ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: As famílias são livres para se planejarem, tendo este direito garantido pelo art. 226, §7º da Constituição Federal de 1988. Porém, juntamente com esse direito estabeleceu-se uma série de Princípios Constitucionais nos quais devem guiar suas decisões. Para o exercício da paternidade responsável, deve-se entender a verdadeira função social da família, uma vez que este tem um importante papel no desenvolvimento da sociedade. Inclui-se nisso, o exercício da livre sexualidade das crianças e dos adolescentes e dos direitos nos quais estes estão elencados, devendo ser resguardados por seus pais, sociedade e Estado. Atualmente com a releitura do Direito das Famílias de uma forma mais aberta e democrática, faz-se necessário analisar o dever de prestar alimentos para os filhos LGBTQIA+ expulsos do ambiente familiar em razão da sua orientação sexual.
Palavras-chave: Pensão alimentícia. Direito. Sexualidade. Paternidade responsável. Liberdade.
ABSTRACT: Families are free to plan, having this right guaranteed by art. 226, §7 of the Federal Constitution of 1988. However, along with this right, a series of Constitutional Principles were established to guide their decisions. For the exercise of responsible parenthood, the true social function of the family must be understood, as it plays an important role in the development of society. This includes the exercise of the free sexuality of children and adolescents and the rights in which they are listed, which must be protected by their parents, society and the State. Currently, with the re-reading of Family Law in a more open and democratic way, it is necessary to analyze the duty to provide food for LGBTQIA+ children expelled from the family environment due to their sexual orientation.
Keywords: Alimony. Right. Sexuality. Responsible parenting. Freedom.
A luz da Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 vem fazendo uma releitura do Direito das Famílias de uma forma mais aberta e democrática, priorizando o amor e o afeto.
Partindo dessa ideia, o Direito Civil moderno traz uma concepção eudemonista, ou seja, uma família que busca a realização plena de seus membros através de instrumentos para a busca de uma vida feliz.
Assim, o começo para essa jornada inicia-se com decisão de duas pessoas em ter um bebê, a começar um novo ciclo da vida. Devendo atentar-se para o planejamento familiar responsável, uma vez que começar uma família traz uma série de responsabilidades para o casal.
Tais responsabilidades não se restringem apenas ao cuidado material, mas também aos cuidados psicológicos, morais e também no que diz respeito a orientação sexual, ou seja, um verdadeiro dever de cuidado.
É importante ressaltar que, ninguém é obrigado a amar ninguém, mas que a falta do devido suporte emocional e afetivo pode acarretar consequências psicológicas graves e muitas vezes irreversíveis.
A partir dessas considerações, o presente trabalho se propõe a discorrer sobre o direito de pensão alimentícia para filhos LGBTQIA+ expulsos do ambiente familiar, refletindo sobre qual a verdadeira função social da família, utilizando-se o método teórico, que consiste na pesquisa de obras e artigos de periódicos.
2 HISTÓRIA DO ORGULHO - MOVIMENTO LBGTQIA+
2.1 O surgimento
A homossexualidade existe desde que o mundo é mundo, em todas as comunidades humanas das quais se tem registro. A história trás diversos relatos acerca da existência dessas pessoas que vem lutando ao longo dos anos para conquistar o respeito e a igualdade de tratamento.
Tudo começa, na Nova Iorque dos anos 70, onde vigorava um sistema judicial que se encarregava de perseguir e punir qualquer pessoa que se distanciasse mesmo que minimamente da heteronormatividade, era assim em quase todos os territórios do Estados Unidos. Havia poucos lugares onde se podia ser livre do heteropatriarcado para manifestar o amor e a própria verdade.
