WELLSON ROSÁRIO SANTOS DANTAS[1]
(orientador)
RESUMO: A modificação social causada pela contaminação da Covid-19 na vida das pessoas passou a refletir em índices de violência no Brasil e no mundo. Quando o assunto é a violência praticada contra mulheres em seu ambiente doméstico e familiar, o aumento do período de convivência com o agressor dentro de sua residência pode significar o crescimento das ocorrências criminais. Por ser uma situação vivenciada em todo o território nacional, questiona-se o impacto da pandemia nos casos de violência doméstica no Estado do Tocantins. Portanto, o objetivo geral é demonstrar, compreender e analisar os casos de violência doméstica em tempos pandêmicos no estado do Tocantins; momento no qual as mulheres ficaram tão vulneráveis convivendo por muito mais tempo com seus agressores devido ao isolamento social necessário para o combate da Covid-19. Classificada como bibliográfica e documental, este artigo apresenta o resultado de uma revisão de literatura sobre o tema abordado em forma de texto e citações de doutrinas e julgados nacionais. Por estar direcionada ao estudo dos dados do Tocantins, a pesquisa aponta informações disponibilizados por fontes responsáveis. O resultado aponta as suas causas e respaldos jurídicos no ordenamento jurídico nacional.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Pandemia. Tocantins. Causas. Respaldos.
ABSTRACT: The social change caused by the contamination of Covid-19 in people's lives began to reflect in rates of violence in Brazil and in the world. When it comes to violence against women in their domestic and family environment, the increase in the period of coexistence with the aggressor inside their home can mean an increase in criminal occurrences. As it is a situation experienced throughout the national territory, the impact of the pandemic on cases of domestic violence in the State of Tocantins is questioned. Therefore, the general objective is to demonstrate, understand and analyze cases of domestic violence in pandemic times in the state of Tocantins; moment when women were so vulnerable living for much longer with their aggressors due to the social isolation necessary to combat Covid-19. Classified as bibliographical and documentary, this article presents the result of a literature review on the topic addressed in the form of text and citations of national doctrines and judgments. As it is directed to the study of data from Tocantins, the research points to information made available by responsible sources. The result points out its causes and legal support in the national legal system.
Keywords: Domestic Violence. Pandemic. Tocantins. causes. backers.
Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. A Violência Doméstica no Brasil. 2. A Lei Maria da Penha. 3. A Violência Doméstica no Tocantins: Antes e Durante a Pandemia. 4. Violência Doméstica: Causas e Respaldos Jurídicos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No final de 2019, o mundo foi surpreendido com um novo vírus que tirou a vida de milhões de pessoas, o novo Coronavírus identificado também como Covid-19. Em 2020 esse vírus chegou ao Brasil, e mais precisamente em março, chegou no Estado do Tocantins.
O risco de danos à saúde das pessoas levou a modificações severas quanto a forma de convivência entre os indivíduos, limitando o convívio apenas às pessoas da mesma família ou em situação de coabitação e intimidade.
Deste modo, com a decretação de estado de pandemia da Covid-19, o isolamento social tornou-se necessário para que o vírus não se propagasse com tanta expressividade, o que de fato se mostrou favorável para o controle da contaminação, mas em contrapartida, esse isolamento impactou no aumento do número de casos de violência doméstica no Brasil e consequentemente no Estado do Tocantins.
O que influenciou o crescimento dos números da violência doméstica consiste no fato de que o enclausuramento aumentou a exposição da vítima e deixou as mulheres ainda mais vulneráveis, tendo que conviver por muito mais tempo com seu agressor, situação essa capaz de impedir até mesmo a denúncia da violência por medo de ser descoberta.
Considerando que o debate acerca das medidas necessárias à proteção das mulheres em ambiente doméstico e familiar permanece em alta, haja vista que as consequências de uma violência doméstica são inúmeras, podendo causar até mesmo a morte, o tema abordado nesta pesquisa é extremamente sério e pertinente, pois a vida é o maior bem jurídico existente, portanto deve-se ser preservado de todas as formas.
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa cientifica de conclusão de curso é apresentada para a Universidade de Gurupi – Unirg, sem envolvimento de outra instituição de ensino com realização iniciada em agosto de 2021 e encerramento previsto para junho de 2022.
