MARCUS VINICIUS DO NASCIMENTO LIMA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como tema “Proteção jurídica das pessoas portadoras de transtorno do espectro autista e sua efetivação pelo poder público no âmbito da inclusão escolar”. O tema fará uma abordagem para entender como ocorre a inclusão de crianças deficientes, em especial as que tem transtorno do espectro autista, se realmente acontece a inclusão ou integração no ambiente escolar diante da serguinte problemática: Quais os impactos da Lei 12.764/2012 na inclusão social da pessoa com TEA? O objetivo geral do trabalho é analisar os impactos da Lei 12.764/2012 na inclusão social da pessoa com TEA. Por sua vez os objetivos específicos são: identificar os riscos com a possível não aplicação da lei 12.764/2012; analisar os benefícios trazidos pela lei e avaliar a punibilidade para a negação a matrícula nas escolas. O método de abordagem aplicado foi um estudo bibliográfico foram utilizados artigos, revistas e livros entre outras fontes, ressaltando-se as contribuições teóricas. Através do estudo constatou-se que a Lei n°13.146 de 2015 ou Estatuto do Deficiente, está sendo aplicada da melhor forma possível para garantir os direitos das pessoas com deficiência no tocante à educação.
Palavras-chave: Autismo. Inclusão Escolar. Educação. Direito
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Inclusão social da pessoa com transtorno do espectro autista. 2.1 O Autismo e o Direito a Educação. 2.2 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. 3 A proteção jurídica ao autista no Brasil: a lei 12.746/2012. 3.1 Contribuição da Lei 12.764/2012 na vida da pessoa com TEA. 4 Punibilidade na educação inclusiva. 4.1 Decisões que reconhecem os direitos das pessoas com deficiências. Considerações Finais. Referências.
1 Introdução
O presente trabalho tem como finalidade de estudo os direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que até pouco tempo encontrava-se desamparada na legislação brasileira vigente. Durante muito tempo pais entraram em batalha árdua na busca de direitos que garantissem aos autistas, amparo legal com a proteção necessária.
Foi nesse contexto que a mãe de um autista, Berenice Piana, entrou em uma luta com vários outros pais adeptos da causa do autismo buscando e reivindicando assistência legal perante o Judiciário. Assim, foi então aprovada e sancionada no dia 27 de dezembro de 2012 a Lei 12.764/2012, Lei de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, conhecida como Lei Berenice Piana, que legaliza os autistas como portadores de necessidades especiais e lhes garante a devida proteção.
As dificuldades geralmente são comuns na vida da pessoa com TEA tornando-se a inclusão social um desafio. Muitas destas dificuldades são aspectos ligados ao desenvolvimento sensorial, e quando não trabalhados da forma correta, acabam dificultando ainda mais o tratamento e possivelmente tardando a qualidade de vida do portador de TEA e de toda sua família.
Levando em consideração o estudo da Lei 12.764/2012, e partindo de uma análise ligada à inclusão social do portador de TEA, a presente pesquisa engloba informações coletadas com o objetivo de responder ao problema de pesquisa: Quais os impactos da lei 12.764/2012 na inclusão social da pessoa com TEA?
O objetivo geral do trabalho é analisar os impactos da Lei 12.764/2012 na inclusão social da pessoa com TEA. Por sua vez os objetivos específicos são: identificar os riscos com a possível não aplicação da lei 12.764/2012; analisar os benefícios trazidos pela lei e avaliar a punibilidade para a negação a matrícula nas escolas.
Os desafios combatidos por pais e portadores de TEA no dia a dia, diante da assistência imposta ao âmbito público, foram motivos determinantes para desencadear o estudo do presente trabalho, visto que, tem-se como finalidade ampliar a visão e conhecimento da sociedade perante os benefícios da execução da presente lei, tal como os malefícios da não aplicação.
O método de abordagem aplicado no presente trabalho é o hipotético-dedutivo e como método de procedimento definiu-se o método da elaboração do artigo com o intuito de ter-se uma análise mais aprofundada do tema em questão e dos diversos aspectos que vierem a ser abordados. Quanto ao tipo de pesquisa utilizou-se a básica e com relação à abordagem utilizou-se a qualitativa. No tocante aos objetivos da investigação, aplicou-se pesquisa exploratória e referente aos procedimentos a pesquisa foi bibliográfica. Foram utilizados nos levantamentos bibliográficos artigos, revistas e livros entre outras fontes, ressaltando-se as contribuições teóricas.
Este estudo está organizado em quatro seções: na primeira seção são apresentados os elementos fundamentais que norteiam a pesquisa na introdução; na segunda seção discutem-se a inclusão social da pessoa com transtorno do espectro autista diante das características que definem o TEA e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência; a terceira seção aborda a proteção jurídica ao autista no Brasil: a lei 12.764/2012 que envolvem a inclusão social do autista; a quarta seção dispõe sobre a punibilidade na educação inclusiva, bem como a análise de algumas decisões no cumprimento do direito a educação da pessoa com deficiência.
