SIMONE SOUSA MARCIEL [1]
(coautora)
FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA [2]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo tem como finalidade abordar os alimentos constantes no atual Código Civil, em seu artigo 1.694, bem como sua aplicação em relação aos ex-cônjuges, visto que, há forte discussão, tanto doutrinária quanto jurisprudencial, acerca do caráter da irrenunciabilidade dos alimentos versus a sua adequação aos cônjuges, pois se torna bastante demonstrado que, diferente dos demais casos estabelecidos em lei, os cônjuges não estão ligados pela parentalidade e sim pelo vínculo do contrato matrimonial, deixando esclarecido que a renúncia poderia ser admitida em cláusula contratual do matrimônio. No estudo, utilizou-se da ponderação de dois importantes princípios jurídicos que influenciam de forma contrária diante do assunto discutido: a solidariedade familiar e a autonomia. Foi realizado também, um estudo da tendência jurisprudencial acerca do tema, bem como análise de suas fundamentações, para que, deste modo, houvesse o enriquecimento do conhecimento da atuação dessa regra nos casos concretos. O estudo contribui fortemente para a discussão dessa temática tendo em vista o embasamento principiológico adotado, pois sabe-se que, no Direito, os princípios são utilizados como o pilar da interpretação da norma jurídica. O estudo baseou-se em uma pesquisa bibliográfica, cuja investigação se deu através de críticas doutrinárias, decisões jurisprudenciais, legislações, bem como as demais pesquisas feitas sobre o assunto abordado.
Palavras-chave: Alimentos; Renúncia; Dissolução; Contrato.
ABSTRACT: The present article has as purpose to approach the foods contained in the current Civil Code, in its article 1.694, as well as its application in relation to the ex-spouses, since there is strong discussion, both doctrinaire and jurisprudential, about the character of non-renounceability of foods versus its adequacy to the spouses, because it is quite demonstrated that, unlike the other cases established by law, the spouses are not linked by parenthood but by the bond of the marriage contract, making it clear that the waiver could be admitted in a contractual clause of the marriage. In the study, it was used the ponderation of two important legal principles that influence in a contrary way in face of the discussed subject: family solidarity and autonomy. A study was also made of the jurisprudential tendency on the subject, as well as an analysis of its justifications, so that, in this way, there would be an enrichment of the knowledge of the performance of this rule in concrete cases. The study strongly contributes to the discussion of this theme in view of the principles adopted, since it is known that, in Law, the principles are used as the pillar of interpretation of the legal rule. The study was based on a bibliographical research whose investigation was done through doctrinal criticism, jurisprudential decisions, legislation, as well as other research done on the subject addressed.
Keywords: Alimony; Renunciation; Dissolution; Contract.
Esta pesquisa tem como finalidade a apreciação da possibilidade de renúncia dos alimentos pelo ex-cônjuge, tema que, apesar de muito discutido por magistrados e doutrinadores, não tem decisão acertada pela Corte Suprema.
Tem-se, então, como tema a possibilidade de renúncia dos alimentos pelo cônjuge através da análise do Princípio da Autonomia e Princípio da Solidariedade Familiar. Partindo do mencionado tema, surge então o problema de pesquisa: Analisando o que defende o Princípio da Autonomia e o Princípio da Solidariedade Familiar acerca da possibilidade de renúncia dos alimentos pelo cônjuge, qual deles deve ser priorizado diante de tal caso?
O objetivo do estudo é contribuir para superar a dúvida que restou ao tema dos alimentos para os ex-cônjuge, nos casos concretos no que diz respeito à sua possibilidade de renúncia, cujo assunto atualmente tornou-se uma incógnita no meio jurídico depois da evolução social e jurídica que sofreu a dissolução do casamento.
O presente estudo será desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica, cuja investigação se dá através de críticas doutrinárias, decisões jurisprudenciais e legislações que tratam sobre o tema, utilizando abordagem dedutiva para organização de todos os pontos de vista alcançados e, consequentemente, a síntese do assunto para que se atinja o objetivo final da pesquisa.
O acolhimento do estudo é justificado pela sua relevância para a atualização do ordenamento em relação à sociedade. Sabe-se que, o meio social evolui em um ritmo que muitas vezes impossibilita a aplicação de algumas normas que acabam por tornar-se retrógradas àquele tempo, com isso, se faz necessário o uso das decisões unificadas: as jurisprudências, que fazem o papel de sanar dúvidas jurídicas com muito mais rapidez do que a legislação que tem como característica sua morosidade.
Além disso, o estudo possui contribuição acadêmica, pela existência da possibilidade de extensão de ideias inovadoras acerca do tema, aplicando todo o conhecimento intelectual à prática e conquistando reconhecimento na área científica de seu ramo de estudo, abrindo, inclusive, várias oportunidades de ascensão profissional. No âmbito social, o aprofundamento acerca de tal tema também demonstra grande importância, pois torna viável a adequação da sociedade com as normas e, consequentemente, com as mudanças que aquele período demanda.
