MARCO ANTÔNIO ALVES BEZERRA[1]
(orientador)
RESUMO: A Lei nº 11.340/2006, também conhecida como a Lei Maria da Penha, foi criada com o intuito de combater, prevenir, e punir com mais rigor os agressores de violência doméstica. Ela surgiu em meio ao fato de que diariamente milhares de mulheres são violentadas em todos as formas, seja fisicamente, moralmente, psicologicamente, sexualmente, e até mesmo por meios digitais. Dentro dessa norma, encontra-se as medidas protetivas de urgência. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo analisar a eficácia dessas medidas. Buscou-se entender se as medidas protetivas de urgência estão sendo eficazes na prática. A metodologia empregada foi de revisão da literatura. A coleta de dados se deu por meio de base de dados, tais como Scielo, Google Acadêmicos, dentre outros, cujo material se destinou no período de 2016 a 2021. Nos resultados encontrados, em que pese a importância em se ter tais medidas elencadas na norma jurídica, na prática, as medidas protetivas de urgência não são efetivas, uma vez que o índice de violência domésticas praticado no Brasil ainda é alto, tendo aumentado os casos nos últimos anos, o que traduz na ineficácia dessas medidas.
Palavras-chave: Violência doméstica. Medidas protetivas. Eficácia.
ABSTRACT: Law nº 11.340/2006, also known as the Maria da Penha Law, was created to combat, prevent, and more rigorously punish the aggressors of domestic violence. It arose amid the fact that daily thousands of women are raped in all forms, whether physically, morally, psychologically, sexually, and even digital means. Within this norm, there is the urgent protective measures. Thus, the present study aimed to analyze the effectiveness of these measures. It was sought to understand whether urgent protective measures are being effective in practice. The methodology employed was the literature review. Data collection was through database, such as Scielo, Google Academics, among others, whose material was intended from 2016 to 2021. In the results found, despite the importance of having such measures listed in Legal norm, in practice, urgent protective measures are not effective, since the rate of domestic violence practiced in Brazil is still high, increasing cases in recent years, which translates into the ineffectiveness of these measures.
Keywords: Domestic violence. Protective measures. Efficiency.
Sumário: 1. Introducão. 2. Metodologia. 3. Violência doméstica: aspectos gerais. 3.1. Dos tratados internacionais. 3.2. A Lei Maria da Penha. 4. Das medidas protetivas. 5. A ineficácia das medidas protetivas de urgência. 6. Considerações Finais. 7 Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher está presente em diversas culturas, inclusive no Brasil, não como algo de hoje, e sim algo já antigo, que ultrapassou gerações, sendo, portanto, um problema social, originando-se de uma cultura patriarcal, inferiorizando as mulheres, como menos capazes de desenvolver qualquer atividade que exija muita força ou inteligência, competência somente do homem assumir situações que exijam tais requisitos.
Foi uma significativa conquista a criação da Lei n° 11.340/06, contudo é essencial não apenas existir uma lei que regimente a violência praticada contra as mulheres, dispondo de vários mecanismos de combate e repreensão a violência, elas necessitam de serem eficazes, porque somente sua existência não faz presumir que de fato seja aplicável com êxito no cenário atual.
Nesse contexto de violência contra a mulher, foi necessário que o judiciário criasse meios de promover uma proteção especial a essa classe minoritária, que por meio da mesma disponibiliza de mecanismos que abrange desde violência física até violência psicológica.
Essa violência é praticada sem distinção de classe social, idade, cor, crença, e vem de pessoas próximas: marido, companheiro, pai, filho, tios. Os agressores nem mesmo respeita os mecanismos imposto pela Lei Maria da penha, uma vez que sua eficácia é falha, não havendo sanções que realmente freiam esse comportamento violento, isso dá margem a prática delituosa.
Muitos são os elementos que computa para quer essas vítimas permaneça em um relacionamento abusivo e tóxico, aonde a violência é predominante e recorrente, podemos citar inicialmente os aspectos econômicos, considerando que há mulheres sem fonte própria de renda, dependendo exclusivamente do seu agressor para suprir suas necessidades, não possuindo meios para sair dessa fática situação.
Ademais, devemos considerar que contém questões emocionais, na qual a vítima que está habituada a conviver com esse comportamento agressivo e dominar do seu companheiro, após um determinado tempo, passa a ver todas essas agressões que acontece de forma corriqueiras como sendo normais, uma vez que é a única realidade que conhece, não possuindo uma outra perspectiva para estabelece parâmetros do que seria um relacionamento amoroso saudável ou não.