2 A inclusão social da pessoa com Transtorno do Espectro Autista
Na atual conjuntura social, muitas concepções preconceituosas ainda rodeiam a vida do autista, muitas delas abrangendo o próprio âmbito escolar ou familiar, impedindo o desenvolvimento pleno do portador de necessidades especiais.
Dejours (2005) descreve que o modo referente a marginalização e as injustiças em que os deficientes são tratados em relação aqueles que não detém nenhum tipo de deficiência causam de um certo modo repulsa, no entanto, os deficientes fazem parte de uma parcela da sociedade marginalizada pela vida e por todas as injustiças sociais, e as vezes sem entender, a visão do ser humano sem deficiência é indiferente, e muitas das vezes os ignoram como cidadãos.
Entende-se a inclusão como uma alavanca no desenvolvimento do autista, pois, com uma noção maior de mundo, o diálogo pode se tornar mais acentuado, e o sujeito torna-se mais solícito às adaptações necessárias. Sabe-se que a linguagem é um dos maiores desafios no tratamento do autista, e, sendo bem trabalhada e compreendida a necessidade do autista, pode ser fator determinante para seu desenvolvimento. No entanto, a real concepção de inclusão é bem complexa, pois emerge de uma série de conceitos existentes. Em um sentido precisamente abrangente, a Declaração de Salamanca declara que:
Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram proporcionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a integração de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 61)
Entretanto, nota-se que tal ordenamento referente a inclusão social não é algo restrito, envolve muitos outros países, e também é descrito como algo essencial à dignidade humana, pois trará inúmeros benefícios para a integração e consequentemente benefícios alcançados nas mais diversas áreas do desenvolvimento.
Diante do que foi mencionado, considera-se a elaboração de trabalhos dentro da inclusão, uma construção imprescindível para se chegar à almejada transformação, assim como menciona Orrú (2012, p.105):
Dessa forma, compreendemos a necessidade de refletir como pessoas e profissionais sobre a nossa própria constituição enquanto sujeitos para, finalmente, elaborarmos e trabalharmos dentro de uma abordagem que releva a história, a cultura, o social como aspectos imprescindíveis na constituição do sujeito, mesmo sendo este uma criança com autismo, o que nos faz crer que o fator biológico, enfocado nas Ciências Naturais, não pode ser determinante para seu desenvolvimento.
Ademais, um autista não apresenta sempre as mesmas características de outro, mesmo em igualdade de graus do transtorno. Tanto em relação ao tratamento pedagógico, quanto às respostas e desenvolvimento diante da inclusão podem ser totalmente diferentes apesar dos fatores já mencionados. Isso se dá pelo fato do autista ser único em sentido de individualidade do desenvolvimento de tratamento. Deve-se então conhecer individualmente cada adaptação pra um desenvolvimento mais eficaz em todos os sentidos.
O acompanhamento profissional possibilita uma inclusão mais eficaz, mas é importante destacar que em grande parcela o processo de inclusão parte do âmbito familiar. Para tanto, pais e familiares precisam receber instruções e, a partir daí, contribuir consideravelmente no tratamento, pois se sabe que o maior tempo de convívio do autista não é sob vigília ou amparo profissional, e sim de pais, irmãos e conviventes em si.
O âmbito escolar tem sido muito discutido como espaço privilegiado na oportunidade de incluir socialmente, pois o autista demora muito a se adaptar a linguagem de outra pessoa e seus diferentes métodos, e sabe-se que isso dificulta mais quando acontece com quem não há convivência ou uma verdadeira passagem de confiança, e é isso que está presente nas escolas durante os períodos iniciais com o aluno (GUARESCHI; ALVES; NAUJORKS, 2016). É indubitável discutir que muitas escolas, professores e gestores declaram não estar preparados para receber alunos deficientes, muitas destas recusas partem de pessoas que enfatizam a inclusão de pessoas com deficiências e se dizem favoráveis a ela. Contudo, negar de qualquer forma a inclusão do autista em ambiente escolar é ilegal e indigno, pois a educação é direito de todos, sem outras interpretações e sem exclusões.
Porém, tal direito não garantirá que a escola possa desenvolver habilidades ou os estímulos sensoriais com os autistas, pois, mesmo com diagnósticos iguais cada um deve ser trabalhado de forma individual e de acordo com seus desenvolvimentos, sejam esses desenvolvimentos no âmbito educacional ou não. Como relata Orrú (2012) também não há o que se discutir sobre as contribuições advindas dos dois polos, dos autistas e dos profissionais das diversas áreas que contribuem com o desenvolvimento do autista, seja na área educacional ou da saúde. De certa forma deve haver contribuições mútuas, os pais também entram nessa temática, sendo eles os devidos tutores dos autistas.
Não se pode deixar de relatar os avanços obtidos em estudos que contribuíram para o pleno desenvolvimento educacional, ajudando assim tanto portadores de necessidades, quanto pais que sofriam com o atraso educacional no sentido do amparo profissional a seus filhos. Nesse sentido, o desenvolvimento educacional é sinônimo de avanço como relata Cunha (2020, p. 25):
A formação do educador e o seu conhecimento científico a respeito do assunto tornam-se essenciais para a identificação da síndrome. Da mesma sorte, sua capacitação pedagógica no exercício docente possibilitará uma educação adequada. Apesar de níveis de comprometimentos dissimilares, é comum o aluno com autismo apresentar algumas características mais marcantes que inicialmente poderão interferir na sua aprendizagem.