A abordagem do tema foi feita através do estudo do tema principal: os alimentos, onde conseguiu-se atingir o entendimento do conceito, fundamentação legal, suas espécies e características para que haja propriedade ao tratar de sua atividade normativa. Houve também um estudo de todo o histórico dos alimentos, com o objetivo de entender a sua necessidade diante da sociedade em meio as suas evoluções.
Logo após, foram abordados os princípios norteadores do assunto discutido: a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e a autonomia. A análise dos princípios é fundamental para orientar a interpretação do Direito, pois são a base teleológica e indispensável para o todo o ordenamento. Após tal análise, observou-se uma colisão entre os princípios da solidariedade familiar e autonomia, que após a sua devida ponderação frente ao caso concreto, concluiu-se qual se sobrepôs.
Em seguida, houve avaliação das principais jurisprudências que trataram sobre o tema, com o objetivo de identificar qual a tendência do magistrado ao longo do tempo no que se refere a renúncia de alimentos pelo cônjuge. Deu-se também devida atenção a emenda 66/2010, que tem forte influência à delimitação de regras sobre a dissolução do casamento e, consequentemente, aos alimentos para o ex-cônjuge.
2.1 Conceito e fundamentação legal
A definição de alimento no entendimento jurídico é amplamente conceituada como os recursos necessários à manutenção da vida, em suas acepções moral, física e social, destinados àqueles que não possuem condições de manter-se por si mesmos, prestados de forma legal, voluntária ou indenizatória (BRASIL, 1988).
No âmbito do direito de família, os alimentos são provenientes do casamento, da união estável ou do grau de parentesco existente, independentemente de os indivíduos permanecerem no laço conjugal.
O novo Código Civil de 2002, prevê:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
O entendimento jurisprudencial, defende que os alimentos são disponíveis para atender as necessidades do indivíduo que não possui condições de provê-los e contribuir para que possa ser mantida a mesma condição financeira, social e educacional havida antes da dissolução do vínculo conjugal ou conforme determinação legal à pessoa portadora de tal direito.
Assim, as definições de alimentos não se baseiam apenas na prestação pecuniária, podem ir além, a partir das espécies, como os alimentos naturais e civis, abrangendo o sustento através da comida ou bebida, educação, instrução, assistência médica, padrão de vida, habitação, vestuário, dentre outros. No entanto, significa dizer que, o conteúdo do alimento, está relacionado a necessidade de cada indivíduo que o receberá, bem como da condição de quem presta.
A fundamentação doutrinária disposta no novo Código Civil, entre os artigos 1.694 a 1.710, contempla a diferenciação entre a obrigação alimentar e direto a alimentos, em que se considera obrigação alimentar aquela devida entre parentes, seja o dever familiar para com os filhos ou outro parente possuidor de tal direito, e ao cônjuge ou companheiro cabe a assistência (ALMEIDA, 2021).
Os alimentos prestigiam de diversos conceitos estabelecidos em meio à vasta doutrina, o que se observa como ponto em comum entre todos é a definição de que, os alimentos são todas as necessidades que a pessoa humana precisa para viver de forma digna.
Dessa forma, seriam os alimentos, todas as prestações que favorecessem aquilo que seria indispensável para a sobrevivência digna daquele que não tem como se prover destas. Tais prestações poderiam ser: vestimentas, tratamentos necessários para manutenção da saúde, habitação, entre outros (GONÇALVES, 2020).
Segundo Dias (2021), o Estado tem como compromisso garantir a vida da pessoa humana e como reflexo dessa garantia, surge então o direito aos alimentos como meio para preservar o princípio da dignidade da pessoa humana, elencado na Constituição Federal em seu artigo 1°, inciso III. Além disto, os alimentos são contemplados como um dos direitos sociais presentes no artigo 6º da CF. Surge então a necessidade de repassar tal obrigação de alimentar para parentes, cônjuges e companheiros, por determinação legal.
Portanto, aquele que não se promover dos meios necessários para a sua subsistência por motivo de idade, doença, falta de trabalho, ou qualquer outro motivo justificável, não deve ser ignorado e a sociedade tem o dever de lhe prestar o devido auxílio. Deste modo, o Estado determina como principais obrigados os parentes, que detêm entre si a obrigação de mútua assistência. Soma-se a esta obrigação o marido e esposa, que não são parentes, mas obrigam-se de mútua assistência com o advento da relação conjugal. Ressalta-se que, com a devida equiparação do casamento com a união estável, obrigam-se também os companheiros a esse dever (VENOSA, 2018).
