ILA RAQUEL MELLO CARDOSO
WELLINGTON GOMES MIRANDA
(orientadores)
Resumo: O presente artigo apresenta a conceituação do termo família em seu início, assim como demonstrará a sua evolução no decorrer dos anos. Ademais, aborda a liquidez das relações familiares, assim como a prevalência do afeto sobre a consanguinidade. Com isso, o artigo desenvolve um raciocínio para dispor acerca da multiparentalidade, expõe a legislação sobre o tema e torna a particularidade da paternidade como fator principal. Outrossim, discorre no tocante a figura paternal, bem como informa os direitos e deveres inerentes a este, inclusive tratando da paternidade biológica e socioafetiva. Além disso, trata do princípio do melhor interesse da criança como função essencial e preponderante à aplicação do direito e com o fim de resguardar respeito à autonomia e dignidade da criança. Por fim, relaciona-se o tema, qual seja,o entendimento atual do Supremo Tribunal no que tange ao dever igualitário dos pais e o direito de receber alimentos dos filhos.
Palavras-chave: dignidade da pessoa humana, multiparentalidade, direito de alimentos, proteção integral.
Abstract:. This article presents the conceptualization of the term family at its beginning, as well as intends to demonstrate its evolution over the years. Furthermore, it addresses the liquidity of family relationships, as well as the prevalence of affection over consanguinity. With this, the article develops a reasoning to dispose about multiparenting, exposes the legislation on the subject and makes the particularity of paternity as the main factor. Furthermore, it discusses the paternal figure, as well as informs the rights and duties inherent to it, including dealing with biological and socio-affective paternity. In addition, it deals with the principle of the best interest of the child as an essential and preponderant function in the application of the law and in order to protect respect for the autonomy and dignity of the child. Finally, the topic is related, namely, the current understanding of the Supreme Court regarding the egalitarian duty of parents and the right to receive food from children.
Keywords: human dignity, multiparenthood, right to food, full protection.
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, a evolução do conceito de família é percebida com maior clareza devido à facilidade onde as informações se propagam. Historicamente e tradicionalmente o conceito de família é aquele formado por um homem e uma mulher, cada um com suas respectivas funções, em suma, adstritas ao seu papel feminino e masculino, assim como o dever conjugal.
Todavia, é perceptível que as conjunturas familiares não se restringem em apenas uma, qual seja homem e mulher. Presentemente há diversidades no que tange a tratativa familiar, podendo ser formadas por um homem e seus filhos, apenas a mãe e filhos, duas mães, dois pais, avó e neto, são inúmeras combinações.
Segundo o Dicionário Online de Português, família é um grupo de pessoas que partilham ou já partilharam a mesma casa, pessoas que possuem relação de parentesco ou de afetividade, que se uniram por casamento ou adoção. Enfim, em síntese vislumbra-se que não há um engessamento do conceito de família.
Em vista disso, há necessidade de que a legislação que rege o país esteja conforme a realidade fática da população. A lei maior do Estado brasileiro é a Constituição Federal de 1988, esta dispõe que a família é a base da sociedade devendo ser tratada com especial proteção do Estado.
Diante deste assunto, compreende-se que a conjuntura familiar se dá em diversidades de combinações, busca-se o aprofundamento na esfera da paternidade. Ao discorrer sobre paternidade é possível se deparar com vários conceitos, pode-se extrair que o parentesco poderá ser natural ou civil.
Explicita-se que o parentesco natural é estritamente biológico, sendo aquele que transmite a herança genética à criança. Acerca do parentesco civil, denominado desta forma, pois tem natureza constitutiva, isto é, requer um processo onde o Estado diz o direito ao vínculo familiar, por exemplo, no ato de adoção.
O termo dupla paternidade refere-se a circunstância em que uma criança, naturalmente detentora de um pai biológico, convive com um terceiro que assume a postura, ações e afeto de um pai, sendo este o pai afetivo. Cumpre observar preliminarmente que ao discutir sobre a dupla paternidade, isto é, pai biológico e pai afetivo, levanta-se a questão dos deveres e obrigações de cada um, ou seja, a responsabilidade que lhes deverão ser atribuídas.