Portanto, a conexão do âmbito educacional com o crescimento na aprendizagem do autista está basicamente ligada a estudos e capacitações pedagógicas de profissionais do ambiente escolar em que o aluno está inserido, bem como do estímulo da família.
2.1 O Autismo e o Direito à Educação
Atualmente, a educação é um direito humano fundamental que enaltece não apenas o indivíduo, mas também o desenvolvimento de toda uma sociedade. Sua importância vai além da possibilidade do aumento de renda individual ou de melhores chances de se obter um trabalho. Através da educação, um país tem potencial de se desenvolver social, cultural e economicamente.
A educação pode ser conceituada de diferentes maneiras, a depender do aspecto a ser analisado ou da sua fundamentação. De acordo com Silva (2012, p.1), “a educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando”; enquanto que Pessanha (2013, p. 1) afirma que “a educação é um direito humano, um bem público, e a primeira responsabilidade do Estado é garantir esse direito a todos”.
De acordo com o artigo 205 da Constituição Federal de 1988, a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, é o entendimento trazido no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. (BRASIL, 1990).
Como se pode perceber, há várias possibilidades de conceituar educação e, da mesma forma, por se tratar de um direito relacionado à dignidade da pessoa humana. Vejamos Rocha (2016, p.14):
é possível estabelecer que o direito à educação transcenda a qualquer disposição legal ou constitucional de um país, tendo em vista a suprema importância que o mesmo tem na formação da individualidade do ser humano e na sua socialização com os demais integrantes da comunidade.
Por essas e outras razões que a educação é reconhecida mundialmente como um direito humano a ser preservado e incentivado nas sociedades democráticas de direito.
2.2 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), grande marco sobre o tema, por se tratar de um tratado internacional de Direitos Humanos, em 2008, foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda Constitucional. Tal fato representou um avanço em termos jurídicos, especialmente do ponto de vista prático, pois o Estado brasileiro obrigou-se pelo cumprimento dos direitos ali contidos (FATIAS; CUNHA; PINTO, 2016).
Entre os compromissos assumidos, apresenta-se a adequação da legislação brasileira aos dispositivos da Convenção, como, por exemplo, a edição da Lei nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD, cujo intuito é promover os direitos das pessoas com deficiência nas diversas áreas, tais como saúde, educação, lazer, comunicação, dentre outras. Segundo o artigo 1º da Lei 13.146 de 2015 dispõe que: “a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” (BRASIL, 2015).
Para tanto, cria políticas específicas a fim de tutelar os direitos das pessoas com deficiência; prevê rol próprio de direitos fundamentais; e impõe obrigações a serem observadas não apenas pelo Poder Executivo, mas pela sociedade como um todo. Em vigor desde dezembro de 2015, a Lei nº 13.146/15 consagrou o capítulo IV, do artigo 27 ao artigo 30, ao Direito à Educação das Pessoas com Deficiência.
O seu artigo 27, caput e parágrafo único, prevê que a educação é direito da pessoa com deficiência, sendo-lhe garantido um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e determinando que é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade garantir-lhe uma educação de qualidade, salvando-lhe de toda forma de violência, negligência e discriminação. (BRASIL, 2015).
Diante disso, constata-se que o sistema educacional inclusivo brasileiro é uma modalidade de educação escolar ofertada na rede regular de ensino, que visa possibilitar a igualdade de acesso e permanência nas escolas, sejam elas públicas ou privadas, de modo a concretizar o direito fundamental à educação.
Já em seu artigo 28, o Estatuto traz a incumbência expressa do Poder Público de assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar, e avaliar o sistema educacional de ensino, visando a garantir a educação inclusiva no Brasil com a inclusão do aluno com deficiência no sistema de educação regular, em vez de segregá-lo com outras crianças que apresentam alguma necessidade especial em instituições ou classes apartadas (especiais). Para que isso aconteça, faz-se necessário “em muitos casos, de uma rede de apoio que propicie ao deficiente o pleno acompanhamento do ensino, em condições de aprendizagem semelhante aos outros alunos” (FARIAS, 2016, p. 101).
Os artigos supracitados encontram fundamento Constitucional nos artigos 6º, 205, 208, inciso III, da CF/88, bem como no artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e em leis infraconstitucionais, tais como: artigo 2º e 8º, da Lei nº 7.853/1989; artigo 58, da Lei nº 9.394/1996; Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990); artigo 3º, inciso IV, “a” da Lei nº 12.764/1012; Decreto nº 3.298/1999, artigo 26; Recomendação nº 30/2015, do Conselho Nacional do Ministério Público, artigo 6º, inciso I, entre outros. (FARIAS, 2016, p. 96- 98).
