RESUMO: O presente estudo tem por objetivo a análise da aplicação do princípio da bagatela imprópria na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), considerando a problemática encontrada na execução das finalidades desta Lei, levantando a discussão a respeito da natureza da Ação Penal Pública nos delitos de lesão corporal praticados no âmbito da violência doméstica. Para alcançar tal finalidade, o estudo se fará por meio de metodologia que utiliza abordagem qualitivativa, uma vez que busca as percepções e entendimento acerta do tema, abrindo espaço para a interpretaçao mais complexa do que a Lei Maria da Penha, a priori, apresenta. O estudo também possui caráter exploratório, tendo em vista que almeja fazer um apanhado geral do tema em análise, utilizando, no que refere-se aos meios, a pesquisa bibliográfica de teorias já afirmadas no ordenamento jurídico e na doutrina, por meio de leis, livros e artigos científicos. Por fim, faz o necessário exame do posicionamento jurisprudencial a respeito da aplicação do princípio da bagatela imprópria no contexto da lei Maria da Penha, que justifica o presente artigo.
Palavras-chaves: Lei Maria da Penha. Ação Penal Pública Incondicionada. Princípio da Insignificância. Princípio da Bagatela Imprópria. Posicionamento jurisprudencial.
A Lei nº 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, surgiu com a pretensão de criar meios para coibir a violência doméstica e familiar contra mulheres, a fim de garantir direitos fundamentais, afirmados em tratados internacionais e na Constituição Federal. No entanto, ainda que existam expressivos avanços no que se refere às relações de gêneros, os resquícios da ideologia patriarcal ainda subsistem. Na tentativa de superar esses resíduos patriarcais que alimentam uma cultura machista reverberada ao longo dos séculos, a Lei Maria da Penha inclina-se para uma direção criminalizadora, por meio da constante intervenção criminal.
Supõe ser este o instrumento mais eficaz para assegurar direitos fundamentais, abrindo, com esse rigor penal, precedentes que questionam a finalidade da Lei, bem como possibilita nascer mecanismos, com fins moderadores, que norteiem a aplicação de penalidades que, efetivamente, sejam adequadas ao caso concreto. E nesse sentido, apresenta-se, como nova modalidade doutrinária, a aplicação do princípio da bagatela imprópria no contexto da Lei Maria da Penha.
Nesse passo, o presente estudo tem como objetivo averiguar a possibilidade da aplicação do princípio da bagatela imprópria no âmbito da Lei nº 11.340/2006, bem como identificar quais as dificuldades enfrentadas pela Lei para o alcance de sua finalidade, levantando discussão a respeito da natureza da Ação Penal Pública nos delitos de lesão corporal praticados no âmbito da violência doméstica. Para alcançar a finalidade proposta, esse estudo se realizará por meio de pesquisa em materiais já elaborados por doutrinadores, como livros, revistas, teses entre outros, assim como em julgados provenientes dos Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores.
De início, serão examinados os aspectos históricos, culturais e sociais da Lei Maria Penha, tendo em vista que esses fatores vivenciados, tanto pelo sexo masculino, como feminino, são fundamentais no processo de inovação de uma ordem jurídica que ampare e resguarde dos direitos fundamentais da mulher. Será abordado, ainda nesse capítulo, o conceito de violência doméstica, bem como a finalidade da Lei Maria da Penha, considerando que essas definições são imprescindíveis para compreensão acerca da violência gênero e da necessidade de interferência dessa lei nas relações familiares.
O segundo capítulo se ocupará de trazer as alterações legislativas penais introduzidas pela Lei Maria da Penha haja vista que o Código Penal Brasileiro e Lei de Execução Penal sofreram modificações, no que concerne a possibilidade de decretação da Prisão Preventiva e a criação e encaminhamento dos agressores aos centros de educação e de reabilitação.
Posteriormente, o capítulo terceiro, passará à análise da natureza da Ação Penal Pública, apresentando as espécies existentes no ordenamento jurídico brasileiro, para então classificar a natureza da Ação Penal, quando o delito ocorrer no âmbito da violência de gênero. Explora, ainda esse capítulo, o debate existente e a respeito dos delitos de lesão corporal e lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica e familiar.
O quarto capítulo adentrará no estudo do princípio da insignificância ou bagatela, haja vista que o conhecimento sobre essa matéria será essencial para compreender o que vem a ser a infração bagatela imprópria ou irrelevância penal do fato. Serão expostas nesse capítulo as posições doutrinárias acerca dos conceitos e aplicações desses princípios no âmbito da Lei Maria da Penha.
Em conclusão, o quinto capítulo mostrará os posicionamentos jurisprudenciais a respeito da aplicação do princípio da bagatela imprópria no contexto da lei Maria da Penha.
2.ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI Nº 11.340/2006
Nos anos finais do século XX, destaca-se, nacional e internacionalmente, o movimento de superação da mulher após um longo período de subordinação ao sexo masculino. Esse avanço está associado a vários fatores, como a atuação das mulheres nas atividades econômicas, participação no mercado de trabalho, presença do sexo feminino na política, e, em consequência dessa nova dinâmica, que integra a mulher à sociedade de forma participativa, promovem-se alterações nos papéis desempenhados pelos gêneros feminino e masculino, passando a serem alvos de questionamentos que exigem um novo comportamento da sociedade.
No entanto, essas mudanças ocorridas gradualmente não foram suficientes para total superação da ideologia patriarcal desenvolvida desde primórdios em nossa sociedade. A distinção entre os papéis masculinos e femininos não foram eliminados da cultura brasileira, permanecendo até dias atuais o pensamento de que o papel profissional desempenhado pelas mulheres seria secundário. No campo da política, embora hoje seja permitida sua participação, a desigualdade acentuada ainda pode ser observada como um espaço preponderantemente masculino, restando às mulheres fazer parte de uma estatística de exceções no espaço político.
Alinhando-se a esta visão, ressalta Karam (2006, b. 168):
Os resquícios da ideologia patriarcal, da histórica desigualdade, da discriminatória posição de subordinação da mulher, naturalmente, também subsistem nas relações individualizadas. Embora os atos de agressão de homens contra mulheres nas relações de casais tenham diminuído sensivelmente — redução nitidamente visível em relação aos chamados homicídios passionais no Brasil, quase desaparecidos dos registros do sistema penal —, relações de hierarquização e dominação ainda subsistem, assim subsistindo atos identificáveis como expressão da chamada violência de gênero, isto é, motivados não apenas por questões estritamente pessoais, mas expressando fundamentalmente a hierarquização estruturada em posições de dominação do homem e subordinação da mulher, por isso se constituindo em manifestações de discriminação.
Percebe-se que a violência contra o gênero feminino nem sempre foi entendida como violência, assim, esse evento social complexo afeta meninas e mulheres, em variadas culturas, desencadeando efeitos negativos para a saúde física e mental das mulheres, bem como para toda a sociedade, tornando-se necessário conhecer o processo histórico e social que converteu essa violência, praticada durante gerações contra as mulheres, em violação de direitos humanos das mulheres.
2.1 Aspectos históricos culturais e sociais
A necessidade e urgência na criação da lei nº 11.340/2006 encontra fundamento em aspectos culturais derivados de uma desigualdade histórica ancorada em valores patriarcais que perduram na sociedade por gerações. Esse contexto cultural, que deságua na atual desigualdade de posições em que os gêneros masculino e feminino encontram-se, é analisado por Del Priore (2013, p. 6) que aponta:
A soma dessa tradição portuguesa com a colonização agrária e escravista resultou no chamado patriarcalismo brasileiro. Era ele que garantia a união entre parentes, a obediência dos escravos e a influência política de um grupo familiar sobre os demais. Tratava-se de uma grande família reunida em torno de um chefe, pai e senhor, forte e destemido, que impunha sua lei e ordem nos domínios que lhe pertenciam. Sob essa lei, a mulher tinha de se curvar.
