ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho apresenta um estudo acerca da Legislação Mosaica. Para tanto, procede-se a uma análise ao decálogo trazido por Moisés, um dos maiores legisladores de toda a história da humanidade. Avalia-se os postulados da Legislação Mosaica e a sua contribuição para a formação dos atuais direitos humanos fundamentais. A síntese da Lei Mosaica são os dez mandamentos que apresentam os princípios éticos e normas que criam deveres objetivos gerais de comportamento social, também presentes na atual legislação. A metodologia desenvolvida neste estudo foi a dedutiva descritiva, tendo como base para a fundamentação teórica referências bibliográficas específicas do Direito Penal brasileiro em relação à Legislação Mosaica, a Bíblia Sagrada, especificamente, o Velho Testamento. Tendo-se também realizado pesquisas na internet, em sites jurídicos e de publicações referentes a artigos doutrinários sobre a influência do Pentateuco na formação do Direito.
Palavras-chave: Direito; Lei Mosaica; Pentateuco
ABSTRACT: The present work presents a study about the Mosaic Legislation. In order to do so, an analysis is made of the decalogue brought by Moses, one of the greatest legislators in the entire history of mankind. The postulates of the Mosaic Legislation and its contribution to the formation of current fundamental human rights are evaluated. The synthesis of the Mosaic Law is the ten commandments that present the ethical principles and norms that create general objective duties of social behavior, also present in the current legislation. The methodology developed in this study was descriptive deductive, having as a basis for the theoretical foundation specific bibliographic references of Brazilian Criminal Law in relation to the Mosaic Legislation, the Holy Bible, specifically, the Old Testament. Research has also been carried out on the internet, on legal websites and on publications referring to doctrinal articles on the influence of the Pentateuch on the formation of Law.
Keywords: Law; Mosaic Law; Pentateuch
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Síntese da Legislação Mosaica: 2.1 Conceitos Introdutórios; 2.2 O Pentateuco: Legislação Mosaica; 2.3 A Legislação Mosaica e as origens do Direito Penal. 3. A Codificação do Direito: 3.1 Registros Histórico dos Códigos; 3.2 A Conformidade Legal da Lei Mosaica com o Código Penal Brasileiro; 3.3 A importância da adoção do Código Penal. 4. Influência da lei mosaica no direito penal brasileiro 5. Conclusão. 6. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Os costumes e o modo de vida atual foram influenciados por variados e distintos fatos históricos, principalmente a religião, que corresponde a um dos mais importantes elementos de criação dos Estados e do Direito Ocidental. A religião como um poder, regulou, a princípio, as relações humanas, sendo a família uma destas primeiras relações, dando origem ao direito posteriormente. Ao lado do monoteísmo, a ideia de que os israelitas conceberam de Deus a sua legislação tem sido o traço mais emblemático deste povo e do judaísmo. Por esta ótica, o diferencial do povo de Israel frente aos demais povos da antiguidade seria a crença no único Deus por meio da Lei que, divinamente revelada, nortearia sua fé, sua estrutura social e até mesmo seus costumes. Este seria também seu maior legado, que resultaria na fé cristã e na Bíblia Sagrada
A Bíblia está dividida em Velho e Novo Testamento. É no Velho Testamento que está o Pentateuco, os cinco primeiros livros escritos por Moisés (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Esse conjunto de livros é denominado pelos judeus de “Lei” ou Torá, ou seja, a “Lei de Moisés”. O Torá ou Legislação Mosaica é um código de leis com 613 disposições, sobre direitos e deveres.
A Legislação Mosaica, concepção hebraica do Pentateuco, instituiu para as civilizações antigas os primeiros códigos legais, contribuindo sobremaneira para a formação dos atuais direitos humanos fundamentais. Os dez mandamentos são a síntese da Lei de Moisés, descrita nos cinco livros escritos por Moisés, e apresentam os princípios éticos e normas que criam deveres objetivos gerais de comportamento social presentes também na atual legislação, textos que não abordam apenas elementos religiosos, mas também elementos jurídicos de regulação social.
Dada a importância da Bíblia, surgiu a ideia de desenvolver este projeto focado na relação existente entre as doutrinas primitivas religiosas presentes na Legislação Mosaica e sua influência, cultural e social, para a criação e desenvolvimento dos atuais códigos penais.
Este trabalho tem por objetivo levantar apontamentos pertinentes ao direito penal e a doutrina legal existente na Bíblia, desse modo os objetivos foram divididos em geral e específicos. Como objetivo geral, explanar a respeito da Legislação Mosaica e os reflexos da sua aplicação cultural na formação dos preceitos existentes no Código Penal Brasileiro.
E como objetivos específicos busca-se abordar a evolução histórica do direito Mosaico. Além de analisar o que essa Lei primária de fundamento religioso trouxe para o Direito Penal, bem como, realizar um estudo comparativo entre a Legislação Mosaica e o Código Penal Brasileiro.
A metodologia desenvolvida neste estudo é a dedutiva descritiva, mediante a realização de uma pesquisa bibliográfica e documental para embasamento teórico do tema. Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico a partir de referências no Direito Penal e doutrinas, utilizando-se como ponto de partida o Antigo Testamento da Bíblia Sagrada.
2. SÍNTESE DA LEGISLAÇÃO MOSAICA
2.1. Conceitos Introdutórios
Ao iniciar o estudo sobre a Legislação Mosaica, tendo-se como parâmetro a gênese dos direitos dos povos, convém preliminarmente fazer uma breve contextualização histórica, para identificar como se deu a luta pelos direitos e a integração desses direitos na vida de todos os povos. Neste contexto, verifica-se que isso somente foi possível a partir da descoberta da escrita pelos sumérios, a invenção do alfabeto pelos fenícios e a centralização do Poder pelos gregos e romanos. Nessa análise da linha do tempo, verifica-se que a Lei Mosaica, datada de 1.400 a.C. é a segunda lei criada logo após a escrita (VENÂNCIO, 2010).
a) 3.500 a.C – Escrita
b) 2.200 a.C – Código de Hamurabi
c) 1.400 a.C – Lei Mosaica
d) 1.500 a.C – Código de Manu
e) 738 – 638 a.C – Legislação Grega
f) 556 a.C – Lei das XII Tábuas
g) 571 – Alcorão
h) 1215 – Magna Carta
i) 1738 - 1779 - Declaração de direitos americana
j) 1789 – Revolução Francesa (Declaração dos Direitos Humanos Fundamentais)
k) 1794 – Código Napoleônico
l) 1950 – ONU (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão)
Mediante esta constatação histórica, a principal fonte de referência para o estudo em foco é a Bíblia. Nesta perspectiva, vale acrescentar alguns conceitos iniciais para melhor compreensão do tema em análise.
A Bíblia está dividida em Velho e Novo Testamento. A palavra Testamento significa Aliança. Estudiosos bíblicos explicam que existe uma aliança (velha) de Deus feita com os profetas, notadamente Moisés, e outra (nova) com Jesus.
Decálogo é a denominação das "dez palavras" atribuídas à Moisés recebidas por ordem de Javé, ou que o próprio Javé escreveu nas duas tábuas de pedra, que continham as obrigações fundamentais da Aliança. Já o verbete Mandamentos se refere aos princípios éticos transmitidos por Deus aos homens de todos os tempos, por meio de emissários chamados profetas, de acordo com a doutrina cristã. Os mandamentos, conforme explicações de Gregório (2007), foram sintetizados no Decálogo.
Relatos bíblicos explicam que:
Moisés recebe de Deus os Dez Mandamentos, descrito em Êxodo, 20, 2 a 17. É repetido novamente em Deuteronômio, 5, 6 a 21, usando palavras similares. Decálogo significa dez palavras. Estas palavras resumem a Lei, dada por Deus ao povo de Israel, no contexto da Aliança, por meio de Moisés. Este, ao apresentar os mandamentos do amor a Deus (os quatros primeiros) e ao próximo (os outros seis), traça, para o povo eleito e para cada um em particular, o caminho duma vida liberta da escravidão do pecado. De acordo com o livro bíblico de Êxodo, Moisés conduziu os israelitas que haviam sido escravizados no Egito, atravessando o Mar Vermelho dirigindo-se ao Monte Horebe, na Península do Sinai. No sopé do Monte Horebe, Moisés ao receber as duas "Tábuas da Lei" contendo os Dez Mandamentos de Deus, estabeleceu solenemente um Pacto (ou Aliança) entre YHVH e o povo de Israel (GREGÓRIO, 2007, p. 1-2).
Corroborando com tal perspectiva, o mesmo autor esclarece que na antiguidade, falava-se muito em Lei. E no Antigo Testamento, a Lei recebe diversas denominações como: ensinamento, testemunho, preceito mandamento, decisão (ou juízo, julgamento), palavra, vontade, caminho de Deus. O termo hebraico Torah (Lei), por exemplo, tem um sentido amplo e significa "ensinamento" dado por Deus aos homens para regular sua conduta.