Por iguais razões, até uma possível concorrência em relação às tarefas arguidas. Em verdade, pode-se dizer que caberá a ambos a criação, educação, o consentimento de negar ou aceitar algo, enfim, assisti-lo civilmente até a sua maioridade. Nessa senda, rememora-se a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à paternidade socioafetiva, expondo que, neste caso, a paternidade afetiva não exime a responsabilidade da paternidade biológica.
Ora, emerge-se, assim, vários questionamentos em relação de como deverá ser distribuído essas obrigações caso haja a figura dos pais. Reflete-se a hipótese patrimonial da criança, o registro civil, o poder familiar exercido, assim como se os pais não residirem com o menor, como se dará a pensão alimentícia, quem é responsável pelo pagamento?
Nesse ínterim, pretende-se o estudo e análise do questionamento supramencionado, qual seja, como o direito brasileiro trata da responsabilização do direito à pensão alimentícia em se tratando de criança com dupla paternidade, visto que, outrora já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal que a responsabilização entre os pais se dá de forma solidária.
2 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
A família sempre fez parte da história, devido à necessidade de fruto do ser humano em estabelecer relações afetivas de forma estável. Todavia, a conceituação do termo família possui significado diferente a depender do ano em que se propõe a saber. Outrora a significação do termo era restrita apenas a uma circunstância, qual seja, homem e mulher.
Inicialmente, importa destacar que Dias (2015) ao tratar da origem da família aduz que a família é uma construção cultural, dado que, o acasalamento é instintivo à perpetuação da espécie. Vê-se que a reflexão realizada pela autora exclui a condição natural e biológica do termo.
Na atualidade é perceptível que a sociedade em sua maioria entende que a denominação familiar não está condicionada a uma forma específica. Ora, rememora-se que anteriormente, o Código Civil de 2016 havia termos que certificaram a exclusão de entes da esfera familiar, como a denominação de filhos ilegítimos.
O termo filho ilegítimo referia-se àqueles que foram concebidos fora do casamento, ou seja, era conhecido como o filho da infidelidade conjugal. Por esse fato, os legisladores, qual seja, a sociedade da época que elaborou o Código Civil de 2016 dispôs no artigo 359 que o filho ilegítimo somente poderia residir com o seu pai ou mãe desde que o cônjuge consentisse.
Pois bem, questiona-se o porquê desse condicionamento a figura de filho em detrimento da fidelidade dos pais, visto que, a filiação é direito da criança. Quanto a isso, ressalta-se o avanço constitucional, sobre o qual, a Carta Magna que rege o Brasil no presente momento datada de 1988 impõe destaque à igualdade dos filhos.
O artigo 227, § 6.º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Portanto, a disparidade realizada entre os filhos não é mais tutelada pelo direito.
Impende discorrer ainda acerca do reconhecimento da união estável como unidade familiar. O Código Civil de 1916, explica-se, a legislação imediatamente vigente antes da legislação civil atual, declarava em seu artigo 229 que a família legítima era criada pelo casamento e com o matrimônio advinham os filhos legítimos, isto é, fruto dessa união.
Dito isso, é perceptível que até a construção do Código Civil de 2002 houveram grandes empasses para aqueles que não se enquadram nesse padrão. O entrave das pessoas unidas, porém sem a realização da cerimônia matrimonial tomou força, no que tange aos direitos da união, assim como efeitos patrimoniais.
Como a sociedade só aceitava a família constituída pelo matrimônio, a lei regulava somente o casamento, as relações de filiação e o parentesco. O reconhecimento social dos vínculos afetivos formados sem o selo da oficialidade fez as relações extramatrimoniais ingressarem no mundo jurídico por obra da jurisprudência, o que levou a Constituição a albergar no conceito de entidade familiar o que chamou ele união estável.(DIAS, 2015 )
A carta magna atual prevê em seu artigo 226, § 3.º que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Dessa maneira, vislumbra-se a evolução legislativa na tentativa do reconhecimento familiar sem o fator condicionante do matrimônio.