Nota-se que a violência doméstica tem raízes nos papéis que foram desempenhados por homens e mulheres no decorrer da história. Observa-se, nesse percurso, uma sociedade cega à agressividade masculina, que exalta sua virilidade, alimentando ao longo do tempo a ideologia de superioridade do homem.
Na ótica de Del Priore (2013), não por acaso, esses eram os termos da legislação portuguesa utilizada pelo Brasil, constituídas pelas Ordenações Filipinas que vigoraram no país até 1916. Nessa legislação, a mulher era vista como incapaz de praticar atos da vida civil, em razão da sua fraqueza de entendimento, tendo suprida essa incapacidade, caso fosse casada, por meio do seu representante legal, o esposo.
As mulheres estavam submissas ao pai ou marido, sendo assim, constava nas normas das Ordenações Filipinas que estes seriam livres de pena, caso agredissem as mulheres, podendo castigá-las, desde que moderadamente. Acrescenta Rodrigues (2003, p. 40) sobre o tema, que aos homens também era concedido o direito de matar suas companheiras quando adultério, bastando, para isso, apenas que houvesse boatos da traição.
A legislação criminal de 1830 superou poucos costumes patriarcais do passado, tratando desigualmente homens e mulheres quando da tipificação do adultério, embora a Constituição brasileira de 1824 já determinasse a igualdade formal para todos.
Já o Código Civil de 1916 retrocedendo no que diz respeito aos direitos das mulheres, afirmou e fez permanecer a divisão hierarquizada da família, quando instituiu o pátrio poder e a incapacidade da mulher casada, durante a constância do casamento, atribuindo ao homem o poder no casamento, conferindo a ele o dever de representação legal dos membros da entidade familiar.
No Código Penal de 1890, suriu a figura dos uxoricidas, admitindo que não fossem tidos por delituosos os homens que atestassem a privação de sentido e de inteligência durante a prática do crime. Para Mariza Correia (1981), o enorme debate ocasionado por essa possibilidade de descriminalização de crimes passionais cometidos contra mulheres, gerado pelo Código Penal de 1890 ocasionou a declaração no Código de 1940 que a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal, conforme artigo 28 do referido diploma legal.
Esse tratamento diferenciado, atribuído a homens e mulheres, na área do direito penal e civil, perdem espaço no decorrer dos anos, em razão dos movimentos feministas, que colocaram no seu rol de direitos a serem alcançados, o direito das mulheres viverem livres da violência, tendo como estratégia escolhida, as reformas legislativas, alcançando gradualmente alterações no ordenamento jurídico.
Grande exemplo disso é a Constituição Federal de 1988, que teve incorporado em seu texto normas que tratam do princípio da igualdade entre homens e mulheres no art. 5º, I, igualdade na sociedade conjugal no art. 226, § 5º, bem como determina no art. 226, § 8º, a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações.
Essa inclusão de dispositivos que deslocam para o Estado a obrigação de interferir nas relações familiares para coibir a violência doméstica e auxiliar a vivência intrafamiliar, juntamente com o que é exposto na Constituição Federal sobre o tema e o histórico de luta dos movimentos, acima explanados, quando somados à história de luta particular de Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica e residente na Cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, fortaleceu e deu ensejo à criação, na legislação nacional, da Lei 11.340/2006, batizada popularmente de Lei Maria da Penha.
Maria da Penha suportou, por anos, um relacionamento tumultuoso, repleto de episódios de agressões praticadas pelo seu companheiro. O mais grave deles, ocorrido no ano de 1983, que a deixou paraplégica, não cessando a violência contra a vítima neste ato, esta passou a viver desde então, uma batalha desgastante por justiça que atravessou anos, conforme aponta Maria Berenice Dias (2012), visto que a legislação brasileira, existente à época, foi muito branda com o agressor, fazendo o caso desembocar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão que pertence à Organização dos Estados Americanos (OEA), para verificação das denuncias de violação aos direitos humanos que envolveram o caso.
Em razão das denúncias efetuadas por Maria da Penha, bem como por outros órgãos, consubstanciado por conquistas já galgadas pelos movimentos de mulheres que já haviam solicitado Convenção própria para obrigar os Estados-parte a tomarem medidas adequadas à promoção da igualdade entre homens e mulheres, a Comissão publicou em 2001, Relatório 54/2001, documento imprescindível na criação da Lei 11.340/2006, em razão da grande repercussão que obteve. É o que afirma Cunha e Pinto (2014, p. 29): “Serviu como poderoso incentivo para que se restabelecessem as discussões sobre o tema, culminando, passados pouco mais de cinco anos de sua publicação, com o advento, finalmente, da Lei Maria da Penha.”
Assim, não existem dúvidas, que os aspectos históricos, culturais e sociais vivenciados e internalizados por homens e mulheres, foram essenciais para a inovação de uma ordem jurídica, que fosse capaz de amparar e resgatar a mulher desse ambiente violento. Cria-se, então, a Lei Maria da Pena, que surge como mecanismo de combate à violência proveniente das relações familiares e domésticas, incumbindo ao Estado e à Justiça, a tarefa delicada, porém necessária, de interceder na esfera familiar, fazendo-se necessário, nesse caminhar, compreender os conceitos e implicações que esta nova Lei apresentou à sociedade.
2.2 Conceito de Violência Doméstica
A própria Lei nº 11.340/2006 conceitua o que é violência doméstica no seu artigo 5º, bem como especifica sua área de atuação nos incisos do mesmo artigo. Vejamos.
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006).
Verifica-se que primeiramente, a Lei aponta as ações que se ajustam a violência doméstica e familiar (art. 5º). Após, limita o espaço onde se configuram o delito (art. 5º, I, II e III), a saber: no âmbito do convívio doméstico, familiar e em qualquer relação de afeto. E por fim, descreve as condutas que características da violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Para melhor compreensão dessa definição apresentada pela lei, faz-se necessário, antes, assinalar que gênero não diz respeito às características sexuais, mas refere-se à forma com que elas são idealizadas em determinado contexto histórico, destinando-se a cada um dos gêneros um posto específico.
Nesse entender, esclarece Machado, (1995):
Gênero remete a ideia da construção cultural e social do que é ser mulher ou ser homem e a ideia de que as relações sociais de gênero é que englobam os entendimentos culturais do que seja cada um dos gêneros possíveis. O conceito é gerado a partir da perspectiva da desconstrução das idéias naturalizadas de mulher e homem chegando-se assim a focalizar a sua construção cultural e social.
Superada esta necessária explanação, de que violência de gênero traduz-se na tentativa de exercício de poder do homem sobre a mulher, em virtude dos desequilibrados papéis que cada sexo exerce, Cunha e Pinto (2012, p. 49) definem violência doméstica “como sendo a agressão contra mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), como finalidade de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando sua hipossuficiência.”
Coaduna a definição apresentada pelos autores com o conceito apresentado pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, qual seja: “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, como na esfera privada.” Foi esta, inclusive, a definição que orientou a Lei Maria da Penha na construção dos mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra mulher.
No que tange às formas de violência doméstica e familiar contra mulher, a Lei conceitua vários tipos de violência, que ultrapassam a mera proteção da integridade física e se estendem à várias condutas que podem ser objeto de tutela pelo poder Judiciário. A lei atribui, ainda, o caráter exemplificativo do rol, quando acrescenta ao texto legal a expressão “entre outras” para referir-se às formas de violência, deixando claro que podem existir outras condutas não previstas expressamente na lei.