Percebe-se que há diversos dispositivos normativos firmando a educação como um direto humano, absoluto, intimamente ligado aos princípios da cidadania, igualdade, dentre outros. Busca-se, através destas normas e em especial da Lei de Inclusão, garantir o direito à educação a todas as pessoas com deficiência, na medida em que orientam a atuação do Estado e da comunidade escolar, com o fito de possibilitar o ingresso e permanência dessas pessoas nas escolas, sejam elas pública ou privada.
3 A Proteção jurídica ao autista no Brasil: a lei 12.764/2012
O desamparo legal específico ao autismo no Brasil esteve presente desde o início da descoberta do transtorno até o ano de 2012, quando foram devidamente reconhecidos os direitos dos autistas e de seus familiares. Foram diversos anos de lutas, advindas de derrotas para finalmente chegar à concretização legal da lei. Pais uniram-se em prol dos seus filhos, que eram desamparados legalmente, reivindicaram e, após anos de lutas, foram conferidos os direitos específicos dos autistas.
No entanto, a Constituição Federal de 1988, e dos estados, as leis dos entes da administração pública e outras normas não deixaram os deficientes desamparados, sempre lhes foram asseguradas as devidas assistências. Porém, os autistas não eram reconhecidos como portadores de deficiência, e, devido a isso, muitas das garantias não lhes eram oferecidas, o que causava indignação nos pais, pois os mesmos apresentavam as reais necessidades de um deficiente e não podiam usufruir dos direitos conferidos aos outros.
A mãe de um autista, Berenice Piana durante muitos anos lutou arduamente com outros pais, para o reconhecimento dos devidos direitos, mas somente no dia 27 de dezembro de 2012, a Lei 12.764/2012 foi aprovada reconhecendo os autistas como deficientes. A lei levou o nome de “Lei Berenice Piana”, em reconhecimento não só a mãe defensora da causa, mas em homenagem a todos os incansáveis pais que lutaram e lutam por dias melhores aos filhos que tanto precisam de assistência (ALMEIDA, 2020).
É de grande importância o reconhecimento das necessidades e peculiaridades do autista, pois somente assim é possível que eles tenham acesso a políticas afirmativas que possam buscar garantir sua participação social em igualdade de oportunidades com as demais pessoas que independem de assistências peculiares.
Em relação à caracterização da pessoa com TEA, a lei define explicitamente tais conceitos que deverão ser observados nos diagnósticos que vierem a ser feitos. Esta tal definição no artigo 1°, e no 1°§ da Lei 12.764/2012:
§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. (BRASIL, 2012, p.1).
Observa-se que basicamente os sintomas que melhor caracterizam e diferem os autistas dos demais deficientes é o déficit na comunicação, a interação social e o padrão de comportamento. Desta forma, toda negligência deve ser urgentemente cessada, e, quando assim não feita, deve-se reclamar às autoridades, para que possam ser tomadas as medidas cabíveis, nos amparos legais.
Portanto, para todos os efeitos legais, os autistas são considerados deficientes e usufruem das garantias devidas, tal ordenamento é citado no §2° do artigo 1°, pois a lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e determina diretrizes para seu cumprimento.
Em seu artigo 2° a lei faz referências às diretrizes que devem ser oferecidas aos autistas por meio da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, onde é necessário o devido cumprimento, e, para tal efetivação, o poder público poderá estabelecer contrato de direito público ou negociações com pessoas jurídicas de direito privado para assim tornar o trabalho de assistência à causa mais célere e eficaz, e principalmente de fácil acesso a todos.
Os direitos dos autistas estão elencados em todo o artigo 3° da lei, sendo subdivididos em quatro itens, alguns destes já eram conferidos a todos independentemente de deficiência ou transtorno, isso anteriormente a aprovação da lei, outros vieram a ser abordados mediante tal aprovação e individualizando o autista. São tais direitos:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos ;e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; IV - o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante; b) à moradia, inclusive à residência protegida; c) ao mercado de trabalho; d) à previdência social e à assistência social. (BRASIL, 2012).
O descumprimento de tais preceitos pode gerar reinvindicações e consequentemente um cumprimento forçado em relação ao agente negligenciador do direito em questão. E, quando diagnosticada, a pessoa com TEA que estiver inserida nas classes básicas de ensino regular legalmente terão direito a acompanhamento especializado independentemente de requisição, pois a legislação assegura isso.
Vários tratamentos são proibidos em relação a vida do autista, são eles: o tratamento desumano ou degradante e a discriminação por motivo da deficiência. E, com relação a planos de saúde privados, os autistas não serão impedidos de participar por condições de deficiência, com amparo legal tanto na lei dos autistas como na Lei do Plano de Saúde (Lei 9.656/1998), especificamente no artigo 14°: “Em razão da idade do consumidor ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.” (BRASIL, 1998).
A Lei versa ainda sobre punição mediante multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos, àquele gestor escolar que recusar a matrícula dos portadores de TEA como alunos de sua instituição, ou qualquer outro portados de deficiência. Porém reincidindo tal ato, será tal fato apurado por processo administrativo, e comprovado a afirmativa, haverá a perda de cargo.