Essa violência pode ter seu marco inicial com agressões verbais é evoluir de forma drástica levando até mesmo a um feminicídio, para garantir a integridade física dessas mulheres, os seus agressores necessitam de serem tratados pelo ordenamento jurídico com mais rigor, não sendo eles criminosos comuns, tendo em vista que atinge a sociedade como um todo, chegando a esfera da ordem pública.
2. METODOLOGIA
A classificação da pesquisa será bibliográfica. Contudo, foi realizada tendo como fontes livros, artigos e outros textos de caráter científico já publicados. Trata-se de método dedutivo, pois este tipo de método parte de uma premissa maior, passando por outra menor e chegando a uma conclusão particular.
Serão analisadas informações colhidas através de pesquisas bibliográficas, manuais, fontes jurisprudenciais e pesquisas acadêmicas publicadas.
3. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ASPECTOS GERAIS
O termo violência vem do latim violentia, que significa “caráter violento ou bravo". A palavra violare, significa tratar com violência, profanar, transgredir. Para fins desse estudo, utiliza-se esse termo para representar o ato contra as mulheres, em especial dentro dos seus domicílios, caracterizado como violência doméstica.
Esse termo corresponde a todo ato (ou ausência dele) que baseando-se no gênero possa causar morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico e que também repercuta no âmbito moral ou patrimonial (BRASIL, 2006). Ou seja, violência doméstica é a agressão de todas as formas contra as mulheres, ocorridas dentro dos lares, e também fora dele.
Pesquisas realizadas nas últimas décadas têm buscado trazer um quadro geral sobre a realidade vivenciada pelas mulheres que sofrem violência em seus domicílios. A título de exemplo, a pesquisa de opinião “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher - 2021” feita pelo Instituto DataSenado, com auxílio do Observatório da Mulher Contra a Violência ouviu cerca de 3 mil pessoas entre 14 de outubro a 5 de novembro de 2021 sobre o presente tema.[2]
Tal pesquisa, em seus resultados, mostraram que: 86% das mulheres brasileiras perceberam um aumento na violência cometida contra elas no último ano; 71% consideram o Brasil extremamente machista; 68% das brasileiras já afirmaram que conhecem um ou mais mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar e 72% já declararam que já sofreram algum tipo de agressão por um homem.
Apenas por esse dado fica evidente observar que a violência contra as mulheres é uma realidade presente na sociedade brasileira. Diariamente, mulheres são vítimas de alguma violência, seja ela física, moral, psicológica ou patrimonial.
Diante desse cenário, muito tem-se debatido as razões pela sua ocorrência e os efeitos que ela causa nas vítimas. Galvão (2019) cita que muitas vítimas desse crime passam muito tempo tentando evitá-la, buscado proteger os seus filhos e a si própria. Elas acabam ficando ao lado dos agressores por medo, vergonha ou por não ter uma base financeira sólida que as permitam sair.
Cunha e Pinto (2021) nos explica que a violência contra a mulher não é um fenômeno específico ou individual, ao contrário. Esse crime não possui distinção entre classe social, raça, etnia, orientação sexual, idade ou grau de escolaridade. Qualquer mulher, independentemente da sua condição social ou financeira pode ser (e são) vítima de uma violência doméstica. Com isso, afirma-se que não há um perfil imposto para identificar o tipo de vítima nesses casos.
Muitas delas sofrem a violência durante muito tempo até serem descobertas ou decidirem denunciar. O medo é o principal fator que faz com elas não busquem ajuda ou que façam alguma denúncia. Isso é motivado pelo fato de que, na grande maioria dos casos, a violência é praticada por seus companheiros ou ex-parceiros (CUNHA; PINTO, 2021).