Assim é que na interpretação de Gregório (2007, p. 2), a Lei está em íntima relação com a Aliança. E na Aliança, Deus faz promessas, mas também estabelece condições. E por isso, Israel deverá obedecer à sua voz e observar as suas prescrições, pois caso contrário, as maldições divinas cairão sobre Israel. “Essa ligação entre a Lei e a Aliança explica que em Israel não haja (sic) outra lei que a de Moisés, pois Moisés é o mediador da Aliança”.
2.2. O Pentateuco: Legislação Mosaica
Os cinco primeiros livros da Bíblia formam um conjunto denominado pelos judeus de “Lei” ou Torá. Trata-se da “Lei de Moisés” ou “Pentateuco”, em hebraico Chumash, Chamishá ChumsbêTorá. Analisando-se a etimologia da palavra Torá verifica-se que:
Torah deriva-se da palavra hebraica Yarah, que quer dizer ensinar, instruir, apontar para o alvo, estabelecer uma fundação. Assim podemos afirmar que a palavra Torah fala da instução e ensino de YHWH (o Eterno, Bendito Seja) ao seu povo, que deve ser recebida e praticada por cada um de nós que almejamos a salvação mediante a obediência ao Altíssimo e a fé em Yeshua, nosso Messias (TORAHWEB, 2010, p.1).
Registros históricos apontam, que pelo fato de alguns estudiosos desejarem obter cópias manejáveis desse grande conjunto, seus textos foram divididos em cinco rolos de tamanho quase igual. Originando-se daí o nome que lhe foi dado nos círculos de língua grega: “he pentateuchos – subentendido biblos”. Posteriormente, o livro em cinco volumes foi transcrito em latim como “Pentateuchus – subentendido liber” – originou-se a palavra portuguesa “Pentateuco”. E os judeus de língua hebraica deram-lhe o nome de “os cinco quintos da Lei” (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p.21).
A divisão em cinco livros foi atestada pela versão grega dos Setenta (Septuaginta), intitulando os volumes segundo o seu conteúdo:
1) Gênesis – Bereshit: começa com as origens do mundo e da humanidade;
2) Êxodo - Shemót : começa com a saída do Egito;
3) Levítico - Vayikrá: porque contém a lei dos sacerdotes da tribo de Levi;
4) Números - Bamidbar: por causa dos recenseamentos dos cap. 1-4; e
5) Deuteronômio - Devarim: ou a “segunda lei”, de acordo com uma interpretação grega de Dt 17,18. (BÍBLIA SAGRADA, 1993).
Conforme Melamed (2001) os nomes que derivam do grego estão relacionados com o conteúdo. Enquanto as denominações hebraicas são constituídas pela primeira ou principal palavra do início de cada livro.
A autoria dos livros do Pentateuco é atribuída a Moisés, que o escreveu sob inspiração Divina. “A crença afirma que a Torá que possuímos hoje é a mesma que nos transmitiu Moisés”. Tal afirmação integra os Treze Artigos de Fé Judaica de Maimônides (Shelosh Esrê Icarim leHarambam) (MELAMED, 2001, p. XIII).
O Pentateuco possui três diferentes redações: a judaica, a samaritana e a grega da Versão dos Setenta (Septuaginta) mais a versão latina – Vulgata. Estudiosos e pesquisadores bíblicos pontuam que a versão grega é a que melhor se aproxima da judaica, que foi vocalizada pelos rabinos massoraítas, por volta do século VII depois da era comum. Já a redação samaritana, a mais recente das três, difere bastante da judaica e da versão grega (MELAMED, 2001).
É no Pentateuco, que se encontra a história do homem, a origem do povo hebreu e toda sua legislação civil e religiosa, finalizando com a morte de Moisés. Em relação aos oito versículos finais da Torá, que se refere a morte e sepultamento de Moisés (Deuteronômio 34:5), o Tamud (Baba Batra14b) a atribui a Josué, seu sucessor, que acompanhou o seu mestre nos momentos finais.
Na compilação e tradução dos textos bíblicos do Velho Testamento, tradutores e estudiosos do assunto pontuam que a composição literária da vasta coletânea do Pentateuco era atribuída a Moisés, “pelo menos desde o começo de nossa era”, e Cristo e os Apóstolos conformaram-se com esta opinião conforme é possível constatar em Jo 1,45; 5,45-47; Rm 10,5). Muito embora se verifique que as tradições mais antigas jamais tenham afirmado explicitamente que Moisés tivesse sido o redator de todo o Pentateuco verifica-se na Bíblia Sagrada (1993, p. 22) que:
Quando o próprio Pentateuco diz – o que é muito raro – que “Moisés escreveu”, aplica essa fórmula a alguma passagem particular. Efetivamente, o estudo moderno desses livros apontou diferenças de estilo, repetições e desordens nos relatos, que impedem de ver no Pentateuco uma obra que tenha saído toda ela da mão de um só autor. Depois de longas hesitações, no fim do século XIX uma teoria conseguiu impor-se aos críticos , sobretudo por influência dos trabalhos de Graf e de Wellhausen: o Pentateuco seria a compilação de quatro documentos, diferentes quanto à idade e ao ambiente de origem, mas todos eles muito posteriores a Moisés (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p.22).
Corroborando com tal perspectiva o professor Humberto Casuto, da Universidade de Jerusalém, demonstrou claramente em seu livro La Questione Della Genesi, com documentos e amplas explicações, a unidade do Gênesis. Assim é que “todos os esforços feitos para desmembrar este livro e diminuir sua importância foram inúteis e, portanto, a tradição judaica que atribui a autoria do Pentateuco ao profeta Moisés, triunfa até hoje” é o que explica Melamed (2001, p. XXI).
A Torá, conforme explicações da Bíblia Sagrada (1993, p. 27), recolhe o conjunto das prescrições que regulavam a vida moral, social e religiosa do povo. “Para nossos olhos modernos, o traço mais notável dessa legislação é seu caráter religioso”.
Entretanto, esse aspecto também é encontrado em certos Códigos do Oriente antigo, mas nunca acompanhado de tanta compenetração do sagrado e do profano: já que em Israel, a lei é ditada por Deus, regula seus deveres para com Deus e motiva suas prescrições com considerações religiosas. Vale ressaltar que tais ponderações parecem óbvias como no caso das normas morais do Decálogo ou das leis culturais do Levítico; mas é muito mais significativo que, numa mesma coleção estejam entrelaçadas leis civis e penais e preceitos religiosos, e mais ainda, que esse conjunto seja apresentado como a carta da aliança com Iahweh (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p. 27).
Conforme discorre o mestre Gilberto Garcia (2008) sobre a Lei de Moisés, o Pentateuco foi concebido para a construção jurídica da nação dos hebreus, trata-se de uma das maiores fontes legislativas da história da humanidade, a qual contém direitos e deveres, existindo outros textos jurídicos e também antigos, que são referências legais, tais quais o Código de Hamurabi, as Leis das XII Tábuas, e ainda o Código de Manú.
A Legislação Mosaica é a base de muitos preceitos jurídicos modernos, servindo não apenas como elemento doutrinador, mas também como um instrumento coercitivo, que limita a ação do indivíduo sobre o que se deve ou não fazer. Conforme Moisés explicita a Norma no Pentateuco:
O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvido ao sacerdote, que ali está para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, esse homem morrerá: e eliminarás o mal de Israel, para que todo o povo ouça, tema e jamais e jamais se ensoberbeça; “pois a ninguém é dado se orientar segundo a sua vontade sem arcar com as consequências de seus atos (BÍBLIA, DEUTERONÔMIO, 17:12-20, 1996 p. 150).
Essa norma exterioriza o pensamento da não discriminação entre indivíduos no âmbito jurídico, ou seja, perante a lei todos seriam iguais. Nos versículos do Deuteronômio (16: 19-20), muito embora de maneira primária, observa-se a manifestação do princípio distributivo e igualitário da justiça, incorporado ao conceito de justiça social:
Não farás curvar a justiça, e não farás distinção as pessoas; não aceitarás presentes, porque os presentes cegam os olhos do sábio e destroem a causa dos justos. Deves procurar a justiça, para que vivas e possuas as terras que te dá o Senhor, teu Deus (BÍBLIA, DEUTERONÔMIO, 16:19-20, 1996, p. 150).
A aplicação das penas, para os casos de legitima defesa, assim como o homicídio involuntário, era aplicada a pessoa do criminoso conforme pode ser observado nos versículos a seguir:
O teu olho não poupara: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé (capítulo 19, v.21).
Quando houver contenda entre alguém e vierem ao juízo, para que os julguem, ao justo justificarão e aos injustos, condenarão. (capítulo 24, v.1).
E será que se o injusto merecer açoites o juiz o fará deitar e o fará açoitar diante de si, quanto bastar pela sua injustiça, por certa conta. (capítulo 25, v. 2).