A pesquisa classifica-se como bibliográfica e documental, a medida que será necessária a busca em material bibliográfico, a fim de auxiliar no estudo teórico, embasado na lei e na jurisprudência, acerca dos respaldos jurídicos relacionados ao crime de violência doméstica, através da utilização do método dedutivo, na medida em que são analisados os casos de aumento de violência doméstica em meio a pandemia no Estado do Tocantins.
Para confirmar os índices recentes, a análise dos dados coletados na literatura, o método estatístico será o adequado, na medida em que poderá fornecer os dados concretos acerca do aumento dos casos de violência doméstica.
1 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL
A história da violência doméstica no Brasil e também em todo o mundo pode ser observada ao longo da história da humanidade, com alguns aspectos diferentes ao longo dos anos, mas mantida a situação de vulnerabilidade em que as mulheres foram e continuam sendo colocadas nas sociedades.
A violência de gênero, não só enquanto ato físico, mas simbólico de desvalorização e subjugação social da mulher, é um fenômeno tão antigo quanto a própria humanidade. Embora se ouça falar de sociedades (lendárias ou não) que eram lideradas por mulheres, a ampla maioria das civilizações foi caracterizada por modelos de poder e liderança masculinos. (REZENDE, 2022, p.1)
Apesar de parecer algo superado nos dias atuais, ainda é muito recorrente o pensamento patriarcal no Brasil, conforme as legislações nacionais ainda apresentem resquícios desse entendimento, sendo recentes as alterações em leis importantes. No caso do Código Civil, quando foi sancionado em 2002, ainda tinha no seu artigo 233 a previsão do homem como o chefe da sociedade conjugal, figurando a mulher como uma colaboradora no interesse comum do casal e dos seus filhos (ESSY, 2017).
Com o passar do tempo e com a evolução das sociedades, as mulheres passaram a exigir tratamento igualitário em condições e tomaram seus lugares não apenas em ambientes familiares, mas também com inserção no mercado de trabalho, na política, etc., todavia, esse avanço ainda é por muitos ignorado quando se trata do ambiente doméstico, passando a ser ele o local em que a ocorrência de violência contra a mulher se dá com maior intensidade.
Nas sociedades onde a definição do gênero feminino tradicionalmente é referida a esfera familiar e a maternidade, a referência fundamental da construção social do gênero masculino é sua atividade na esfera pública, concentrador dos valores materiais, o que faz dele o provedor e protetor da família. Enquanto atualmente, nessas mesmas sociedades, as mulheres estão maciçamente presentes na forca de trabalho e no mundo público, a distribuição social da violência reflete a tradicional divisão dos espaços: o homem é vítima da violência na esfera pública, e a violência contra a mulher é perpetuada no âmbito doméstico, onde o agressor é, mais frequentemente, o próprio parceiro (JESUS, 2015, p. 7 - 8).
Marcada por violar a dignidade humana das suas vítimas e por restringir as suas liberdades civis, a violência doméstica contra a mulher se apresenta como um crime comum, praticado contra mulheres de todas as classes sociais, idades, raças e locais (REZENDE, 2022), apesar de ser mais recorrente quando há menor instrução e maior desigualdade financeira.
Entende-se por violência familiar, intrafamiliar ou doméstica toda ação ou omissão cometida no seio de urna família por um de seus membros, ameaçando a vida, a integridade física ou psíquica, incluindo a liberdade, causando sérios danos ao desenvolvimento de sua personalidade (JESUS, 2015, p. 8-9).
Trata-se de um problema social que não se limita à segurança das pessoas, mas também está diretamente relacionado à saúde pública, conforme o ensinamento de Milka de Oliveira Rezende:
A violência contra a mulher bem como todas as formas de violência sobrecarregam sistemas de saúde dos países. Mulheres que sofrem violência são mais propensas a necessitar de serviços de saúde do que mulheres que não sofrem violência, e, em caso de danos permanentes à integridade física e à saúde mental, elas necessitam de tratamento continuado. (REZENDE, 2022, p. 1)
De acordo com Damásio Evangelista de Jesus, a violência contra as mulheres é um dos fenómenos sociais mais denunciados e com maior visibilidade nas últimas décadas em decorrência do seu caráter devastador sobre a saúde e a cidadania das mulheres. Para resolver a questão, políticas públicas passaram a ser buscadas pelos setores da sociedade, uma vez que consiste em problema complexo cujo enfrentamento necessita da composição de serviços de naturezas diversas (JESUS, 2015).