A união estável é explicada como a união de homem e mulher que possuem o anseio de constituir família. Além disso, o Supremo Tribunal Federal em decisão de 2017 declarou que a união estável equipara-se ao casamento para fins de direito sucessório. Diante disso, verifica-se que o direito brasileiro cada vez mais tutela as constituições familiares que não necessariamente estão dispostas em um matrimônio.
Algumas ramificações da família são, tradicional (patriarcal) retiramos a informal neste caso os pais possuem uma união estável, não oficializada, como era interposto, outro modelo é a monoparental, composta por apenas um dos responsáveis, pai ou mãe, ou a anaparental sem a presença de nenhum dos pais, e ainda a família reconstituída composta pela união de um casal com filho(s) de uma união anterior.
A Constituição da República Federativa do Brasil modificou todo o contexto de família, uma das principais mudanças foi imposta em seu artigo 5.º “Todos são iguais perante a lei”, ou seja, homens e mulheres têm os mesmos direitos, não impondo mais o modelo patriarcal, onde o homem era único provedor da família.
Este modelo de construção familiar é denominado várias formas além de família recomposta, família mosaico, transformada, dentre outras. São famílias que não há vínculo entre o pai e a mãe sanguíneo, ou seja, é formada quando pelo menos um dos cônjuges possui um filho de um relacionamento anterior. É originado de uma recomposição afetiva, onde pelo menos um dos dois (homem ou mulher) tinha uma união e desta gerou uma criança, transformando-se em um novo casal.
O estereótipo construído no passado, o qual colocou gerações e gerações de mulheres sob julgo de maridos, que foi reafirmado incansavelmente pela teledramaturgia, repisando a lenda: “famílias felizes são aquelas formadas por pai, mãe e filhos”, deixando de fora da prometida “felicidade” as demais famílias que não se adequam ao estereótipo social, já está desacreditado.( LAS CASAS, 2022)
Com este novo modelo nos deparamos com uma nova estrutura, uma variação de relação, as pessoas envolvidas na relação têm novos parentes que não são sanguíneos, e começam a criar laços de afinidade. Como, por exemplo, agora o homem que chegou na nova família já composta, começa a criar laços afetivos de pai com a criança ali já existente, a mesma coisa ocorre com a criança, com a figura do agregado, como um exemplo de pai.
Nesse sentido, cumpre evidenciar o artigo 1513 do Código Civil de 2022 que aduz “é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. O artigo citado traduz um princípio do direito brasileiro, qual seja, o princípio da não intervenção, da liberdade familiar.
Pois bem, retornando à análise do art. 1.513 do CC/2002, deve-se ter muito cuidado na sua leitura. Isso porque o real sentido do texto legal é que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família. Porém, o Estado poderá incentivar o controle da natalidade e o planejamento familiar por meio de políticas públicas.(TARTUCE, 2014)
A ressalva realizada pelo autor é demasiada importante, pois apesar da autonomia familiar para organizar a estrutura ainda podem ocorrer limitações, por exemplo, diante de violações da criança e do adolescente. O Estado através do Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 24 “a perda e a suspensão do pátrio poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações”
O apontamento da evolução do conceito de família introduz reflexões acerca da liquidez das relações, Las Casas (2022), associa a teoria de Zygmunt Bauman no que tange a volatilidade das relações aplicada aos relacionamentos pós-modernidade possuem como características relacionamentos instáveis, efêmeros, transitórios.
Interpela-se, a autonomia na construção das relações é prejudicial ou positiva para a sociedade. A proteção estatal do matrimônio interposta anteriormente tinha como objetivo a proteção contra a liquidez das relações ou é fato que a garantia documental não satisfaz o protecionismo resguardado.
Isto posto, entende-se que a legislação ora trata da autonomia e liberdade, outrora dispõe acerca de penalidades, por assim dizer, realizadas pelo Estado. Diante disso, busca-se conhecer a aplicação atual de circunstâncias familiares no que tange especificamente a reorganização familiar defronte a multiparentalidade.