Conforme explana Brito (2009) em seu artigo A Bíblia como fonte do Direito, onde faz citação ao texto mosaico, para demonstrar a sua importância histórica para o direito penal.
A Lei Mosaica é também consideração de fonte histórica para o atual Direito Civil Brasileiro. Sendo mais até do que breves citações como fonte histórica do Direito Penal, com o velho exemplo do “olho por olho, dente por dente”.
A Bíblia também traz princípios morais e éticos, que permeiam a sociedade atual. Conforme escreveu Jean Jacques Rousseau em sua obra Contrato Social, “a religião, ou os aspectos religiosos, somente são favoráveis quanto a aplicação da ética e da moral”.
2.3. A Legislação Mosaica e as origens do Direito Penal
Ao pesquisar a doutrina sobre as origens do direito Penal no contexto da Legislação Mosaica é possível constatar diversas publicações, tecendo ponderações acerca do assunto em tela.
Entretanto, inicialmente, vale ressaltar a exposição de Wolkmer (2008, p.1) sobre o direito nas sociedades primitivas. O autor explica que “toda cultura tem um aspecto normativo” e “cada sociedade esforça-se para assegurar uma determinada ordem social”, para tanto, instrumentaliza “normas de regulamentação essenciais”, que sejam “capazes de atuar como um sistema eficaz de controle social”. Pois, no estudo das sociedades mais remotas verifica-se que:
[...] a lei é considerada parte nuclear de controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social (WOLKMER (2008, p.1).
Assim, cada povo e cada organização social organiza seu sistema jurídico de acordo com as suas especificidades e complexidades.
Historiadores do direito apontam que nas sociedades primitivas, “o surgimento dos primeiros textos jurídicos” estão associados ao aparecimento da escrita. Nesses estudos, alguns autores questionam a “expressão direito primitivo”, substituindo-a por “direito arcaico”, o que conforme tais entendimentos são mais abrangentes e contemplam as sociedades que durante sua evolução social, política e jurídica bem avançada, mesmo não tendo dominado a técnica da escrita, expressam certo grau de desenvolvimento (GILISSEN, 1988; apud WOLKMER, 2008, p. 2).
A interpretação do direito arcaico é feita a partir da compreensão do tipo de sociedade que a gerou. Conforme explicações de Wolkmer (2008), a sociedade pré-histórica está fundamentada no princípio do parentesco, sendo portanto natural considerar que a base geradora do jurídico está primeiramente, nos laços de consanguinidade e nas práticas do convívio familiar do mesmo grupo social, estando unido pelas crenças e tradições.
Assim, é possível verificar conforme Fustel Coulanges que “o direito antigo não é resultante de uma única pessoa, pois se impôs a qualquer tipo de legislador”. Originou-se sim, de forma espotânea, a partir dos antigos princípios que constituiram a família, das crenças religiosas admitidas pelos povos primitivos e exercendo domínio sobre as inteligências e vontades (COULANGES apud WOLKMER, 2008, p. 3).
Constata-se a partir daí, quando ainda não existiam legislações escritas e códigos formais, que as práticas de controle social foram transmitidas oralmente e marcadas por revelações sagradas e divinas. Assim, “o receio da vingança dos deuses, pelo desrespeito aos seus ditames, fazia com que o direito fosse respeitado religiosamente”. É por isso, que a maioria dos legisladores antigos, os reis e sacerdotes, anunciava ter recebido as suas leis do deus da cidade. E o ilícito era confundido com o rompimento da tradição e com a infração ao que a divindade havia proclamado.
Sobre este aspecto, Wolkmer (2008, p. 3) explica que:
[...] nas manifestações mais antigas do direito, as sanções legais estão profundamente associadas às sanções rituais. A sanção assume um caráter tanto repressivo quanto restrititvo, na medida em que é aplicado um castigo ao responsável pelo dano e uma reparação a pessoa injuriada. Para além do formalismo e do ritualismo, o direito arcaico manifesta-se não por um conteúdo, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atos simbólicos e palavras sagradas, dos gestos solenes e da força dos rituais desejados.
Dessa forma, ao longo da história, o direito primitivo de matriz sagrada e revelados pelos reis e sacerdotes legisladores evoluiu, “para o período em que se impõe a força e a repetição dos costumes”, compreendendo assim três grandes estágios de evolução: o direito proveniente dos deuses, o direito confundido com os costumes e o direito identificado com a lei (WOLKMER, 2008, p. 4).
Nessas sociedades, tanto as leis como os códigos foram expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de legislador-administradores, detentores de privilégios dinásticos de legitimidade sacerdotal. É nessa realidade, que se desenvolve as práticas normativas consuetudinárias, e que embora ainda não seja um direito escrito, trata-se de um conjunto disperso de práticas, reiteradas por um longo período de tempo e publicamente aceitas.
Destarte, de forma lenta e espontânea, o costume torna-se uma expressão da legalidade, cuja instrumentalização é a repetição de atos, usos e práticas. E por respeito e veneração, garantido pelas sanções sobrenaturais, o homem primitivo dificilmente questionava a validade e aplicabilidade de tais práticas.
Posteriormente, com a inversão e a difusão técnica da escritura, mais a compilação dos costumes tradicionais, possibilitaram os primeiros códigos da Antiguidade: o de Hamurabi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das XII Tábuas. Desvela-se daí, que os textos legislados e escritos “eram melhores depositários do direito e meios mais eficazes para conservá-lo que a memória de certo número de pessoas, por mais força que tivesse em função de seu constante exercício” (MAINE apud WOLKMER, 2008, p. 4).
Ao longo do tempo, a história da humanidade tem registrado fatos que resultam em mudanças sociais algumas são lentas, outras são cada vez mais velozes e intensas quer sejam no ambiente, nas instituições e nas pessoas. E assim é que a cada momento histórico a sociedade muda sua forma de agir e de pensar sobre os mais variados assuntos e conceitos.
Neste mesmo sentido encontra-se no Deuteronômio, no Decálogo (5;1 em diante) o relato de que Moises convocou todo o povo de Israel e disse-lhe: "Escuta, Israel, as leis e os preceitos que hoje te faço ouvir; aprende-os e põe-nos em pratica" (BÍBLIA SAGRADA, 5;1, p.171), repetindo assim, o que Deus havia lhe passado no dia, no Monte Sinai.
Das leis e preceitos que Moisés recebeu de Deus é possível constatar que algumas dessas normas fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, tais como as que se referem ao homicídio, rapto, falso testemunho; entre outras, como a cobiça, que não são consideradas como crimes nas sociedades atuais.
Na doutrina jurídica também é possível encontrar referência de Mirabete sobre o homicídio, mencionando que:
O homicídio, punido desde a época dos direitos mais antigos, era definido por Carara como a destruição do homem injustamente cometida por outro homem (...) mortede um homem ocasionada por outro homem com um comportamento doloso ou culposo e sem o concurso de causa de justificação (MIRABETE, p. 62, 2001).
Pode-se constatar que já no cânone bíblico, já se atribuía grande importância à vida humana. E atualmente, o valor da vida representa um dos bens jurídicos de maior relevância pelo Estado, estando também assegurado no caput do artigo 5º, da Constituição Federal (PINTO, 2008).
É possível constatar que o Direito propõe-se a uma finalidade, que é a organização e a administração dos conflitos oriundos da vida em sociedade. Tanto assim, que quando as normas e leis sociais são obedecidas a vida dos indivíduos funciona melhor, com mais igualdade, fraternidade e respeito. Finalidade precípua que Deus pretendia - orientar a sociedade a seguir um caminho, que estava previsto nos Dez Mandamentos.
Portanto, há que se considerar o Decálogo como um importante conjunto de preceitos ditados por Deus a Moisés e que foram destinados a reger as relações de um aglomerado de pessoas de raças, culturas, línguas e religiões diferentes, uma "multidão misturada", conforme consta no livro do Êxodo.
2.3.1. A Bíblia e os Mandamentos: Preceitos Legais
Ao longo da história da humanidade, verifica-se que a religião sempre esteve presente na vida do homem, o que se justifica segundo o teólogo Leonardo Boff, pelo fato de ser a grande companheira do ser humano, já que o afasta de sua solidão do universo, “oferecendo uma orientação global, dando novo sentido às coisas, criando valores e normas, gerando solidariedade, construindo a realidade a fundo, a partir de um sentido último e definitivo” (BOFF apud AZEVEDO, p. 1).
Atualmente, existem duas realidades, uma representada pela religião e outra pela Ciência – dividida em vários áreas de conhecimento, dentre as quais encontra-se também o Direito, que inicialmente poder-se-ia até dizer, embasado por preceitos religiosos. Nesse sentido, ressalta-se a visão de Azevedo apud Pinto (2008) de que ambas as realidades – a ciência e a religião – não se identificam, mas salvaguardam sua autonomia. Já que as fronteiras e o distanciamento existente entre essas são importantes e necessárias devido à complexidade das organizações sociais.