No Brasil, é a Lei Maria da Penha o principal instrumento de combate às violências domésticas e familiares.
2 A LEI MARIA DA PENHA
Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em Fortaleza, no Ceará, no dia 1º de fevereiro de 1945, é uma mulher farmacêutica, que foi vítima em vários casos de violência doméstica no decorrer de seu casamento (IMP, 2021).
No ano de 1983 seu marido tentou assassiná-la com um tiro nas costas enquanto ela dormia, fato este que a deixou paraplégica com lesões irreversíveis. Após retornar para casa, quatro meses após o ocorrido, foi mantida em cativeiro por quinze dias e vítima de tentativa de eletrocussão durante o banho. Em razão desses ocorridos, Maria da Penha levou seu marido à justiça, cujo julgamento ocorreu em 1991, quando foi condenado a 15 anos de prisão, mas por interposição de recursos, manteve-se em liberdade. Já em 1996, em novo julgamento, a condenação do autor do fato foi de 10 anos e 6 meses, mas por alegação de irregularidades processuais, a pena não foi cumprida novamente (IBDFAM, 2020).
Ocorre que a demora em aplicar uma punição ao agressor não passou despercebido, tudo em razão da luta de Maria da Penha, que se dirigiu aos órgãos internacionais em busca de justiça, o que desencadeou anos depois na edição de lei especial de combate à violência doméstica e familiar.
O caso ganhou dimensão internacional em 1988, quando Maria da Penha, com o apoio do Centro para a Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM, denunciou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – CIDH/OEA. Ainda assim, o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo.
Só em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (1998 a 2001), o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Em 2002, formou-se um Consórcio de Organizações Não Governamentais Feministas, que pressionavam as autoridades para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 2006, finalmente, o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha (IBDFAM, 2020, p. 1).
Portanto, no dia 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº. 11.340, popularmente chamada Lei Maria da Penha, que em seu conteúdo, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo o disposto no §8º do artigo 226 da Constituição de 1988 e de documentos internacionais; criou os juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e modificou o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais (BRASIL, 2006).
A aprovação dessa lei incluiu o Brasil no rol dos países com legislação inovadora de proteção à mulher com destaque internacional.
Daí por que o advento da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, constituiu avance inovador do Brasil em sede de direitos humanos, mostrando-nos, em agosto de 2006, como o 18° país da América Latina a aperfeiçoar sua Legislação sobre a proteção da mulher. Estatuto eivado de impressionantes inconstitucionalidades, contradições e confusões, péssima técnica e imperfeições de redação, a nova lei será objeto de inúmeras críticas e aplausos, submetendo mais urna vez o estudioso do Direito brasileiro a intenso esforço de interpretação, Foi, entretanto, um avance em nossa legislação, devendo ser aperfeiçoado (JESUS, 2015, p. 52).
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 em seu conteúdo estabelece todo o sistema nacional de proteção das vítimas e tem como ponto de partida a definição do que configura violência doméstica e familiar contra a mulher, assim considerada qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (artigo 5º):
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (BRASIL, 2006).
Composta por 46 artigos, a Lei Maria da Penha elevou o Brasil a uma referência mundial no combate a violência doméstica por se tratar de um conjunto de dispositivos que não se limitou a tornar mais duras as penas aos agressores de mulheres, mas também por estabelecer medidas de proteção às vítimas, medidas educativas de prevenção às violências e por fixar mecanismos especializados de atendimento desde a ocorrência (REZENDE, 2022).
3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO TOCANTINS: ANTES E DURANTE A PANDEMIA
Desde a sua entrada em vigor, no ano de 2006, a Lei Maria da Penha vem prestando assistência às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, por meio da previsão de medidas integradas de prevenção e medidas protetivas de urgência, entre tantos outros instrumentos de proteção e apoio às pessoas vitimadas pelas violências compreendidas pela lei.
A manutenção da preocupação decorre do fato de que todas as formas de violências citadas anteriormente violam os direitos humanos e causam consequências gravíssimas à mulher.