3 CONCEITO E PORMENORIZAÇÃO DA DUPLA PATERNIDADE
O conceito de família já elucidado anteriormente vem sofrendo alterações diariamente assim como possui inúmeras ramificações. Com isso, além da família tradicional onde a relação se constituía apenas pelo pai biológico, nasce uma nova possibilidade: a multiparental ou pluriparental.
Hoje, fala-se em Direito das famílias de modo plural e ampliado, não apenas aquela formada dentro do estereótipo, a família pós-moderna vai além do vínculo biológico, ela é formada pelo vínculo afetivo, tendo inúmeras variações, seja as constituídas por mães ou pais solteiros, famílias formadas por novos casamentos, agregando filhos de casamentos anteriores e filhos do novo casal, casamentos entre indivíduos do mesmo gênero etc.(LAS CASAS, 2022)
Impende sublinhar que o direito atual é um direito das famílias, devido à pluralidade de ramificações existentes. Sendo esse o termo adequado, para abarcar a realidade social, e sobretudo incluir as relações, que outrora eram desprezadas, como a situação do filho ilegítimo citado anteriormente.
A palavra pai oferece um sentido completamente amplo, originado do latim pater, em geral, nos remete uma figura paternal, um chefe patriarcal, o provedor da família. Antes do advento da Constituição da República Federativa do Brasil a construção de um novo grupo familiar deveria ser apenas pelo casamento, caso contrário seria considerado nulo.
Para exemplificar o conceito de pai biológico revisita a consanguinidade, que descende da mesma árvore genitora. Segundo o Artigo 1.593 do Código Civil o parentesco poderá ser natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, ou seja, o pai biológico em termos técnicos seria o natural, o qual possui o mesmo tipo sanguíneo.
No que diz respeito a dupla paternidade, conforme a própria nomenclatura, refere-se a dois pais, explica-se, um biológico por razões de consanguinidade e outro afetivo por razões de vínculo afetivo, também nessa classificação por adoção, que possui como uma das características a constituição civil.
Segundo Alves (2020), pai reside no direito assegurado pela dignidade do amor, sendo esta que o une ao seu filho, além disso, declara ser pai aquele que se a(pai)xona. Vê-se que o autor traduz uma concepção estritamente afetiva para tratar da figura paternal, indicando o afeto como seu principal atributo.
Paternidade socioafetiva é um dos tipos de paternidade que não existe o vínculo consanguíneo como o anterior, e também não é constituído pela adoção, mas é um vínculo reconhecido pela sociedade por existir o afeto, amor, a reciprocidade paternal e filial.
A parentalidade socioafetiva como modalidade de parentesco civil, sob a cláusula “outra origem”, adicionada pelo novo Código (para além dos casos de adoção) não é apenas criação jurídica da lei. Antes, recepciona a lei as situações fáticas e variadas que plasmam espécies de parentalidades, como representações suficientes de pais e filhos, que assumem-se, recíproca e conscientemente, por afeição, como se pais e filhos fossem, inexistente o “jus sanguinis”. Nessa toada, tais parentalidades consolidadas são reconhecidas e merecem amparo jurídico. (ALVES, 2020)
O reconhecimento da parentalidade constituída pelo afeto é o direito tutelado à realidade fática. Dias (2015) dispõe que “o parentesco deixou de manter, necessariamente, correspondência com o vínculo consanguíneo. Basta lembrar a adoção, a fecundação heteróloga e a filiação socioafetiva.
Acrescenta-se ainda, segundo Dias (2015) transcorridos quase 100 anos entre o código civil de 1916 e código civil de 2002 é latente as transformações sociais, com destaque ao âmbito da família, por isso, alguns princípios que serviam para a família do século passado não se aplicam, nem tampouco se justificam nos dias atuais.
No Brasil a discussão da possibilidade de manter dupla paternidade foi tema do Recurso Extraordinário n°898.060 julgado em 21/09/2016, tendo como relato o Ministro Luiz Fux, a tese fixada em suma é pautada no princípio da dignidade da pessoa humana, além de declarar que os modelos pré-estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil e Código Civil são meramente exemplificativos.
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a dupla paternidade não fragmenta as obrigações e deveres dos pais. Ora, “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (STF, RE nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017).
