RESUMO: Este trabalho tem como objetivo fazer uma análise das nanotecnologias e sua repercussão no Direito, abordando mais especificamente o tema da responsabilidade civil diante dos possíveis danos causados por essa nova tecnologia. A nanotecnologia vem com a promessa de fazer uma revolução em todos os campos da sociedade onde ela atua, otimizando e barateando serviços e produtos de forma surpreendente, mas como toda inovação tecnológica tem seus pontos positivos e negativos. Abordamos temas como a falta de legislação especifica que regulamenta essa matéria, as dificuldades em reconhecer o dano advindo de nanotecnologias, os possíveis danos que ela pode causar ao ser humano e ao meio ambiente. Para tanto, adotou-se uma metodologia de pesquisa de natureza qualitativa com o procedimento técnico de pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Nanotecnologia. Responsabilidade civil. Direito Ambiental.
INTRODUÇÃO
Nos últimos séculos a sociedade passou por grandes transformações em todos os seus segmentos e a ciência de forma geral é uma das forças propulsoras de todas essas transformações. A cada dia que passa os avanços e inovações das tecnologias parecem nos mostrar que não têm limites. Diante deste cenário de transformações e inovações surgiram as nanotecnologias com a promessa de ser a “tecnologia do futuro” fazendo uma revolução nas varias áreas de atuação do ser humano.
A abordagem da nanotecnologia a luz da responsabilidade civil se justifica pelo fato da potencialidade de danos que as nanotecnologias podem causar ao ser humano e ao meio ambiente. A importância deste tema advém do fato das nanotecnologias serem uma tecnologia nova potencialmente danosa e a inexistência de uma legislação especifica que regulamente o tema e trace parâmetros básicos para uma maior segurança do ser humano e do meio ambiente.
Para se ter uma maior abrangência sobre o tema, a problemática deste trabalho é fazer uma analise geral das nanotecnologias e sua repercussão na responsabilidade civil. Partido da hipótese de danos causados por nanotecnologias, analisaremos a aplicação da legislação geral na falta de uma legislação especifica sobre o tema, bem como analise dos pressupostos da responsabilidade civil e tipo de responsabilidade. Além disso, verificaremos quem deve ser responsabilizado e indenizar os danos provocados por nanotecnologias.
Este trabalho tem como objetivo geral fazer uma analise da responsabilidade civil de danos causados por nanotecnologias. Abordaremos de forma especifica a potencialidade danosa das nanotecnologias, a aplicação da legislação geral na falta de uma legislação especifica sobre o tema, o tipo de responsabilidade civil, as dificuldades de se reconhecer os danos causados ao ser humano e ao meio ambiente e apontar possíveis caminhos a serem seguidos.
O trabalho foi dividido da seguinte maneira: conceito e aspectos históricos das nanotecnologias; a falta de legislação especifica sobre o tema e a aplicação da legislação geral; projetos de lei que visam a regulamentação do tema; danos causados por nanotecnologias ao ser humano e ao meio ambiente; o direito à informação e a proteção do consumidor previsto no CDC; e as dificuldades de reconhecer os danos causados por nanotecnologias e estabelecer o nexo causal.
Como metodologia de pesquisa adotou-se um estudo de natureza qualitativa com o procedimento técnico de pesquisa bibliográfica. Serão utilizadas como fontes da pesquisa bibliográfica a legislação, a doutrina, princípios, relatórios, livros e artigos publicados em revistas científicas e na rede mundial de computadores.
