aqueles são apenas uma base, dentre várias, para a busca adequada de justiça e defesa de interesses.
Esta percepção de distância não é totalmente desconhecida daqueles que ensinam e regulam o Direito no Brasil, tanto que Resolução nº 9/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE), em seu artigo 3º, diz que: O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.
Sendo assim, há uma clara indicação para que, além da dogmática, o ensino do Direito inclua a relação deste com outras áreas do conhecimento como Filosofia, Antropologia, Psicologia e outros. Esta relação do Direto com outras áreas é conhecida como zetética[3] , ao qual tenta, ainda de maneira subsidiária, complementar a dogmática ensinada nas escolas de Direito e tentar diminuir o espaço entre a lei e a realidade.
Notem que, por mais que o Direito seja considerado um curso de Humanas, no qual tem como foco um melhor entendimento da sociedade e relações sociais, há uma forte tentativa de “matematizar” ou “binarizar” o Direito através da dogmática. Há uma percepção de que quando não for utilizado embasamento legal o Direito e a busca pela justiça não são aplicados, sendo que é comum vermos decisões judiciais que ignoram uma possível injustiça, baseadas em uma simples alegação de não haver base legal.
Além do problema da tentativa de “matematização” ou “binarização” do Direito, enfrentados hoje, também, o desafio de educar as Inteligências Artificiais. Esta, que como dito anteriormente, pode contribuir e ser uma ferramenta útil para os operadores do Direito.
Fácil é concluir que a Inteligência Artificial pode ajudar o ordenamento jurídico brasileiro a lidar com as inúmeras leis e regras além de otimizar a aplicação destes aos casos concretos que tramitam no judiciário. De fato, como mencionado anteriormente, percebemos um movimento no judiciário brasileiro de incluir a assistência da Inteligência Artificial para embasar decisões, fazer estatísticas e monitorar tendências. Temos, como exemplo. o projeto Sócrates, do Superior Tribunal de Justiça, que será capaz de examinar Recursos e Acórdãos Recorridos e o projeto Victor, do Supremo Tribunal Federal que terá como objetivo principal realizar o juízo acerca da repercussão geral. Esses projetos usarão a base de dados do judiciário para, automaticamente, tomarem decisões e sugerir caminhos.
Além disso, há também empresas oferecendo serviços de mediação de conflitos nos quais analisam os dados da demanda, as vezes até já judicializadas, e propõe composição para dar fim ao conflito. Existem outras empresas oferecendo aos advogados, softwares no qual analisam o caso e informam a chance de sucesso da ação, qual é a peça processual a ser utilizada e até qual jurisprudência é mais aderente ao caso prático.
Em grande parte, os desenvolvedores dessas Inteligências Artificiais têm formação técnica diferente distante do mundo do Direito e, portanto, ao programar (ensinar) a Inteligência Artificial, o que versa a Resolução nº 9/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE), pode não estar sendo aplicado a esses desenvolvedores em sua formação basilar. Sendo assim, o ensino do Direito no Brasil para humanos, que por si só é um desafio para diminuir a distância entre a teoria e prática, agora ganha um adicional preocupante; o ensino do Direito para as Inteligências Artificiais.
As consequências do dogmatismo do ensinamento jurídico no Brasil serão exponencialmente amplificadas através da utilização das Inteligências Artificiais, pois o caráter questionador do operador poderá ser retirado da análise da Inteligência Artificial. Isto por quê; as Inteligências Artificiais farão a análise de dados disponíveis e através de inserções matemáticas em suas linhas de programação, auxiliarão ou, até mesmo, substituirão o operador do direito na tomada de decisão. Sendo assim, o risco de continuarmos a ter uma lacuna grande entre o que é ensinado e o que é praticado é alto; pois os dados analisados, seja norma ou decisões, são impregnados pela defasagem do ensino jurídico atual.
Além disso, as instruções nas linhas de programação dessas Inteligências serão inseridas por técnicos e especialistas que, em sua grande parte, não frequentaram os bancos das instituições de ensino do Direito brasileiras, sendo assim, uma percepção mais humana nos métodos e algoritmos, pode não estar presente.
Apesar de um tema novo no Brasil, já há resoluções e regras para a utilização de inteligência Artificial no judiciário. A Resolução 332/20 do Conselho Nacional de Justiça diz que as decisões judiciais apoiadas por Inteligência Artificial devem preservar a igualdade, não discriminação, a pluralidade, a solidariedade e o julgamento justo, eliminando ou minimizando a opressão, a marginalização do ser humano e os erros de julgamento decorrentes de preconceitos. Além disso, diz a mesma resolução que a o uso de Inteligência Artificial deve garantir a segurança jurídica.
Os avanços no uso da inteligência artificial já estão em andamento. O debate sobre as possibilidades e implicações da Inteligência Artificial no mundo jurídico é importante. Este, portanto, o universo jurídico de amanhã, muitas vezes se assemelha ao que conhecemos hoje. As instituições jurídicas e os profissionais que trabalham nesta área (advogados, juízes, procuradores) encontram-se numa encruzilhada, embora poucos o tenham ainda percebido.
Na verdade, ainda são poucos os pesquisadores que se dedicam a este estudo. Grande parte desse universo jurídico tende a buscar soluções apenas no passado, pressupondo, dessa forma, a continuidade do processo e das profissões, razão pela qual, até então, algumas mudanças foram consideradas. Susskind (2017) afirma que essa realidade tende a mudar de forma rápida e radical, para ele a descontinuidade desse universo jurídico como o conhecemos é uma questão de tempo.