Apesar de ser visto como algo particular de cada vítima, uma vez que ocorre dentro de casa, a violência doméstica é um problema social, porque atinge a toda as esferas da sociedade, conforme se verifica nas seguintes palavras:
A violência sofrida pela mulher é um problema social e público na medida em que impacta a economia do País e absorve recursos e esforços substanciais tanto do Estado quanto do setor privado: aposentadorias precoces, pensões por morte, auxílios-doença, afastamentos do trabalho, consultas médicas, internações etc. De acordo com o § 2º do art. 3º da Lei Maria da Penha, é de responsabilidade da família, da sociedade e do poder público assegurar às mulheres o exercício dos “direitos à vida, à segurança, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. Além disso, desde 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei Maria da Penha é passível de ser aplicada mesmo sem queixa da vítima, o que significa que qualquer pessoa pode fazer a denúncia contra o agressor, inclusive de forma anônima. Achar que o companheiro da vítima “sabe o que está fazendo” é ser condescendente e legitimar a violência num contexto cultural machista e patriarcal. Quando a violência existe em uma relação, ninguém pode se calar (GALVÃO, 2019, p. 13).
Cabe lembrar que a violência doméstica está tão enraizada na cultura brasileira, que ela é exercida de todas as formas, incluindo as que não estão presentes na lei. Como exemplo, encontra-se a violência praticada pelo meio online. Cavalcanti (2020) afirma que a violência contra a mulher ocorre em todos os espaços, seja nas casas, na rua, no trabalho e mais atualmente também no espaço virtual.
Buscando trazer maior proteção às vítimas, a então senadora Leila Barros (Cidadania-DF) criou o Projeto de Lei nº 116/2020 que busca criminalizar a violência contra a mulher praticada em meios eletrônicos.[3] Atualmente esse projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e espera designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Os efeitos que a violência traz para a vítima são variados, mas todos nocivos. Segundo Sardenberg (2016), a violência sofrida pelas vítimas traz um enorme impacto a curto e a longo prazo na saúde física e mental, incluindo lesões, depressão, ansiedade, gravidez indesejada, infecções sexualmente transmissíveis e até a morte.
Com base no mostrado até aqui, fica claro constatar que a violência doméstica é um crime que gera efeitos de toda ordem. Como uma ação que prejudica e fere a dignidade de outrem, a legislação brasileira e internacional não poderia se ausentar de normatizar penalmente esses atos. Dessa forma, nos tópicos seguintes, apresentam-se as normas referentes ao tema proposto.
3.1 DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
O Brasil é signatário de acordos internacionais aos direitos da mulher. São dois compromissos firmados. O primeiro deles são as convenções, tratados, e atos internacionais. O segundo são compromissos políticos, que possuem caráter jurídico.
O primeiro passo dado diante de tal situação, foi a ratificação da Convenção sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, em 1 de fevereiro de 1984. O preâmbulo da Convenção trouxe o entendimento da desigualdade de gênero, e de que forma a mesma deve ser selecionada, trazendo que: “ a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz”. (GIMENES; ALFERES, 2020).
O segundo passo adotado pelo Brasil nessa direção foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher-conhecida como “Convenção de Belém do Pará”. Essa convenção foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos OEA, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil em 27 se novembro de 1995.
Outro importante avanço foi a ratificação do Brasil, na data de 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a mulher (CEDAW).
De todo modo, esses tratados internacionais de proteção à mulher são de suma importância, pois, visam a proteção da mulher ofendida, através de todos os mecanismos adotados, por meio da Lei.
3.2 A LEI MARIA DA PENHA
No ano de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes, sofreu uma dupla tentativa de homicídio, por parte de seu ex-marido, o agressor Marco Antonio Heredia Viveiros, dentro de sua residência, que se localizava, em Fortaleza, Estado do Ceará.
Em sua obra biográfica, “Sobrevivi...posso contar” a autora conta que o agressor atirou contra as suas costas, enquanto ela ainda dormia, tornando-a paraplégica, com danos irreversíveis. Não obstante esta situação vivenciada, ainda tentou também eletrocutá-la no banho, quando ao medir a temperatura do chuveiro, percebeu que causava choques. Pediu ajuda para os vizinhos e eles a socorreram (PENHA, 2014).
Posteriormente, passados mais de 15 anos depois dos atos criminosos do agressor, apesar de ter havido 2 condenações no Tribunal do Júri do Ceará, nos anos de 1991 e 1996, não houve uma decisão definitiva da sentença, e sendo assim, o agressor respondia o processo em liberdade, razão pela qual, Maria da Penha, enviou o caso à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
No ano de 2001, a CIDH responsabilizou o Estado brasileiro, por ter sido omisso, negligente diante de tal tragédia vivenciada. Esses atos de violência doméstica e de tolerância pelo Estado foram definidos na Convenção de Belém do Pará. Com a utilização deste instrumento internacional de proteção dos Direitos Humanos das mulheres e o seguimento das peticionárias perante a Comissão, foi ato decisivo para que este processo fosse concluído no âmbito do território nacional, e, posteriormente, que o agressor fosse preso, no ano de outubro de 2002, quase vinte anos após este crime, e pouco tempo antes de prescrever a pena (PENHA, 2014).