2 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NANOTECNOLOGIA
Antes de adentrar nos aspectos históricos da nanotecnologia é necessário fazer algumas considerações, bem como conceitua-la. Nanotecnologia pode ser definida como sendo “a compreensão e o controle da matéria em dimensões aproximadamente entre 1 e 100 nanômetros” (BORJES, ENGELMANN e GOMES, 2014, p. 6). A nanotecnologia pode ser conceituada também como a manipulação de “átomos e moléculas para realizar processos, construir coisas ou construir seres vivo” em uma escala de nanômetros (GUAZZELLI e PEREZ, 2009, n.p)
A nanotecnologia não é apenas uma nova tecnologia e sim o estudo e manipulação de matéria em uma escala de 1 a 100 nanômetros. O nanômetro (representado pelas letras nm) é uma unidade de medida utilizado pelo sistema internacional de unidades (SI), o prefixo nano vem do grego nanos, que significa anão (BORJES, ENGELMANN, e GOMES, 2014, p. 6). Segundo Guazzelli e Perez (2009, n.p):
A chamada nanotecnologia é um termo abrangente que engloba muitas áreas de pesquisa e de manipulação de objetos medidos em nanômetros. É, na verdade, um conjunto de conhecimentos e de tecnologias – as nanotecnologias. Também são chamadas de tecnologias em nano escala. Então, nanotecnologia refere-se a coisas extremamente pequenas, invisíveis ao olho nu e a quaisquer outros instrumentos, exceto aparelhos muito poderosos. É uma palavra relativamente nova, desconhecida da grande maioria da população. A nanotecnologia manipula átomos e moléculas para realizar processos, construir coisas ou construir seres vivos. Ela funciona re-arranjando a matéria na escala de átomos, que são a forma estrutural mais elementar de qualquer coisa ou de qualquer ser vivo. A “matéria-prima” usada pela nanotecnologia são os elementos químicos da Tabela Periódica – os blocos básicos de construção de tudo quanto existe - tanto animado (que tem vida) quanto inanimado (não vivo).
A manipulação da matéria em nanoescala jamais tinha sido realizada pelo ser humano. A construção e desenvolvimento de aparelhos cada vez mais potente possibilitou a manipulação da matéria cada vez mais em uma escala menor.
Para se ter uma ideia do tamanho de um nanômetro (nm) podemos afirmar que ele equivalente a uma bilionésima parte de um metro ou a uma milionésima parte de milímetro. Segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (2010, p.11), um nanômetro “é aproximadamente 100 mil vezes menor do que o diâmetro de um fio de cabelo, 30 mil vezes menor que o diâmetro de um fio de teia de aranha ou 700 vezes menor que um glóbulo vermelho.”
Historicamente podemos afirmar que a primeira pessoa a apresentar uma ideia do que seria a nanotecnologia foi Richard Feymann em 1957, numa palestra intitulada “There’s plenty of room at the bottom: invitation to enter a new field of Physics” (“Há muito espaço lá em baixo: convite para entrar num novo campo da Física”). Nesta palestra Feymann apresenta as possíveis e incríveis possibilidades de se trabalhar com materiais em escala atômica (FIGUEIREDO, 2006, p.12).
É importante ressaltar que, embora a ideia do que seria a nanotecnologia ter sido apresenta por Feymann, o termo nanotecnologia foi utilizado pela primeira vez, em 1974, pelo professor Norio Taniguchi da Universidade de Tóquio (FIGUEIREDO, 2006, p.12). Nesse sentido (EMBRAPA, 2022, n.p):
A palavra usada para denominar essa ciência em nanoescala sugerida por Feynman, ou mais precisamente, o termo nanotecnologia, surgiu apenas em 1974, quando um pesquisador da Universidade de Tóquio, Norio Taniguchi, fez a distinção entre engenharia em escala micrométrica (por exemplo: a microeletrônica) e o novo campo da engenharia, em escala submicrométrica, que estava começando a emergir (FISHBINE, 2002; TANIGUCHI, 1996). Avanços significativos em nanotecnologia não foram notados até o início da década de 1980, devido à ausência de novos instrumentos que permitissem a nanomanipulação, como por exemplo, os microscópios de varredura por sonda (SPM), de varredura por tunelamento (STM), de campo próximo (NFM) e de força atômica (AFM). Esses instrumentos vêm promovendo os "olhos" e os "dedos" necessários para medir e manipular materiais em escala nanométrica (FISHBINE, 2002; SAKAKI, 1999), permitindo assim manipular átomos, moléculas, proteínas, DNA, etc.
Atualmente as nanotecnologias vêm sendo aplicada nas mais diversas áreas da vida do ser humano, como em produtos para o mercado de consumo, medicina, eletrônica, ciência da computação, física, química, biologia, engenharia dos materiais entre várias outras áreas, para aperfeiçoar e dar novas caraterísticas e funções trazendo grandes vantagens.
As nanotecnologias têm suas desvantagens também, pois ela pode trazer riscos ao ser humano e ao meio ambiente ante a ausência de estudos científicos de longo prazo que demonstrem as consequências da manipulação da matéria nessa escala. Ressalta-se que o Brasil não tem legislação especifica regulamentado a nanotecnologia, diante deste panorama e que se passa agora a análise da falta de legislação e aplicação da legislação geral ao tema.