Nesse contexto o termo homofobia tinha um sentido literal, havia medo no ar. Era o medo que alimentava a perseguição e a violência contra uma comunidade, onde só podiam se refugiar em alguns poucos lugares em que eram aceitos. Em Nova Iorque, era um bar chamado Stonewall Inn, que recebia visitas frequentes e violentas da polícia. Esse tipo de injustiça era amparado pela justiça e só restava as vítimas a resignação e a humilhação. Para parar o que vinham fazendo seria necessário lutar contra o poderoso sistema de opressão.
Foi assim até o dia 28 de junho de 1969, quando 9 policiais entraram na Stonewall Inn e apesar da agressividade contra os frequentadores os policiais deixavam passar as irregularidades do bar, uma vez que eram subornados pelos proprietários que tinham ligação com a máfia italiana.
Ocorre, que um desentendimento entre a polícia e a máfia foi o que desencadeou na fiscalização da madrugada de 28 de junho, onde 13 pessoas foram presas. Algumas trabalhavam no bar e outras foram enquadradas por violar o “estatuto de vestuário”. Quando foram levadas para as viaturas uma revolta começou, o ponto de origem da confusão é incerto até hoje.
Stormé DeLarverie foi uma lésbica que deu início ao confronto com a polícia, cujo o momento foi um dos mais decisivos da Rebelião de Stonewall, levando a multidão a agir. Ela teria sido algemada e levada pra fora e nesse percurso teria sido agredida com um cacetete após reclamar das algemas apertadas. Mesmo algemada ela socou um policial e a multidão reagiu começando a rebelião, por fim os policias terminaram acuados no fundo do bar.
O que começou naquele dia 28 de junho de 1969 foi tomando proporções cada vez maiores e nos dias subsequentes houveram novas manifestações em Nova Iorque. Nas semanas depois as manifestações se espalharam para outras cidades e nos meses seguintes organizações destinadas a lutar pelos direitos Lgbts foram se tornando mais comuns, passando a editar suas próprias publicações. E nos anos que se sucederam a Stonewall, a mobilização daquele fatídico dia começou a mudar as legislações estaduais. Hoje o dia 28 de julho é considerado o dia internacional do orgulho LGBT.
2.2 O movimento chega ao Brasil
No Brasil, a história se passa na São Paulo de 1983, nesse período um grupo de mulheres lésbicas tentavam se organizar para demandar os próprios direitos, inicialmente faziam isso dentro do grupo SOMOS no qual foi pioneiro pela luta pela diversidade. Mas sendo majoritariamente masculino, nem sempre se revelava um lugar apropriado para a militância dessas mulheres.
Dentro dos movimentos feministas as questões lésbicas nunca foram priorizadas, para as feministas o discurso lésbico era muito radical, sendo a luta especifica pelas burguesas de classe média.
Foi a necessidade do próprio espaço para militar que fez surgir o GALF – Grupo Ação Lésbica Feminista. As mulheres da Galf se reuniam em um estabelecimento chamado Ferro’s Bar e distribuíam a publicação do movimento chamando “ChanacomChana”. Consta que as ativistas já sofriam repressão no bar, mas foi aí que em 1983 a distribuição teria sido proibida pelo dono bar que também expulsou integrantes do movimento.
No dia 19 de agosto, as mulheres lideradas por Rosely Roth ocuparam o estabelecimento e prevaleceram, um manifesto contra repressão foi lido e como o movimento delas atraiu jornalistas e políticos o bar teve que voltar atras pedindo desculpas e passou a permitir a circulação do boletim informativo. Assim como Stonewall, essa mobilização inspirou mais gente a lutar.
3 DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
A orientação sexual é o termo utilizado para caracterizar as manifestações da sexualidade. Tal termo, tem sido utilizado ao longo dos últimos anos no lugar de "opção sexual", uma vez que a ideia de "opção" permite compreender que o homossexual escolheu sentir o que sente. É uma inclinação involuntária, sendo que cada individuo tem sua sexualidade desenvolvida de forma natural, não havendo qualquer poder de decisão sobre ela.
