FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa tem relevância no contexto nacional, posto que se volta ao estudo sobre O Direito Sucessório dos Filhos da Multiparentalidade, à luz de pesquisas bibliográficas e julgados de Tribunais. Tem-se por problema de pesquisa: Qual a importância da decisão do STF para os reflexos do Direito Sucessório no caso de multiparentalidade? Logo, tal pesquisa se propôs a fazer uma análise da importância da sucessão aos filhos multiparentais, assim como o reconhecimento da socioafetividade. Objetivou-se, desse modo, fazer um trabalho com o intuito de analisar a decisão do STF sobre a multiparentalidade: Abrangência e efeitos
Palavras-Chave: Multiparentalidade. Socioafetividade. Sucessão.
Abstract: The present research has relevance in the national context, since it turns to the study of The Succession Law of the Children of Multiparentality, in the light of bibliographical research and judgments of Courts. The research problem is: What is the importance of the decision of the STF for the consequences of the Succession Law in the case of multiparenthood? Therefore, this research proposed to analyze the importance of succession to multiparental children, as well as the recognition of socio-affection. Thus, the objective was to carry out a work with the aim of analyzing the STF's decision on multiparenthood: Scope and effects.
Keywords: Multiparentality. Socioaffectivity. Succession.
Sumário:1. Introdução;2. Família socioafetiva;2.1. Filiação;2.2. Reconhecimento de Filiação;3. Multtiparentalidade;3.1. Princípio da afetividade;3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana; 3.3; Princípio da igualdade jurídica de todos filhos; 3.4.; Princípio do melhor interesse da criança e adolescente; 3.5; Princípio da solidariedade familiar;3.6; Princípio da função social da família;4. Sucessão;4.1; Sucessões legítimas;4.2.; Sucessões dos ascendentes multiparentais;5. Conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa demonstrar se existe a possibilidade na ordem jurídica de uma pessoa possuir dupla paternidade ou maternidade, isto é, ter multíplice pais ou mães, como também os direitos sucessórios inerentes. Para este propósito é de fundamental importância uma avaliação geral acerca do tema de direito sucessório dos filhos na multiparentalidade.
A metodologia aplicada neste projeto é de cunho bibliográfico, em que visa utilizar dos entendimentos de ordem doutrinária, julgados, em especial, aqueles decididos pelo Supremo Tribunal Federal para a construção de um pensamento científico acerca dos direitos sucessórios dos filhos na multiparentalidade.
Nesse contexto, a multiparentalidade visa a análise da coexistência entre um filho que possui vínculo com duas pessoas, em que um está relacionado com a ligação afetiva, e o outro por ligação biológica, e os dois sendo considerados os pais. Nesse sentido, por exemplo, que este filho poderia ter uma mãe e ter um pai afetivo e o outro procedente dos laços de sangue. Posto isto, é válido trazer à luz o que nos diz o Código Civil em seu artigo 1.593: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Desse modo, ao se tratar da expressão "outra origem" entende-se que está associado a vínculos por meio de adoção ou socioafetividade.
É consabido que a sucessão decorre do direito fundamental, o qual está estabelecido no artigo 5°, XXX, da CF/88, que visa garantir a herança, e a reunião de bens adquiridos pelo de cujus. Desse modo, o direito de sucessão trata acerca do direito de uma pessoa em dar continuidade ao bem de outro, e, portanto, suceder o direito de propriedade do de cujus, ou seja, em sentido restrito, no momento que ocorre a morte, o direito real de propriedade cessar para uma determinada pessoa, e nascer para outro.
Para o doutrinador Cassettari (2015), compreende-se que o vínculo afetivo tem de ser o fundamento definidor na determinação da filiação biológica, o que demonstra a efetiva mudança de paradigma no direito de família. No momento atual, é importante mencionar que a instituição da família ultrapassa as fronteiras da consanguinidade, pois de fato o afeto, o amor e carinho, reflete na multiparentalidade, em que os filhos socioafetivos são tratados e reconhecidos como tal.