Tal preceito encontra-se devidamente positivado no artigo 1.694 do Código Civil, no qual estabelece a possibilidade dos parentes, cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. (BRASIL, 2002) Desde já, nota-se a utilização do fundamento baseado no princípio da solidariedade familiar, entendendo ser de onde nasce a obrigação de alimentar (DIAS, 2020). Tal obrigação será norteada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social (FARIAS; ROSENVALD, 2020).
Contudo, na legislação, é possível encontrar várias menções a respeito dos alimentos, como, por exemplo, no artigo 227 da CF, que determina como dever de todos assegurar às crianças e adolescentes o direito à alimentação. Também se encontra o direito no conceito de legado de alimentos, previsto no artigo 1.920 do Código Civil, o qual determina ser o sustento, cura, vestuário, casa, além de educação, se o legatário for menor (DIAS, 2020).
Acredita-se que os alimentos sempre estiveram presentes nas relações familiares e, com o decorrer do tempo, foi conquistando seu devido reconhecimento. Sabe-se que o formato e poder familiar era constituído pelo pátrio poder e, então, ficava estabelecido ao homem o dever de ser chefe da família, bem como a obrigação de prover todo seu sustento. Segundo Dias (2020), essa obrigação se iniciava com o advento da união conjugal, que se convertia na obrigação de alimentar.
De acordo com Venosa (2017), afirma que foi através do Direito Canônico que o conceito de alimentos foi mais abrangido, regulando tal obrigação de acordo com as suas culturas e tradições. No Brasil, o Código Civil anterior regulou a obrigação de alimentos como um dos efeitos do casamento, de modo a ser dever a mútua assistência e o sustento, sendo este apontado como competência do marido, considerado, na época, o chefe de família.
No entanto, era notável, na antiga legislação, o não reconhecimento de filhos ilegítimos como sujeitos de direito para a obtenção dos alimentos pelo pai, que representava fato de grande injustiça com diversas crianças e adolescentes, justificado, na época pelo objetivo da legislação civil em proteger a família. Porém é cabível observar que, nesta situação, ao escolher defender a família de forma tão rígida, acabava a legislação por abandonar a ideia de defesa do direito do ser humano propriamente dito, que deve ser sempre o sujeito núcleo de todo e qualquer direito estabelecido em normas.
Somente após 30 anos, com o advento da revogada Lei 883/49, fixou-se a possibilidade de filhos ilegítimos pleitearem alimentos por meio da investigação de paternidade, estando tal procedimento fadado ao único objetivo de tal direito, não sendo, em regra, reconhecido o parentesco. Foi com o advento da atual Magna Carta, surgiu o princípio da igualdade entre os filhos, o que bastou para ser, finalmente, reconhecidos os filhos espúrios (DIAS, 2021).
Em relação aos alimentos entre cônjuges, eram destinados especialmente à mulher, que em meio à sociedade e, consequentemente, legislação patriarcal e conservadora, normalmente dependia de forma total do seu marido. Em regra, o casamento era indissolúvel e só havia a possibilidade de dissolução através do desquite, que determinava a separação de fato, a dispensa do dever de fidelidade e o encerramento do regime de bens, porém permanecia o vínculo matrimonial mantido e, consequentemente, os ex-cônjuges não poderiam obter outra união. Com a continuação do vínculo matrimonial mesmo após o desquite, continuava perpetuando entre estes a obrigação assistencial determinada no antigo Código.
Nas palavras de Dias (2021), explica com maestria, que, o direito assistencial estabelecido na época era destinado, em regra, apenas à mulher, estando na condição de inocente e pobre. Isso pois, quando era entendido o abandono de lar, não persistia o direito aos alimentos. Ocorre que, apesar de este parecer uma proteção a mulher separada diante de suas necessidades, era, na verdade, um meio de moldar a conduta moral das mulheres, para que se mantivessem em castidade e sem exercício de sua liberdade sexual, mesmo após a dissolução.
A presunção do direito a alimentos, foi mudada com o surgimento da lei do divórcio, que determinava tal direito a ambos os cônjuges, porém com a condição de que, o cônjuge tivesse incorrido em culpa para a separação, pagaria tal prestação ao outro.
Entendia-se como culpa, a conduta desonrosa ou prática que violasse os deveres do casamento, e era pressuposto que, aquele que o fizesse não teria o direito aos alimentos. Portanto, aquele que demandasse tal separação, deveria provar sua inocência e a culpa do réu, para pleitear tais direitos, pois, até mesmo a iniciação da ação poderia ser conduta utilizada para presumir a culpa do autor pela dissolução (DIAS, 2021).
A Emenda Constitucional 66/2010, da qual será tratado em tópico posterior, foi a responsável por eliminar da legislação o elemento da culpa nas dissoluções, resultando, então, no direito alimentar entre cônjuges em situações de necessidade ou de recuperação financeira, como será explicitado a seguir.