Acerca do tema, Guerra e Rocha (2013, p. 6) trazem:
A sexualidade humana não se restringe somente à simples orientação sexual. Observa-se a existência de aspectos que a integram como os conceitos de sexo; onde são feitas as distinções biológicas primárias e secundárias entre fêmeas e machos; de gênero, o qual a influência histórica e cultural na construção das diferenças entre homens e mulheres é considerada categórica para o exercício da feminilidade e masculinidade; de identidade de gênero, que corresponde à percepção do sujeito em torno de si próprio; e de expressão de gênero, que vem a ser como o sujeito exterioriza seu gênero. É necessário ressalvar, que não há imperativa correspondência entre o sexo biológico, de gênero e identidade de gênero.
Basicamente, há três orientações sexuais preponderantes: pelo mesmo sexo/gênero (homossexualidade), pelo sexo/gênero oposto (heterossexualidade) ou pelos dois sexos/gêneros (bissexualidade). Estudos demonstram que as características da orientação sexual variam de pessoa a pessoa. (KINSEY et al., 1948)
Sobre a forma como a sexualidade é tratada pelos pais, Guerra e Rocha (2013, p. 8) trazem a seguinte perspectiva:
A sexualidade muitas vezes, quando tratada, é feita de forma sucinta pelos pais e mesmo pelas instituições educacionais. Em uma fase de descobertas, pode-se afirmar, categoricamente, que um dos momentos mais conflitantes na percepção da própria identidade ocorre quando o menor reconhece traços da orientação sexual distinta da considerada normal, isto porque já incorporou algumas características referenciadas pela sociedade e cultura a qual é inscrito principalmente as relações dicotômicas entre sexo e gênero.
Logo, observado o desejo pela figura do mesmo sexo, o LGBT busca dentro do ambiente familiar o devido acolhimento e apoio, uma vez que tal ambiente pressupõe estes sentimentos.
De acordo com Singly, citado por Toledo e Teixeira Filho (2013, p. 381), "é no espaço onde circula o amor que se constrói uma grande parte da identidade pessoal dos indivíduos". Desse modo, o reconhecimento da família é essencial para o desenvolvimento dessa identidade sem que haja medo e repreensão por serem eles mesmos.
Assim, no momento em que o menor revela-se para a família e encontra um ambiente de intolerância e preconceito, pode vir a suportar inúmeros sofrimentos, como o sentimento de vergonha, o abalo de sua autoestima, o aumento da probabilidade de futuros quadros depressivos e tendências ao suicídio.
Portanto, é necessário reconhecer os fenômenos para que se possa aceitar e respeitar a orientação dos filhos, uma vez que atitudes preconceituosas na tentativa de adequação a orientação heterossexual fere a liberdade sexual e desencadeia o não exercício da paternidade responsável.
4 DA LIBERDADE SEXUAL E DO DIREITO A SEXUALIDADE
4.1. Liberdade sexual
A dignidade e a liberdade do ser humano englobam o direito de identidade pessoal e, por consequência, o direito de identidade sexual, os quais devem ser respeitados numa sociedade que se diz comprometida com a emancipação humana. (COSTA, 2007 p. 300)
Do mesmo modo, a liberdade sexual é definida pelos Direitos Sexuais como “a liberdade sexual diz respeito à possibilidade dos indivíduos em expressar seu potencial sexual. No entanto, aqui se excluem todas as formas de coerção, exploração e abuso em qualquer época ou situação da vida” (WAS, 2000, s.p.)
Desta forma, a liberdade sexual é o livre arbítrio de poder se relacionar e demonstrar sua opinião e vontade sexual sem preconceitos ou qualquer tipo de discriminação.