3 FALTA DE LEGISLAÇÃO ESPECIFICA SOBRE O TEMA E APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO GERAL
As normas jurídicas, de maneira geral, têm a função de regulamentar e organizar a vida do ser humano em sociedade garantindo assim a segurança jurídica. Dentro do sistema jurídico geral temos os micros sistemas que regulamentam áreas ou temas específicos. As nanotecnologias são um tema interdisciplinar que se encontra sem uma regulamentação especifica. No Congresso Nacional existem quatro projetos de lei para regulamentar o tema: os Projetos de Leis n. 5.076/2005 e 131/2010, ambos já foram arquivados, e os Projetos de Leis n. 6.741/2013 e 5.133/2013, estão em tramitação (BRASIL, 2015, n. p).
O Projeto de Lei nº 6.741/2013 “cria a Política Nacional de Nanotecnologia voltada ao incentivo à pesquisa, desenvolvimento tecnológico e controle pelo Poder Público dos riscos e impactos” (BRASIL, 2015, n. p); já o Projeto de Lei n. 5.133/2013 “cria a obrigatoriedade de inserir no rótulo de todos os produtos à base de nanotecnologias” (Engelmann, 2015, n. p). Percebe-se que o Brasil não tem uma legislação especifica sobre as nanotecnologias.
Em relação a responsabilidade civil, o Projeto de Lei n. 6.741/2013 que está em tramitação na Câmara dos Deputados, no seu art. 19 traz a seguinte disposição:
Art. 19 São responsáveis pelos danos oriundos de atividades desenvolvidas com o uso de processos, produtos ou derivados de nanotecnologia, as instituições coordenadoras das atividades, pessoas físicas e jurídicas, ressalvado o direito de regresso.
Parágrafo único. O Poder Público é solidário pelo dano quando no exercício irregular de suas atribuições de registro, elaboração de planos de monitoramento e fiscalização, e demais atos atribuídos por esta Lei. (BRASIL, 2015, n. p)
O dispositivo citado acima tentar abranger o maior número possível de pessoas que podem vir a ser responsabilizas, inclusive o poder público, de forma solidária quando atuar no exercício irregular das atribuições que a lei lhe confere.
Diante de um dano causado por nanotecnologias e da falta de legislação especifica sobre o tema podemos aplicar a legislação geral de responsabilidade civil como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e a legislação ambiental, mas a falta de legislação sobre nanotecnologia interfere na definição das linhas gerais e requisitos para uma maior segurança em relação às nanotecnologias.
Embora a legislação geral seja aplicada aos danos causados por nanotecnologia, uma legislação especifica sobre o tema se faz necessária, pois ela vai estabelecer conceitos, princípios, diretrizes, estabelecer responsabilidades e sanções civis e administrativas. Passamos agora ao estudo dos danos causados ao ser humano e ao meio ambiente.
4 DANOS CAUSADOS POR NANOTECNOLOGIA
Embora não tenhamos estudos conclusivos sobre os danos e riscos que as nanotecnologias podem causar elas podem sim oferecer riscos saúde humana e ao meio ambiente, como bem esclarece Borjes, Engelmann e Gomes (2014, p. 10):
Ainda que prematuros, os estudos decorrentes da utilização das nanotecnologias com o ar, a água e o solo demostram a potencialidade de ocorrência de riscos ambientais e riscos nos próprios seres humanos. A partir de testes realizados em cobaias (em animais, como peixe) constataram-se os seguintes danos: celebrais; suscetibilidade à coagulação do sangue; danos pulmonares; consequências graves na formação de embriões e danos ao fígado.
Os riscos de danos que as nanotecnologias podem causar são diversos, pois certos materiais em escalas nanométricas mudam de características, certos materiais chegam a ser explosivos. Nano partículas existem no meio ambiente naturalmente, mas existem materiais que não existem no tamanho de nano partículas no meio ambiente, elas são introduzidas pelo ser humano por meios das nanotecnologias podendo causar danos à saúde do ser humano e danos ao meio ambiente, conforme discorremos a seguir.
4.1 DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
Os potenciais danos que as nanotecnologias podem causar ao meio ambiente são provocados pela chamada nano poluição que é liberação de nano materiais no ar, na água e no solo.