No mesmo sentido, destaca-se decisão do Tribunal de Justiça do Tocantins, (Apelação Cível 0001157-93.2015.8.27.2737, Rel. Angela Maria Ribeiro Prudente, Gab. Da Desa. Angela Prudente, Julgado Em 28/04/2021, Dje 13/05/2021 17:33:44):
[...] 3. É direito de todo cidadão o reconhecimento de sua filiação biológica. A jurisprudência é pacífica no sentido de que nada impede até mesmo o duplo registro de pais biológicos e afetivos, não havendo necessidade de desconstituir o pai afetivo do registro para incluir o pai biológico, ou o contrário, contudo o filho pode querer que apenas um deles conste em seu registro civil [...]
Com isso, nota-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva conjuntamente o biológico segue como entendimento substancial em todo o território nacional. Pautando-se o juízo de primeira e segunda instâncias nos Tribunais superiores, com o fim de conglomerar apreciação pacificada de casos semelhantes.
Então, diante da possibilidade de haver mais de um pai ou mãe constarem na certidão/ de nascimento, eclode a multiparentalidade. Com isso, nasce o Provimento n°63 de 14/11/2017 para instituir modelos de certidão de nascimento, casamento e óbito de pessoas naturais, ademais dispõe acerca do reconhecimento voluntário e averbação da paternidade e maternidade socioafetiva.
Importa citar alguns dispositivos do provimento supracitado, qual sejam:
Art. 10. [...] § 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.
Art. 10-A [...] § 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade - casamento ou união estável - com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida. grifo nosso
Salienta-se a importância de tal provimento, isto é, o ato de regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, sobretudo para assegurar maior autonomia àqueles que pretendem à adoção socioafetiva. Trata o tema com seriedade por considerar a ação voluntária e irrevogável, contudo possibilita a revisão judicial.
Percebe-se através das leis e normas, que o Estado por meio dos legisladores está se amparando no artigo 227 da constituição federal de 1988, que prevê ser papel da família, sociedade e do Estado assegurar à criança, adolescente e ao jovem com absoluta prioridade a ressalva dos seus direitos.
Posto isso, restou demonstrando a conceituação e amparo legal à multiparentalidade, neste caso pela dupla paternidade. Razão pela qual a criança ou adolescente poderá ter o nome de dois pais na documentação civil devido a uma relação de consanguinidade biológica e outra afetiva.
4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
A criança, um ser que possui direitos e obrigações, é essencial na constituição de novas unidades familiares. Por isso, a legislação brasileira introduz normas que os resguardam, assim como prevê penalidades àqueles que ferem a dignidade dos mesmos.
Em vista disso, com o advento da Constituição Federal de 1988 houveram algumas alterações relacionadas ao melhor interesse da criança e adolescente. Antes disso, destaca-se que no artigo 2.º da Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1959 sua redação expressão trazia que:
A criança gozará de proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança. grifo nosso
Na legislação atual podemos extrair o Princípio do Melhor Interesse da Criança do Artigo 227, caput, da Constituição Federal sobre o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, os seus direitos além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido leciona o artigo 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê ser dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Ao analisar todos estes normativos, observa-se a preocupação na formação das crianças, que está vinculada a saúde, cultura, educação, respeito e todos os aspectos morais, sociais e psíquicos. Ora, o legislador ao discorrer sobre este princípio considerou que o interesse da criança e do adolescente deve ser considerado primordialmente em todas as demandas judiciais.
O princípio do melhor interesse da criança foi instituído porque outrora havia uma inversão de valores e prioridades nas relações entre pais e filhos, seja no âmbito da convivência familiar ou quando existiam problemas, como nas separações de casais. Nesta época, o poder pátrio existia em função do pai, enquanto a autoridade parental ou poder familiar ocorre em função e no interesse da criança. Nas separações dos pais, o interesse do filho era secundário ou irrelevante. Com a evolução doutrinária e do ordenamento jurídico pátrio, hoje, qualquer decisão deve ser tomada considerando seu melhor interesse. (BORZANI, 2020)
Vê-se, em contrapartida, que o princípio aplicado tem como objetivo garantir dignidade à criança, eximindo-a de ser um objeto ou moeda de troca diante da separação dos pais. É considerar a criança como detentora de vontades, consciência e autonomia pessoal.