A literatura judaica explica a origem dos Dez Mandamentos, como sendo proveniente de Assêret Hadibrot, e que tal denominação causa a falsa impressão de que existem Dez Mandamentos, que foram agrupados como sendo os mais importantes da Torá. E esclarece que a tradução correta de Assêret Hadibrot é "Dez Falas" ou "Dez Ditos", sendo estes os dez princípios que incluem toda a Torá e seus 613 preceitos, dentre os quais estão estes dez. Conforme explica Beit Chabad (2010, p.1):
As próprias letras de Assêret Hadibrot demonstram este fato. Pois, os Dez Mandamentos são escritos com 620 letras significando que Deus deu no Sinai os Dez Mandamentos que abrangem os 613 preceitos e as sete Leis de Nôach; 613 com 7 somam 620. É interessante notar que a soma dos números 6, 1 e 3, de 613 totaliza dez (Mandamentos), mostrando também que as 613 mitsvot incluem os Dez Mandamentos.
No direito hebreu as regras fundamentais são encontradas e dispostas tanto no conjunto de cinco livros do Pentateuco – Êxodo, Gênesis, Levítico, Deuteronômio e Números – como também em outros livros bíblicos.
Para a maioria dos doutrinadores do Direito, a "lei" presente em Israel não deve sob hipótese alguma ser "considerada como conteúdo exclusivamente de matéria jurídica, pois contém preceitos morais e religiosos. Consideravam-na os hebreus como tendo origem divina" (GUSMÃO, p, 234, 1972).
Não é de relevância atual discutir se as leis do direito hebreu antigo possuem ou não conteúdo exclusivamente jurídico, mas deve-se reconhecer que os assuntos tratados nas leis hebraicas, atualmente, são objetos “no nosso ordenamento jurídico”. Logo, estas regras possuíram importância histórica e jurídica (PINTO, 2008, p. 3).
2.3.1.1 Institutos jurídicos do Deuteronômio
Ao analisar os institutos jurídicos do Deuteronômio, é possível encontrar na 4ª edição dos estudos doutrinários de Wolkmer (2008), um capítulo destinado ao Direito Hebraico Antigo, no qual discorre sobre o Código de Leis, a Administração da Justiça, as Relações Cíveis e os Crimes e Punições. Assim, vale destacar uma síntese de tais institutos, como bem listou Costa (2010, p.2) a seguir:
Administração da Justiça: O deuteronômio dizia que juízes e oficiais iram julgar o povo com justiça em todas as cidades dadas pelo Senhor, de acordo com suas tribos. No código atual não há tanta diferença já que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos exercidos no decorrer da profissão.
Descanso do Trabalho: No deuteronômio está escrito para guardar o dia de sábado, para santificá-lo, como ordenou o Senhor. São seis dias de trabalho mas o sétimo dia é o sábado do Senhor. O código atual diz praticamente a mesma coisa, já que o trabalhador tem uma jornada de trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, e uma folga semanal que deve ser de, no mínimo, 24 horas consecutivas e que deve coincidir, preferencialmente, no todo ou em parte, com o domingo.
Escravidão por dívida: No deuteronômio está escrito que se for vendido um irmão hebreu ou uma irmã hebréia, servirá por seis anos e no sétimo ano será libertado. E quando libertado não poderá ir de mãos vazias. Para o código atual, escravidão por dívida é considerada crime e a pena culminada para essa ação criminosa é de dois a oito anos de reclusão. A pena será aumentada pela metade quando o delito em tela for cometido contra criança ou por motivo de preconceito.
Testemunha: O deuteronômio dizia que uma só testemunha não se levantará contra alguém por qualquer perversidade, ou por qualquer pecado, seja qual for o pecado cometido; pela boca de duas ou de três testemunhas é que se estabelecerá o fato. No código atual está escrito que testemunha é a pessoa distinta dos sujeitos processuais que, convocada na forma da lei, por ter conhecimento do fato põe sobre este em juízo, para atestar sua existência.
Falso Testemunho: O deuteronômio dizia que se uma testemunha injusta se levantar contra alguém, para acusá-lo de transgressão, e sendo a testemunha falsa, e o testemunho que deu contra seu irmão, for falso, os juízes investigarão cuidadosamente, e o teu olho não terá pena dele. Para o código atual, falso testemunho também é considerado um crime contra a administração da justiça e a pena cominada para essa ação criminosa é de reclusão.
Poder Familiar: No deuteronômio, se alguém tiver um filho rebelde, que não obedeça à voz de seu pai e de sua mãe, e que, embora o castiguem não lhes dê ouvidos, seu pai e sua mãe o levarão aos velhos da cidade, que o apedrejarão, até que morra. No código atual é um pouco diferente. É dever da família assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, etc.
Crenças e cultos religiosos: O deuteronômio dizia que se for encontrado algum homem ou mulher que tenha ido e servido a outros deuses, a mão das testemunhas será a primeira contra ele, para matá-lo, e depois a mão de todo o povo. No código atual é uma garantia constitucionalmente, ou seja, é de livre escolha.
Casamento: No deuteronômio, se um homem tomar uma mulher por esposa, tendo vivido intimamente com ela, vier a desprezá-la, e contra ela divulgar má fama, e se esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais de virgindade, levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra. Já no código atual, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Adultério: O deuteronômio diz que se um homem for encontrado deitado com uma mulher que tenha marido, morrerão ambos. Antes, no código, era causa de ação de separação judicial litigiosa e constituía impedimento matrimonial dirimente absoluto, pois não poderia casar se conseguisse divórcio, o conjugue adúltero com o seu co-réu por tal condenado. Mas no novo código é apenas considerada uma sanção civil, não é mais crime.
3. A CODIFICAÇÃO DO DIREITO
A etimologia do termo Código é do latim primitivo Caudex ou Codex, que significa tábua ou prancha de madeira. Na semântica, o dicionário Houaiss (2009, p. 167) descreve o verbete como um conjunto sistematizado de leis ou normas”. E na epistemologia, é um corpo orgânico de normas sobre determinado campo do direito, ou seja, não é um conjunto de leis, mas uma lei única, que dispõe de modo sistemático sobre um ramo ou setor do direito.
Registros históricos indicam a existência de um texto do filósofo Sêneca, no qual ele explica que a denominação Códice se refere às tábuas da lei, o que justificava pelo fato destas serem escritas em tábuas de madeira. Posteriormente, o material utilizado para escrever a lei passou a designar a própria lei, independentemente do suporte em que estivessem escritas, incluindo-se igualmente, como códigos, as antigas coleções de leis (OLIVEIRA, 2002).
Na acepção antiga, o Código era um conjunto amplo de normas jurídicas escritas. A sua organização não obedecia a uma sequência lógica e, normalmente, não passava de condensação das diferentes regras vigentes.
Da Antiguidade vem o famoso Código de Hamurábi, que liga a sua existência à do povo babilônico. Dos romanos nos ficou de primeiro a Lei das XII Tábuas. A obra monumental, no gênero, foi o Corpus Juris Civilis, do século VI, compilação ordenada pelo imperador Justiniano. Entre as codificações mais antigas que alcançaram projeção, podemos também citar as seguintes: Código de Manú, Legislação Mosaica e o Alcorão.
3.1 Registros Históricos dos Códigos
Código de Hamurábi
Revela um esforço de unificar a aplicação do direito, sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas. Estudiosos apontam este rei como um reformador avançado para sua época (OLIVEIRA, 2002).
O Código de Hamurabi, com seus 282 preceitos (Artigos), estabelece-se então um ordenamento jurídico para a coletividade, apresentando regras para o convívio social. Existia previsão legal para o direito de família, direito de propriedade, sucessão, direito penal, direito comercial entre outros.
O primeiro artigo do Código de Hamurabi estabelecia a seguinte regra:
Se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa, e este outrem não puder provar, então que aquele que enganou deve ser condenado à morte".Logo de início verifica-se que o código teve grande influência do Talião, que foi a primeira norma que contribuiu significativamente para a humanização da pena e que tentou regulamentar a sanção penal, pois apresentou a limitação da pena a ser aplicada ao infrator, a sanção deveria corresponder ao dano causado, ou seja, era a lei do "olho por olho, dente por dente (BOUZAIN apud MEDEIROS, 2008, p.1).
O Código de Hamurábi também apresenta um prólogo de um epílogo. O texto consta de 282 dispositivos legais, antecedidos pelas invocações do prólogo e sucedidas pelas apóstrofes do epílogo. Consagrando a pena de Talião, (olho por olho, dente por dente), o código reunia os seus 282 preceitos em um conjunto assistemático e que abrangia uma diversidade de assuntos: crimes, matéria patrimonial, família, sucessões, obrigações, salários, normas especiais sobre os direitos e deveres de algumas classes profissionais, posse de escravos. Podemos, então, observar que o código quase não foge aos problemas jurídicos, aos quais regulamenta com estritos detalhes. Ao corpo de leis de Hamurábi faltam traços de técnica que só com os romanos se tornaram definitivas (OLIVEIRA, 2002).