Passando à análise individual dos tipos de violência doméstica apresentados pelo texto legal, Campos e Corrêa (2012, p. 255) assim define a violência física:
A violência física constitui qualquer agressão física ao corpo da mulher, tutelando sua vida e integridade física, podendo ser praticada de diversas formas, como por meio de empurrões, puxões de cabelo, mordidas, beliscões, socos, chutes, queimaduras, pontapés e os mais diversos ferimentos e cortes causados por faca, canivete, pedaços de madeira, objetos pontiagudos, asfixia, fios, eletricidade, armas de fogo e outros.
Não se distancia, tal definição, da apresentada pela Lei Maria da Penha em seu artigo 7º, que declara ser violência física, a entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.
Importante destacar, que os delitos caracterizados como violência física, perpetrados por meio das condutas acima descritas, encontram-se tipificados no Código Penal, em sua parte especial e na lei de Contravenção Penal, sendo esta a forma de violência que apresenta maior incidência nos registros de violência contra mulher em nosso país.
A violência psicológica, também, encontra-se conceituada no artigo 7º, inciso II, da lei 11.340/2006, que a descreve da seguinte forma:
II - violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; [...]. (BRASIL, 2006).
A lei Maria da Penha descreve como violência psicológica, qualquer ação que cause à mulher diminuição de sua autoestima, abrangendo qualquer sofrimento causado pelo abalo da autoimagem, visto que consiste em uma agressão emocional. Conforme ressalta Dias (2012, p. 67), “a proteção é da autoestima e da saúde psicológica.”
Continuando a definir as formas de violência, também consta nesse rol a violência sexual, explanada pelo artigo 7º da lei 11.340/2006 deste modo:
Entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; [...]. (BRASIL, 2006).
Registre-se que esse tema foi objeto de resistência por parte da doutrina e jurisprudência, visto que, como afirma Maria Berenice Dias (2013, p. 68), “a tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito.”
Felizmente, acrescenta a mesma doutrinadora, que a doutrina legal já evoluiu no que se refere ao tema, no entanto a violência sexual não deixou, nem parece estar perto de deixar, de ocupar lugar de destaque neste cenário. Vejamos o que diz Campos e Corrêa (2012, p. 255) sobre o assunto:
A violência sexual é fenômeno universal que alcança indistintamente mulheres de todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas, acontecendo em populações de diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social, em espaços públicos ou privados, e em qualquer fase da vida da mulher, possuindo sequelas biopsicossociais complexas de mensurar, sabendo-se que produz efeitos intensos e devastadores, muitas vezes irreparáveis ou de difícil reparação.
Os danos da violência sexual, para a saúde física e mental da vítima, são gravíssimos, motivo pelo qual carece de especial atuação por parte do Poder Judiciário, no sentido de não reproduzi-la permitindo antecedentes equivocados, gerados a partir de uma cultura de desigualdade de gêneros.
Quanto à violência patrimonial o que a lei dispõe no seu artigo 7º é o seguinte:
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (BRASIL, 2006).
Para Cunha e Pinto (2012, p. 64), “Esta é a forma de violência raramente se apresenta separada das demais, servindo, quase sempre, como meio para agredir, física ou psicologicamente, a vítima.”
Hermann (2007, p. 114), analisando o artigo supramencionado assim delibera:
A violência patrimonial é a forma de manipulação para subtração da liberdade à mulher vitimada. Consiste na negação peremptória do agressor em entregar à vítima seus bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando esta toma iniciativa de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfúgio para obriga-la a permanecer no relacionamento do qual pretende se retirar.
Para tais autores a violência patrimonial é, ora meio, ora desfecho de outros tipos de violência praticados contra a mulher. Além disso, pode-se também depreender que se trata de recurso para atingir psicologicamente a vítima, haja vista ser clara a finalidade de que, com tal conduta, o agressor interfere na independência financeira necessária para permitir à ela condições para recomeçar e reorganizar sua vida.
Encerrando a conceituação das formas de violência a lei Maria da Penha, ainda em seu art. 7º, inciso V, entende como violência moral qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A respeito do artigo supramencionado, comenta Dias (212, p. 72):
A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra honra: calúnia, difamação e injúria. São denominados delitos que protegem a honra, mas quando cometidos em decorrência do vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral.
Ajustando-se a norma ao conceito apresentado pode-se concluir como violência moral qualquer que seja a conduta que resulte em calúnia, configurada quando o agressor afirma que aquela praticou crime que não cometeu; difamação, quando agressor atribui à vítima fatos que ofendam a sua reputação, ou injúria, que se efetua quando o agressor atinge a dignidade da mulher.
2.3 Finalidade da Lei Maria da Penha
A Constituição Federal impõe em seu artigo 226, §8º, que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” Demonstra, assim, o texto constitucional a necessidade de implementação de políticas públicas que coíbam e erradiquem a violência doméstica.
A Constituição Federal, com esse dispositivo, tenta corrigir as diferenciações postas arbitrariamente para os gêneros, bem como tem o intuito de vedar o tratamento desigual que discrimina o sexo feminino, colocando-o em uma situação de vulnerabilidade. Nesse interim, a criação dessa ação afirmativa, visa consertar a desigualdade enfrentada pela mulher na sociedade ao longo dos anos, em função das relações hierarquizadas às quais esta sempre foi submissa.
Para Campos e Corrêa (2012, p. 111), essas políticas públicas têm como alvo a figura do sexo feminino, visto que é este que ocupa o polo de inferior nas relações familiares, bem como na sociedade. Vejamos:
O projeto delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objeto implementar ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais decorrentes da situação de discriminação e exclusão que foram expostas.
A necessidade de criar uma legislação que assista à mulher vítima de violência doméstica, ao lado do que é previsto na Constituição e em tratados internacionais, encontra-se consubstanciado nas estatísticas que comprovam a elevada ocorrência de agressões no âmbito doméstico.
Em função dos dados elevados de violência, ainda sob a análise do mesmo autor, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo e o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera.
Dessa forma, a Lei Maria da Penha, tendo obtido seu mérito reconhecido nacional e internacionalmente, veio inserir na ordem jurídica brasileira um sistema apto a oferecer maior proteção e assistência à mulher, histórica e culturalmente desfavorecida, em razão do papel frágil que a esta sempre foi atribuído ao longo dos anos. Aquém disso, ultrapassando a figura feminina, como alvo da Lei, arremata Maria Berenice Dias (2012, p. 42) quando ensina, que além da mulher vítima de violência, a família e a sociedade, dado que o sofrimento individual de mulheres ofendidas agride ao equilíbrio de toda a comunidade e a estabilidade das células familiares como um todo.
3.ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO PENAL TRAZIDAS PELA LEI MARIA DA PENHA
Para atender a algumas expectativas da Lei Maria da Penha, o Código Penal Brasileiro passou por algumas modificações, na medida em que permitiu que os agressores, na prática de violência doméstica de gênero, fossem presos em flagrante ou que tivessem sua prisão preventiva decretada, não podendo ser a estes sancionados penas alternativas ou as penas pecuniárias.
A Lei Maria da Penha trouxe, também, alterações no âmbito da execução penal, quando determina que o agressor compareça a programas de reeducação, bem como na esfera do processo penal, quando levanta o debate sobre Ação Penal Pública, tema este que será tratado em capítulo próprio mais a frente. Vejamos, a princípio, as alterações trazidas no campo das prisões e penas aplicáveis ao agressor, mais especificamente a que diz respeito ao comparecimento deste a programas de reeducação.