Esse caso notório foi fundamental para a criação da Lei nº nº 11.340/06, também conhecida como a Lei Maria da Penha. Tem o principal propósito e objetivo de amparar as vítimas de violência doméstica, criminalizando os agressores e implantando medidas de proteção (BRASIL, 2006).
No texto desta lei há os mecanismos de proteção. A priori, cria-se a Delegacia Especializada de Atendimento. Surgidas na década de 1980, tem pleno acesso de redemocratização do País, as Delegacias da Mulher foram uma resposta governamental as denúncias feministas de caso policial aos crimes cometidos contra as mulheres (SOUZA, 2020).
Outro instrumento foi a casas-abrigo. Até 2003, as casas-abrigo constituíram-se na principal política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres (SOUZA, 2020).
Também é importante mencionar a CPMI. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a mulher, do Congresso Nacional, entre março de 2012 e julho de 2013, investigou a violência contra as mulheres no país.
E por fim, cabe citar a Patrulha Maria da Penha. No dia 21 de agosto de 2017, por meio da Lei Municipal n° 6742, foi criada a Patrulha Maria da Penha. O patrulhamento visa garantir a efetividade da "Lei Maria da Penha", integrando ações para o enfrentamento à violência contra as mulheres, estabelecendo relação direta com a comunidade, assegurando o acompanhamento e o atendimento das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A implantação da unidade aconteceu em março de 2018 (BRASIL, 2017).
Com isso, mostra-se que existem instrumentos estatais de implementação no Brasil. Isso é importante, porque ajudam as vítimas desse tipo de violência doméstica a buscarem seus direitos e se protegerem através destes meios.
4. DAS MEDIDAS PROTETIVAS
A medida protetiva tem o objetivo de garantir a liberdade da mulher em buscar a proteção do estado em face do agressor. Não possui um rito específico, contudo deve ser simples e de rápida tramitação, além disso, só será concedida se estivermos diante de uma violência contra mulher efetuada no ambiente doméstico ou familiar do casal. A mulher vítima de violência doméstica não precisará de advogado ou defensor para requerer a medida protetiva, uma vez que possui legitimidade e capacidade postulatória para tal (CAPEZ, 2020).
O art. 12 da Lei “Maria da Penha” traz que a autoridade policial, diante dos casos de violência doméstica, deverá adotar os procedimentos cabíveis de forma imediata. São eles: ouvir a vítima e lavrar o boletim de ocorrência; buscar todas as provas que ajudem a esclarecer o ocorrido e suas circunstâncias; enviar dentro de 48 horas ao magistrado o pedido da vítima de concessão da medida protetiva; que a vítima realize o exame de corpo de delito; ouvir o agressor e testemunhas; juntar aos autos a folha de antecedentes criminais e indicar a existência de mandado de prisão ou registro de ocorrência do agressor e se o agressor possui registro de posse ou porte de arma de fogo; além de notificar a instituição que concedeu o registro do fato cometido por ele (BRASIL, 2006).
Já o art. 18 da lei trata do pedido de concessão de medidas protetivas de urgência pela da vítima, e aduz que o juiz, em 48 horas, deverá: decidir se concede ou não as medidas protetivas de urgência; quando for o caso encaminhar a vítima ao órgão de assistência judiciária para que possa ajuizar ação de separação judicial de anulação de casamento ou dissolução de união estável; comunicar ao Ministério Público que tome as medidas cabíveis; e determinar a apreensão de forma imediata de arma de fogo que esteja sobre poder do agressor (BRASIL, 2006).
Enquanto isso, o art. 19 trata das medidas protetivas de urgência, as quais podem ser concedidas pelo magistrado, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da vítima. A concessão das medidas protetivas pode ser de imediato, sem a necessidade de audiência entre as partes e de manifestação do Ministério Público. As medidas protetivas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa e em qualquer tempo podem ser substituídas por medidas mais rígidas. Da mesma forma, as medidas protetivas já concedidas poderão ser revistas pelo juiz, a pedido da vítima ou por requerimento do Ministério Público, como também novas medidas protetivas poderão ser concedidas diante de pedido da ofendida ou a requerimento do Ministério Público (BRASIL, 2006).