Acerca do direito de sucessões, no que diz respeito à sucessão legítima, e como ela fica com o advento da multiparentalidade. é válido considerar que o art. 1.784, CC/02, dispõe que: "Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". É importante compreender que os herdeiros legítimos são aqueles que têm uma relação de parentesco, como indicado pelo art. 1829 do Código Civil.
É importante analisar o fato de que o estado de posse sobre um filho é uma condição significativa para entender como ocorre a paternidade. Em face do exposto, é possível a garantia do direito de personalidade ao nome. Desse modo, é interessante a posição dos Tribunais acerca da temática, conforme recurso extraordinário nº 898.060, sobre matéria de repercussão geral, o STF entendeu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não é impedimento para o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais.
Esse trabalho é de grande relevância para a sociedade e para Centro Universitário Santo Agostinho, pois o mundo acadêmico está sempre em evolução para que possamos encontrar soluções, garantir direitos e deveres nos moldes em que a sociedade vem se modificando e o direito das relações familiares precisa se manter garantido, apesar de muitas formas de filiação não terem lei expressas que as definam e necessários estudos como este para corroborar com os entendimentos e com isso se preservar tais direitos adquiridos nas novas formações familiares.
2. Família Socioafetiva
A sociedade está sempre em evolução para se adequar as novidades que a evolução nos traz, as relações familiares sempre foram baseadas nas noções de família, nas quais temos codificadas em nossa constituição federal, que diz claramente que faz parte a família propriamente dita, mas, contudo, novas formações familiares sempre tiveram juntamente convivendo em nossa sociedade, formas de famílias a serem aceitas ou não para os efeitos jurídicos e assim preservando ou não direitos que nem sempre de fato são incluídos e resguardados nessas relações familiares.
Novas formações familiares são feitas, com base na vontade das partes, por necessidades, conveniência e na maioria das novas formas de família baseada na afetividade, na qual muitos princípios do direito civil se norteiam nessa esfera, pois com base em direito, podemos ter precedentes para que os direitos sucessórios e assim seus respectivos ônus e bônus nos quais os direitos sucessórios estão inseridos. Garantindo assim segurança jurídica para essas novas formações familiares.
Para basear a novas famílias sempre serão pautadas em direitos fundamentais, direitos esses que são princípios para uma vida em sociedade com condições iguais para todos e suas famílias. O princípio da dignidade da pessoa humana onde todos são livres para tomar suas escolhas sejam elas de crença, modo de vida em sociedade, a solidariedade, condição imposta para se viver em sociedade tendo em vista que todos precisam de todos para um melhor convívio e assim ter poder, ter a liberdade que sempre deve ser dada ao ser humano nas relações familiares onde se tem segurança para agir e fazer suas escolhas, tudo isso faz com que a pessoa seja digna e assim poder ter uma vida em sociedade que algumas das vezes não temos por conta da privação de alguma forma na vida.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .Art. 1º III - a dignidade da pessoa humana; (CF/88) BRASILEIRA. (BRASIL 1988)
A afetividade vem de encontro com o que podemos dizer que não é só com parentes consanguíneos que se pode formar família, a relação por afetividade vai além dos laços de sangue, onde o sentimento e a vontade entre as partes prevalecem na relação e sempre vai prevalecer para seu reconhecimento e aceitação.
“Essa nova importância dada a direito de família, dá início a um novo modelo familiar, na qual os laços afetivos de amor e segurança gerados pela convivência são utilizados como direção nas lides judiciais, denominadas dessa forma de família socioafetiva” (LENZA, 2012).
O pluralismo familiar está cada vez maior na sociedade moderna, como as famílias socioafetivas cada vez maiores e encontrado respaldo jurídico, na aceitação de novas modalidades familiares assim denominadas, pois mudando esse conceito de família que sempre foi pré-definido em conformidade com o matrimônio da relação assim baseamos, a partir de então na pura e simples relação de afeto, respeito e solidariedade entre seus entes.
A família é socioafetiva, em sentido geral, por ser grupo social considerado base da sociedade e unido na convivência afetiva. A afetividade, como categoria jurídica, resulta da transeficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico, gerador de efeitos jurídicos. Todavia, no sentido estrito, a socioafetividade tem sido empregada no Brasil para significar as relações de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, notadamente quando em colisão com os vínculos de origem biológica. (LÔBO, 2022, p.41).