2.3 Alimentos para o ex-cônjuge
Uma das modalidades dos alimentos elencados no artigo 1.694 do Código Civil são os decorrentes do vínculo conjugal, que, com a sua dissolução, transforma o dever entre cônjuges de mútua assistência (art. 1.566, CC) em obrigação aos alimentos. Porém, o direito que surgiu destinado às mulheres que, na época, eram vulneráveis financeiramente, com o decorrer do tempo, acabou por sofrer alterações na tentativa de adaptar-se às mudanças sociais.
Com a promulgação do atual texto constitucional, que declara serem iguais o homem e a mulher perante direitos e deveres (art. 5°, I, CF) e com a reforma da Emenda Constitucional 66/2010, os alimentos conjugais obtiveram mudanças significativas em relação a sua forma de cumprimento.
A primeira modificação se deu diante da abrangência de tal direito, a lei anterior não referia, com precisão, que os alimentos eram determinados às mulheres, porém, a realidade confirmava tal hipótese, pois a lei se manifestava quase sempre para a tutela destas. Foi com o advento da igualdade de gênero, estabelecido na Constituição de 88 e no Código Civil, em seu artigo 226, §5°, que ficou esclarecida a possibilidade desta obrigação por ambas as partes, o que abriu a possibilidade das mulheres, com seu avanço social e financeiro, atingirem, também, o papel de alimentantes, quando forem seus ex-cônjuges lesados de necessidades para sua subsistência (BRASIL, 1988).
A segunda alteração significativa desta espécie, foi determinada com o advento da Emenda Constitucional 66/2010, do qual será tratado, de forma mais precisa, em subtópico posterior. O dever de alimentar entre os ex-cônjuges, segundo Dias (2021), trata-se de obrigação que se regra pelo rebus sic standibus, sendo, portanto, devidos os alimentos enquanto perdurar a necessidade que levou à tal obrigação. Importante ressaltar que, tal direito pode ser impetrado mesmo com a mera separação de fato, quando ainda residirem o casal no mesmo local. Além disto, o descumprimento de tal encargo pode até mesmo ensejar em violência patrimonial, determinado na Lei Maria da Penha como uma modalidade de violência doméstica.
3 A IRRENUNCIABILIDADE DOS ALIMENTOS
O direito a alimentos tem como uma de suas características a irrenunciabilidade, determinado no artigo 1.707 do Código Civil. Isso ocorre pois, como bem explicita Gonçalves (2020), tal direito configura como espécie do direito à vida, e por este motivo, o Estado o protege como regra de ordem pública. Diante disto, fica impossibilitado ao sujeito de direito, renunciar aos alimentos futuros. Entretanto, existe a possibilidade da renúncia posterior, ou seja, apenas aos alimentos devidos e não prestados, que ocorre quando não é exercido o direito a alimentos.
Esta característica tem sido tema bastante debatido jurisprudencialmente e doutrinariamente acerca de sua atividade em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, isso porque, diferente dos demais casos, os cônjuges, ao separar-se, não estariam vinculados por parentesco, o que tornaria facultativa a renúncia dos alimentos de forma prévia. Tais entendimentos serão analisados de forma precisa em tópico posterior.
Os autores Ricardo Alves de Lima e Henrique Cassalho Guimarães, fazem importante debate acerca do tema renúncia aos alimentos, quando problematizam a colisão que ocorre, no direito civil, entre os direitos fundamentais, aqui exemplificado pelo princípio da solidariedade, e o direito privado, representado aqui pelo princípio da autonomia, como exposto a seguir:
Ilustrando o problema, pensemos na hipótese de renúncia do direito aos alimentos entre cônjuges; tendo por pressuposto que o direito aos alimentos muitas vezes é essencial para a subsistência de uma pessoa. [...]
É notável a dificuldade de se responder com certeza a estas questões. A decisão sobre o que deve prevalecer, os direitos fundamentais ou a autonomia privada, iniludivelmente não possui uma resposta a priori que seja adequada socialmente à totalidade dos casos que provocam os advogados e que batem às portas do Judiciário. [...]
Fomentar o estudo da constitucionalização do direito privado é preciso. A chave que decifra este verdadeiro hieróglifo jurídico ainda se encontra por construir, mas por detrás deste esforço nos espera a tradução de um modelo que respeita as exigências dos direitos fundamentais e da autonomia privada, franqueando um mundo melhor no porvir (LIMA; GUIMARÃES 2019, p. 8).
Portanto, fica claro o inesgotável debate a respeito da interferência estatal no âmbito privado, que ainda não obteve ponto de consenso pelos apreciadores do Direito Civil, nem mesmo pela jurisprudência. Atualmente, tal problema depende, no caso concreto, de apreciação dos magistrados.