Podemos imaginar aqui qual será o destino de milhões de operadores do sistema jurídico se os algoritmos sofisticados e inteligentes conseguirem encontrar mais precedentes, ou então, em poucos minutos analisar toda a legislação e doutrina existentes, em oposição à capacidade que as pessoas podem seguir a mesma vida por toda a vida. Talvez esses trabalhadores (advogados, juízes e promotores) devam retornar à universidade e aprender novos atos ou talvez uma nova profissão. No entanto, uma aparência diferente pode indicar que, quando eles retornam à universidade, eles podem descobrir que a Inteligência Artificial há muito mudou esse sistema (educação).
A difícil tarefa de se manter atualizado sobre as últimas decisões no campo jurídico e o alcance das leis que entram em vigor no dia a dia faz com que pareça impossível para o ser humano compreender o universo de dados que movimenta esse campo do conhecimento. Essa tarefa tende a exigir infinitas horas de pesquisa e o dispêndio de recursos substanciais para fazê-lo. Na maioria dos casos, esses custos são cobrados da conta do cliente.
A influência da inteligência artificial na sociedade, seja no campo do direito ou da democracia, não vai destruir, nem mesmo adaptar, o que todos nós conhecemos ao mesmo tempo. Como resultado, os advogados não irão trabalhar, os magistrados não irão ao tribunal e os prefeitos não irão à prefeitura e um advogado, juiz ou prefeito robô irá sentar-se em sua cadeira. O que vai acontecer é que a Inteligência Artificial vai desencadear uma mudança nas tarefas e atividades que as pessoas fazem.
Anteriormente, as tarefas que agora eram realizadas manualmente, agora são realizadas por sistemas inteligentes. Haverá tarefas difíceis no campo jurídico que a Inteligência Artificial pode não ser capaz de realizar. Claro, algumas tarefas hoje estão fora do alcance das máquinas. Mas isso não significa que o resto do trabalho nessa profissão não possa ser executado de forma mais rápida e precisa por aquele agente inteligente.
O uso da inteligência Artificial é inevitável no Direito, seja para automatizar tarefas repetitivas, seja para auxiliar numa tomada de decisão. Entretanto, as deficiências no ensino do Direito, principalmente no que tange a distância entre teoria e prática e a afronta ao princípio da igualdade, devem ser discutidas ainda com mais vigor para evitar que essas sejam replicadas e exponencializadas quando forem analisadas pelas Inteligências Artificiais.
Talvez, além do Direito, a realidade e complexidade das relações humanas terão que ser consideradas também no ensino de carreiras mais técnicas, responsáveis pela criação de desenvolvimento das inteligências artificiais; um desafio para humanos e não humanos.
Essa nova realidade significará também a trilogia da relação entre os profissionais, seus empregadores e o Estado. Isso porque o contrato que existe desde o século 20 dá sinais de fracasso com a introdução de novas tecnologias, incluindo a IA. Muitos profissionais precisarão reciclar, encontrando novas áreas de especialização na área jurídica.
O estado terá que se reorganizar para essa perturbação e tentar encontrar um equilíbrio para esse paradoxo. A educação está na mesma encruzilhada, pois ainda estamos aprendendo o direito para uma plasticidade da sociedade no século XX e não no século XXI. O ensino ainda é baseado na acumulação de conhecimentos. Pode haver pouquíssimas universidades que ensinam como defender um cliente que está sendo julgado por um programa inteligente, como é o caso do sistema de Medidas de Justiça. Isso pode precisar ser reconsiderado. Deve ser introduzido na doutrina da lei, que a máquina não ensina bem. Isso ocorre porque muitas tarefas jurídicas (de rotina) tendem a desaparecer do campo jurídico. Não será uma boa escolha competir com a máquina no que ela faz melhor e mais rápido que o homem (SUSSKIND, 2017).
Talvez tenhamos dificuldade em encontrar as respostas para todas essas preocupações, no entanto, esperamos que as implicações e perspectivas a serem confrontadas pela proliferação do uso da Inteligência Artificial nos campos jurídico e político da sociedade para mostrar que este é um caminho será de sem retorno. Melhor do que competir com ele é entender como funciona e aproveitar as oportunidades que pode proporcionar para resolver os problemas da sociedade.
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SANTOS, Andressa Maxwara Jovino dos, DEL VECHIO, Gustavo Henrique. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, DEFINIÇÕES E APLICAÇÕES: o uso de sistemas. DOI: 10.31510/infra. v17i1.782, disponível em https://www.cin.ufpe.br/~gtsa/Periodo/PDF/4P/SI.pdf
[1] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução ao Direito Comparado. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 10.
[2] DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 17. ed. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002. p. 11.
[3] FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A relação entre dogmática jurídica e pesquisa. In: NOBRE, Marcos et al. O que é pesquisa em direito? São Paulo: Quartier Latin, 2005.
Mestrando em Direito, advogado, Pós-Graduado em Contratos, Master em Supply Chain Management e Pós-Graduado em Business Administration pelo INSPER.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Júlio César Torquato dos. O ensino do direito para a inteligência artificial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58460/o-ensino-do-direito-para-a-inteligncia-artificial. Acesso em: 23 dez 2024.
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