A prisão preventiva é, segundo Márcio Pereira e Fernando Leal Neto (2014, p. 402), “medida cautelar de cerceamento provisório da liberdade ambulatorial do indivíduo que, decretada por magistrado se presentes os requisitos legais, podem ocorrer durante o curso de uma investigação ou processo criminal”.
Conforme artigo 311 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo juiz ou mediante requerimento do Ministério Público, do querelante, ou ainda mediante representação da autoridade policial.
Debatendo sobre o tema, Távora e Antonini (2009, p, 463):
É a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual. Até antes do trânsito em julgado da sentença admite-se a decretação prisional, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente (art. 5º, inciso LXI da CF), desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se sustenta se presentes o lastro probatório mínimo a indicar a ocorrência da infração, os eventuais envolvidos, além de algum motivo legal que fundamente a necessidade do encarceramento.
Cabe observar, nessa linha, que a decretação da prisã o preventiva, admitida até mesmo antes da instauração do inquérito policial, deve atender a requisitos legais, devendo estes ser obrigatoriamente demonstrados, haja vista a preventiva ser medida de exceção que deve ser utilizada cautelosamente.
Importante, nesse contexto, expor os fundamentos que o art. 312 do Código de Processo Penal, apresenta primeira parte. Vejamos, “Art. 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal [...].”
Passando à análise desses fundamentos, que permitem o cabimento da prisão preventiva, r Távora e Antonni (2009) esclarece que garantia da ordem pública é o meio para evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal, traduzindo essa expressão em tranquilidade e paz no meio social. Ou seja, existindo evidências de que o infrator continuará com a práticas delituosas, será cabível a aplicação da prisão, no entanto é necessário que reste comprovado a situação de risco.
A garantia da ordem econômica, no entender de Marcio Pereira e Fernando Leal Neto (2014, p. 404) “visa coibir ataques vultosos à ordem econômico-financeira nacional.” Tem, de acordo com o autor, a finalidade evitar que o indivíduo, caso fique solto, continue a afetar a ordem econômica.
Compreende-se por conveniência da instrução criminal, a proteção de uma produção probatória livre de interferências, definida por Távora e Antonni (2009, p. 466) “como a possibilidade de que o infrator destrua provas, ameace testemunhas, ou comprometa de qualquer maneira a busca da verdade.”
Por fim, a garantia de aplicação da lei penal, sob o ponto do vista do autor supramencionado, tem o objetivo de impossibilitar a fuga do agente, impedindo que esse venha a eximir-se de eventual cumprimento da sanção penal, sendo obrigatório, neste caso a concreta e fundada possibilidade de fuga, não bastando como fundamento apenas a condição econômica do réu.
A segunda parte do artigo 312 do Código Penal traz como pressuposto a demonstração de prova da existência do crime, bem como os indícios suficientes de autoria, também sendo necessária aqui a comprovação de que a ocorrência do delito é incontestável, fazendo-se por meio de exame pericial, testemunhas, documentos, interceptação telefônica, a fim de evitar a prisão quando não houver certeza da existência do crime. Já no que diz respeito à autoria, a exigência é apenas de indícios que associe o suspeito à prática do delito.
Cunha e Pinto (2014, P. 129) pedem cautela sobre a análise do tema e explicam:
Primeiro, porque não basta, para a decretação da medida de exceção, que o crime tenha sido perpetrado contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. É preciso que, além disso, estejam presentes, também, os pressupostos e fundamentos justificadores da prisão preventiva, elencados no art. 312 do CPP, de início, se exigirá a presença de prova de existência do crime e indício de sua autoria, a configurar o fumus boni iuris.
Não é suficiente, assim, para a efetivação da prisão preventiva, a comprovação da materialidade e indícios de autoria, anteriormente explanadas, é imprescindível que fique demonstrado um fator de risco que justifique a aplicação da medida. Nesse sentido, o Código de Processo Penal dispõe no seu texto as hipóteses de cabimento da prisão preventiva estão expostas no artigo 313, incisos I a III:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos (quatro) anos;
II – Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (BRASIL, 1941).
Deve-se advertir que esses fundamentos, nomeados pela doutrina como periculum libertatis, que autorizam essa modalidade de prisão, são alternativos e não concomitantes, conforme ressalta Marcio Pereira e Fernando Leal Neto (2014, p. 404). Assim, basta apenas que uma hipótese ocorra para que o fundamento da prisão preventiva seja alcançado.
A possibilidade de prisão preventiva quando o crime envolve violência doméstica e familiar contra a mulher foi criada e acrescentada ao Código de Processo Penal pela lei Maria da Penha que no seu artigo 42 ampliou as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, a fim de garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Esse artigo foi revogado expressamente pelo art. 4º da Lei 12.403/2011 que dá nova redação ao inciso, qual seja, “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.
A novidade legislativa causou divergência na doutrina, conforme indica Maria Berenice Dias (2012, p. 78), “Houve inclusive quem sustentasse a inconstitucionalidade da nova hipótese de decreto de prisão preventiva como forma de garantir a execução de medida protetiva de índole civil”. Posiciona-se a doutrinadora supra que a possibilidade de aprisionamento decorre exatamente da violência doméstica, esta prática é justamente o que autoriza a concessão da medida protetiva, garantindo seu cumprimento com a aplicação da prisão preventiva
Em concordância com esse entendimento arremata Cabette (2012, p. 1):
O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercitivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no art. 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313, CPP.
Desejou o autor, com esse apontamento, enfatizar a fragilidade da medida protetiva de urgência de proibição de contato da ofendida se tal determinação não fosse amparada por um instrumento de teor coercitivo restaria desacreditada e de fácil superação, não sendo eficaz a determinação judicial.
Por outro lado, adverte Nucci (2006, p. 887):
É fundamental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corporal possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça, de detenção de um a seis meses, ou multa.
Dessa forma, são infrações penais que não comportam preventiva, pois a pena a ser aplicada, no futuro, seria insuficiente para coibir o tempo de prisão cautelar, tornando-se, tecnicamente medida excessiva se aplicada isoladamente.
Compreendendo o tema no que toca aos dois pontos de vista elencados Cunha e Pinto (2014, p. 130) admite ser cabível a prisão preventiva, somente quando presentes os requisitos expostos no art. 312 e 313 do CPP, dentre eles, quando a conduta do agente configurar, além do descumprimento da medida protetiva, prática também de outro crime.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade diversas vezes de manifestar-se sobre tema, já tendo consolidado sua posição, qual seja:
Ementa: PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEI MARIADA PENHA . PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. 1. A teor do art. 312 do
Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada quando presentes o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da materialidade e na existência de indícios de autoria, bem como o periculum libertatis, fundado no risco que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública/econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. 2. A reiteração de condutas delituosas e o descumprimento das medidas protetivas denotam, de forma concreta, uma propensão do paciente em cometer crimes, razão pela qual a manutenção de sua prisão se mostra necessária para garantia da ordem pública e em estreita consonância com os arts. 312 e 313 , III , do Código de Processo Penal . 3. As condições pessoais do acusado, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, por si sós, não são suficientes para afastar a necessidade da custódia cautelar, caso presentes os requisitos que a autorizam, como na hipótese. Recurso ordinário desprovido. (BRASIL, 2015).
Pode-se concluir com base na análise das posições doutrinárias e jurisprudencial expostas, que a decretação da prisão preventiva pode ser utilizada como forma de garantir o êxito da execução das medidas protetivas de urgência. No entanto, para ser cabível, deverá adequar-se aos fundamentos e hipóteses estabelecidas legalmente. Caso, outras medidas, menos gravosas, forem igualmente eficazes para assegurar a execução das medidas protetivas para a proteção dos direitos da mulher, a decretação prisão preventiva será ilegítima e, por conseguinte, inconstitucional.