Nesta perspectiva, é essencial a valorização do trabalho docente, bem como de todos os profissionais que atuam no processo educativo dos portadores de autismo, como relata Cunha (2020, p.137):
Abraça o que está proposto no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024): o direito social inalienável dos cidadãos a uma educação de qualidade, na perspectiva emancipadora, nas diferentes dimensões e espaços da vida. Trata-se da democratização da educação por meio da garantia do acesso, permanência e sucesso na sua dimensão pedagógica e institucional.
Em vista disso, o acesso às garantias que a lei proporciona, eleva as possibilidades de acesso a uma educação de qualidade a fim de alcançar-se a inclusão social do autista e seu desenvolvimento pedagógico-educacional.
3.1 Contribuições da Lei 12.764/2012 na vida da pessoa com TEA
Desde que a lei foi aprovada e sancionada em 2012, diversos benefícios vieram à tona no mundo autista. Os pais foram, dentre todas as pessoas envolvidas, os que mais se satisfizeram de benefícios juntamente com os portadores do transtorno, pois se sabe que anteriormente, desafios e barreiras tinham que ser enfrentados diariamente por eles, os únicos que de certa forma eram telespectadores das vivências dos autistas (AMARAL, 2016).
Com a criação da lei, não significa dizer que tudo foi solucionado e está acontecendo satisfatoriamente, é longe disso a correspondência da atualidade, pois ainda existem diversos fatores a serem efetivados para a contribuição de um amparo e inclusão do autista. Mas, com a correta aplicação pode haver aumento dos benefícios e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida. É válido observar que é de grande importância a fiscalização do real cumprimento da lei, tanto pelos que estão diretamente ligados com a causa, quanto pela sociedade em geral. Como ressalta na Cartilha dos Direitos da Pessoa com Autismo conforme Freire (2015, p.23):
A Lei 12.764/2012 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e garante um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de ensino; a formação inicial e continuada dos profissionais da educação para que possam desenvolver atividades com vistas à inclusão do educando com TEA nos espaços escolares e relações sociais; estímulo à comunicação, inclusive alternativa; seu direito a matricula no ensino regular, com garantia de atendimento educacional especializado; e a possibilidade de profissional apoio, disponibilizado pelo sistema de ensino, para aqueles que tiverem necessidade desse tipo de acompanhamento.
Há também uma complementação da Lei 12.764/2012 em forma de decreto que foi aprovado no dia 2 de dezembro de 2014, o Decreto 8.368/2014. O Decreto 8.368/2014 veio garantir, especificamente, o direito do autista ao acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), e passou também a atribuir funções mais específicas ao Ministério da Saúde como é o exemplo do apoio a pesquisas que aprimorem uma melhor qualidade de vida aos portadores de TEA. Trata também o decreto com mais peculiaridade das recusas de matrículas feitas por gestores escolares, delegando também à população em geral denúncias, e definindo, na letra do decreto, que caberá ao Ministério da Educação a aplicação de multas.
Os autistas foram legalmente amparados diante de diversos direitos, são eles: o direito, saúde e assistência social; direito à educação; direito ao trabalho; direito à acessibilidade; direito ao esporte, cultura e lazer; direito a isenção fiscal; e as leis distritais n° 4.317/2009 e lei distrital n°4.568/2011 (Lei Fernando Cotta). Todos esses direitos foram inovações no âmbito da legislação trazidas para uma melhor qualidade de vida dos autistas.
Em vista disso, um dos direitos de maior repercussão foi o direito a isenção fiscal, pois em 2012, com a inclusão do autista como deficiente para todos os efeitos legais, estes passaram a ter novos benefícios. A isenção fiscal se dá por meio de diversos tributos que passaram a ser retirados da vida de pais e portadores do transtorno na compra de itens para o uso e tratamento dos autistas.
Os benefícios destinados por isenção de tributos estão presente na Lei 12.764/2012. De acordo com Freire (2015, p. 36):
Os automóveis adquiridos por pessoas com deficiência ou seus representantes legais são isentos de ICMS, IPVA (para adquirentes do Distrito Federal), IPI e IOF. Ademais, os benefícios destinados às pessoas com deficiência não são tributados para efeitos de Imposto de Renda. Não se incluem entre os rendimentos tributáveis pelo Imposto de Renda as importâncias recebidas por deficientes mentais a titulo de pensão, pecúlio, montepio e auxílio, quando decorrentes de prestações do regime de previdência social ou de entidades de previdência privada. A isenção do IR não se estende aos rendimentos de deficientes mentais originários de outras fontes de receita, ainda que sob a mesma denominação dos benefícios anteriormente citados. A aquisição de aparelhos e materiais e outras despesas podem também ser deduzidas do imposto.
Portanto, visando uma melhor qualidade de vida dos deficientes, os legisladores criaram tais medidas para beneficiar também os pais. Diante disso há uma maior chance de adquirir veículos para ajudar no tratamento fora de casa ou até mesmo no dia a dia não ligado ao tratamento destes.