Além disso, conforme 19º Princípio de Yogyakarta, todos tem o direito de ser livre para seus relacionamentos e a maneira em como querem expressa-los, livrando-se de qualquer tipo de preconceito e discriminação, vejamos:
Toda pessoa tem o direito à liberdade de opinião e expressão, não importando sua orientação sexual ou identidade de gênero. Isto inclui a expressão de identidade ou autonomia pessoal através da fala, comportamento, vestimenta, características corporais, escolha de nome ou qualquer outro meio, assim como a liberdade para buscar, receber e transmitir informação e ideias de todos os tipos, incluindo ideias relacionadas aos direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero, através de qualquer mídia, e independentemente das fronteiras nacionais. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.d., p. 26).
E ainda, nessa mesma linha de raciocínio, Dias (2015) traz uma reflexão sobre como vem ocorrendo uma democratização acerca dos sentimentos, frisando cada vez mais a liberdade, onde as pessoas tem o direito de escolha, conforme segue:
Está ocorrendo uma verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados. Cada vez mais as pessoas têm o direito de escolha e podem transitar de uma comunidade de vida para outra que lhe pareça mais atrativa e gratificante. (DIAS, 2015, p.133)
Posto isso, a liberdade é um direito que deve ser tutelado pelo Estado. “Quando o Estado nega ao indivíduo o reconhecimento e tutela deste direito, inibe-o de viver plenamente
de acordo com a sua orientação sexual, com os seus anseios. Impossibilita o indivíduo de constituir uma família nos moldes aos quais lhe é pertinente, limitando a sua realização pessoal. (SOUZA; MONTEIRO, 2013, p. 1)
4.2 Direito a sexualidade
“O Direito à sexualidade, que não denota apenas a prática do sexo em si, mas também, da abstinência até a liberdade de dispor do seu corpo, é o direito de exercer a sua sexualidade da forma que melhor lhe aprouver, que mais lhe trouxer prazer.” (MALVEIRA, p. 2)
A Declaração dos Direitos Sexuais que foi elaborada no 13° Congresso Mundial de Sexologia, realizado em 1977, em Valência (Espanha) e aprovada pela Assembleia Geral da Associação Mundial de Sexologia (WAS – World Association for Sexology) em Hong Kong durante o XV Congresso Mundial de Sexologia, discute que:
O total desenvolvimento da sexualidade é essencial para o bem-estar individual, interpessoal e social. Os direitos sexuais são direitos humanos universais baseados na inerente liberdade, dignidade e igualdade de todos os seres humanos. Uma vez que a saúde sexual é um direito fundamental, então a saúde sexual deve ser um direito humano básico. Para assegurarmos que os seres humanos e a sociedade desenvolvam uma sexualidade saudável. (FURLANI, 2011, p. 24-25)
Seguindo o raciocínio, (BORRILLO et al., 2018) no capítulo Por um Direito Democrático da Sexualidade alude que:
Desenvolver a ideia de direitos sexuais na perspectiva dos direitos humanos aponta para a possibilidade do livre exercício responsável da sexualidade, criando as bases para uma regulação jurídica que supere as tradicionais abordagens repressivas que caracterizam as intervenções jurídicas nesses domínios. Implica, por assim dizer, uma compreensão positiva dos direitos sexuais, na qual o conjunto de normas jurídicas e sua aplicação possam ir além de regulações restritivas, forjando condições para um direito da sexualidade que seja emancipatório em seu espírito. (BORRILLO, 2018, p. 80)
Os direitos sexuais vão além da forma que a pessoa vai realizar sua sexualidade, tratam também sobre saúde e a necessidade da prevenção contra doenças e que o direito a saúde sejam distribuídos a qualquer pessoa independente de sua orientação sexual.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.d., p. 24) Da mesma forma para com a educação, que deve ser distribuída a todos com a meta de afastar a ignorância e o preconceito, e assim, fazer com que as pessoas entendam e respeitem uns aos outros, as determinações dos Diretos humanos e sexuais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.d., p. 23).