3.2 Centros de educação e de reabilitação para os agressores
A violência de gênero, conforme já estudado, tem resistentes raízes culturais, de maneira que a educação é um instrumento essencial em seu combate e eliminação. E foi nesse caminhar que a Lei Maria da Penha, também inovou ao determinar que o agressor compareça a programas de recuperação e reeducação, conforme é disposto no artigo 45, da Lei 11.340/2016 que acrescentou o parágrafo único ao art. 152 da Lei de Execução Penal nos seguintes termos:
Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (BRASIL, 1984).
Dessa forma, quando a pena privativa da liberdade for substituída pela pena restritiva de direitos consistente na limitação de finais de semana, o juiz pode determinar ao agressor que compareça obrigatoriamente a programa de recuperação e reeducação, atendendo a uma das finalidades da Lei Maria da Penha em consonância com o artigo 35, inciso V do mesmo diploma legal que estabeleceu a criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Nessa esteira, Campos e Corrêa (2012, p. 572) relatam que a finalidade de tal inovação é a seguinte:
Reequilibrar a relação de poder do homem sobre o homem, que permeia no espaço doméstico e familiar, advindo da cultura patriarcal com vistas à igualdade material dos sexos, não se podendo ignorar a instabilidade psicológica e emocional do agressor, que evidentemente também necessita de ajuda para conter seus instintos malévolos e violentos, em prol de si mesmo, da própria vítima, das pessoas atingidas pela violência, sobretudo os menores e de toda a sociedade.
Abstrai-se do texto que a Leia Maria da Penha vem apresentar uma alternativa capaz de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de uma gradual mudança de pensamento e, consequentemente, de comportamento, de toda a sociedade perante as mulheres. É indispensável que se invista, não tão somente, em ações repressivas, para combater o drama da violência doméstica de gênero, mas é preciso, também, direcionar estímulos preventivos, que ultrapassem a esfera do Direito Penal, capazes de estancara violência, bem como a reincidência do agressor.
Bianchinni (2012, p. 1) pontua perspicazmente sobre o assunto:
É recomendável que sejam implantados, portanto, programas que articulem mecanismos alternativos, em lugar de solicitar exclusivamente a intervenção do sistema legal, ou que se suavize e administre as consequências dessa intervenção. O sistema penal é estigmatizante e inaugura, muitas vezes, por suas interferências excessivas ou mesmo inadequadas, carreiras criminais.
Em outra análise, em razão da natureza do crime, que envolve violência doméstica e familiar, é relevante considerar que, em algumas situações, a vítima não deseja a prisão do agressor, mas apenas que cesse a prática de violência na família. Acrescenta Miriam Luciana Freitas Elias (2014), que alguns crimes cometidos no âmbito doméstico, em função da sua gravidade, necessitam da aplicação de penalidade mais rígida, como a privação de liberdade, para reter a banalização da violência doméstica. Todavia, em muitos outros casos, se faz fundamental a adoção de meios diferenciados de enfrentamento, suficientes a coibir a violência e reparar os danos sofridos, sem ocorrer o encarceramento do agressor.
Nota-se, portanto, que são insuficientes os encaminhamentos e deferimentos de medidas protetivas e prisões, para reprimir a violência de gênero nas suas variadas formas em casos futuros. Acima de tudo, faz-se urgente a execução das políticas públicas já previstas na Lei Maria da Penha como modo de se almejar a modificação valores e práticas, estabelecidos no plano da cultura e social, indo além da banalização de prisões preventivas, sendo indispensável um combate amplo da violência, por meio da educação e da luta contra estereótipos, mostrando-se como meio adequado para essa modificação, o investimento em Centros de Educação e Reabilitação de Agressores.
De acordo com Renato Brasileiro Lima (2016, p. 107) a doutrina majoritária define ação penal como “o direito público subjetivo de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto”. É, dessa forma, o direito que a parte acusadora, Ministério Público, ou a vítima, ou querelante tem de, por meio do devido processo legal, chamar o Estado a dizer o direito objetivo no caso concreto, que encontra fundamento no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, o qual dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Para Nucci (2011, p. 130): “Não há possibilidade de haver punição, na órbita penal, sem que o devido processo legal, isto é, sem que seja garantido o exercício do direito de ação, com sua consequência natural, que é o direito contraditório e à ampla defesa.”
Para o autor, mesmo quando a Constituição permite a possibilidade de transação no âmbito penal, em casos de infrações de menor potencial ofensivo, prepondera, em tal procedimento, o direito de ação, haja vista que o fato delituoso é levado a conhecimento do judiciário, que necessita chancelar a proposta efetuada pelo Ministério Público.
A ação penal pública, segundo a doutrina majoritária, representada por Rangel (2006, p. 189) possui duas modalidades, quais sejam: “ação penal pública incondicionada e ação penal pública condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça.” Afirma, ainda, o autor, que em ambos os casos, a legitimidade é do Ministério Público para propor a ação, porém quando disser respeito à ação penal pública condicionada é necessário verificar se a condição foi suprida ou não. Tem-se por satisfeita essa condição, quando houver manifestação de vontade do ofendido.
Já na ação penal pública incondicionada, ainda segundo este autor, o Ministério Público independe da manifestação de vontade, bastando existir indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do fato para oferecer a ação.
Discorre Nucci (2011, p. 131) sobre outra espécie de ação penal, a privada. Essa modalidade ocorre quando o autor é a vítima ou seu representante legal. Explica ainda que a “ação privada pode ganhar titulação de subsidiária da pública, quando houver uma ação pública, mas o direito de agir transfere-se ao particular, diante na inércia do órgão acusatório estatal”.
Passada essa breve explanação sobre conceitos e espécies de ação penal, sigamos o estudo correlacionando este tema com a Lei Maria da Penha, abordando suas principais peculiaridades no que diz respeito à lesão corporal e à ação pública incondicionada.
O crime de lesão corporal é definido, na Exposição de Motivos do Código Penal, como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental.
Trata-se, portanto, de todo dano que ofende a integridade física e à saúde fisiológica ou mental de alguém. Capez (2016, p. 161), abordando o tema, ensina o que vem a ser integridade física, saúde fisiológica e saúde mental. Vejamos:
Integridade física diz respeito à alteração anatômica, interna ou externa, do corpo humano, geralmente produzida por violência física ou mecânica. A saúde fisiológica do corpo humano diz respeito ao equilíbrio funcional do organismo, cuja lesão normalmente não produz alteração anatômica, ou seja, dano, mas perturbação de sua normalidade funcional que produz ofensa à saúde. A saúde mental diz respeito à perturbação da ordem psíquica.
Nota-se, portanto, que para configurar lesão corporal é necessário que a vítima sofra algum dano físico, não apenas uma ofensa moral, alterando interna e externamente e que possa desencadear também modificações prejudiciais à saúde da vítima.
Quantos aos sujeitos, ensina Capez (2016, p. 165-166) que pode ser qualquer pessoa o sujeito ativo do delito. Já quanto ao sujeito passivo existem algumas hipóteses dos §§1º, IV, e 2º, V, do artigo 129 do Código Penal, exigem que seja mulher grávida. Os §§ 9º e 10º do mesmo artigo determina que a lesão seja praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com que conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Registre-se que, embora tenha sido criado em amparo à mulher o delito de lesão corporal do § 9º do art. 129, admite que a vítima seja homem, conforme declara Dias (2012, p. 76):
Ainda que a Lei tenha vindo em benefício da mulher, o delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica tipifica-se independentemente do sexo do ofendido. Tanto uma mulher como um homem podem ser vítimas do delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica. O Código Penal não faz distinção quanto à identidade de gênero da vítima e nem à orientação sexual dos integrantes do núcleo familiar. Basta o fato de a agressão decorrer do vínculo familiar para configurar-se o delito na modalidade qualificada.