Portanto, a família socioafetiva é formada por meio da posse de estado de um filho o qual constitui afeto, ou seja, em que duas pessoas se reconhecem e tratam-se como pais e filhos.
2.1 filiação
A filiação compreende-se como as relações de parentesco, as quais são estabelecidas por meio de duas pessoas, em que uma se designa como filho, e a outra a titularidade parental por vínculo biológico ou socioafetivo. Posto isso, é importante considerar que a relação de parentalidade ocorrida em favor do pai, denomina-se paternidade, quando ocorrida em favor da mãe, maternidade. O termo filiação advém do latim filiato, que tem por significado procedência, laços de parentesco dos filhos com os pais, sujeição (LÔBO, 2022).
Em sentido específico, a filiação configura-se como a relação jurídica que liga o filho ao seus pais. Visto que se considera a filiação propriamente no que diz respeito a ser vista pelo filho. Em sentido oposto, isto é, pelo lado dos pais em relação ao filho, o vínculo se qualifica como paternidade ou maternidade (GONÇALVES, 2022).
Desse modo, a filiação, quando pensada de uma maneira jurídica, é um elemento que visa assegurar o direito e a proteção dos filhos sejam eles socioafetivos ou biológicos, para que os seus direitos sejam resguardados, que sejam no âmbito do apoio do núcleo familiar, psicológico, social e sucessório.
2.2. Reconhecimento de filiação
Gagliano (2022) explica que o processo de reconhecimento de filiação pode ocorrer de duas formas, tanto de modo voluntário como também judicial. No primeiro caso, em geral, por via extrajudicial. No segundo caso, dá-se especialmente por meio de investigação. Nesse sentido, é interessante compreender detalhes que envolvem o processo de reconhecimento de filiação, conforme estabelecido no Código Civil. Desse modo, iniciaremos acerca do reconhecimento voluntário e sua ligação no âmbito do direito material.
É importante reiterar que as formas de reconhecimento voluntário se aplicam de modo especial aos filhos concebidos fora do contexto do casamento, em que os filhos são presumidos. Conforme dispõe o art. 1.597 do Código Civil de 2002.
Logo no primeiro inciso é abordado o prazo que justifica a gestação natural após estabelecido a união conjugal com o marido, considerando a possibilidade de a noiva está grávida.
Em contrapartida, é estabelecido um prazo mais amplo no que concerne o inciso II para que consiga englobar todo o intervalo de tempo de uma gestação, por conta da possibilidade de ocorrer a concepção precisamente no último dia antes da dissolução da união conjugal. Quanto aos três últimos incisos são novidades na lei codificada, pois não possuem semelhança com o Código Civil de 1916.
Nesse sentido, compreende-se que a concepção artificial homóloga que é feita com material genético de terceiro, isto é, de uma pessoa que não faz parte da relação conjugal. Desse modo, concebidos por meio de fecundação artificial homóloga, por conta de que o falecimento do cônjuge não afasta a suposição, tendo em consideração tratar-se de uma decisão consolidada.
Da mesma maneira, se a fecundação ocorreu com embriões excedentários, resultante de concepção artificial homóloga, conforme previsto no inciso IV, a suposição também prossegue, tendo em vista que o material genético utilizado corresponde a parte que compete a cada um dos cônjuges.
Por último, acontecendo uma inseminação artificial heteróloga, de modo com autorização prévia do cônjuge, conforme o inciso V, considerando a importância que este possui do procedimento optado, e mesmo que o material genético que for utilizado não seja dele, o mesmo é considerado pai, excluindo, portanto, o velho entendimento em identificar o vínculo paterno com ligação genética.
Gagliano (2022) diz que o reconhecimento judicial por laços paternos ou maternos que irá ocorrer especialmente por ação investigatória. A ação investigatória de paternidade é a mais frequente, mesmo que também seja viável a investigação de maternidade, como por exemplo em casos em que ocorre a troca de bebês em maternidade, conforme está estabelecido no artigo 1.608, CC.