“Enfim, a tutela dos direitos sexuais faz parte da realização do mínimo existencial, pois a positivação sobre estes direitos proporciona isonomia quanto ao tratamento estatal durante a distribuição destes bens, os protegendo.” (LIMA; RANGEL, 2017, s.p). “Proporcionar o mínimo de forma abstrata pode não ser possível, porém, o Estado não pode ignorar os próprios princípios constitucionais, muito menos ignorar os direitos fundamentais que tangem o assunto direito sexual. Portanto, a prestação do mínimo proporcionaria uma vida digna.” (WEBER, 2013, p. 199)
5 PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DE FAMÍLIA ATUAL
O Direito das Famílias tem buscado uma igualdade entre os indivíduos, priorizando o amor e o afeto. Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo diversos princípios constitucionais implícitos.
Vale aqui destacar a importância e relevância de alguns destes princípios como: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da afetividade, o princípio da solidariedade, o princípio da liberdade e o princípio da paternidade responsável.
5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Prevê o art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana, onde se refere a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo. É um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
“O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.” (DIAS, 2015, p. 44/45)
Importante expor que:
Além de consistir em um limite aos atos estatais, o princípio da dignidade da pessoa humana representa, também, um norte ético para as ações positivas do Estado, no sentido de que este possui não só o dever de deixar de praticar atos que violem a dignidade humana, mas também o de aplicá-la por meio de ações concretas, em prol da garantia à assistência mínima de condições dignas de vida para cada pessoa. (ALMEIDA, 2009, p.76)
Evidencia-se dessa forma que:
A importância da eficácia imediata (dimensão de aplicabilidade) do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana na área das relações de família atuais, entrando em cena para resolver várias questões práticas e servindo como fundamento para todos os demais princípios que lhe dão concretização. (ALMEIDA, 2009, p.76)
5.2 Princípio da Afetividade
"A afetividade é o princípio que rege a estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, é ele o elemento formador do modelo de família atual." (SILVA, 2017, s/p)
Assim, Almeida (2009), elenca que:
A ideia do afeto como um elemento integrador na formação das entidades familiares surgiu no Brasil no final do século XX, com o advento da Constituição Federal de 1988, evidenciando a tendência contemporânea de ver a família na perspectiva das pessoas, e não mais sob a ótica da família patrimonializada, modelo adotado por legislações pretéritas. (ALMEIDA, 2009, p. 78)
“O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue.” (LÔBO, apud DIAS, 2006, p. 53) “Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.” (DIAS, 2015, p. 53)
Assim,
A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudernonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. (DIAS, 2015, p. 53)
5.3 Princípio da solidariedade familiar
Deve-se dentro do núcleo familiar ser solidário, trazer uma empatia, pensar no outro. Significa que dentro da família deve existir o cuidado recíproco para que cada membro possa desenvolver suas potencialidades. O dever de cuidado abrange aspectos patrimoniais afetivos, sociais, morais.
Nas palavras de Dias (2015):
Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. (DIAS, 2015, p. 48)
Deste modo, conclui Dias (2015) que:
em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do princípio da solidariedade (CF 229). (DIAS, 2015, p. 49)
5.4 Princípio da Liberdade
O princípio da liberdade se refere a livre decisão do casal no planejamento familiar, sendo um dos mais importantes no âmbito do Direito das Famílias.
Em seu livro, Dias (2015) traz que:
A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a liberdade ele escolher o seu par, seja cio sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. (DIAS, 2015, p. 46)
Sendo assim, “a liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo ela autoridade parental ao consagrar os laços ele solidariedade entre pais e filhos, bem como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar voltada ao melhor interesse do filho.” (DIAS, 2015, p. 46)
5.5 Princípio da paternidade responsável
“O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade.” (DIAS, 2015, p. 47)
“A paternidade responsável, ao lado da dignidade da pessoa humana, é um princípio constitucional que fundamenta o planejamento familiar e está previsto no § 7º, do art. 226 da Constituição Federal.” (GUERRA; ROCHA, p. 3)
Também, os arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o inc. IV, do art. 1.566 do Código Civil é possível identificar o princípio da Paternidade Responsável.