4 A EMENDA 66/2010 E SEUS EFEITOS PARA OS ALIMENTOS ENTRE OS CÔNJUGES
A extinção do vínculo conjugal teve diversas modificações com o decorrer do tempo, isso porque a sociedade evoluía em relação ao formato conjugal, ensejando, deste modo, que obtivessem mudanças legais acerca do contrato nupcial. Com o advento da Constituição de 88, a dissolução matrimonial, que anteriormente só era possível mediante separação decorrida por três anos, mudou o prazo para apenas 1 ano, e, ainda, estabeleceu a possibilidade de divorcio direito quando estivesse comprovado dois anos da separação de fato.
Surge, então, o atual Código Civil, que se notou atrasado em relação aos anseios da sociedade da época em que se tornou vigente, isso pois, neste ainda era presente a separação judicial litigiosa, que determinava até mesmo situações de culpa, que refletiam diretamente no âmbito dos alimentos.
Diante da necessidade de diminuir a intervenção estatal no âmbito privado dos casais, bem como diminuir as burocracias que o divórcio mediante separação judicial acarretava, surgiu a necessidade, a criação da Emenda Constitucional 66/2010 que extinguiu a separação judicial prévia, tornando eficaz somente o divórcio para que fosse possível a extinção do vínculo matrimonial. Com tal modificação, foi extinta, consequentemente, a possibilidade da culpa (BRASIL, 2010).
A inaplicabilidade da culpa interfere diretamente no âmbito do direito aos alimentos, isso porque os revogados artigos 1.702 e 1.704 do Código Civil, estabeleciam a inocência como condição para o recebimento de alimentos. Com tal mudança, para que haja o direito aos referidos alimentos, se faz necessária apenas a necessidade ou vulnerabilidade do sujeito, sendo levado em consideração também a proporcionalidade das condições econômicas do alimentante (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
Frente à tal explicação, faz-se necessário comentar uma espécie de culpa que está disposto no art. 1.694, §2° do Código Civil: § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Ocorre que, o legislador utilizou de tal norma como meio pedagógico para aqueles que se desfizessem de forma imprudente se seu patrimônio, condicionando os alimentos para apenas o indispensável para sua sobrevivência (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
5 INFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO AOS ALIMENTOS
5.1 Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade do ser humano está diretamente ligada aos direitos humanos, que nasce a partir do Direito de Família, princípio esse em destaque por ser o principal entre todos os demais princípios, por encontrar-se no topo do epicentro constitucional.
A Lei Maior, em seu artigo 226, § 7º, expõe este princípio com elementos Jus Natue, apresentando inúmeros conceitos norteadores do direito natural, capazes de evidenciar desde o prisma do seu significado dentro do planejamento familiar, até as mais possíveis situações de vivência da pessoa natural, influenciando no desenvolvimento humano, de modo a garantir as mínimas possibilidades de sobrevivência, não apenas no convívio em sociedade, como também no âmbito familiar, na sua fundação e progresso, como também na dissolução dessa entidade familiar, uma vez que é na família que a pessoa encontra-se inserida, desde o início (NADER, 2016).
É partir deste princípio que todos os outros ganham vida e importância nas relações em sociedade, como o princípio da solidariedade e igualdade, cidadania, além de diversos outros que englobam a ética.
A dignidade da pessoa humana, é o princípio que se inicia entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, contemplado no artigo 1º, III da Constituição Federal, responsável pelo direcionamento, imposição de limites, garantia de direitos do ser humano, onde reside e pela promoção da dignidade, por intermédio de atos conduzidos ativamente em sociedade (DIAS, 2021).
No âmbito conjugal, este princípio demonstra bastante importância no que se refere às consequências que a dissolução causa aos cônjuges, pois tal situação desencadeia um processo de pressão moral e psicológica, principalmente em relação àqueles que dispuseram os anos de convívio com dependência econômica do outro, causando, com a separação, prejuízo à sua condição patrimonial antecedente ao fato, demonstrando um verdadeiro constrangimento não só íntimo como também social, cuja honra é ferida (SILVA, 2017).
É sabido que, determinada verba possui natureza alimentar, quando destinada a subsistência do referido credor e de sua família, constituindo-se em prestação alimentícia ao sujeito que possui a obrigação de prestar os alimentos, aos familiares, seja de maneira voluntária ou indenizatória, em prol da pessoa que carece dos alimentos para sobrevier.
Portanto, tendo por base que o cônjuge é pessoa natural, sujeito detentor de direitos e que a obrigação de prestar alimentos é de extrema relevância, pois concerne a dignidade humana como um ser vivo, compete a este à disposição dos alimentos, que são indispensáveis para o sustento, manutenção da condição social, acesso à saúde, educação, salvo nas situações em que o mesmo possa prover o seu próprio sustento ou quando este os rejeitar, seja durante constância do casamento, no surgimento do laço conjugal ou durante a dissolução.