Com o passar dos anos, apesar da lei, os números de ocorrência se mantiveram altos, mantendo em alerta o Estado acerca da necessidade de proteção das vítimas. Durante a pandemia, a situação se agravou ainda mais por causa das condições sociais vivenciadas pela sociedade brasileira.
No ano de 2020 a pandemia se instaurou com impactos nos números da violência doméstica em todo o país, o que levou à necessidade de realizar mapeamentos regionais por parte de grupos não governamentais e movimentos feministas (SOUSA e SANTOS, 2021).
No Tocantins, ao contrário do observado em outras regiões, em um primeiro momento, o declínio de registros de casos de violência doméstica se apresentou.
Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Tocantins demostram que durante os meses de janeiro a dezembro de 2020, 3.221 registros foram efetivados como violência doméstica e 9 mulheres foram vítimas de feminicídio, quatro casos a mais, se comparados com o mesmo período do ano anterior, que registrou 5 feminicídios. Os números da violência doméstica no Estado, se analisados em comparação com o ano de 2019, apontam para um declínio nos registros, que teve, 3.544 denúncias foram registradas neste ano. (SOUSA e SANTOS, 2021, p. 3089)
De fato, os dados do Tocantins “apontaram para uma queda nos números de registros efetivados como casos de violência doméstica, no entanto, há um aumento nos números de feminicídios que saltaram de 5 em 2019, para 9 casos de feminicídio em 2020” (SOUSA e SANTOS, 2021, p. 3089).
Já nos primeiros seis meses do ano de 2021, 2.387 mulheres foram vítimas de violência doméstica – segundo dados da Polícia Civil; o número caiu 7,7% se comparado ao mesmo período em 2020 (pico da pandemia no Brasil), quando houve 2.586 vítimas pelo crime. A maior incidência do aumento dos casos ocorreu em municípios do interior. Em algumas cidades o número de registros saltou de uma vítima no primeiro semestre do ano passado para sete em 2021 (FLEURY, 2021, p.1).
A delegada adjunta da 1° Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM), Suzana Fleury, explica que, com a pandemia, as mulheres estão passando mais tempo na companhia do agressor:
As práticas de violência tem aumentado muito, outro fenômeno que pode ser observado nesse período pandêmico, foi o crescimento de ocorrências de casos de maior gravidade. Antes havia muitas ocorrências de injúrias e ameaças, hoje, se percebe registros das lesões corporais e ameaças com algum tipo de arma. O enclausuramento causado pelo covid-19, deixou a mulher ainda mais vulnerável e por isso, a Polícia Civil do Tocantins (PC-TO) ampliou os canais de denúncias, como a implementação dos registros de Violência Doméstica através da Delegacia Virtual; o ambiente permite que as vítimas registrem a ocorrência em casa e incluam fotos, áudios e prints que ajudem a provar as agressões praticadas pelo acusado. (FLEURY, 2021, p.1)
Para impedir que a violência se perpetue, a realização de denúncia por parte da vítima é essencial para que sua segurança seja priorizada pelas autoridades competentes. Segundo um levantamento feito pela Defensoria Pública do Tocantins, baseada em processos com atuação de defensores, em 2021 houve, em média, quase dois pedidos de medidas protetivas por dia no Estado (G1 TOCANTINS, 2021).
4 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: CAUSAS E RESPALDOS JURÍDICOS
O combate à violência doméstica e familiar depende não apenas da responsabilização dos agressores, mas precisa ser realizado em sua origem a fim de que não cheguem a ocorrer, uma vez que, em muitas situações, o sistema penal não consegue evitar o dano à integridade e à vida das mulheres vitimadas.
Da elaboração desta pesquisa compreendeu-se que a violência contra a mulher se originou da construção desigual do papel atribuído a homens e mulheres nas sociedades, de forma que a desigualdade de gênero se caracteriza como sendo a base de onde todas as formas de violência contra mulheres (REZENDE, 2022).
A construção social que colocou o homem como o chefe da casa acabou por decretar às mulheres a condição de inferioridade e obediência. Portanto, o patriarcado tem significativa influência nas causas de violência doméstica e familiar.