“Em suma, os princípios da Paternidade Responsável e da Dignidade da Pessoa Humana, constituem a base para a composição da família no ordenamento jurídico brasileiro, pois retratam a ideia de responsabilidade, que deve ser observada tanto na formação como na manutenção da família.” (SANTOS, 2013, s. p.)
Vale ressaltar, que em 1959 com a Declaração Universal dos Direitos Da Criança feita pela UNICEF, foram elencados alguns direitos tais como a de ser criada em um ambiente digno, que promova sua saúde física, mental, psicológica e intelectual e também o de não ser discriminada. Além disso, a criança terá proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração.
“O propósito do legislador é que a paternidade seja exercida de forma responsável, porque apenas assim todos os princípios fundamentais, como a vida, a saúde, a dignidade da pessoa humana e a filiação serão respeitados.” (CARDIN, p. 7)
“Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento.” (DIAS, 2015, p.97)
Para Almeida (2009, p.87) “em atendimento aos parâmetros ético-jurídicos insculpidos na Constituição Federal, impõe-se um novo tratamento jurídico a todos os arranjos familiares surgidos no seio da sociedade, que constituem a família contemporânea, plural, funcionalizada”, "a qual deve ser protegida na medida em que atenda a sua função social, ou seja, na medida em que seja capaz de proporcionar um lugar privilegiado para a boa vivência e dignificação de seus membros" (GAMA; GUERRA, 2007, p. 128)
Inclusive, ressalta Dias (2015) que:
A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhe faltar essa referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez ele forma permanente, para o resto de sua vida. (DIAS, 2015, p. 98)
Assim, não há dúvidas do quanto a falta de responsabilidade implica no bom desenvolvimento da criança, podendo a mesma ser reparada, mesmo que minimamente pelo dano sofrido.
6 DA VERDADEIRA FUNÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA
A família é uma instituição social, por isso cumpre algumas funções, tem um papel importante no desenvolvimento da sociedade. A família é um espaço de cuidado, onde os vínculos afetivos são criados e desenvolvidos.
Segundo Lando; Cunha; Lima (2016, p.623) "A função social da família é propiciar um ambiente saudável para o desenvolvimento de seus membros de forma digna, principalmente para os filhos menores, pois estes estão se moldando de acordo com os valores que lhe são repassados."
Esse espaço de cuidado desenvolve atividades e tem uma função na sociedade, onde o Estado, essa organização jurídico-política que cuida, utiliza-se da família e das suas funções para estabelecer o cuidado e a responsabilidade que se tem com os cidadãos.
Tem-se na primeira função, uma função socializadora, na qual as crianças aprendem a serem membros de uma sociedade; logo mais há a função ideológica, esta é uma função propagadora da moral da sociedade ou do grupo social, desse conjunto de indivíduos que tem valores próprios, então a família é o espaço onde se transmite para aqueles que se cuida os valores de um grupo social.
Por fim, há a função de regulação da sexualidade, que é quando se estabelece esses vínculos afetivos entre pessoas que constroem uma família, estabelece uma regulação sexual, passando a ter relações de fidelidade, monogâmicas, a pensar na propriedade, logo na quantidade de filhos ou não. Por isso muitos governos trabalham com políticas como controle de natalidade ou conscientizando as famílias do planejamento familiar responsável.
Enfim, é um espaço de aprendizado coletivo. Na família se aprende a viver na coletividade, a cuidar e perceber que o outro mesmo que seja diferente, tendo vontades e desejos diferentes devem ser respeitados, cuidados e amados. Essa relação com o outro, com o diferente, a família ensina.