A casuística dos dispositivos, sequenciados em forma de hipóteses (incluindo, sobretudo no início indicações processuais), termina por constituírem um vasto e complexo arcabouço normativo. O Código de Hamurábi teria sido assim uma súmula jurídica global, abrangendo, sobretudo normas privadas e penais, altamente elaboradas para o seu tempo, mas ainda assim muito distantes das estruturas modernas.
A Lei das XII Tábuas
O direito da época arcaica se fundamenta na Lei da XII Tábuas, a Lex Duodecim Tabularum, promulgada no ano 452 a. C, foi elaborada por uma comissão de três magistrados, encarregados de pesquisar, na Magna Grécia, as leis de Sólon, propiciando assim a criação de um código escrito de leis romanas. Entretanto, na história do Direito são conhecidos apenas fragmentos da literatura dos fins da República e do começo do Principado (WOLKMER , 2008).
As Doze Tábuas não são uma compilação abrangente e sistemática de todo o direito da época e, portanto, não formam códigos na acepção moderna do termo. Trata-se de uma série de definições de diversos direitos privados e de procedimentos. Consideravam de conhecimento geral algumas instituições como a família e vários rituais para negócios formais (OLIVEIRA, 2002).
O texto original das Doze Tábuas perdeu-se quando os gauleses incendiaram Roma em 390 a.C. Nenhum outro texto oficial sobreviveu, mas apenas versões não-oficiais. O que existe hoje são fragmentos e citações por outros autores, que demonstram haverem sido as Doze Tábuas redigidas em latim considerado estranho, arcaico, lacônico e até mesmo infantil, e são indícios do que era a gramática do latim primitivo.
Semelhantemente a outras leis primitivas, as Doze Tábuas combinam penas rigorosas com procedimentos também severos. Os fragmentos que sobrevivem não costumam indicar a que tábua pertenciam, embora os estudiosos procurem agrupá-los por meio da comparação com outros fragmentos que indicam a sua respectiva tábua. Não há como ter certeza de que as tábuas originais eram organizadas por assunto.
Na concepção de Meira apud Oliveira (2002), a Lex Duodecim Tabularum é de grande relevância para a contemporaneidade, tanto ou mais do que qualquer outro código antigo. Pois, além de uma fonte de conhecimento do direito, a lei decenviral teve um importante desempenho histórico: como fonte de todo o direito posterior, direta ou indiretamente.
E o Direito Penal, embora em menores proporções, encontra na Lex Duodecim Tabularum abundante manancial, especialmente no que se refere ao furto, ao homicídio, ao dano e ao falso testemunho.
O Direito Processual também está radicado na legislação decenviral através das ações da lei. Verifica-se nessa lei a proibição das penas capitais sem aprovação prévia dos comícios centuriados, retirando assim dos magistrados o poder de dispor da vida de seus semelhantes, configurando-se dessa forma um preceito revolucionário para a época em que a plebe se encontrava à mercê do patriciado e as condenações à morte eram rápidas e fáceis (OLIVEIRA, 2002).
Decorridos mais de 2000 anos, a Lei das XII Tábuas sobrevive nas legislações de muitos povos, ainda que transformados através do tempo e adaptados a novas condições sociais, sendo, portanto, considerada fonte de direito universal.
O Código de Manú
Na Índia antiga, preservou-se um código atribuído a Manú, personagem mítico, considerado "Filho de Brama e Pai dos Homens". Escrito em sânscrito e elaborado entre o século II a.C. e o século II d.C., o Código de Manú é a legislação mais antiga da Índia. Estudiosos da obra, formada por 12 livros, indicam que esse código trata das normas processuais e a organização da própria justiça, e está escrito de forma poética.
As leis de Manú representam historicamente uma primeira organização geral da sociedade, sob forte motivação religiosa e política. Essas exemplificam a situação do direito nos povos que não chegaram a distinguir a ordem jurídica dos demais planos da vida social. Partindo da premissa de que a humanidade passa por quatro grandes fases, que marcam uma progressiva decadência moral dos homens, os idealizadores do código julgavam a coação e o castigo essenciais para se evitar o caos na sociedade (OLIVEIRA, 2002).
No Código de Manú existia uma estreita correlação entre o direito e os dispositivos sacerdotais, os problemas de culto e as conveniências de castas. Nesse código é possível encontrar paralelamente a uma extensa e sistematizada determinação de preceitos jurídicos (com cominação de sanções seguindo uma escala coerente), uma série de ideias sobre valores como verdade, justiça e respeito. Os dados processuais são baseados na credibilidade dos testemunhos, sendo atribuída diferente validade à palavra dos homens, de acordo com a casta a que pertencem. E a mulher sempre se julga em extrema desvantagem e em condição totalmente passiva na sociedade indiana. Assim, verifica-se que a honra das pessoas e sua situação na aplicação do direito, dependia exclusivamente da condição da casta.
O Código de Manú é bem detalhado e meticuloso, prevendo vários tipos de problemas da sociedade, nas áreas de penal, civil, comercial, laboral, dentre outros. Além disso, o referido código apresenta uma extensa série de artigos sobre administração da justiça, modos de julgamento e meios de prova.
Esse código objetivou favorecer a casta brâmane, formada pelos sacerdotes, assegurando-lhes o comando social. Um exemplo que revela a superioridade dessa casta na Índia é a de que "Se um homem achasse um tesouro deveria ter dele apenas 10% ou 6%, conforme a casta a que pertencesse. Se fosse um brâmane, teria todo o tesouro, e se fosse o rei, apenas 50%" (OLIVEIRA, 2002, p. 10).
O Código de Justiniano
O Corpus Iuris Civilis (em português Corpo de direito civil) é uma obra jurídica fundamental, publicada entre os anos 529 e 534, por ordens do imperador bizantino Justiniano I. Em 527 d.C., sobe ao trono em Constantinopla, Justiniano, que dá início a uma ampla obra militar e legislativa. Após assumir o poder, o imperador nomeia uma comissão de dez membros para compilar as constituições imperiais vigentes. A compilação ficou pronta em 529 d.C. sendo intitulada "Novus Justinianus Codex" (OLIVEIRA, 2002).
O título da obra deveria ser Digesta (plural de Digestum que quer dizer coisas ou escritos classificados com método) ou Pandectal (do grego, significa o que contém tudo). O digesto é obra de grande valor e utilidade, não só para a época e para o Império Romano do Oriente, mas, sobretudo como repositório abundante e precioso, malgrado alterações e lacunas da literatura jurídica, atribuída a trinta e nove dos mais ilustres jurisconsultos romanos.
As Institutas, o Digesto e do Código foram às compilações feitas por ordem de Justiniano. No entanto, depois de elaboradas, Justiniano introduziu algumas modificações na legislação mediante Constituições imperiais, que pretendia reunir num corpo único. Sua morte, porém, não lhe permitiu realizar o intento, o que foi feito, posteriormente, por particulares. A essa coleção, em língua grega ou latina, se dá o nome de Novellaeleges.
O Digesto, o Código e as Instituições constituem o núcleo da Compilação Justiniana, vigorando de acordo com a vontade de Justiniano, como uma única obra, não obstante cada parte tenha sido composta e publicada em épocas diversas. As Novelas, sendo leis posteriores, constituem a sua atualização e têm, por conseguinte preferência relativamente às outras partes, de acordo com o princípio lex posterior derogat priori.
O Alcorão
O Alcorão, ou simplesmente Corão, datado do início do século VII, é o livro religioso e jurídico dos muçulmanos. Para os seus seguidores, esse livro não foi redigido por Maomé, que não sabia escrever, mas ditado por Deus ao profeta, através do arcanjo Gabriel. Fundamentalmente religioso, o Alcorão apresenta descrições sobre o inferno e o paraíso e adota como lema o dito: "Alá é o único Deus e Maomé o seu Profeta".
Entretanto, como o seu conteúdo normativo revelou-se insuficiente na prática, acabou por gerar a necessidade de sua complementação através de certos recursos lógicos e sociológicos. Dentre esses recursos constam os costumes do profeta, que consistia nos comentários e feitos de Maomé; o consentimento unânime, que correspondia ao pensamento da comunidade muçulmana; a analogia e a equidade.
Com a evolução histórica, o Código foi ficando cada vez mais distanciado da realidade, revelando sua incapacidade para reger a vida social. A solução lógica seria a reformulação objetiva da legislação, mas tal tarefa encontrava um obstáculo intransponível; pois sendo uma obra de Alá, apenas este poderia reformulá-la. Diante do impasse, os jurisconsultos muçulmanos utilizaram uma série de artifícios para contornar as dificuldades, na tentativa de conciliar o velho texto com a realidade.