Outra medida inovadora na legislação vigente, foi a redução em até 50% da carga horária de trabalho dos servidores públicos e tal benefício é advindo da criação da Lei 13.370/2016, mas deve estes adquirentes possuir cônjuges, filhos ou dependentes com deficiência. Anteriormente, na Lei 8.112/1990 (Lei do Regime Jurídico dos Servidores Públicos), os benefícios da redução em até a metade da carga horária eram concedidos somente aos servidores portadores de deficiência.
Outra modificação atual na Lei 12.764/2012 aconteceu em julho de 2019, quando foi aprovada a Lei 13.861/2019, a qual versa sobre inclusão do autista nos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o intuito de obter-se estimativas de quantidade de autistas no Brasil e como estão divididos nas regiões do país, o que anteriormente não eram comprovadas por dados, somente estimativas. Tais informações poderão contribuir para um melhor direcionamento de políticas públicas, colaborando assim para uma melhor aplicação nas regiões devidas e, consequentemente, uma melhor inclusão (SOUZA; ANACHE, 2020).
A Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Consciência sobre o Autismo, tal decreto teve o propósito de estimular o governo e toda a sociedade a discutir sobre as causas do autismo e repensar sobre a situação das pessoas que portam e que convivem com portadores, tudo sob a ótica dos Direitos Humanos. Esse dia em muitos lugares é comemorado com passeatas de pais, profissionais e autistas, e a cada dia que passa torna-se mais visto por todos.
Outra inovação recente na legislação foi a sanção da Lei 13.977/2020, denominada Lei Romeo Mion, o nome da lei é em homenagem ao filho do apresentador Marcos Mion que é portador de TEA, o texto da nova lei altera a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/ 2012). Uma das principais novidades da referida lei está em seu artigo 3°-A que diz:
foi criada a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. (BRASIL, 2020, p.1).
Tal medida ajudará a identificar e assim agilizar muitas vezes o atendimento do portador de TEA. Também foi determinado com a nova lei que: “estabelecimentos públicos e privados poderão valer-se da fita quebra-cabeça, símbolo mundial da conscientização do TEA, para identificar a prioridade devida às pessoas com transtorno do espectro autista.” (BRASIL, 2020).
4 Punibilidade na Educação Inclusiva
A educação inclusiva cumpre um papel primordial no que concerne à integração social das pessoas com deficiência, tendo em vista que essa temática está estreitamente relacionada à noção de direitos humanos e que sua participação no sistema educacional promove a inclusão social e a igualdade de oportunidades entre os sujeitos (SANTOS, 2011).
Educação inclusiva pode ser conceituada de várias maneiras. Para Ainscow (2009), a partir de uma abordagem de princípios à educação, a inclusão significa:
um processo de transformação de valores em ação’ e envolve o aumento da participação dos estudantes e a redução de sua exclusão; a reestruturação de culturas, políticas e práticas com o objetivo de atender à diversidade de estudantes; e a presença e participação de todos os estudantes sujeitos à exclusão, e não somente daqueles com deficiências ou categorizados como ‘pessoas com necessidades educacionais especiais. (AINSCOW, 2009, p. 20).
Para Gonzalez (2002, p. 38), “a educação especial é marcada pela ideia de uma educação diferente e dirigida a um grupo de sujeitos específicos.” O autor usa, ainda, a expressão “alunos com necessidades educacionais especiais” para designar pessoas com deficiência mental, auditiva, visual, física e múltipla, superdotação e altas habilidades e condutas típicas, que requerem, em seu processo de educação escolar, atendimento educacional especializado, que pode se concretizar em intenções para lhes garantir acessibilidade arquitetônica, de comunicação e de sinalização, adequações didático metodológicas, curriculares e administrativas, bem como materiais e equipamentos específicos ou adaptados.
Segundo o primeiro relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre deficiência e desenvolvimento, publicado por, para e com pessoas com deficiência, existem mais de 1 bilhão de indivíduos com deficiência no mundo. Em âmbito nacional, o Brasil possui 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, conforme dados do Repórter da Agência Brasil. (VILLELA, 2015).
Contudo, apesar de consistirem numa parcela considerável da população brasileira, a concretização dos direitos desses indivíduos é um desafio. Pois, muitas escolas recusam a inscrição de aluno em razão de deficiência, com isso os genitores acabam sofrendo com a negação das intuições pela deficiência do seu filho. Antes da Lei 12.764 de 2012 os pais pagavam um adicional a instituição para que seu filho fosse aceito e tivesse acesso ao estudo.
As escolas regulares são exigidas a matricular crianças com deficiência, sejam elas escolas públicas ou privadas. Tal direito é firmado constitucionalmente e certificado na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) e na Política Nacional de Educação Especial na concepção da Educação Inclusiva.
Segundo o artigo 7º da Lei 12.764 de 2012 dispõe que: “O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.” (BRASIL, 2012).
Segundo a Lei expressa que: “recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência”. (BRASIL, 2012). No qual institui o crime de discriminação, punível com “reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa, e se for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 anos, a pena é agravada em 1/3” (BRASIL, 2012).