7 DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS
O dever de prestar alimentos é imposto por lei para que se possam garantir as necessidades vitais do alimentado. Relaciona-se com o direito à vida, com a preservação da dignidade da pessoa humana, com o direito da personalidade. (BERNARDES, 2015, p.1)
Vale trazer a explanação de Dias (2015), acerca das garantias e prerrogativas em torno da criança e do adolescente:
A Constituição (227) e o ECA acolhem a doutrina da proteção integral. De modo expresso, crianças e adolescentes devem ser colocados a salvo de toda forma de negligência. Transformaram-se em sujeitos de direito e foram contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas. Mas direitos de uns significam obrigações de outros. Por isso a Constituição enumera quem são os responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado. Ao regulamentar a norma constitucional, o ECA identifica como direito fundamental de crianças e adolescentes o seu desenvolvimento sadio e harmonioso (ECA 7.0). Igualmente lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua família (ECA 19). (DIAS, 2015, p. 96-97)
Sendo assim, é assegurada a proteção integral à criança e ao adolescente, sendo que a necessidade dos filhos é presumida.
“Em relação ao conceito de alimentos, este é bastante amplo e abarca todas as necessidades de uma vida digna, visando à garantia da subsistência do ser humano. No direito de família, os alimentos significam valores, bens ou serviços destinados a atender às necessidades existenciais do ser humano, quando a pessoa não pode prover, por si só, a própria mantença e são decorrentes da relação de parentesco.” (LÔBO, 2009, p. 347)
Para Madaleno (2005, p. 234):
Em sua essência, os alimentos sempre tiveram e seguem projetando o único e inarredável propósito de assegurar a subsistência daquela pessoa que não tem condições de sobreviver por seus próprios meios, estando relacionados como um dos basilares direitos fundamentais contemplados pela Constituição Federal Brasileira, e consubstanciados no direito à vida e na solidariedade familiar.
“A partir desses conceitos, é possível afirmar que os alimentos constituem um direito básico do ser humano, essencial à sobrevivência, e são assegurados no ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de garantir a dignidade da pessoa humana.” (TAPIA; SARTORI, 2014, p. 41)
Importante destacar, que independente de ser maior ou menor de idade, o fato de a família não concordar com a orientação sexual ou identidade de gênero da pessoa LGBT+ não afasta a obrigação de ajudá-lo com suas necessidades básicas.
“Assim, os pais têm a obrigação de prestar alimentos aos filhos, sejam eles menores ou maiores, biológicos ou socioafetivos, uma vez que o direito a alimentos visa a assegurar uma vida digna, com o atendimento de todas as necessidades básicas de sobrevivência.” (TAPIA; SARTORI, 2014, p. 45)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em consideração todos os aspectos apresentados, a sexualidade ainda é um tema polêmico e estigmatizado e apesar de ser um fenômeno antigo, ainda é visto como um tabu na maioria das sociedades.
Por outro lado, nota-se grande evolução acerca do tema Família na medida em que foram ocorrendo transformações sociais, passando a serem compreendidos pelos laços de afetividade que os une.
Com efeito, a livre orientação sexual passou a ser um direito assegurado pelo ordenamento jurídico, sendo guarnecido de legitimidade tanto jurídica quanto social, não podendo os pais deixar de dar assistência afetiva e moral a sua prole em face de orientação sexual ou identidade de gênero.
Atenta-se, portanto, para a importância da verdadeira função social da família, sendo este o início para a personalidade e o desenvolvimento das individualidades do ser humano, transmitindo valores.
Enfim, o avanço acerca das conquistas é notório e assegurado constitucionalmente e deixa claro aos pais que a irresponsabilidade tem consequências, já que há um dever de cuidado.
Logo, ninguém é obrigado a amar alguém, mas cuidar é um dever!
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Júlia Matos de. Fora de casa: o dever de alimentar e a verdadeira função social da família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58491/fora-de-casa-o-dever-de-alimentar-e-a-verdadeira-funo-social-da-famlia. Acesso em: 23 dez 2024.
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