A Lei Maria da Penha trouxe um elenco no seu art. 22, trazendo as principais medidas de urgência que obrigam o agressor:
I- Suspensão da posse de arma, ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II- Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III- Proibição de determinadas condutas, entre as quais:
A) Aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre esses e o agressor;
B) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
C) Frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV- Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar;
V- Prestação de alimentos provisionais ou provisórios [...]
Art. 23. Poderá o Juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I- Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II- Determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio após o afastamento do agressor;
III- Determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV- Determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o Juiz poderá determinar, liminarmente as seguintes medidas, entre outras:
I- Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II- Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III- Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV- Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida [...]
(BRASIL, 2006)
A presente norma adotou ainda as medidas protetivas penais e a alimentícia como forma de prever a decretação de prisão preventiva para a garantia de sua execução. É importante salientar, que algumas destas medidas cautelares citadas, possuem natureza penal, enquanto outras são de natureza civil (CAPEZ, 2020).
Por fim, o art. 23 da lei se refere às medidas protetivas de urgência dirigidas à vítima e decididas pelo juiz, são elas: a vítima e seus filhos devem ser encaminhadas para programas oficiais ou comunitários de proteção ou atendimento; só após o afastamento do agressor, a mulher e seus filhos poderão retornar ao seu domicílio; o direito da vítima em relação a bens e à guarda dos filhos e alimentos não será atacado em caso da mesma ter que ser afastada do lar (BRASIL, 2006).
Percebe-se que essas medidas de urgência que obrigam o agressor a se afastar da vítima, dentre outras ações, são de suma importância no que se refere a punição dos agressores das vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher. A respeito da sua eficácia, apresenta-se o tópico seguinte.
5. A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
No tópico anterior, foram descritas as medidas de proteção econtradas na Lei Maria da Penha para tutela da mulher vítima de violência doméstica. Ocorre que, como já mostrado anteriormente, os dados de pesquisas tem mostrado que milhares de mulheres sofrem algum tipo de violência diariamente. Apenas por essa essa afirmação, vislumbra-se que elas não estão sendo protegidas conforme explana a norma jurídica.
A primeira nota a se observar na ineficácia das medidas protetivas de urgência diz respeito ao antendimento das mulheres vítimas de violência doméstica. Em muitos casos, esse atendimento é feito por policiais homens, o que acaba gerando constrangimentos para elas. Algumas, em função do desconforto por prestar depoimento a um homem, omitem certas informações relevantes ou o detalhaento da violência sofrida (OLIVEIRA; BERNARDO; COSTA, 2017).
No entanto, Souza (2020) lembra também que policiais mulheres também atendem mal as vítimas, em razão de não possuírem a sensibilidade para ouvir. Azêdo (2018) vai mais longe, ao entender que a inficiência do atendimento a essas vítimas é ocasionada pelo machismo e pela desigualdade de gênero. Em muitas dessas situações, as vítimas são desaconselhadas a não presseguirem com a denúncia, para que a violência não continue dentro de casa.
Santos (2017) também afirma que as mulheres vítimas de violência doméstica, são muitas vezes vista como culpada e o agressos como inocente. Por isso no atendimento elas são constantmente aconselhadas a não darem prosseguimento, uma vez que elas podem manter o relacionamento, ou que isso pode prejudicar o ambiente familiar, principalmente quando envolve os filhos, etc.
Dessa forma, diante desse imbrólio, Espíndola (2018) defende que haja uma atenção redobrada em reeducar esses profissionais para terem um atendimento humanizado com essas vítimas. É de extrema urgência que eles possam ser educados no trato com essas vítimas, porque elas já chegam nesses locais com uma enorme sensibilidade e fraqueza, tanto física quanto emocional.
Em outra situação de ineficácia das medidas protetivas de urgência está no descumprimento do art. 12, III da Lei Maria da Penha. No seu texto normativo, traz que em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, após o registro do boletim de ocorrência, a autoridade policial deve de imediato remeter no prazo de 48 horas o pedido da vítima de concessão de medidas protetivas de urgência ao juiz (BRASIL, 20016).