Assim, quando a vítima do delito for homem, ficando comprovada a lesão corporal qualificada pela violência doméstica, segue o mesmo rigor penal atribuído pela Lei Maria da Penha, embora, também reste claro, que ser cabível a aplicação do crime de lesão qualificada ao gênero masculino, não significa dizer que quando a violência doméstica for praticada contra o homem se aplicam todas as regras específicas da Lei 11.340/06, haja vista que não pode ser confundida a violência doméstica e familiar exposta no artigo 129 § 9º com a violência doméstica e familiar contra a mulher da Lei Maria da Penha.
Quanto à classificação do delito de lesão corporal, o Código Penal, apresenta duas, quais sejam, quanto ao subjetivo e à intensidade. Conforme a primeira classificação pode ser lesão corporal dolosa simples (caput), dolosa qualificada (§§ 1º, 2º e 3º), dolosa privilegiada (§4º e 5º) e culposa (§6º). Já quanto à intensidade pode ser leve (caput), grave (§1º) gravíssima (§2º) e, por fim, seguida de morte (§3º). Quando a lesão corporal dolosa for de natureza leve e culposa, segundo aponta Cunha (2016, p. 129) serão infrações penais de menor potencial ofensivo, sendo cabível, nesse caso, a transação penal. Tratando-se de lesão corporal qualificada de natureza grave, admite-se apenas a suspensão condicional do feito, tendo em vista que a pena máxima imputada ao delito é de cinco anos.
Todavia, quando a lesão corporal de natureza leve tiver incidência na Lei Maria da Penha, por ser crime cometido no ambiente doméstico e familiar, conforme apontados nos §§ 9º, 10º e 11º do Código Penal não se podem aplicar as medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/1995, visto que o artigo 41 da lei 11.340/2006 veda expressamente a aplicação de tal dispositivo, tema este que será aprofundado em momento oportuno neste trabalho.
A Lei Maria da Penha não criou novos tipos penais, tendo o legislador apenas inserido uma agravante no artigo 61, inciso II, alínea “f”, uma majorante no art. 129 § 11º, admitiu mais uma hipótese de prisão preventiva e, por fim, alterou a sanção do crime de lesão corporal do art. 129 § 9º, aumentando a pena máxima e diminuindo a pena mínima, que antes era de seis meses a um ano, passando a ser, após o advento da Lei, de três meses a três anos.
4.1.1 Lesão corporal de natureza leve qualificada pela violência doméstica e familiar
A conceituação de lesão corporal leve ocorre por exclusão, quando não se verifica que resultado agravador dispostos nos parágrafos 1º e 3º do artigo 129. Assim ensina Capez (2016, p. 169):
Sempre que não se lograr provar o resultado agravador ou então na hipótese de crime tentado, se não se lograr provar qual o tipo de lesão intencionada pelo agente (se leve, grave ou gravíssima), a lesão será tida como simples, em atendimento ao princípio do in dubio pro reo.
Perceba-se que não há conceito específico de lesão corporal leve, entendendo- a, nesse contexto, como qualquer lesão corporal dolosa que não seja grave ou gravíssima.
Em função da pena máxima cominada ao crime, Masson (2011, p. 93) relata que “o delito de lesão corporal leve ingressa no rol das infrações penais de menor potencial ofensivo, admitindo transação penal e seu processo de julgamento segue o rito sumaríssimo, definido pelos arts. 77 e seguintes da Lei nº 9.099/1995”. Isso porque a Lei dos Juizados Especiais, visando inserir instrumentos despenalizadores elencou como de pequeno potencial ofensivo os delitos de lesão corporal leve e de lesão culposa, transformando-os em infrações de ação pública condicionada, passando a depender da vítima a persecução penal.
Por outro lado, o art. 41 da Lei nº 11.340/2006 afastou expressamente a incidência da Lei 9.099/1995 em infrações praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Vejamos a inteligência do art. 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”. (BRASIL, 2006).
Esclarece o dispositivo supra que os crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplica a Lei nº 9099/95, independentemente da quantidade e natureza da pena prevista no tipo penal. Não tendo a lei em questão alterado o Código Penal, grande foi a divergência de posicionamento entre os doutrinadores.
Para Gonçalves e Lima (2006, p. 1):
A nova Lei não fez qualquer ressalva quanto à Lei 9099/95, ao contrário, expressamente a afastou, restaurando a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais leves, de modo que o Ministério Público não precisa mais de autorização das vítimas para processar os acusados, podendo iniciar a persecução penal a partir do auto de prisão em flagrante, requerimento da vítima, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa do povo.
Na ótica dos autores, não poderia ser diverso o entendimento, já que os delitos que prescindem de representação são aqueles em que o interesse privado à intimidade das vítimas ultrapassam o interesse público em reprimir a infração. Na hipótese de violência gênero, a solução é contrária, visto que é interesse público cesse a violência, não admitindo-a, em hipótese alguma, o Estado.
Em defesa de entendimento contrário Saliba e Saliba (2006, p. 50-52, apud, DIAS, 2012, p. 88) ressalta:
A Lei Maria da Penha representou um retrocesso, pois a conciliação civil permitia que o autor da agressão e a ofendida buscassem, com auxílio de mediadores, a solução adequada para os problemas vivenciados no ambiente doméstico e familiar.
Entendem os autores que o diálogo entre as partes é, sem dúvida alguma, o melhor caminho para combater a violência, não podendo se confiar a uma punição mais severa, a melhor forma de solução de conflitos, concluem, portanto, não ser o direito penal a melhor solução.
Por um bom tempo também divergiram os tribunais superiores, chegando o Superior Tribunal de Justiça a decidir que a ação penal pública era condicionada à representação da vítima nos casos de lesão corporal leve, a exemplo disso, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1097042 DF. Veja o teor do julgado:
[...] A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. (DISTRITO FEDERAL, 2010).
No entanto, hoje o tema encontra pacificado por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel sobre a aplicação de dispositivos da Lei Maria da Penha foi julgada tendo como resultado o exposto a seguir:
Dispositivo Legal Questionado Art. 12, art. 16 e art. 41, da Lei nº 11340, de 2006 (Lei Maria da Penha). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Art. 12 - Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
Art.16-Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Art. 41 - Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995.
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico. Plenário, 09.02.2012. Acórdão, DJ 01.08.2014.
Dessa, forma a ação penal pública não é mais condicionada à representação da vítima, não precisando a vítima externar sua vontade de processar o agressor. Com isso, qualquer pessoa, e não apenas a vítima de violência de gênero, pode comunicar a prática delituosa à polícia.
Ademais, pode também o Ministério Público oferecer denúncia contra o agressor, ainda que contra o desejo da vítima, modificando a tendência anterior que de apenas a mulher tinha o poder de representar contra o agressor em casos de lesões corporais leves.
5.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Nos dizeres de Carem Barbosa de Castro (2016, p. 1), “um princípio é o fundamento de uma norma jurídica, são as vigas do direito que não estão definidas em nenhum diploma legal”. Esse conceito se aproxima da concepção trazida por Ávila (2009, p. 71) que aponta:
Princípios são normas que estabelecem um estado ideal das coisas (ou um fim a ser alcançado) para cuja realização é necessário adoção de comportamentos não explicitamente prescritos. A aplicação deve ser fundamentada na demonstração da correlação entre os efeitos do comportamento a ser adotado e a realização do fim buscado.
Dessa maneira, conclui-se que os princípios têm a função de orientar e inspiraras normas, devendo ser contemplados quando da produção destas, bem como devem ser observados no momento interpretá-las ou aplicá-las.
No Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, o preceito penal incriminador não é apenas aquele que expõe um fato como infração penal, mas sim aquele que exige que fato provoque ou não o sentimento coletivo de justiça. Desse Estado Democrático, afirma Fernando Capez (2010), emana um gigantesco tentáculo que regulamenta todo o sistema penal, qual seja, o princípio da dignidade humana, sendo qualquer dispositivo contrário a ele inconstitucional
Nesse caminhar, em conformidade com a Constituição e seus princípios fundamentais, especificamente o da dignidade da pessoa humana, a norma incriminadora deverá, impreterivelmente, eleger as condutas humanas, que de fato, oferecem lesividade ante o meio social, devendo o Estado-juiz indagar-se sobre o tipo incriminador, tendo em vista que infração penal não é somente o que o legislador diz ser, aspecto formal, visto que nenhum comportamento pode ser taxado como criminoso quando essa conduta não expuser a perigo valores fundamentais da sociedade.
Exatamente nessa linha, ainda conforme Capez (2010, p. 25):
Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu direito penal há de ser legítimo, democrático e obediente aos princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em consonância com os princípios derivados desse perfil político-constitucional. Não se admitem mais critérios absolutos na definição de crimes, os quais passam a ter exigência de ordem formal (somente a lei pode descrevê-los e cominar-lhes uma pena correspondente) e material (o seu conteúdo deve ser questionado à luz dos princípios constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito).
Por conseguinte, os dispositivos penais que fixam apenas formalmente infrações penais, não auferindo seu potencial lesivo concreto, inclinam-se à contrariar o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo o magistrado, nessas hipóteses, afastar o poder punitivo do Estado, em razão de sua ínfima significância jurídico- social, sob pena de desobediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, não devendo o direito penal se fazer tão somente instrumento opressor de controle do estado, mas deve refletir em sua análise e aplicação o justo anseio social.
Desse princípio fundamental, dignidade da pessoa humana, nascem outros princípios constitucionais no âmbito do direito penal que tem como missão é indicar limites
Resumido por Toledo (2007, p. 133):
O princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde se necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.
Assim, pode-se concluir em apego às palavras simples e diretas de Toledo (2007), que o princípio da insignificância autoriza a exclusão do dano em tipos penais de pouca importância, devendo o direito penal limitar-se a casos que efetivamente afetem a dignidade, a honra e assim por diante, afastando fatos sem consequências concretas.
Assim, para bem compreender a aplicação do princípio da insignificância, sua relevância e consequências jurídico-sociais, é necessário que se entenda, primeiramente, seu conceito, natureza jurídica, bem como é fundamental que se uma análise adequada acercada tipicidade penal, elemento no qual está contida a aplicação de tal princípio.
5.1 Conceito do principio da Insignificância e a tipicidade penal
Boa parte da doutrina entende que o Princípio da Insignificância teve origem no Direito Romano, tendo seu fundamento no adágio latino minimis non curat praetor, que orientava que o Direito não deveria encarregar-se de fatos irrelevantes, segundo Toledo (2007). No entanto há discussão quanto à origem do princípio, visto que, nessa época, necessitava de especificidade, tendo sido criado somente para explicar a atuação menos ativa do estado no âmbito penal que na esfera cível, já que o Direito Civil romano era mais avançado. Assim, nota-se que é creditado ao Direito Romano o nascimento fático do princípio e não a sua origem histórica, sendo este atribuído ao direito alemão.
Segundo Bitencourt (2007), o princípio da insignificância foi introduzido no sistema penal pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, sendo utilizado na realização dos objetivos sociais esboçados pela política criminal, segundo o qual, na visão de Capez (2010, p. 29) não deve preocupar-se com bagatelas, da mesma forma que não podem ser admitidos tipos incriminadores que relatem condutas insuficientes a lesar o bem jurídico.
Para a melhor doutrina, a mais relevante exteriorização da influência desse princípio ocorreu na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seus artigos 5, 7 e 8 que propôs tal princípio ao afirmar que lei não veda, tão somente, as ações nocivas a sociedade, gerando um caráter seletivo para o Direito Penal, mas também os faz descartar os fatos insignificantes.
O princípio da insignificância é uma teoria tão somente doutrinária, já que não existe conceito em nosso sistema jurídico, seja nas leis ou na Constituição Federal, restando à doutrina e à jurisprudência a missão de apresentar e defende sua definição e aplicação.
Dentre os conceitos apresentados pela doutrina merece evidência o oferecido por Ackel Filho (1988), qual seja:
Princípio da insignificância pode ser entendido como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovida de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta juízo de censura penal.
Pode-se abstrair da doutrina acima exposta, que o Princípio da Insignificância é instrumento de política criminal, haja vista que desempenha exame restritivo do tipo. Assim, serão julgadas típicas as condutas aptas a gerar lesão material expressiva ao bem jurídico protegido, não sendo o caso, não justiça-se a interferência penal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também caminhando nessa direção, apresenta conceito ao princípio da insignificância, conforme pode-se aferir do julgado a seguir:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O
postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor (...). (BRASIL, 2010).
A jurisprudência também entende o princípio da bagatela como instituto que limita o alcance e aplicação do Direito Penal quando o bem atingido pela conduta do agente sofre dano desprezível. Aponta ainda que trata-se de medida de política criminal e, por tal razão, somente as infrações nocivas ao bem jurídico protegido deve sofrer as reprimendas penais.
Em seguida no mesmo acórdão a Corte destaca a importância de verificar se a conduta se adequada ao tipo penal não só no quesito formal, mas que é necessário que a conduta se adeque ao conceito de tipo penal material, conforme consta a seguir:
(...) 3. Incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual para que haja a incidência da norma incriminadora não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, como no caso, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem sequer justifica a obrigatória cobrança judicial.
4. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de uma máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida. 6. Jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Suprema Corte: RE 550.761, da relatoria do ministro Menezes Direito (Primeira Turma); RE 536.486, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); e HC 92.438, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa (Segunda Turma). 7. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória. (BRASIL, 2010).
O conceito debatido pela jurisprudência apresentada encontra-se em plena consonância com o exposto pela doutrina, não restando dúvidas que a finalidade do princípio aqui estudado é afastar o rigor penal de delitos bagatelares, quando estes não preencherem materialmente o tipo penal.
Por falar em finalidade, não por acaso o princípio em questão foi introduzido no sistema jurídico pelo doutrinador Claus Roxin, visto que esse estudioso do direito penal, também difundiu a teoria do Funcionalismo Teleológico-Racional. Sobre tal teoria vejamos o que diz De-Lorenzi (2015, p. 211):
O sistema por ele proposto tem como ponto de partida concepções neokantianas e neohegelianas e propõe uma fusão entre Direito Penal e política criminal. Historicamente o que ocorria era o contrário, as teorias contrapunham os dois conceitos, atribuindo à política criminal a função de realização dos interesses sociais no combate à criminalidade e ao Direito Penal a função de assegurar a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade do indivíduo em face do Estado.
Nas palavras do próprio Roxin (2006), essa divisão é errada, já que afastar os propósitos políticos do Direito Penal obriga ele a se distanciar das necessidades concretas e faz ser indispensáveis reparos valorativos do sistema oriundos das orientações isoladas do julgador, sem respaldo legal, fazendo que tais correções tenham bases turvas e sem poder de convencimento científico.
Nota-se que o autor compreende que a norma tem por finalidade viabilizar a aplicação justa da lei. Sendo indispensável que os fins do Direito Penal, cumpram funções de políticas criminais, defendendo bens jurídicos relevantes. E definindo o que vem a ser bens jurídicos, Roxin (1998, p. 27) esclarece:
São pressupostos imprescindíveis para a existência em comum de um grupo humano em um contexto histórico-social enquanto concretizados em uma série de condições de grande valor, como a vida, a liberdade, a propriedade, a integridade física, o patrimônio, etc.