Quando uma nano partícula que não existe na natureza é liberada no meio ambiente pode acarretar sérios problemas, pois, a depender do tipo de partículas, ela pode entrar nas células de plantas e animais, e como essas partículas não existem na natureza podem trazer danos ainda desconhecidos. As nanotecnologias por representar o potencial dano ao meio ambiente se faz necessário à observância do princípio da precaução.
4.1.1 Princípio da Precaução
O princípio da precaução é um dos 27 princípios consignados na conferência das nações unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento (MACHADO, 2014, p. 96) que traz a seguinte disposição:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
O princípio da precaução visa proteger tanto o meio ambiente como os seres humanos expostos a um potencial risco. Esse princípio não exige que o dano realmente exista, basta a possibilidade/ameaça de sua ocorrência para que se tomem medidas a fim de evitar e precaver o dano, ou seja, é um princípio que atua antes da ocorrência dos danos visando uma prevenção. O princípio da precaução destaca ainda que a ausência absoluta de certeza cientifica sobre o dano não será utilizada como pretexto para adiar ações para evitar o possível dano.
Em relação ao tipo de responsabilidade civil nos danos ambientais a Lei n. 6.938/1981 em seu § 1º do art. 14 estabelece que:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
A Lei e o dispositivo citados acima estabelecem que a responsabilidade civil de quem cause danos ao meio ambiente é objetiva, decisão acertada do legislador pelas caraterísticas particulares do meio ambiente.
Com os danos advindos das nanotecnologias ao meio ambiente esta responsabilidade civil será objetiva, ou seja, não precisa do elemento culpa do agente causador do dano, bastando demostrar apenas a conduta, o dano e o nexo causal. Todavia, mesmo com a responsabilidade objetiva, como veremos em tópico especifico, é difícil demostrar o dano e nexo causal decorrente do uso das nanotecnologias.
4.2 DANOS CAUSADOS AO SER HUMANO
As nanotecnologias hoje é uma realidade na vida do ser humano, pois elas estão presentes nos mais diversos produtos de consumo como em cosméticos (creme dental, protetor solar, esmaltes, batons, shampoo, em diversos tipos de cremes entre vários outros), na indústria de eletrônicos, na indústria automobilística, na medicina, na ciência da computação, na física, na química, na biologia, na engenharia dos materiais entre varias outras áreas. Segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (2008, n. p), em 2008 mais de 800 produtos já utilizavam nanotecnologia no mundo, atualmente esse número e bem maior.
È inegável que as nanotecnologias estão presentes na nossa vida, mas quais seriam as consequências dessas nanotecnologias para a saúde do ser humano? Os riscos que determinados materiais nano contidos em produtos podem oferecer ao ser humano são diversos que vão desde simples alergias até risco de vida, ressaltando que são poucos e não conclusivos os estudos científicos a respeito deste tema.
O tema é tão importante que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em 2014 realizou um diagnóstico institucional de nanotecnologias e ao final fez as seguintes considerações finais (ANVISA, 2014, n. p):
a) Há consenso geral, entre os setores, da necessidade de regulação em nanotecnologia – consumidores e ambientalistas solicitam regulação devido ao elevado grau de incertezas sobre a segurança dos produtos e processos nanotecnológicos. Investidores entendem que ausência de regulação gera insegurança jurídica, sendo esta prejudicial ao desenvolvimento, produção e comercialização de produtos nanotecnológicos;
c) Há diversos produtos nanotecnológicos de livre circulação no mercado sem que tenha havido análise técnica específica;
d) Há produtos nanotecnológicos sujeitos à vigilância sanitária que não são identificados ou reconhecidos como tal pela Agência, em função de não haver norma regulatória que exige a informação sobre a natureza nanotecnológica;
j) Há a necessidade de segregar e agrupar os produtos nanotecnológicos em distintas categorias, baseados em sua variabilidade estrutural e características físico-químicas, que conferem propriedades que podem representar maior ou menor risco sanitário (por exemplo, nanopartículas solúveis ou insolúveis; lipossomas ou nanodots/dendrímeros, etc.).
Como podemos ver o relatório da ANVISA dar um parecer pela regulamentação do tema, além de deixar claro que as nanotecnologias podem oferecer riscos ao ser humano e ao meio ambiente e que existem produtos que deveriam passar por sua analise, mas isso não ocorre por falta de legislação especifica sobre o tema.