É válido considerar que a certidão de nascimento em registro civil é um documento básico para que se tenha o reconhecimento de filiação. Portanto, no que diz respeito aos meios de prova, mesmo não havendo hierarquia, o exame de DNA constitui o mais importante deles. A causa a ser pedida na ação investigatória tem como objeto a relação sexual, e quanto ao foro competente é respectivamente o domicílio do réu, no entanto, se houver uma cumulação de alimentos, direciona-se ao domicílio do autor, conforme a súmula do 1 do STJ.
3. Multiparentalidade
A multiparentalidade visa o reconhecimento de modo coexistente entre um filho e dois pais e ou duas mães que possuem ligação socioafetiva, e outro por ligação biológica, sendo as duas situações possíveis para que seja considerado como pais (GONÇALVES, 2022).
De acordo com Cassetari (2022), a família que vive em multiparentalidade é aquela pessoa que possui a ligação através do registro de nascimento de três ou mais pais.
Para Lôbo (2022) o reconhecimento da parentalidade por vínculo socioafetivo, evoluiu com a finalidade de avaliar a multiparentalidade. O emprego da frase “filiação concomitante" direciona a multiparentalidade. Isto é, no cenário explicado acima de paternidade, conforme com o caso que serviu de referência ao julgamento do STF. Desse modo, o registro civil precisa apreciar dois pais, seja biológico ou socioafetivo, e também a mãe biológica.
Assim, Lôbo (2022) a multiparentalidade tem tido destaque em casos julgados em diversos tribunais nacionais, incluindo o STJ, a qual admissibilidade de cumulação tanto de paternidade, como de maternidade, no registro civil, em contextos em que há pai ou mãe registrados, e solicita a inclusão do sobrenome de pai ou mãe biológicos.
Desse modo, encontra-se na doutrina e jurisprudência brasileiras o reconhecimento pelo STF, como repercussão geral 622 a temática acerca da socioafetividade com seu entendimento consolidado, em decisão plenária respectivamente no dia 22.09.2016, sendo o caso paradigma RE 898.060, como o seguinte conteúdo:
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.
Nesse contexto, Lôbo (2022) O Tribunal fundamentou-se declaradamente no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao qual engloba a tutela da felicidade, e também a proteção da realização pessoal, estabelecendo o reconhecimento jurídico de modelos familiares diferentes da família tradicional. Do mesmo modo, no princípio constitucional da parentalidade responsável, a qual não autoriza optar entre a filiação socioafetividade e a biológica, pois compete a todos os pais assumir as responsabilidades resultantes do poder familiar e permitido que o filho possa usufruir dos direitos inerentes a eles.
3.1. Princípio da afetividade
O princípio da afetividade, estabelecido no artigo 1.593 do Código Civil brasileiro e o 226 § 4º, e 227, caput e §5, na Constituição de Federal de 1988. considerado, portanto, um direito fundamental, inerente à pessoa.
De fato, interpretar o Direito de Família, nesse panorama de observância do princípio da afetividade, significa, em especial — mais do que aplicar ao caso concreto uma interpretação simplesmente racional-discursiva —, compreender as partes envolvidas no cenário posto sob o crivo judicial, respeitando as diferenças e valorizando, acima de tudo, os laços de afeto que unem os seus membros. (GAGLIANO, 2022, p.164)
Portanto, os laços de afeto derivam-se do convívio no âmbito familiar, e não meramente do sangue. Desse modo, o ato de posse do filho proporciona a segurança jurídica do afeto, a fim de proporcionar a esse filho subsistência, proteção e cuidado. Considerando que a família não se limita aos laços biológicos, pois ela ultrapassa barreiras antes existentes.
3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana
Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, está ligado à valorização da pessoa humana, para que possua condições emocionais e sociais, e conferindo à criança o direito de possuir uma família.
"O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227)." (GONÇALVES, 2022, p.29)
Posto isso, o princípio da dignidade da pessoa humana visa valores espirituais, morais e de honra ao ser humano. Conforme a Constituição Federal, ela se encontra entre os primeiros princípios, considerando, portanto, a sua importância.