Sobressai-se, portanto, a teoria de que, até os dias atuais, a mulher é vista como sujeito social autônomo, porém historicamente vitimada pelo controle social masculino. É justamente pela possibilidade do conceito patriarcado ser utilizado de forma abrangente, abarcando todos os níveis da organização social, que seu sentido substantivo é tão frutífero para analisar as diversas situações de dominação e exploração das mulheres. O uso de patriarcado enquanto um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres permite visualizar que a dominação não está presente somente na esfera familiar, tampouco apenas no âmbito trabalhista, na mídia ou na política. Portanto, o patriarcado é utilizado como forma de naturalizar um sistema que legitima e naturaliza o exercício da dominação e exploração das mulheres por um indivíduo, na maioria das vezes, do sexo masculino, e que apesar de já ser superado como organização social que tem o patriarca como figura central de uma comunidade familiar ou econômica, ainda possui grandes reflexos na estrutura social do século XXI (ESSY, 2017, p.1).
Deste modo, Milka de Oliveira Rezende afirma que a relação assimétrica de poder entre homens e mulheres geram a desigualdade de gênero que desencadeia a violência. Segundo seus ensinamentos, “as causas, portanto, são estruturais, históricas, político-institucionais e culturais” (REZENDE, 2022, p. 1).
Considerando que toda conduta pode gerar uma consequência, em se tratando de violências domésticas, o maior efeito observado consiste nas implicações penais que os atos ilícitos causam ao autor da conduta. A primeira medida a ser tomada é a busca por proteção imediatamente após a violência ser cometida, o que se dá primeiramente com o atendimento policial.
Afim de proteger as mulheres, colocando em prática o que determina a Lei Maria da Penha, a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins dispõe de uma rede de serviços de atendimento às vítimas de violência doméstica.
PC-TO dispõe de uma rede de serviços para o atendimento às mulheres que sofrem violência doméstica. As vítimas podem contar com as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam’s) e Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e Vulneráveis (Deamv’s), além da Central de Atendimento à Mulher 24 Horas (CAM-24H) e de todas as unidades policiais, sejam Delegacias ou Centrais de Atendimento, além do disque denúncia 180.
Em todo o Tocantins, são 15 unidades, sendo 13 distribuídas em municípios que integram as oito regionais da Polícia Civil e três em Palmas, sendo duas unidades da Deams e uma Central de Atendimento à Mulher 24 Horas (CAM-24H). É importante ressaltar que em razão da necessidade do atendimento à mulher ser presencial, não foi disponibilizado na página da Delegacia Virtual da Polícia Civil do Tocantins atendimento online (https://www2.ssp.to.gov.br/delegaciavirtual/). Denúncias até podem ser realizadas pela plataforma, mas o registro de Boletim de Ocorrência tem que ser de forma presencial. Onde não há delegacia especializada, a vítima pode procurar qualquer Delegacia ou Centrais de Atendimento da Polícia Civil (PAIVA, 2021, p. 1).
Uma vez realizado o atendimento da vítima, identificado o agressor e impostas as medidas de proteção cabíveis ao caso em concreto, tem-se o prosseguimento da persecução penal através da interposição da Denúncia pelo Ministério Público, enquadrando o autor do fato em um dos delitos do Código Penal.
A Lei 11.340/2006 alterou a lei penal, incluindo em alguns crimes, disposições específicas quanto à violência doméstica, representados nos artigos citados a seguir:
Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
“Art. 313. .................................................
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)
Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 61. ..................................................
II - ............................................................
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
........................................................... ” (NR)
Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 129. ..................................................
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)
Art. 45. O art. 152 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. ...................................................
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR) (BRASIL, 2006)
Além dos crimes comuns com sanções mais rígidas, a Lei Maria da Penha ainda apresenta um delito próprio para aquele que descumprir as medidas protetivas de urgência com pena de detenção, de 3 meses a dois anos (BRASIL, 2006).
CONCLUSÃO
O direito à uma vida segura e saudável é essencial para que um indivíduo tenha a dignidade humana assegurada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quando se trata de violação de direitos humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade, mais importante é a aplicação de sanções àqueles que praticam violência.
Por questões sociais originárias, as mulheres ainda são colocadas em situação de vulnerabilidade dentro de seus lares, principalmente em ambientes em que o patriarcado persiste, relegando às mulheres uma condição de inferioridade em relação aos maridos.