Diante deste senário, se por ventura uma pessoa venha sofra um dano advindo de nanotecnologia, como fica a responsabilidade civil? A resposta para essa pergunta está na verificação do tipo de relação jurídica em que ocorreu o dano. Se esse dano decorrer de produtos utilizados por consumidores aplica-se a legislação consumerista (Lei nº 8.078/1990, arts.12, 13, 14, 17, 18, 19 e 20 do CDC), ou seja, vai ser uma responsabilidade objetiva.
Se o dano ocorrer de uma relação de trabalho aplica-se art. 7º, XXVIII da CF/88, que em primeiro momento a responsabilidade e objetiva em relação ao INSS e subjetiva se o empregador incorreu em dolo ou culpa, sendo que o empregador responde de forma objetiva pelos danos causados por seus empregados (DINIZ, 2008, p. 497).
Se ocorrer um dano provocado por nanotecnologia em uma relação civil é perfeitamente aplicável à responsabilidade civil objetiva do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, embora exista a discursão na doutrina e jurisprudência a respeito do sentido das palavras “atividade” e “risco”, até porque essa responsabilidade civil objetiva pode ter como fundamento o risco integral (STOLZE, 2009, p. 193).
Essa responsabilização dos danos causados por nanotecnologias não é tão simples assim como foi apresentado aqui, teoricamente é possível responsabilização elencadas acima, mas na prática teremos outros desdobramentos que passamos analisar agora.
4.3 DIFICULDADES DE RECONHECER E DEMOSTRAR O NEXO CAUSAL DOS DANOS PROVOCADOS POR NANOTECNOLOGIAS
Vimos que a responsabilidade civil de danos causados por nanotecnologias ao meio ambiente é objetiva; nas relações de consumo é objetiva; nas relações de trabalho relativo ao INSS é objetiva e em relação ao empregador é subjetiva (ou pode ser objetiva em relação às nanotecnologias, essa responsabilidade é discutível) e nas relações no âmbito civil é objetiva. Mas mesmo que a responsabilidade civil dos danos causados por nanotecnologias, em sua maior parte, sejam objetiva encontramos empecilhos para buscar essa responsabilização, justamente no fato da dificuldade de reconhecer o dano advindo dela demostrando o seu nexo causal.
A responsabilidade civil objetiva exige três elementos: conduta, dano e nexo causal, mas em relação as nanotecnologias em determinadas situações esses três requisitos não são de fácil demonstração.
Os danos decorrentes de nanotecnologias podem demandar tempo para sua ocorrência e mesmo quando ocorrem não são perceptíveis de imediato. O dano por nanotecnologia pode exigir acumulação de nano partículas durante um bom período de tempo o que dificulta a identificação da origem do dano.
No mesmo sentido, a demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano é muito difícil de ser demonstrada a depender do caso concreto. Um exemplo seria a situação em que uma pessoa adquire câncer provocado por nano partículas decorrente do uso diária de um determinado produto que tem essas partículas, mas dificilmente vai descobrir que aquele câncer foi provocado por aquele produto, justamente pelas particularidades das nanotecnologias. Diante deste cenário que Borjes, Engelmann e Gomes (2014, p. 97) afirma que:
A flexibilização do nexo causal será aplicável às nanotecnologias, a despeito do que já tem ocorrido com a responsabilidade decorrente dos danos ambientais. Na dúvida de quem causou, todos serão responsáveis pela flexibilização do nexo e dever de solidariedade à vítima, que não poderá ficar sem ressarcimento.
A flexibilização do nexo causal se faz necessário pelas particularidades das características das nanotecnologias e para não deixar a vítima, a maior prejudicada no caso, sem indenização pelo dano que sofreu. Diante destas particularidades das nanotecnologias e que passamos agora a analisar o direito a informação e proteção do consumidor.
4.4 DIREITO A INFORMAÇÃO E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO CDC
A maioria das partículas e materiais nono são utilizados em produtos de consumo. Diante desta perspectiva abordaremos agora o direito a informação e a proteção do consumidor.
Como não temos estudos científicos conclusivos a respeito dos riscos das nanotecnologias para a saúde humana é de suma importância uma analise do direito fundamental do consumidor a ter informação (art. 5º, XIV, XXXIII da CF/88 e art. 6º, III do CDC) do que está consumindo e quais são os seus riscos.