Ao contrário dos povos ocidentais, cuja organização do Estado se dá com base nas leis ou Constituições, o povo mulçumano fundamenta sua organização com base no Alcorão. Deste modo, quem viola o Alcorão não só comete um pecado como também infringe a ordem legal. A obediência a essa "lei" é, além de um dever de fé, um dever social. O Alcorão é uma lei acima das demais e a despeito de a maioria das penas do Alcorão ser de natureza sobrenatural, sobretudo ligada ao inferno, nele encontram-se penas de morte, penas de Talião, legitimação para o assassinato de infiéis, penas de chibatadas, dentre outras.
O Alcorão vigora em alguns países, como a Arábia Saudita e o Irã, estabelecendo severas penalidades em relação ao jogo, bebida e roubo, além de situar a mulher em condição inferior à do homem.
3.2 A Conformidade Legal da Lei Mosaica com o Código Penal Brasileiro
Ao realizar um breve retrospecto pela história é possível constatar que desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em vários sentidos, principalmente através do desenvolvimento da razão, organizando a vida em grupos ou sociedades.
Nesse contexto, o Direito Penal evoluiu lado a lado com a humanidade, saindo dos primórdios até a sociedade atual. Diz-se, inclusive, que "ele surge como homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou" (MAGALHÕES NORONHA apud DUARTE, 1999).
Corroborando com tal perspectiva constata-se que foi nos primórdios da história que teve início o período da vingança, prolongando-se até o século XVIII.
Diante dessa realidade, pode-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, conforme descritas por Duarte (1999, p.2):
a) Fase da vingança privada;
b) Fase da vingança divina;
c) Fase da vingança pública.
Entretanto, conforme explicações do mesmo autor, essas fases não acontecem em sequências, umas após a outra. Muito pelo contrário, uma fase convive com a outra por largo período, até constituir orientação prevalente, para, em seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, conforme Duarte (1999, p. 3):
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada se constituiu a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.
Embora, usualmente seja denominada de pena de talião, na verdade não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena, a qual consistia em aplicar no delinquente ou ofensor o mal que ele causara ao ofendido, na mesma proporção.
Conforme Juarez Tavarez apud Mirabete (2010) dados históricos explicam que o Direito Penal surgiu no período superior da barbárie, quando da primeira grande divisão social do trabalho e a conseqüente divisão da sociedade em classes e a implantação do Estado.
Posteriormente, com a evolução social e para evitar a dizimação das tribos, surge o talião (de talis = tal), que limita a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente). Adotado no Código de Hamurábi (Babilônia), no Êxodo (povo hebraico) e na Lei das XII Tábuas (Roma), o talião foi um grande avanço na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva.
Assim é que surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas etc.). Adotada, também, pelo Código de Hamurábi, pelo Pentateuco e pelo Código de Manu (índia), foi a composição largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal (MIRABETE, 2010, p. 2).
A fase da vingança divina deve-se à influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. Em função dessa realidade é que o Direito Penal se impregnou de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social.
Nessa fase histórica, o castigo ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. A legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados também na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livros das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco) (MIRABETE, 2010, p. 3).
Com o decorrer do tempo, o mesmo autor explica que devido a uma maior organização social, atingiu-se a fase da vingança pública. No sentido de se dar maior estabilidade ao Estado, tinha por objetivo dar segurança ao príncipe ou ao soberano pela aplicação da pena, ainda severa e cruel. “Também em obediência ao sentido religioso, o Estado justificava a proteção ao soberano que, na Grécia, por exemplo, governava em nome de Zeus, e era seu intérprete e mandatário” (MIRABETE, 2005, p.17). O mesmo ocorreu em Roma, com aplicação da Lei das XII Tábuas. Em fase posterior, porém, libertou-se a pena de seu caráter religioso, transformando-se a responsabilidade do grupo em individual (do autor do fato), em positiva contribuição ao aperfeiçoamento de humanização dos costumes penais.
Após a etapa da Legislação Mosaica, verifica-se que o Direito Penal do Povo hebreu evoluiu com o Talmud. Já que a pena de talião foi substituída pela multa, prisão e imposição de gravames físicos, sendo praticamente extinta a pena de morte, aplicando-se em seu lugar a prisão perpétua sem trabalhos forçados. Os crimes poderiam ser classificados em duas espécies: delitos contra a divindade e crimes contra o semelhante.
Assim, o Talmud foi “um formidável suavizador dos rigores da lei mosaica”. Já que se estabelecia, inclusive, garantias rudimentares em favor do réu, contra os perigos da denunciação caluniosa e do falso testemunho, de conseqüências gravíssimas e tantas vezes irreparáveis para o condenado inocente, máxime num sistema repressivo em que a palavra das testemunhas assumia excepcional importância na pesquisa da verdade (MIRABETE, 2010, p. 3).
Posteriormente, no período medieval, as práticas penais são entrelaçadas e acaba por influenciar reciprocamente nos direitos romano, canônico e bárbaro. Assim sendo, o Direito Penal, pródigo na cominação da pena de morte, sendo executada pelas formas mais cruéis como: fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento; tais penas visava especificamente à intimidação do indivíduo.
Entretanto, vale ressaltar, que as sanções penais dessa época eram desiguais, pois, dependendo da condição social e política do réu, sendo comuns o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as penas infamantes. Proscrito o sistema de composição, o carácter público do Direito Penal é exclusivo, sendo exercido em defesa do Estado e da religião. O arbítrio judiciário, todavia, cria em torno da justiça penal uma atmosfera de incerteza, insegurança e verdadeiro terror.
3.3 A importância da adoção do Código Penal
No período colonial, estiveram em vigor no Brasil as Ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas (até 1569), substituídas estas últimas pelo Código de D. Sebastião (até 1603). Passou-se, então, para as Ordenações Filipinas, que refletiam o direito penal dos tempos medievais. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores. Eram crimes: a blasfêmia, a bênção de cães, a relação sexual de cristão com infiel etc. As penas, severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc.), visavam infundir o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela forca, pela tortura, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e as galés (DUARTE, 1999).
Proclamada a Independência, previa a Constituição de 1824 que se elaborasse nova legislação penal e, em 16/12/1830, era sancionado o Código Criminal do Império. De índole liberal, o Código Criminal (o único diploma penal básico que vigorou no Brasil por iniciativa do Poder Legislativo e elaborado pelo Parlamento) fixava um esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela forca, só foi aceita após acalorados debates no Congresso e visava coibir a prática de crimes pelos escravos (MIRABETE, 2010).
Com a proclamação da República, foi editado em 11/10/1890 o novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Logo, foi ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que constituía um avanço na legislação penal. Entretanto, o Código era mal sistematizado e, por isso, foi modificado por inúmeras leis até que, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das Leis Penais, pelo Decreto n° 22.213, de 14/12/1932 (DUARTE, 1999).
Em 1° de janeiro de 1942, porém, entrou em vigor o Código Penal (Decreto-Lei n° 2.848, de 7/12/1940), que ainda é nossa legislação penal fundamental. Teve o código origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira. É uma legislação eclética, em que se aceitam os postulados das escolas Clássica e Positiva, aproveitando-se, regra geral, o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço.
Seus princípios básicos, conforme assinala Heitor Costa Junior, são: a adoção do dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de segurança; a consideração a respeito da personalidade do criminoso; a aceitação excepcional da responsabilidade objetiva.
4. INFLUÊNCIA DA LEI MOSAICA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
O Deuteronômio encerra a última fase legislativa do estadista bíblico, já que os outros livros que o antecedem no Pentateuco fixam a cosmogonia e a história israelita. De acordo com a etimologia grega, o Deuteronômio significa segunda Lei, sendo portanto “uma parte distinta do corpo legislativo de Moisés, pois foge” das narrações típicas verificadas nos demais livros do Pentateuco (Gênese, Êxodo, Números e Levítico) e “fixa-se propriamente em dispositivos concretos e basilares”. (ALTAVILA, 2004, p. 20)
Seus versículos revelam uma orientação mais legal e menos doutrinária, com explicações de todas as aspirações e deveres promulgados pelo seu autorizado legislador.
Na comparação da constituição político-religiosa do Velho Testamento, encontra-se as normas jurídicas que influenciaram o direito que a sucedeu, como também o direito moderno.
Dessarte, no Torah, ou Pentateuco, existe um sistema de divisão legislativa. Assim, a organização acontece na seguinte ordenação: Código da Aliança (Ex 20, 22-23;19), Código Deuteronômico (Dt 12-26), Código da Santidade (Lv 17-26), “Decálogo Siquemita” (Dt 27, 15-26), “Decálogo Cúltico” (Ex 34) e o “Decálogo Ético” (Ex 20 e Dt 5).