Rememora-se que anteriormente a criança nem sequer poderia optar pela escolha pelo lar após a separação dos pais. Na atualidade, o artigo 28 § 1° do Estatuto da Criança e do Adolescente expressa que, sempre que possível a criança ou adolescente serão ouvidas e respeitadas para a colocação em família mediante guarda, tutela ou adoção.
Vale (2020) enuncia que o princípio do melhor interesse da criança objetivou o resgate das crianças de uma condição de inferioridade, na qual eram tratadas como objetos e não pessoas que possuíam direitos. Além desse aspecto de autonomia da criança, o princípio do melhor interesse garantirá dignidade. Conforme salientado, é tratá-los como detentores de direitos em todas as circunstâncias. Do mesmo modo na vigência e constituição de novo seio familiar qual seja o socioafetivo.
Ademais, cumpre destacar que o princípio do melhor interesse da criança é utilizada como fundamentação à preservação dos direitos da criança, veja-se trecho de julgamento do Recurso Especial nº 1.674.849 - RS (2016/0221386-0) pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...]O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho.[...]grifo nosso
Vislumbra-se no que tange a judicialização de casos envolvendo crianças os tribunais brasileiros têm considerado cada vez mais, a criança como sujeito de direitos, aplicando o princípio e aplicando efetivamente a disposição constitucional do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil que prenuncia a proteção absoluta das crianças.
5 PENSÃO ALIMENTÍCIA COMO DIREITO PERSONALÍSSIMO
O direito dos alimentos advém das necessidades básicas da pessoa humana. Apesar do termo “alimentos”, o termo refere-se ao vestuário, educação, habitação, assistência médica, isto é, compreende toda provisão financeira que o alimentante necessita, segundo as capacidades e condições que o alimentado pode prover.
Com isso revisita o binômio da criança e do adolescente, elencado no artigo 1.694 inciso 1° do Código Civil “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Neste caso o artigo implicitamente indica um valor máximo ao da pensão que seria a necessidade do menor. Por outro lado, pode-se apontar a possibilidade de valores aplicados a este menor, será ponderado proporcionalmente na necessidade do menor e possibilidade do credor, assim, chegando a um valor justo.
Dito isso, importa destacar que para o alimentante usufruir o direito de ter as suas necessidades supridas esta não ocorre desenfreadamente nem tampouco sem limitações. Ressalta-se que o tem como fundamento o artigo 229 da Constituição Federal, e estão elencados nos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil de 2002, este direito é solicitado por um dos cônjuges, e se trata de uma quantia fixada por um juiz, para a manutenção do filho.
…a palavra "alimentos" vem a significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção. (CAHALI, 2002, p. 16).
Dito isso, o direito personalíssimo brevemente é aquele que, relativo à pessoa de modo intransferível, ou seja, só por ela pode ser exercido. Como é o caso do exercício do direito de alimentos, que deve advir para aquele que o recebe, neste caso, a criança receptora da pensão alimentícia.
A partir deste contexto podemos tratar a pensão alimentícia como um direito personalíssimo. Alves e Neves (2010) reforçam que um direito personalíssimo não pode ser transferido para outra pessoa; é um direito irrenunciável, pois predomina o interesse público nessa relação; se trata de um direito intransmissível, não podendo o sucessor exigir tal direito; o direito de reclamar alimentos é imprescritível, não importa quando o necessitado queira pleitear alimentos; e para finalizar a pensão alimentícia não poderá ser compensada, pois, tem por finalidade a subsistência do necessitado.
Diante disso, rememora-se o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e cumprir as determinações judiciais”.
Questiona-se, havendo criança, devidamente registrada por ambos os pais afetivo e biológico que não residem mais com o filho quem possui o dever de prover alimentos. Ora, o STF declarou não haver disparidade de direitos entre os tipos de filiação. Miquilino (2020) diz que havendo multiparentalidade deve ocorrer a solidariedade, contudo deve respeitar o binômio necessidade e possibilidade de quem paga.