5.2 Princípio da solidariedade familiar
A Constituição Federal de 1988, destaca a expressão “sociedade fraterna” em seu preâmbulo, chamando atenção para a importância do significado relevante deste princípio, um dos norteadores do direito de família, capaz de englobar e defender os ideais da reciprocidade, fraternidade e empatia para com o próximo (BRASIL, 1988).
A Solidariedade Familiar, compreende a colaboração mútua entre os cônjuges, companheiros e conviventes, no tocante à assistência material ou moral, pois, sabendo-se que o lar, deve ser um ambiente de cooperação, zelo, auxílio e amor, ou seja, um lugar em que prevaleça a solidariedade entre os indivíduos.
A existência da solidariedade entre os membros da família, deve perdurar independentemente da existência ou não da sociedade conjugal, pois caso a solidariedade venha a cessar, é o momento em que a família se mostra em crise, enfrentado obstáculos que podem resultar em prejuízos danosos à convivência e ao futuro dos filhos. Esse momento de crise, poderá ser restaurado, buscando o entendimento, a compreensão do outro e a paz, por intermédio do diálogo amigável e justo, voltando-se o olhar para a necessidade e importância que o outro tem na vida em família (NADER, 2016).
O Estado é o sujeito capaz de intervir nas relações familiares em que os ânimos exaltados, resultaram em conflitos que impedem o convívio harmônico entre os integrantes, trazendo prejuízos a educação e segurança dos filhos, bem como a violação de direitos inerentes aos componentes desse grupo familiar. É por meio do poder judiciário, o mecanismo que o Estado utiliza para assegurar a manutenção da solidariedade e garantia dos direitos da família, por meio das ações processuais, que visam a manutenção dos direitos inerentes à educação, cultura, saúde, segurança, valores básicos e indispensáveis a vida (NADER, 2016).
Contudo, entende-se que o “olhar solidário” para como o próximo, vai muito além dos acordos firmados entre as partes na constituição do casamento, podendo inclusive ser afastada a renúncia feita através de escritura pública, quando houver posterior estado de necessidade, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.
Logo, independente da renúncia aos alimentos realizada pelo ex-cônjuge, o outro deverá agir com empatia e compaixão, buscando ser solidário voluntariamente, diante da evidente e comprovada necessidade em que o ex-companheiro se encontre, como por exemplo, tratando-se uma doença grave, na qual o indivíduo se encontre incapaz física e mentalmente, ou perecendo a espera de um transplante de órgão e doação de sangue.
O princípio da autonomia, também conhecido como o princípio da liberdade, é um dos norteadores do direito de família, garantindo que a família não sofra interferência do Estado ou da sociedade em suas decisões, na maneira como os cônjuges decidem conduzir seus relacionamentos, no âmbito da vida pessoal e na educação de seus filhos (BRASIL, 2002)
O planejamento familiar, depende unicamente da determinação do casal, não sendo permitida a intervenção de quaisquer que sejam as entidades públicas ou privadas, independentemente do interesse em questão. O Estado tem a incumbência de disponibilizar recurso e suporte suficiente para que os indivíduos possam dispor do necessário para a garantir a educação, a saúde e inclusão social, conforme prevê o art. 1.565, § 2º do Código Civil de 2002.
É perfeitamente lícito ao casal optar pelo regime de comunhão de bens que lhes aprouver, administrar o patrimônio familiar na forma que lhes acharem conveniente, exercer o poder familiar com os filhos, envolvendo a criação e educação dos filhos, a guarda e toda responsabilidade decorrente do poder familiar (BRASIL, 2002).
Logo, tendo por base o direito a igualdade entre todos, é essencial a autonomia no direito de família, assegurando o pleno exercício para se constituir ou dissolver a sociedade conjugal, opção pelo regime de bens e suas alterações, dentre outros, fazendo vigorar a autonomia privada, ao particular que resolve conduzir sua vida conforme seus preceitos (DINIZ, 2019)
Destarte, o princípio da autonomia familiar merece respeito por tarde do Estado, visto que os cônjuges ou responsáveis pelo lar, possuem o livre arbítrio para criar, educar os filhos da maneira que considerem cabível, sendo permitida a intervenção do Estado, exclusivamente em situações específicas, segundo preceitua o entendimento de Paulo Lôbo:
O princípio da liberdade diz respeito não apenas à criação, manutenção ou extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e vida privada das pessoas, quando não repercutem no interesse geral (LÔBO, 2018, p.70).