3.3. Princípio da igualdade jurídica de todos dos filhos
O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, está amparado pelo artigo 227, § 6º e art. 1.596, CC/2002. Este princípio visa estabelecer a absoluta igualdade entre todos os filhos, impedindo a distinção ultrapassada entre filiação legítima e ilegítima, conforme existia no Código Civil de 1916.
O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referência à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (GONÇALVES, 2022, p.31).
Juridicamente entende-se que todos os filhos são iguais, e que não há distinção entre eles, ainda que sejam havidos ou fora da constância do casamento, conforme preceitua a lei. Tal medida visa abranger de modo igualitário os filhos adotivos, os filhos socioafetivos, e também os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga (TARTUCE, 2021).
3.4. Princípio do melhor interesse da criança e adolescente
Em seguida, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, em que consiste na proteção da criança e adolescente na sua integralidade, proporcionando a possibilidade de crescer e se desenvolver de modo digno, conforme dispõe o artigo 227, caput, da Constituição Federal.
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se infante a criança de 0 a 12 anos incompletos, e adolescentes aqueles que têm entre 12 e 18 anos. Nesse sentido, compreende-se que ambos possuem os direitos mencionados no respectivo estatuto:
Art. 3.º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (CUNHA, 2020, p.99)
Art. 4.º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária." (CUNHA, 2020, p.101)
3.5. Princípio da Solidariedade familiar
A solidariedade do núcleo familiar compreende-se como a solidariedade mútua entre os cônjuges e companheiros, proporcionando assistência de ordem moral e material. Quanto à solidariedade referente aos filhos compete o ato de ser cuidado até a fase adulta, ou seja, ser sustentada, ensinada e também educada para obtenção da sua total formação social.
O princípio da solidariedade familiar visa estabelecer a proteção, assim como a assistência material e moral de maneira mútua entre os familiares, em consideração ao princípio da dignidade da pessoa humana. É importante ponderar que ela legitima a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges ou companheiros, ou na mesma ligação, pois é basilar ao poderio familiar desempenhado em favor dos filhos menores (GAGLIANO, 2022).
Desse modo, Lôbo (2022) regra central do princípio da solidariedade está fundamentada no inciso I, art. 3º da Constituição Federal/1988. Na parte designada à família, em que o referido princípio é tratado categoricamente como encargo à sociedade, ao Estado, e à família a qual protege o núcleo familiar (art. 226), à criança e ao adolescente (art. 227), como também a pessoas idosas (art. 230).
3.6. Princípio da função social da família
No que diz respeito a este princípio, Gagliano (2022) afirma que a função principal da família é a sua qualidade de instrumento para a realização de nossos anseios e desejos. Pois a família não tem fim meramente em si própria, mas, sim, o instrumento social para a busca da felicidade no relacionamento com o outro.
Dessa maneira, Gonçalves (2022) destaca que as alterações concernentes ao direito de família comprovam e evidenciam a função social da família no âmbito do direito brasileiro, principalmente a partir da declaração da igualdade absoluta entre os cônjuges e os filhos; da norma relacionada à guarda, manutenção e educação do filho.
4. Sucessão
A sucessão no direito brasileiro visa está ligada ao conjunto de divisão necessária, em que a vontade do autor não pode descartar certos herdeiros, ou seja, os herdeiros legítimos, pois deve ser partilhada entre eles, no mínimo, metade da herança, em partes iguais, conforme estabelece o código civil, nos seus artigos 1.789, 1.845 e 1.846. O herdeiro legítimo, desse modo, é o parente com direito a uma parte mínima de 50% dos bens, do qual não pode ser privado de recebê-lo. Essa ordem é composta pelo cônjuge, descendentes do falecido (1.845, CC), sem limite de graus aos dois mencionados por último, isto é, os filhos, netos, bisnetos, etc., e pais, avós, bisavós, etc. São estes os que não podem ser excluídos da partilha de herança por mera vontade do testador, exceto em casos que envolvem deserdação, conforme a lei.