Ademais, salienta o voto do Ministro Luiz Fux em julgamento ao Recurso Ordinário n°898.060:
[..] 1º) Tratar a paternidade responsável apenas sob o viés material importa em um afastamento do conteúdo do direito fundamental da criança e do adolescente de receber um cuidado integral de seus pais.
2º) Por outro lado, afastar-se do reconhecimento de que existe o dever jurídico do pai e da mãe de propiciarem a alimentação, o cuidado sob os pontos de vista material e financeiro, e até mesmo sob o aspecto sucessório, também seria minimizar o conteúdo jurídico da paternidade, bem como da maternidade.
“O reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo, admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins sucessórios”.
Verifica-se que o aplicador da lei não deve ater-se a interpretação literal e fria da lei, pois estaria afastando direitos da criança, com isso importa realizar interpretação extensiva de toda conjuntura legislativa de modo a assinalar que as decisões devem condizer com a modificação das relações atuais.
O Supremo Tribunal manifestou desta feita que havendo a parentesco biológico este não invalida o socioafetivo e juntamente não excluem as responsabilidades paternas, como o dever de sustento, acondicionado de forma solidária e proporcional aqueles que exercem o poder familiar.
Portanto, a controvérsia atual no que tange a discussão referente a pensão alimentícia parte do pressuposto de considerar o melhor interesse da criança, observando o binômio necessidade, possibilidade e precipuamente, buscar a aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal com a legislação e princípios já existentes.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, restou demonstrado que as mudanças na sociedade são constantes e rápidas. Com menos de 100 anos de história ocorreram diversas modificações na legislação. Apesar disso, sobrevém a necessidade de proceder às alterações, como no caso da multiparentalidade que possui apenas provimento do Conselho Nacional de Justiça.
É perceptível que a Carta Magna brasileira é carreada de princípios, direitos fundamentais e sobretudo preza a dignidade da pessoa humana. Por este fato, entende-se que diante de situações familiares, ou circunstâncias não regulamentadas preza-se pelo respeito aos princípios.
Ao tratar da criança e do adolescente, o Estado tende a proteção integral, com absoluta prioridade, dado que, os mesmos, ainda que sejam seres de direito e consciência, na maioria das circunstâncias são as partes mais vulneráveis da relação. Destaca-se que o princípio do melhor interesse da criança cumpre a função de prover tratamento digno.
Nesse ínterim, a desenvoltura do tema às novas relações familiares, sobre a qual, uma criança pode ter o nome de dois pais em sua certidão de nascimento encontra amparo na proteção integral em todos os aspectos, desde o respeito à vida, honra, dignidade e cuidado até mesmo ao provimento das necessidades básicas.
Asseverou que os tribunais brasileiros, qual sejam Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e demais instâncias julgadoras nas decisões que diz respeitam a evolução e diversidade de relações prezam pela essencialidade da Constituição da República Federativa do Brasil que é a dignidade da pessoa humana, o respeito às condições de livre escolha às conjunturas familiares.
Finalmente, diz-se que os reflexos da pensão alimentícia sobre o direito ao recebimento de pensão alimentícia estão em consonância com as garantias e direitos constitucionais da criança, pois, ao declarar a solidariedade e dever de igualdade entre os pais preza pelo melhor interesse da criança.
ALVES, Dayane Rodrigues; NEVES, Fabiana Junqueira Tamaoki. Aspectos gerais sobre a pensão alimentícia. In: Revista acadêmica Unitoledo. Publicada em 2010. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2579/2246>. Acesso em: 22 jan. 2022.
BORZANI. Alexandre. COVID-19 x Princípio do melhor interesse da criança. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1427/COVID-19+++++x++++Princ%C3%ADpio+do+melhor+interesse+da+crian%C3%A7a Acesso em: 10 mar. 2022
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.
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graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica de Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUTRA, milena alexandre. A Dupla Paternidade e os Reflexos na Pensão Alimentícia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58628/a-dupla-paternidade-e-os-reflexos-na-penso-alimentcia. Acesso em: 23 dez 2024.
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