Neste diapasão, não seria diferente com a renúncia aos alimentos pelo cônjuge, manifestação de vontade plenamente válida e eficaz, visto que os alimentos de fato irrenunciáveis são aqueles que se originam do grau de parentesco havido, podendo exercer tal direito na constituição ou dissolução da sociedade conjugal, por meio de instrumento público ou particular de renúncia, uma vez que, considera-se suficientemente capaz de prover seu sustento independentemente do laço conjugal existente.
A renúncia, igualmente poderá ocorrer durante o casamento, através de um contrato firmado entre as partes, que decidem por conveniente, ressalvando o fato de que a manifestação da renúncia, não acarreta a resignação do direito de ação futura (VENOSA, 2017).
6 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA RENÚNCIA DE ALIMENTOS PELO CÔNJUGE
A jurisprudência tem se posicionado constantemente diante da irrenunciabilidade dos alimentos nos casos dos ex-cônjuges e diante desses julgados, destacou-se a Súmula 379, que determinava a irrenunciabilidade dos alimentos no acordo de desquite, o que acabou por torná-la ineficaz, visto que a competência para o tema foi repassada para o STJ, bem como a separação se tornou revogada com a Emenda Constitucional 66/2010.
Estando as supervenientes Leis do Divórcio e Leis Reguladoras da União Estável, inertes à situação, os tribunais admitiam a renúncia por cônjuges e companheiros ao fim da união. Em relação à renúncia prévia e em convivência, os tribunais têm se dividido em suas decisões:
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. EX-ESPOSA E FILHA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL COM CLÁUSULA DE RENÚNCIA. VALIDADE. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. DECISÃO MANTIDA.
[...]
04. Na hipótese, a tentativa de conciliação entre as partes restou frustrada, de modo que apenas após a devida instrução probatória será possível aquilatar a real necessidade de quem postula e a possibilidade de quem se reclama, bem como aferir a validade ou não do pacto formalizado entre as partes, em que a Agravada expressamente renuncia a alimentos em caso de desfazimento da união estável. 05. Não restou comprovada a hipótese de má-fé a justificar a condenação pretendida pelo Agravante, especialmente ante a possibilidade de mitigar as cláusulas do acordo quando, após devida instrução e comprovação, podem ser consideradas abusivas ou excessivas. 06. Recurso provido parcialmente. Unânime.
Acórdão
CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME
Na ementa do Tribunal do Distrito Federal, fica clara a admissibilidade da renúncia a alimentos estipulado em contrato de convivência, restando tão somente a necessidade de instrução probatória para aferir a validade no caso concreto. Difere, em sua ementa, a decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul (2018):
APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS ENTRE EX-COMPANHEIROS. NULIDADE DE RENÚNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. REDUÇÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO. Nulidade da renúncia ao direito de alimentos. Nos contratos de convivência de união estável, realizados no curso da união, é nula a cláusula de renúncia aos alimentos, pois equivale ao afastamento ao dever de mútua assistência, o qual não é disponível. Precedentes. Mantida a sentença que reconheceu a nulidade de renúncia ao direito de alimentos, no curso da união estável.
[...]
DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (Apelação Cível, Nº 70076483700, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 28-06-2018)
Tal decisão fundamenta que o casal se obriga a mútua assistência, a qual é direito indisponível e, portanto, invalida a cláusula de renúncia nos contratos de convivência. Ainda acerca de tal assunto, o Superior Tribunal de Justiça entende ser válida e eficaz a cláusula de renúncia a alimentos de acordo com sua ementa:
STJ, REsp 701.902
A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo. (REsp 701.902/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 249)
A decisão ainda determina não ser permitida o pleito superveniente a cláusula de renúncia, isso porque, ao abrir mão de tal direito, deve o contratante valer-se da boa-fé objetiva, não podendo este frustrar a expectativa agindo de maneira contrária ao acordo, o que revela a venire contra factum proprium. (DIAS, 2021). Deste modo, não fica demonstrando ser justo ou razoável que o ex-cônjuge remeta as expectativas de não obrigação aos alimentos ao outro mediante válida e eficaz renúncia destes e, após o feito, venha o surpreender pleiteando tal direito (SANTOS, 2018).
Para Rizzardo (2019), não é pacífico nos tribunais o que diz a Súmula 397, uma vez que, contraria o fato de que os alimentos alcançam apenas os parentes e o divórcio põe fim a relação de parentesco por afinidade existente os cônjuges.