Justamente por tais motivos é que a violência doméstica e familiar, regulada em lei especial desde o ano de 2006, quando foi promulgada a Lei Maria da Penha, é tratada pelo Estado de forma individualizada, com a previsão de medidas protetivas de urgência e possuindo delegacias e canais de atendimento próprio.
Com a decretação da pandemia da Covid-19, houve o agravamento da violência doméstica no Tocantins em razão do aumento do período de convivência domiciliar entre as vítimas e seus agressores. Segundo o que os números oficiais apontam, o número de registros diminuiu mas os casos de feminicídio cresceram, o que demonstra a dificuldade em denunciar justamente por estarem em maior convívio.
Tendo se passados dois anos desde a confirmação oficial da circunstancia de isolamento social ainda persiste a urgência em combater essa forma de violência de gênero, medida esta que não deve se dar apenas após o cometimento do delito, mas principalmente na sua prevenção. É necessário que as mulheres tenham acesso aos canais de denúncia e que toda a sociedade se conscientize da necessidade em proteger a vida, a integridade física, moral e psicológica das mulheres.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.340,d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias>. Acesso em 14 abr. 2022.
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FLEURY, Suzana. Polícia constata aumento de casos de violência doméstica de maior gravidade no Tocantins. Conexão Tocantins, 14 de jul. 2021. Disponível em: <https://conexaoto.com.br/2021/07/14/policia-constata-aumento-de-casos-de-violencia-domestica-de-maior-gravidade-no-tocantins>. Acesso em 07 dez. 2021.
G1 TOCANTINS. Em média duas mulheres pedem medidas protetivas todos os dias no Tocantins, diz Defensoria. Por G1 Tocantins, 18/08/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2021/08/18/em-media-duas-mulheres-pedem-medidas-protetivas-todos-os-dias-no-tocantins-diz-defensoria.ghtml>. Acesso em 21 abr. 2022.
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Lei Maria da Penha 14 anos: entenda origem, importância e direitos assegurados. Publicado em 07/08/2020. Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/index.php/noticias/7591/Lei+Maria+da+Penha+14+anos:+entenda+origem,+import%C3%A2ncia+e+direitos+assegurados%22#:~:text=A%20Lei%20Maria%20da%20Penha%20ganhou%20este%20nome%20em%20homenagem,nas%20costas%20enquanto%20ela%20dormia>. Acesso em 15 de abril de 2022.
IMP – Instituto Maria da Penha. Quem é Maria da Penha. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html#:~:text=Maria%20da%20Penha%20Maia%20Fernandes,da%20Universidade%20de%20S%C3%A3o%20Paulo>. Acesso em 14 abr. 2022.
JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais da Lei n. 11. 340/2006. - 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 2015.
PAIVA, Patrícia de. Casos de Feminicídio aumentam durante a pandemia e Segurança Pública emite orientações para prevenção e denúncia. Governo do Tocantins, 14 de maio de 2021. Disponível em: <https://www.to.gov.br/ssp/noticias/casos-de-feminicidio-aumentam-durante-a-pandemia-e-seguranca-publica-emite-orientacoes-para-prevencao-e-denuncia/4fs268hachny>. Acesso em 22 abr. 2022.
REZENDE, Milka de Oliveira. "Violência contra a mulher"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/violencia-contra-a-mulher.htm. Acesso em 19 de abril de 2022.
SOUSA, Katerine Silva Soares de; SANTOS, Cristina Vianna Moreira dos. Mulheres E Pandemia: Violência De Gênero E Feminicídio No Tocantins. Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 | 3088 ISBN 978-65-86901-34-4, 2021. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/editora/ebooks/cinabeh/2021/ebook1/TRABALHO_COMPLETO_EV149_MD1_SA21_ID405_22032021184907.pdf >. Acesso em 20 abr. 2022.
[1] Professor(a) Especialista do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG. E-mail: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Adda Cristina Santiago. Uma análise da violência doméstica no Estado do Tocantins durante a pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2022, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58493/uma-anlise-da-violncia-domstica-no-estado-do-tocantins-durante-a-pandemia. Acesso em: 23 dez 2024.
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