O ato de recusa da instituição de ensino é discriminatório e fere gravemente o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade consequentemente. Tal ato constitui o dever de indenizar a família com o propósito pedagógico para desencorajar a conduta ilícita da instituição de ensino.
Além da recusa de matrícula, outro obstáculo combatido pelos genitores das crianças com deficiência é que as escolas particulares, por vezes, efetivam cobrança de taxa extra ou mensalidade superior para cuidar dos seus filhos. Os genitores que forem cobrados indevidamente devem ingressar na justiça e solicitar a devolução do valor da mensalidade em dobro, acrescentado de correção monetária e juros legais. Bem como pode ser cobrado danos, uma vez que os pais sofrem com a situação de rejeição dos filhos, pelo tratamento diferenciado em razão do preconceito.
Contudo, é preciso lembrar que o atendimento educacional especializado, chamado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de educação especial, vem sendo visto de duas maneiras, bastante distintas, e uma delas pode resultar em discriminação e frustração do direito de acesso à educação.
4.1 Decisões que reconhecem os direitos das pessoas com deficiência
Continuando a pesquisa, apresenta-se algumas decisões relevantes referentes a inclusão de crianças e adolescentes deficientes no ensino básico e ao seu direito de ensino especial, ou seja, de ter um profissional capacitado para lhe acompanhar no desenvolvimento de suas atividades escolares. As jurisprudências em questão foram pesquisadas nos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e Ceará.
O primeiro caso é um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que trata da Apelação n° 10027293620198260577, da Câmara Especial, referente a reexame necessário em ação de obrigação de garantir acesso à educação como o objetivo de compelir o Município a disponibilizar vaga em escola próxima à residência do infante e que atenda às suas necessidades especiais. Assim relata a Desembargadora Daniela Maria Cilento Morsello:
APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDUCAÇÃO INFANTIL INCLUSIVA. CRIANÇA PORTADORA DE AUTISMO INFANTIL. Ação julgada procedente para compelir o Munícipio a disponibilizar vaga em escola próxima à residência do infante e que atenda às suas necessidades especiais. Direito indisponível da criança, assegurado pela Constituição Federal, cujas normas são complementadas pelo ECA e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Repartição constitucional de competência que impõe ao Município o dever de atuar prioritariamente na educação infantil mediante a oferta de vaga em creche, assegurando educação inclusiva. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10027293620198260577 SP 1002729-36.2019.8.26.0577, Relator: Daniela Maria Cilento Morsello, Data de Julgamento: 28/05/2020, Câmara Especial, Data de Publicação: 28/05/2020)
Nesse sentido, a Desembargadora concedeu desprovido provimento ao recurso do Município, afastando a sua condenação ao pagamento de taxa judiciária mantendo a sentença em reexame, no sentido de determinar o Município disponibilizar vaga em escola próxima à residência da criança com deficiência.
No Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que foi julgado no dia 11 de maio de 2020, pela 1ª Câmara de Direito Público sob a relatoria do Desembargador Paulo Airton Albuquerque Silva, decidiu por manter a sentença apelada. Vejamos:
CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM FACE DO MUNICÍPIO DE AURORA. DISPONIBILIZAÇÃO DE PROFESSORES E/OU CUIDADORES NAS SALAS DE AULAS DO PRÉ-ESCOLAR E DO ENSINO FUNDAMENTAL ONDE ESTEJAM MATRICULADAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA OU MENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDICIONAR A MATRICULA OU PERMANÊNCIA DESTES ALUNOS À PRESENÇA DOS PAIS. INVOCAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSIVEL. INCABÍVEL. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DEVER DO ESTADO DE PROMOVER POLÍTICAS NECESSÁRIAS À GARANTIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO E À INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO (ART. 58 E S.S.). EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. A educação é um direito social ao qual a Carta Magna confere posição de direito público subjetivo, impondo à Administração o encargo de promover, com políticas sociais concretas e efetivas, o amplo acesso aos estabelecimentos de ensino, ainda mais quando se trata de portadores de necessidades especiais que necessitam de profissionais capacitados para o atendimento de suas limitações, garantia também prevista Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e na Lei nº 9.394 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação. 2. O Ente público demandado deve fornecer condições adequadas ao pleno desenvolvimento da criança ou do adolescente portador de deficiência física ou mental, de modo a proporcionar saúde e educação, amenizando os efeitos dos transtornos que a acometem, sem privá-la de seu direito à educação [...] REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA, MAS PARA MANTER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer da Remessa Necessária, mas para manter inalterada a sentença, nos termos do voto do e. Relator. (TJ-CE-REMESSA NECESSÁRIA: 00053495720168060041 CE 0005349-57.2016.8.06.0041, Relator: PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO, Data do julgamento: 11/05/2020, 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 12/05/2020).
Com base na jurisprudência do TJCE, constatou-se que o relator considerou que há necessidade de profissionais capacitados para atender as pessoas com deficiência para auxiliar em suas limitações e o ente Público deve fornecer condições adequadas ao desenvolvimento das crianças e adolescentes com deficiência, proporcionando à educação e amenizando os transtornos que os acometem sem privar o seu direito à educação.