Em referência, ao exposto acima, o julgado apresenta um entendimento contrário ao analisar o binômio necessidade e possibilidade:
CIVIL - ALIMENTOS PROVISÓRIOS - UNIÃO ESTÁVEL - FIXAÇÃO TRANSITÓRIA - POSSIBILIDADE - BINÔMIO NECESSIDADEPOSSIBILIDADE - REINSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO - VERBA MANTIDA - 1 "Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada (CC, art. 1.694, § 1º). Na espécie, à vista da prova autuada, verifica-se que o alto padrão de vida da família sempre foi proporcionado pelo genitor, o que tem se mantido após a separação do casal. Dessa forma, ainda que desconhecido atual emprego ou renda mensal da agravada, mas ante os fortes indícios de sua precariedade financeira - em contraste com a prosperidade do genitor, há de se manter os alimentos no patamar fixado, sob pena de ameaçar a subsistência da agravada" (AI n. 2014.027007-1, Des. Henry Petry Junior). 2 "A percepção de verba alimentar transitória tem por escopo viabilizar à reestruturação do cônjuge mais vulnerável financeiramente após a dissolução do vínculo afetivo (casamento ou união estável)" (AC n. 2015.031344-6, Des. Henry Petry Junior). (TJ-SC - AI: 20150903771 Capital - Norte da Ilha 2015.090377-1, Relator: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 21/03/2016, Quinta Câmara de Direito Civil).
O julgado ora mencionado, traz à tona os efeitos do binômio necessidade e possibilidade, concedidos somente em casos excepcionais e transitórios, onde a agravada comprova viver em precária situação financeira, inferior ao que precisa para sua subsistência, diante do padrão de vida que possuía durante o casamento e que era mantido pelo ex-cônjuge, situações observadas nos casos em que a mulher optou por cuidar dos filhos e do marido, deixando de lado o profissionalismo e sua independência financeira, tempo dedicado exclusivamente para o bem estar da família, trabalho esse que embora excessivo não deixa de ser gratificante (RIZZARDO, 2019).
O estudo buscou evidenciar, através da análise de pressupostos determinantes, a possibilidade de renúncia dos alimentos pelo cônjuge, tomando por base os princípios da solidariedade familiar e autonomia, visto que dentre tais princípios, um se evidencia a favor e o outro, contra, gerando infindáveis discussões.
Após aprofundada investigação da tendência dos operadores do direito diante do tema, observou-se que ainda não existe um equilíbrio entre a incidência dos princípios, porém, apenas a aplicação de um em detrimento de outro, mediante ponderação, nos casos concretos. É fato que, tratando-se de direito fundamental, flexibilizar as suas inerentes características, torna-se finalidade bastante difícil, visto sua importância para a dignidade da pessoa humana. Porém, por outro lado, não se pode ignorar a importância da liberdade contratual no direito, cuja intervenção do Estado deve ser mínima.
No decorrer do presente estudo, foram esclarecidas as possibilidades de renúncia dos alimentos, no que tange ao livre arbítrio que o cônjuge possui em decidir por aquilo que considera ser o melhor para sua vida e para o casal, bem como se apresentaram os meios utilizados e aceitos dentro da constituição e no direito de família, para validar os instrumentos particulares de renúncia, no momento da constituição do laço conjugal, durante ou na dissolução do mesmo.
Ainda sobre assunto, observou-se, as incidências de validade e eficácia da cláusula de renúncia dos alimentos, constantes nos acordos homologados, que impedem ao ex-cônjuge que os renunciou, a pretensão de pleitear tais encargos no futuro, mas que, em alguns casos, se comprovada sua real necessidade, como prova cabal do seu direito, poderá vir a obter êxito em sua demanda. No entanto, sob outra perspectiva, foram notados casos em que a característica da irrenunciabilidade se demonstrou irredutível, sob defesa dos direitos fundamentais.
Esgrimiu-se, também, a discussão acerca da excepcionalidade e transitoriedade da obrigação de prestar alimentos ao cônjuge, tema este bastante polêmico, pois vai além da vontade das partes, que embora tenham, em alguns casos, o direito o renunciarem aos alimentos, este pode ser mitigado, dependendo da realidade no momento da separação do casal e necessidade do alimentando, onde o Estado poderá intervir, através do Poder Judiciário, com o poder/dever de averiguar a real necessidade com base no binômio necessidade e possibilidade. Por fim, o presente estudo, demonstrou bastante contribuição à temática através do ponto de vista principiológico, que ainda encontra solução por construir, embora seja almejado o desenvolvimento de um pressuposto legal que desembarace tais conflitos, se possível, encontrando a receita que equilibre a atuação dos importantes pontos de defesa aqui apresentados.
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_______. Emenda Constitucional nº 66, 13 de julho de 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. 13/07/2010. Brasília. p. 1, 9 mai. 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc66.htm. Acesso em: 7 mai. 2022.
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[1]Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Professora do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Ana Rileny Messias de. A renúncia dos alimentos pelo cônjuge: análise dos princípios da autonomia e da solidariedade familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58568/a-renncia-dos-alimentos-pelo-cnjuge-anlise-dos-princpios-da-autonomia-e-da-solidariedade-familiar. Acesso em: 23 dez 2024.
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