Ocorre que na prática, quando a mulher sofre violência aos finais de semana, não é possível ela solicitar as medidas protetivas, por conta de não haver delegada no plantão, tendo a vítima que voltar na segunda-feira para que a delegada assine o requerimento. Nesse lapso de tempo, pode ocorrer mais violência (AZÊDO, 2018).
Continuando, Silva e Silva (2020) traz outro empecilho para a falta de eficácia das medidas protetivas de urgência: a falta de comunicação entre a polícia judiciária e o Judiciário. Segundo esses autores, quando a medida protetiva é remetida ao judiciário, a delegacia não tem um retorno se foi concedida ou não, e orienta a vítima a procurar após sete dias as Varas de Violência Doméstica e Familiar para descobrir para qual foi distribuída seu requerimento.
Insta salientar que quando a Lei Maria da Penha fora promulgada ela não trazia no seu texto a previsão de penas para aqueles que descumprisse as medidas de proteção de urgência. Por conta disso, não era possível garantir que a medida protetiva fosse eficaz. Somente em 2018, por meio da Lei nº 13.641 que o descumprimento da medida protetiva foi tipificado como crime, sendo inserido o art. 24-A, segundo o qual essa conduta terá como pena detenção de 3 meses a 2 anos. O crime será configurado independente da competência civil ou criminal do juiz que deferiu a medida protetiva e nos casos de flagrância, só a autoridade judicial poderá conceder fiança (CARVALHO; REZENDE, 2022).
Em que pese a importância dessa norma para o caso aqui analisado, o que se verificou foi novamente os casos de aumento de violência doméstica no país. Isso fica ainda mais evidente, quando se analisado a situação ocorrida entre os anos de 2020 e 2021, com o surgimento da Covid-19 que se espalhou pelo mundo, matando milhares de pessoas, se tornando uma pandemia.
Como uma das principais medidas de prevenção a essa doença era o isolamento e distanciamento social, milhares de mulheres tiveram que ficar isoladas com seus companheiros e demais membros familiares em seus domicílios, o que gerou ainda mais o aumento de violência (CARVALHO; REZENDE, 2022).
Em dados probabilísticos, cita-se como exemplo a terceira edição da nota técnica exposta pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 24 de julho de 2020. Este tem como objetivo atualizar os dados sobre violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 e a vigência das necessárias medidas de isolamento sociais impostas em decorrência dela. Desde o início do isolamento social, o FBSP tem publicado periodicamente, dados sobre registros oficiais de violência contra meninas e mulheres durante o período, com o objetivo de compreender como a pandemia tem afetado a vida de mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Nos resultados, apontaram que no período entre março e maio de 2020 houve um pequeno aumento de 2,2% nos casos de violência doméstica registrados em comparação com o mesmo período de 2019 – foram 189 casos em 2020, contra 185 em 2019 (FBSP, 2020).
Ao tratar especificamente dessa situação, Souza e Silveira (2022) afirma que a pandemia gerada pela Covid-19 não foi suficiente para diminuir os casos de violência doméstica; ao contrário, trouxe ainda mais sofrimentos a muitas mulheres, que com maior tempo disponível com seus companheiros, acabaram por serem vítimas de violência, em todas as suas formas.
Silva e Silva (2020) ressaltam que o descumprimento da medida protetiva de urgência ainda continua a acontecer, uma vez que o agressor ao ser notificado da medida protetiva, buscando evitar o seu cumprimento, muitas vezes opta por se esconder, fugir ou se isolar por um período. Consequentemente, o Estado não determina uma fiscalização para que a medida seja cumprida.
Esses fatos causa a sensação de impunidade, provocando um estímulo a violência praticada contra as mulheres. Muitas vítimas não denunciam e nem tomam alguma providência por se sentirem desestimuladas por conta da impunidade, ao imaginar que nada acontecerá ao suposto autor (FERRARI, 2019).
Por outro lado, é importante destacar que a ineficácia das medidas protetivas de urgência nem sempre são de responsabilidade do Estado e dos demais órgãos responsáveis. Em determinadas situações, a “culpa” recai na vítima. É o que acentua Ferrari (2019) ao afirmar que a vítima, em vários casos, resolve se retratar e reatar com o agressor. Com isso, torna as medidas sem eficácia alguma.
Corroborando com supracitado autor, Espíndola (2018) entende que nem sempre é o Judiciário o responsável pela não eficácia das medidas, isso porque quando a própria vítima decide por bem se retratar da representação, consequentemente as medidas de proteção são revogadas pela autoridade que estabeleceu, no caso o Juiz.