É nesse sentido que o Projeto de Lei n. 5.133/2013 “cria a obrigatoriedade de inserir no rótulo de todos os produtos à base de nanotecnologias” tal informação. Todavia, até o presente momento, muitos produtos com nanotecnologia em sua composição são consumidos sem que o consumidor saiba disso. Tal prática viola frontalmente o direito fundamental do consumidor previsto o inciso III do art. 6º do CDC.
É importante verificar se as nanotecnologias se encaixariam no art. 8º ou 9º do Código de Defesa do Consumidor. Mas para tal constatação é necessário estudos científicos mais aprofundados sobre o tema.
Dessa forma, para cumprir as determinações legais de proteção do consumidor nos temos dos dispositivos do art. 6º, 8º e 9º do CDC, é urgente a regulamentação das nanotecnologias com a definição de diretrizes, parâmetros, registro, elaboração de planos de monitoramento e fiscalização do seu uso, bem como a realização de estudos científicos para nortear a tomada de decisões a respeito dessa tema.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
As nanotecnologias são uma realidade presente em nossas vidas nas mais diversas áreas. As nanotecnologias podem trazer vários benefícios otimizando e barateando produtos e serviços, mas ela também pode oferecer certos riscos ao meio ambiente e a saúde do ser humano.
A falta de legislação especifica sobre o tema faz com que incida a legislação geral, todavia, tal legislação é insuficiente ante as particularidades das nanotecnologias, sendo urgente aprovação de uma legislação especifica sobre o tema. No Congresso Nacional estão em tramitação projetos de leis para regulamentar o tema.
Há uma preocupação concreta sobre os danos causados ao meio ambiente e ao ser humano pelas nanotecnologias. Nesse ponto, verificamos a dificuldade de se reconhecer um dano e demostrar o nexo causal dos danos provocados por nanotecnologias e que por conta disso, em alguns casos, é necessário a flexibilização do nexo causal.
Diante do panorama apresentado podemos afirmar que, mesmo sem legislação especifica sobre o tema, os danos causados por nanotecnologias podem ser indenizados com base na legislação geral existente, mas é preciso buscar a regulamentação do tema, pois as nanotecnologias estão em pleno desenvolvimento e podem oferecer riscos ao meio ambiente e a saúde humana. Uma legislação especifica sobre o tema é importante porque vai traçar as diretrizes e parâmetros para o desenvolvimento das nanotecnologias, assegurando uma maior proteção e segurança do ser humano e do meio ambiente.
Como não temos estudos conclusivos a respeito dos possíveis danos causados por nanotecnologias se faz necessário a aplicação do princípio da precaução que, neste caso, serve para proteger o ser humano e o meio ambiente.
O direito fundamental do consumidor a informação contido no art. 6º, III, do CDC, deve ser observado também, pois as nanotecnologias podem ser classificadas como potencialmente nocivas, exigindo assim, uma rotulação de produtos que contenham nanotecnologias em sua composição.
Por fim destacamos que não podemos exigir um risco zero de uma sociedade de riscos. Potenciais riscos sempre existirão na jornada do ser humano, mas isso não autoriza os indivíduos que vivem em sociedade a produzirem riscos sem a observância do princípio da precaução e sem observar as normas e valores do ordenamento jurídico.
Sendo assim, no caso das nanotecnologias é de fundamental importância a elaboração de uma legislação especifica para regulamentar o tema e ao mesmo tempo a observância do direito a informação e do princípio da precaução para proteger o ser humano e o meio ammbiente, pois o desenvolvimento das ciências só têm sentido se elas tiverem como fim a garantia da dignidade da pessoa humana e o bem comum de todos.
REFERÊNCIAS
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Advogado graduado pelo Instituto Camillo Filho (ICF), pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola do Legislativo da ALEPI, pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Superior de Advocacia (ESA - OAB-PI).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, FRANCULINO JOSÉ DA SILVA. Nanotecnologia a luz da responsabilidade civil: responsabilidade civil por danos causados por nanotecnologia ao meio ambiente e ao ser humano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58635/nanotecnologia-a-luz-da-responsabilidade-civil-responsabilidade-civil-por-danos-causados-por-nanotecnologia-ao-meio-ambiente-e-ao-ser-humano. Acesso em: 23 dez 2024.
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