A sucessão ocorre após a morte de alguém, em que ele perde a titularidade dos bens que possuía, e os herdeiros passam a deter os bens, obrigações e dívidas.
No Brasil, o direito de herança ou se dá em virtude do parentesco e relação de família, pela denominada sucessão legítima, ou em virtude de testamento, quando a pessoa exerce a autonomia privada ao escolher quem deseja contemplar com seus bens após seu falecimento, seja ou não parente, pela denominada sucessão testamentária. (LÔBO, 2022, p.98).
Acerca do tema, a VIII da Jornada de Direito Civil do Conselho Federal de Justiça, posicionou-se da seguinte com a decisão:
“Enunciado 632. Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos”
Nesse sentido, o Enunciado 642 da VII Jornada de Direito Civil do CJF/STJ visa tratar acerca da multiparentalidade e o direito sucessório, nestes termos:
Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.
Em vista disso, os sucessores substituem o autor da herança, em que receberam os bens, direitos e obrigações do falecido. É importante considerar que o direito das sucessões possui a função de regulamentar o destino dos patrimônios do de cujus, e desse modo, transferido aos seus herdeiros. A Constituição Federal garante a herança, conforme está previsto em seu artigo 5º, inciso XXX.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XXX - é garantido o direito de herança.
Assim, Lôbo (2022) explica à luz do direito das sucessões que as consequências relacionadas à morte da pessoa física, também atingem respectivas ações que esse momento precede, mesmo que a maior parte de seus efeitos também dependa dela. Acontecimentos especiais podem gerar efeitos que antecedem a morte, tendo como exemplo o reconhecimento do filho em testamento, ainda que este ato resulte na revogação pela parte testamentária.
Lôbo (2022) explica que a transmissão dos bens para outras pessoas em virtude de sua morte, é um evento recente na história da sociedade, principalmente quando estes começaram a ocupar centros urbanos.
Para um melhor entendimento acerca do direito das sucessões, Lobo (2022) entende que a morte pode ser real ou presumida. No que diz respeito a morte real, é a que se prova no corpo da pessoa, com o fim da vida. O registro civil de óbito possui meramente a intenção de comprovar o fato, apontando o momento indicado pelo profissional em que foi confirmado e atestado. Já a morte presumida resulta da ausência, e assim por consequência a abertura da sucessão. Assim, a ausência está atrelada ao fato de não se saber o paradeiro da pessoa, seja por familiares ou conhecidos, comprovada pelo intervalo de tempo sem informações.
4.1. Sucessão legítima
Conforme preceitua o código civil brasileiro em seu artigo 1.788, ocorrendo a morte sem testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos, e do mesmo modo ocorre quando os bens que não forem claros no testamento, como também se estiver ultrapassado ou até mesmo se for considerado nulo.
Posto isso, feitas as considerações, é importante compreender à luz do artigo 1.829 do código civil, como funciona a ordem das sucessões legítimas, que se inicia da seguinte forma: Sucessão pelos descendentes, sucessão pelos ascendentes, sucessão pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente; sucessão pelos colaterais; sucessão pelo Ente Público (GAGLIANO, 2022).
Nesse sentido, fica compreendido que os herdeiros legítimos são aqueles, conforme a lei, direcionados a receber a herança. Já os herdeiros testamentários conforme o testamento (GAGLIANO, 2022).
De modo semelhante preceitua Lôbo (2022) que a sucessão legítima é estabelecida pela lei, equivalente aos valores sociais nessa matéria. No que diz respeito à sucessão testamentária é aquela que expressa a vontade individual do testador, a qual designa o destino dos bens aos destinatários estipulados.
De acordo com Gagliano (2022), a sucessão legítima equivale ao conjunto de regras as quais explicam a cessão patrimonial post mortem, sem a existência de um testamento válido.
Gonçalves (2020) expressa que o herdeiro necessário é o descendente ou ascendente, e desse modo, por vínculo de parentesco em linha reta não é excluído por deserdação ou indignidade, como também o cônjuge, conforme está previsto no art. 1.845 do Código Civil.