De todo modo, o que se verifica que é as medidas de proteção à vítima de violência doméstica não é plenamente eficaz. Os casos de aumento de violência seja ele em qual período analisado for, faz com que fique evidente que elas não estão evitando que mais mulheres sejam vítimas (CARVALHO; REZENDE, 2022).
É claro esclarecer que só as medidas protetivas não são suficientes para que esse problema seja sanado. É preciso que se tenha apoio institucional e social. A sociedade também é co-responsável para que casos de violência doméstica seja cada vez menos frequente. Ter um amparo familiar e social é fundamental para que mais mulheres possam buscar os meios cabíveis para a sua proteção e que o Estado e o Poder Judiciário lhe tragam a segurança necessária.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência doméstica é um dos crimes mais bárbaros encontrados no seio da sociedade. Ele agride, humilha, desrespeita um público altamente vulnerável: as mulheres. Não que elas sejam frágeis ou indefesas, é que durante séculos elas foram subjugadas e condenadas a um posicionamento de inferioridade, o que trouxe uma imagem de dependência ao homem, surgindo assim os atos de violências.
Não obstante, os veículos de comunicação trazem as várias modalidades de violação dos direitos das mulheres: violência física, psicológica, moral, patrimonial, psicológica, sexual. Em suma, não é difícil perceber que estes veículos de comunicação, comumente, trazem noticiários de tragédias envolvendo mulheres.
O presente trabalho em estudo teve como objetivo principal realizar uma análise a respeito da eficácia das medidas protetivas de urgência encontrada no texto da Lei da Maria da Penha.
O que se verificou no decorrer do estudo é que, ainda que essas medidas são importantes, uma vez que elas trazem efetividade a função protetiva tais medidas não são plenamente capazes de evitar esse crime na prática. Os índices mostrados nessa pesquisa mostraram que as mulheres ainda continuam sendo vítimas de violência doméstica no Brasil.
Mesmo em período de pandemia, onde há o isolamento e distanciamento social, as mulheres continuaram a serem violentadas de todas as formas. A legislação brasileira, que vem se modernizando para acompanhar a evolução desse crime (vide o exemplo da violência digital, reflexo dos tempos atuais), tem sido um importante aliado no combate a esse crime, mas não é, por si só, suficiente.
Diante de tal cenário, sugere-se que haja maiores políticas públicas de conscientização desse crime à sociedade. No Brasil é possível verifica que em muitos locais não existem Delegacias Especializadas de Atendimento a mulher vítima de violência doméstica. Dessa forma, deve-se ter maiores investimentos e reforço a essas delegacias nos locais que ainda faltam estruturas.
Soma-se a isso, a importância de realizar cursos de atendimento humanizado destinados aos policiais para que esse procedimento não seja intimidante ou distante. E por fim, ter mais apoio ao processo educativo sobre essa temática, por meio de palestras em todo os locais, especialmente em escolas e órgãos públicos.
Ademais, ainda que as medidas de proteção sejam ineficazes na prática, isso não pode se tornar uma rotina. É preciso que se tenha mais apoio e atenção a esse problema, que ainda causa prejuízos a todos.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZÊDO, Daniella Maria Brito Guedes. Lei Maria da Penha e Prática Policial: vivências em delegacia especializada no município de Recife, PE. Dissertação. Mestrado em Direito, UNICAP, Recife 2018.
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Acesso em: 05 mai. 2022.
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[1] Advogado e Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: @unirg.edu.br.
[2] Instituto de Pesquisa DataSenado. Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Nov./2021. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher-2021>. Acesso em: 06 mai. 2022.
[3] BRASIL. Projeto de Lei nº 116, de 2020. Altera a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, para caracterizar, dentre outras, a forma de violência eletrônica contra a mulher. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=8062382&ts=1630692082147&disposition=inline>. Acesso em: 05 mai. 2022.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi- UNIRG. E-mail: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOURADO, Jessyka Lustosa da Silva. A ineficácia das medidas protetivas de urgência previstas na lei nº 11.340/2006 e a violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58488/a-ineficcia-das-medidas-protetivas-de-urgncia-previstas-na-lei-n-11-340-2006-e-a-violncia-domstica. Acesso em: 23 dez 2024.
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