A obra prima do Direito Hebraico é o Decálogo (Dt 5,1 – 22): os Dez Mandamentos, considerado por Bobbio apud Ribeiro (2010, p. 46) como “o código moral por excelência do mundo cristão”. Tal ordenamento jurídico, ainda hoje, é considerado pelos operadores do Direito em todo o mundo, como sendo perfeito. Haja vista, que o Décalogo proíbe desde as práticas de homicídio, até o roubo, o falso testemunho, adultério, e a cobiça a qualquer coisa que pertença ao próximo.
Nessa abordagem, o Decálogo é tido como a verdadeira “constituição do povo de Deus” (MESTERS apud RIBEIRO, 2010, p. 46).
Na Bíblia, os dez mandamentos estão descritos em Êxodo 20:1-1:
O Décalogo – [1] Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo: Eu sou Iahweh teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. [2] Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam, e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos. [3] Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão. [4] Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado, e o santificou. [5] Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá. [6] Não matarás. [7] Não adulterarás. [8] Não furtarás. [9] Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. [10] Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.
Nesse contexto, vale ressaltar que o cumprimento das leis, para os judeus, era uma verdadeira benção. Quando os rabis daquela época apregoavam seus ensinamentos costumavam utilizar a passagem biblíca “árvore plantada junto à corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto e cuja folhagem não murcha[1], assim é o homem que pratica as leis” (RIBEIRO, 2010, p. 47).
Na análise em foco, o mesmo autor explana acerca da divisão das leis hebraicas, organizadas em: leis acerca de violência, leis acerca da propriedade, leis sobre os crimes, leis civis e religiosas (RIBEIRO, 2010, p. 49).
Na abordagem das leis sobre violência, o livro de Êxodo desempenha um importante papel ao relacionar em seu capítulo 21, versículos 12 a 36, as regras sobre a violência, os quais Ribeiro (2010, p. 49-50) expõe com a classificação e/ou tipificação de crimes do Direito Penal, atual:
Êxodo 21:
12. quem ferir a outro, de modo que este morra, também será morto;
14. Se alguém vier maliciosamente contra seu próximo, matando-o na traição, trá-lo-ás até mesmo do meu altar, para que morra. (Homicídio Doloso);
15. Quem ferir seu pai e/ou sua mãe, será morto;
16. Quem raptar alguém, e o vender, ou for achado na sua mão, será morto (Rapto e Sequestro);
18-19. Se dois brigarem, um ferindo o outro com pedra ou com punho, e o ferido não morrer, mas cair de cama, se ele tornar a levantar-se e andar fora apoiado em seu bordão, então será absolvido aquele que o feiu; somente lhe pagará o tempo que perdeu e o fará curarse totalmente. (lesão corporal e responsabilidade civil);
22. Se homens brigarem e ferirem mulher grávida, e forem causa de que a faça abortar, porém sem maior dano, será obrigado a indeniar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como juízes lhe determinarem. (responsabilidade civil).
28,29. Se algum boi chifrar homem ou mulher, que morra, o boi será apedrejado, e não lhe comerão a carne; mas o dono do boi será absolvido. Mas se o boi dantes era dado a chifrar, e seu dono era disso conhecedor, e não o prendeu, e o boi matar homem ou mulher, o boi será apedrejado, e também será morto seu dono (Responsabilidade criminal).
Conforme Ribeiro (2010) esclarece existiam também as ordenações do Templo que faziam parte do Mischpat Ibri (Direito Hebraico). Tais ordenações eram conhecidas como Mishnah, sendo identificadas e divulgadas pela sociedade judaica como um suporte das leis. Assim, a Mishnah 6.1 6.4 narra as especificações dos procedimentos de apedrejamento, a Mishnah 5.1 – 4 dispõe sobre o testemunho. E a Mishnah 7.4 preconiza sobre os crimes que devem ser punidos com o apedrejamento.
Em relação ao Direito Penal Hebraico, verifica-se que a lei penal hebraica creditava todos os delitos como uma ofensa contra Deus, sendo o mais grave dos delitos, a idolatria.
O Direito Penal Hebraico previa sete espécies de penas capitais e três espécies de penas temporárias. As penas capitais eram executadas por:
· Timpanamento: usado por gregos e romanos. O condenado era preso uma trave e em seguida batia-lhe com malhos e cacetes no abdômen.
· Sufocação: enchia-se um buraco ou uma torre, com poeiras e cinzas, em seguida o condenado era arremessado para o fundo, totalmente impregnado de poeira. Com isso, a respiração era dificultada e o condenado morria por asfixia.
· Laceração das carnes: pena muito usada na monarquia
· Decapitação: mais prescrita na época dos juízes.
· Lapidação: considerado o método mais ordinário de execução entre os hebreus. A lei doutrinava que as primerias pedras fossem jogadas por testemunhas de acusação do julgamento, e em seguida, o povo continuava arremessando-as até matar o condenado. A lei que regulava o apedrejamento era a Mishnah 6.1 6.4.
· Pena por fogo: raramente encontra-se registros históricos para execução desse modo, sendo utilizada em delitos muito graves. Referência em Levítico: 20, 14; 21, 9.
· Morte pela espada: era usada cortando a cabeça do acusado ou lhe transpassando. Referência para tal prescrição em Deuteronômio 20, 13.
As penas temporais eram divididas em três espécies: flagelação, prisão e escravidão.
A flagelação consistia em jogar o culpado no chão ou amarravam-no em um tronco, onde ali era maltratado com varas. O Direito hebreu não permitia que ultrapassasse a 40 varadas, circunstância na qual fazia-se com que judeus aplicassem 38 + 1, para que não errassem a conta e maculassem a lei. Entre os romanos não havia limites para tal pena, ficava a critério do juiz ou do algoz.
A prisão não era muito usual entre os judeus, mas existia prescrições. Moisés usou muito dessa pena na época que regia o povo judeu. Entretanto vale ressaltar que os cárceres dessa época eram bem diferentes dos dias atuais. “A prisão não era isolada: o detento, com os pés presos por troncos, era vigiado num pátio ou em salas abertas, e conversava com todos os transeuntes” (RENAN apud RIBEIRO, 2010, p. 52).
E por último escravidão. Pena bastante prevista para os condenados por crimes. Contavam-se 36 crimes que eram condenados com a pena de morte, 17 eram condenados por lapidação, 10 condenados com a fogueira, 3 pela espada e 6 por sufocamento.
Classificação dos crimes no Direito Hebreu (RIBEIRO, 2011):
Crimes contra a pessoa: homicídio culposo, homicídio doloso, lesões corporais seguidas de morte, agressão mútua, agressão a escravo, aborto, opressão, lesão a escravos, lesões resultantes de culpa, resgate, maus-tratos e o crime de golpe baixo (mulher que agarra os testículos).
Crimes contra o patrimônio: roubo, furto, crime de dano, apropriação indébita, fraude, depositário infiel, agiotagem, sonegação de salário e sequestro.
Crimes contra os costumes: rapto, estupro, prostituição, sedução, coito bestial, crime de abuso, atentado violento ao pudor, adultério, homossexualismo, relação sexual com escrava, relações sexuais com a filha e mãe, relações sexuais entre filhos e pai.
Crimes contra a honra: mentira, falsidade.
Crimes contra a fé: feitiçaria, necromancia, crime de maldição, sacrifícios e oferendas a deuses pagãos (paganismo), blasfêmia ( o mais imperdoável do Direito hebraico) e idolatria.
Crimes contra a família: desobediência filial, dissolução e profanação do leito paterno.
Outros crimes: falso testemunho, crimes in vigilando. Crime de incitação a multidão, corrupção, suborno e adulteração de pesos e medidas.
Mediante tais posicionamentos, vale ressaltar que o Direito Hebraico é fundado iminentemente na religiosidade. Haja vista, que suas principais leis estabelecidas são encontradas nos livros do Pentateuco, especificamente no Deuteronômio, na Bíblia Sagrada.
Dessarte, há que se reconhecer que os assuntos tratados nas leis hebraicas, atualmente, são objetos no ordenamento jurídico brasileiro. E embora não possuam conteúdo exclusivamente jurídico, vale ressaltar que os assuntos tratados nas leis hebraicas têm grande relevância não só histórica, como também jurídica.
Constata-se assim, que algumas dessas normas fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, como as que se referem a homicídio, rapto e falso testemunho. Outras, como a cobiça, não são consideradas como crimes nas sociedades atuais. (PINTO, 2008).
Para Altavila (2004, p. 29) a comprovação de que a pena taliônica não se aplicava com todo o seu rigor entre os hebreus e de que se reconheciam os casos de morte involuntária, está presente nos incisos que também estabeleciam as cidades asilo para os criminosos desta natureza, que assim dispunha:
E este é o caso tocante ao homicida, que se acolher ali, para que viva: aquele que por erro feriu o seu próximo, a quem não aborrecia dantes (Dt 19, v. 4).