Assim, o direito sucessório, na atualidade, foi tornando-se mais democrático, visando assegurar a participação de modo igualitário dos familiares na herança e sucessão legítima. Os moldes legais objetivam representar o modelo ideal de sucessão hereditária que se compreende na sociedade, em cada fase histórica. Desse modo, com essa representação, o uso da sucessão testamentária se torna menor (LOBO, 2022).
Portanto, a sucessão legítima é outorgada através de lei por vocação hereditária, em que a linha sucessória em preferência é obedecida conforme o chamamento.
4.2. Sucessão dos ascendentes multiparentais
O reconhecimento de formas distintas de parentesco, seja biológica ou socioafetiva, corroborou para debates acerca da família, e também no âmbito sucessório. O artigo 1.593, Código Civil trata acerca da possibilidade de paternidade socioafetiva.
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
À vista disso, Lôbo (2022) preceitua que os filhos matrimoniais e extramatrimoniais possuem igualdade sucessória, legisladores brasileiros compreenderam que os núcleos familiares merecem proteção do Estado, não somente os matrimoniais. Ou seja, os filhos não podem ser excluídos ou descredibilizados por sua concepção. Fatos estes resultantes da evolução e observação de princípios sociais, aos quais também se tornaram jurídicos, como a igualdade, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira, O IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de família expressou o seguinte enunciado:
Enunciado 33 - O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação.
Em síntese, Lôbo (2022) discorre que se o autor da herança não deixar descendentes, os ascendentes biológicos e socioafetivos herdarão concomitantemente, conforme as suas linhas maternas e paternas, em virtude do artigo 1.836, § 2º do Código Civil. O filho será, portanto, herdeiro do pai socioafetivo ou da mãe socioafetiva, assim como do pai biológico ou da mãe biológica, em que será resguardada a igualdade de direitos junto aos outros herdeiros necessários de cada uma.
5. Conclusão
Como referido durante este estudo, o direito sucessório dos filhos na multiparentalidade é compatível com o código civil brasileiro, tendo em vista que o respectivo tema tem tido notoriedade perante autores civilistas, assim, como entendimentos de Conselhos Federais e a Suprema Corte do nosso país.
Inicialmente, é tratado acerca da possibilidade do filho poder ter o direito da dupla paternidade ou maternidade, e obter o reconhecimento judicial para exercer os direitos sucessórios inerentes a sua filiação. Conforme o presente estudo, compreendeu-se que os laços familiares não se restringem à consanguinidade. Com a evolução da sociedade, a família também teve mudanças significativas, notou-se que vínculos socioafetivos, baseados no afeto, no amor e na dignidade da pessoa humana, em que é de suma importância a compreensão de tal temática. O direito de família e sucessões tratou de compreender a filiação socioafetiva, e também pode proporcionar a este o direito à sucessão. Nesse sentido, à luz dos princípios estabelecidos na Constituição Federal, em que busca nortear princípios e valores sociais e jurídicos.
A possibilidade da filiação socioafetiva assegura ao filho o direito de suceder os bens e obrigações do pai ou mãe, conforme entendimentos doutrinários, enunciados e julgados de tribunais. Ademais, a multiparentalidade propícia ao filho e também aos pais, biológicos ou socioafetivos, que o melhor interesse da pessoa seja preservado, tendo em vista a função social da família, ao qual está interligada a solidariedade familiar, e também em consideração ao afeto.
Como demonstrado neste artigo, a sucessão aos filhos na multiparentalidade, mediante o vínculo de parentalidade socioafetiva é prevista nos ordenamentos jurídicos. A situação jurídica, na qual o Supremo Tribunal Federal julgou que a paternidade socioafetiva, ainda que não seja declarada em registro público, não impossibilita o reconhecimento de filiação socioafetiva, assim como os efeitos jurídicos inerentes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n.º 898.060/SC. Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no Informativo n.º 840. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf . Acesso em 01 de jun de 2022.
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Acadêmico em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILARINHO, Dimas Rayan Miranda. O direito sucessório dos filhos na multiparentalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2024, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58668/o-direito-sucessrio-dos-filhos-na-multiparentalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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