Um outro caso julgado, é um Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, da 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 22 de julho de 2019, sob a relatoria do Desembargador Paulo Francisco Banhos Ponte, que negou provimento ao agravo. A saber:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALUNO. NECESSIDADE ESPECIAL. PROFESSOR QUE UTILIZA O SISTEMA DE ENSINO BRAILLE. DISPONIBILIZAÇÃO PELO ENTE PÚBLICO. EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO. DIREITO À EDUCAÇÃO. Agravo conhecido e improvido. 1 - O cerne da presente questão consiste em saber se o ente público estatal tem a obrigação de disponibilizar professor especialista em ensino com o sistema Braille para atender aluno com deficiência visual. [...] 3 - Com efeito, a educação é direito público subjetivo, de igual forma outorgado aos portadores de deficiência, efetivado por meio de atendimento especializado. É dever dos entes públicos, em solidariedade, o fornecimento de aulas ministradas por professor habilitado em Braille para atender às necessidades específicas dos deficientes visuais. 4 - Ademais, tratando-se de políticas públicas associadas a direitos fundamentais constitucionalmente previstos não há que se falar em reserva do possível, vez que o estado está obrigado, pela legislação constitucional, a garantir a efetividade do direito. 5 – Agravo conhecido e desprovido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer o agravo de instrumento, mas para negar-lhe provimento, de acordo com o voto do Relator. Fortaleza, 22 de julho de 2019 PAULO FRANCISCO BANHOS PONTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR PAULO FRANCISCO BANHOS PONTE Relator. (TJ- CE-AI: 06276486820178060000 CE 062748-68.2017.8.06.0000, Relator: PAULO FRANCISCO BANHOS PONTE, Data do julgamento: 22/07/2019; 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação; 23/07/2019).
Nesse julgado, o agravo de instrumento foi negado provimento e a decisão recorrida foi mantida em todos seus termos, ficando claro a decisão do relator, Desembargador Paulo Francisco Banhos Ponte, que é dever do Estado oferecer educação escolar a pessoas com deficiência. É dever também do Estado assegurar o ensino igualitário, além das condições de acesso e permanência do aluno na escola, adaptando-se a suas necessidades especiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se propôs a estudar com mais profundidade a Lei 12.764 / 2012, Lei de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, mais especificamente, seus impactos e a aplicabilidade na inclusão social dos portadores de TEA.
Constatou-se que a problemática da não aplicação da lei envolve todos, tanto o poder público, quanto aqueles que estão diretamente ligados ao autista, uma vez que todos devem cobrar medidas e reivindicar direitos para serem cumpridos, pois existem leis no ordenamento jurídico brasileiro para garantir uma melhor qualidade de vida a todos os cidadãos.
Os objetivos do trabalho foram devidamente alcançados, pois houve uma verdadeira análise da lei 12.764 / 2012, de suas alterações e as contribuições na vida do portador de TEA. Também foram identificados os vários riscos da não utilização dos direitos pelos autistas bem como foram analisados os benefícios trazidos pela utilização dos direitos e especificamente da lei 12.764/ 2012 (Lei Berenice Piana). Foram verificadas ainda as enormes dificuldades na inclusão social do autista e quais caminhos a se seguir quando tais dificuldades vierem a acontecer em sua vida.
Portanto, para lidar com os problemas ainda existentes em torno da inclusão social da pessoa autista é necessário ampliar o conhecimento acerca das legislações específicas de amparo a este público ao ponto de ser possível manifestar socialmente a devida cobrança acerca do cumprimento dos direitos previstos. Ademais, ressalte-se a importância da constante fiscalização acerca da aplicabilidade da legislação, bem como das sanções que devem ser aplicadas diante de sua inobservância a fim de que o autista viva em plenitude a tutela jurídica que lhe assegura o convívio social harmonioso e coerente com seu desenvolvimento.
É importante salientar que a educação representa um importante avanço para os sujeitos autistas, verificando a suas necessidades e a de seus familiares que assim o engloba com planejamentos de trabalhos pedagógicos, além de garantir essa formação necessária de professores, profissionais que trabalharão diretamente com as pessoas com necessidades especiais.
E por meio desta pesquisa, constata-se a evolução sobre a percepção de direito à diferença, a inclusão evolui para debates sobre identidade, e não sobre igualdade por força da lei. Para essas crianças serem incluídas, deve ocorrer sérias mudanças no sistema de ensino, tanto pela lei quanto no meio pedagógico.
REFERÊNCIAS
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[1] Coordenador e Professor Mestre do Curso de Graduação em Direito, Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), [email protected].
Graduanda em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PALHANO, Amanda Andrade. Proteção jurídica das pessoas portadoras de transtorno do espectro autista e sua efetivação pelo poder público no âmbito da inclusão escolar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58559/proteo-jurdica-das-pessoas-portadoras-de-transtorno-do-espectro-autista-e-sua-efetivao-pelo-poder-pblico-no-mbito-da-incluso-escolar. Acesso em: 23 dez 2024.
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