Como aquele que entrar com o seu próximo no bosque para cortar lenha e, pondo força na sua mão com o machado para cortar a árvore, o ferro saltar do cabo e ferir o seu próximo e morrer, o tal se acolherá a uma destas cidades e viverá (Dt 19, v. 5).
Para que o vingador do sangue não vá após o homicida, quando se esquentar o seu coração e o alcançar, por ser comprido o caminho, e lhe tire a vida: porque não é culpado de morte, pois o não aborrecia dantes (Dt 19, v. 6).
Mas havendo alguém que aborrece o seu próximo e lhe arma ciladas e se levanta contra ele e o fere na vida, de modo que m orra, e se acolhe a uma destas cidades (Dt 19, v. 11).
Então os anciãos de sua cidade mandarão e dali o tirarão e o entregarão na mão do vingador do sangue, para que morra (Dt 19, v. 12).
Estudos doutrinários do Direito Hebraico apontam dificuldade em se estabelecer uma classe de crimes como no sistema legal hebraico, devido a não existência da noção de crime, tal como se encontra no direito moderno, costuma-se classificar os crimes, não pelo ato em si, mas pela sua forma de punição. Assim, conforme Wolkmer (2008, 64) uma classificação usual baseia-se segundo os tipos de punições que são encontrados na Lei Mosaica:
1. Crimes puníveis com morte.
2. Crimes puníveis pelo karet. Eliminação.
3. Crimes puníveis pelo banimento.
4. Crimes puníveis pela flagelação.
5. Crimes puníveis pela lex talionis.
6. Crimes puníveis com o pagamento de multas.
7. Crimes puníveis pela escravidão penal (WOLKMER, 2008, p. 64-65).
Fazendo-se um contraponto da Legislação Mosaica com o Código Penal brasileiro, algumas nuances são perceptíveis, como é o caso da qualificação dos homicíos previstos na legislação atual, descritos a seguir.
No Código Penal Brasileiro (CPB), o homicídio simples é tratado no artigo 121 (caput), por força da Lei 8.930, de 1994, in verbis "Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos".
O homicídio qualificado, previsto no § 2°, do CP, preceitua que se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. A pena de reclusão é de doze a trinta anos.
Para o homicídio culposo, o § 3º especifica que “Se o homicídio é culposo”: (Lei nº 4.611, de 1965), a pena de “detenção é de um a três anos” (CP) .
O Código Penal disciplina ainda o aumento de pena para o homicídio culposo, in verbis:
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
A lei Mosaica, já atribuía grande importância a valorização da vida. E na atualidade, o direito à vida é um dos bens jurídicos protegido pelo Estado, estando também assegurada no caput do artigo 5º da Carta Magna de 1988.
Em relação ao crime de rapto, também mencionado no Direito Hebreu, verifica-se que até 2005, o rapto era tratado pelo Código Penal brasileiro no artigo 219, mas acabou sendo revogado pela Lei 11.106/2005. A partir dessa Lei privar um indivíduo de sua liberdade, para fins libidinosos, constitui crime de sequestro ou cárcere privado qualificado, e não mais rapto.
Verifica-se também que o falso testemunho, já era considerado crime na legislação Mosaica, tendo inclusive consequências caso fosse praticado, o que também ocorre nos dias atuais.
Em relação a prova testemunhal, Altavila (2004, p. 29) relata, que muito antes do Digesto romano estabelecer no seu capítulo que os depoimentos de duas ou três testemunhas fazem prova perfeita, Moisés já havia proscrito a validade unilateral nos processos, com o versículo: “Uma só testemunha contra ninguém se levantará por qualquer iniquidade, por qualquer pecado, seja qual for o pecado que pecasse: pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o negócio” (Dt 19, v 15).
A necessidade do depoimento de (pelo menos) duas testemunhas visa a impedir que alguém seja falsamente acusado e condenado, meramente por causa de boatos ou de um falso depoimento de uma testemunha pérfida.
Na primeira parte do capítulo 19 do Deuteronômio, conforme explica Hamilton (2007, p. 484) “se propõe a impedir uma vingança rápida e injusta contra alguém que, acidentalmente, tenha tirado a vida de outrem”, enquanto a segunda metade do citado capítulo tem a finalidade de evitar condenações errôneas, produzidas sem testemunhos incriminatórios suficientes e confirmáveis.
Verifica-se que o Direito se propõe a uma finalidade precípua, que é a da organização da sociedade visando o bem-estar coletivo. E para que tal organização seja possível, faz-se necessário obedecer às normas vigentes, que ao longo do desenvolvimento da sociedade vão se adaptando a elas (atualmente o Direito também deve se adequar à sociedade). Pois, essa era a finalidade precípua de Deus – orientar a sociedade a seguir um caminho, que estava previsto nos Dez Mandamentos. Portanto, conforme ressalta Moraes (2007, p.11) há que se reconhecer que o Decálogo é um importante "conjunto de preceitos ditados por Deus a Moises e destinados a reger as relações” humanas numa sociedade composta por diferentes raças, culturas, línguas e religiões.
5. CONCLUSÃO
Este estudo buscou analisar a Legislação Mosaica e os reflexos de sua aplicação cultural na formação dos preceitos existentes no Código Penal Brasileiro, verificando quais os aspectos, dessa lei de fundamento religioso, colaboraram para a gênese do direito dos povos.
No desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e documental constatou-se quão grande foi sua influência na composição do Direito Penal brasileiro, especificamente, o Deuteronômio, considerado por alguns doutrinadores como um dos códigos fundamentais da humanidade, e que ao longo do tempo tem sido objeto de estudos hermenêuticos.
Além disso, ressalta-se que os assuntos tratados nas leis hebraicas, atualmente, são objetos no ordenamento jurídico brasileiro. E embora não possuam conteúdo exclusivamente jurídico, ressalta-se que os assuntos tratados nas leis hebraicas têm grande relevância não só histórica, como também jurídica.
Verificou-se ainda que os versículos do Deuteronômio trazem orientação mais legal e menos doutrinária. E que os Dez Mandamentos, é a obra prima do Direito Hebraico.
Observou-se também, que durante a realização dos estudos acerca do Direito Hebraico, alguns doutrinadores pontuaram dificuldade em se estabelecer uma classe de crimes no sistema legal hebraico, devido a não existência da noção de crime, tal como se encontra no direito moderno.
Constatou-se ainda, que embora algumas dessas normas façam parte do ordenamento jurídico brasileiro, outras, como a cobiça, não são consideradas como crimes na sociedade contemporânea.
Em relação ao Decálogo foi possível constatar que tais preceitos de fundamentação religiosa integram o Direito Penal, como é o caso por exemplo do segundo mandamento “não matarás”, que no Direito Hebraico era punido com penas severas. E no Código Penal, a qualificação dos homicídios é prevista como: simples, qualificado e culposo.
Dessa análise, apreende que a Lei Mosaica atribuía grande valor a vida. E na atualidade, o direito à vida é um dos bens jurídicos protegido pelo Estado, estando assegurado pela Carta Magna de 1988 (caput do art. 5º).
Em relação ao crime de rapto, também referência no Direito Hebreu, verificou-se que este tipo de crime, até 2005, tratado pelo CP, foi revogado pela Lei 11.106/2005, recebendo uma nova denominação e qualificação. Pela nova lei, aquele que privar um indivíduo de sua liberdade, para fins libidinosos, constitui crime de sequestro ou cárcere privado qualificado, e não mais rapto.
Constatou-se também que o falso testemunho, considerado como crime na Legislação Mosaica, também ocorre nos dias atuais.
Mediante tais posicionamentos, vale ressaltar que o Direito Hebraico é fundado iminentemente na religiosidade, haja vista, que suas principais leis estabelecidas são encontradas nos livros do Pentateuco, especificamente no Deuteronômio, na Bíblia Sagrada.
Concluindo este estudo entende-se que a Legislação Mosaica é a base de muitos preceitos jurídicos modernos, servindo não apenas como elemento doutrinador, mas também como um instrumento coercitivo, que limita a ação do indivíduo sobre o que se deve ou não fazer na vida em sociedade.
E na contemporaneidade é possível vislumbrar através das normas jurídicas, regras que tratam dos mesmos objetos já mencionados em leis sagradas na Bíblia. E embora a sociedade brasileira atual seja um Estado Laico, separado da vida religiosa, no que se concerne aos direitos e deveres do homem, percebe-se a importância que a religião tem ainda hoje sobre a vida do homem, através dos valores, comportamentos e normas essencialmente religiosas, as quais seguem influenciando o mundo jurídico e a vida do homem em grupo.
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WOLKMER, Antonio Carlos (Org.) Fundamentos de História do Direito. 4ª ed. Belo Horizonte: DeyRey, 2008.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo (FASEC/PALMAS-TO)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TERTULIANO, KÁLITA SALETH RAMALHO. A lei mosaica e sua influência no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58502/a-lei-mosaica-e-sua-influncia-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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