Quando estudado por Prado (2009, p. 44), bem jurídico quer dizer ente material ou imaterial orientado pelo contexto social, de titularidade individual ou meta individual tido como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade, sendo por esta razão, penalmente protegido.
Dessa forma, a missão do Direito Penal, para Roxin, nada mais é, do que proteger bens jurídicos, ou seja, oferecer proteção a valores essenciais para uma convivência social harmônica com intervenção mínima na sua aplicação. O que coaduna bem com fundamento do princípio da insignificância quando se verifica sua natureza fragmentária, atuando o Direito Penal apenas no que for necessário para a proteção desses bens jurídicos.
A doutrina moderna convencionou diferenciar o princípio da insignificância ou da bagatela própria e da bagatela imprópria. Como já amplamente abordado nesse estudo, a bagatela imprópria torna atípica a conduta em razão da lesão ou perigo de lesão ser insignificante ao bem jurídico tutelado. Nas palavras de Cunha (2016, p. 80), “a conduta é formalmente típica, mas materialmente atípica. Logo não é criminosa, não se justificando a aplicação do direito penal”. No que diz respeito à bagatela imprópria, será concedido tópico próprio para explanação do assunto, visto tratar-se de conceito primordial para a compreensão do tema exposto.
Superados os esclarecimentos acerca do conceito de princípio da insignificância, faz-se necessário, para melhor entender a aplicação do mesmo, adentrar um pouco na teoria geral do delito, sem querer aprofundar aqui o debate acerca de todas as teorias existentes, mas tão somente explanar sobre a teoria majoritariamente aceita no país, qual seja, a teoria analítica tripartida, direcionando a abordagem ao elemento fato típico, mais precisamente ao estudo do seu substrato tipicidade penal, visto que é nesse ponto que incide o efeito do princípio da insignificância.
Inicialmente deve-se ter em vista qual o conceito de infração penal, que varia conforme o enfoque. Para Cunha (2016, p. 150) perante o enfoque formal, infração penal é aquilo que assim está rotulado em uma norma penal incriminadora, sob ameaça de pena. Em um aspecto material, infração penal é comportamento humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal. Já para o conceito analítico leva-se em consideração os elementos estruturais que compõem infração penal, prevalecendo fato típico, ilícito e culpável. Capez (2010, p. 134) ensina que este aspecto é:
Aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa Maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, é só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu.
Infere-se dessas observações, que a teoria do delito contém vários aspectos e fundamentos a depender do ângulo adotado, resultando definições variadas, no entanto, essas não se mostram contraditórias. Ao contrário, essa vasta demanda de conceitos vem, apenas, ressaltar a complexidade que é analisar o delito penal, demandando análises compostas por muitas variáveis. Aqui nos interessa a concepção analítica do crime, haja vista que o debate proposto inicialmente, no qual incide o princípio da insignificância, justifica-se em afastar um dos elementos dessa teoria do crime, a saber, a tipicidade penal.
Antes, porém, faz-se imperioso discorrer sobre o conceito de um dos elementos que compõe o crime para teoria analítica, qual seja, fato típico.
Cunha (2016, p. 177) assim conceitua fato típico:
Ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal.
Desse conceito, extraem-se os elementos conduta, nexo causal, resultado e tipicidade, necessitando para ser classificado como típico, que o fato perpasse e se amolde a todos esses elementos, dos quais nos interessa mais esse último, a tipicidade penal.
Em primeiro plano, é fundamental conceituar tipo legal, definição esta essencial para captar posteriormente o que é tipicidade penal. Na ótica de Capez (2010, p. 209):
O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX), fica outorgada à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes.
Para esse autor, não convém à lei penal coibir generalizadamente os crimes, deve descrevê-lo de forma pormenorizada, detalhando, de forma precisa, o que vem a ser fato criminoso. Em outras palavras, é imprescindível que a descrição do fato, tido por crime, seja específica, bem como individualize o comportamento criminoso.
Tem-se então por tipicidade penal, na lição de Trigueiros (2014, p. 190), “a subsunção entre o fato concreto e a norma penal incriminadora”. Ou seja, há tipicidade penal quando ação ou omissão praticada pelo indivíduo tiver previsão legal. Mais resumidamente, quando a conduta realizada se ajustar perfeitamente ao tipo penal, estaremos diante da chamada tipicidade penal.
Essa compreensão de tipicidade penal como a adequação do fato à normal, pertence à teoria tradicional que concebe a tipicidade somente sob o aspecto formal. No entanto, para doutrina moderna a tipicidade formal e tipicidade material integra a tipicidade penal.
Esclarecendo esse ponto, Cunha (2016, p. 245) leciona: “a tipicidade penal deixou de ser mera subsunção do fato à norma, abrigando também juízo de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado”. Nesse sentido, para o autor, apenas nessa ótica é que se passa a aceitar o princípio da insignificância como condição de atipicidade material da conduta.
De acordo com Manás (1994, p. 56):
O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal.
Em outras palavras, para Carlos Vico Manás na concepção material do tipo penal é possível, sem violar a segurança jurídica, a descriminalização de condutas, que embora sejam formalmente típicas, não ofendem de forma relevante os bem jurídicos protegidos pelo Direito Penal.
À luz do entendimento do Gomes (2016), a compreensão não é diferente, pois ensina que o princípio da insignificância tem a capacidade de retirara tipicidade do fato, desconstruindo a característica material do tipo penal, passando a conduta passa as ser atípica, determinando absolvição do réu.
Zaffaroni (2001, p. 475) afirma que:
A insignificância pode só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada.
A teoria que o autor vem apresentar com esta afirmação trata-se da tipicidade conglobante, que para Cunha (2016, p. 246) tem como proposta:
É harmonizar os diversos ramos do Direito, partindo-se da premissa de unidade do ordenamento jurídico. É uma incoerência o Direito Penal estabelecer proibição de comportamento determinado ou incentivado por outro ramo do Direito (isto é desordem jurídica). Dentro desse espírito, para concluir pela tipicidade penal da conduta causadora de um resultado, é imprescindível verificar não apenas a subsunção formal fato/tipo e a relevância da lesão ou perigo de lesão, mas também o comportamento antinormativo, leia-se, não determinado ou incentivado por qualquer ramo do Direito.
Nessa linha de entendimento, não basta que a conduta se encaixe perfeitamente ao tipo, é imprescindível que esta conduta não seja potencializada e que de fato ofenda o bem jurídico tutelado, devendo ser feito um juízo entre as consequências do crime praticado e a reprovação imposta ao agente.
Sobre essa tipicidade conglobante, o Ministro Teori Zavascki, também, já discorreu sobre o assunto quando do seu voto em sede de Habeas Corpus impetrado contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
O juízo de tipicidade envolve, também e necessariamente, consideração sobre a chamada antinormatividade, a saber: ‘O tipo é gerado pelo interesse do legislador no ente que valora, elevando-o a bem jurídico, enunciando uma norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal que a ela agrega uma tutela penal. Conforme esse processo de gestação, resultará que a conduta que se adequa a um tipo penal será, necessariamente, contrária à norma que está anteposta ao tipo legal, e afetará o bem jurídico tutelado. (...) Isso significa que a conduta, pelo fato de ser penalmente típica, necessariamente deve ser também antinormativa. Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. (...) O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado. A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, posto que requer uma investigação do alcance da norma que está anteposta, e que deu origem ao tipo legal, e uma investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a tipicidade penal da conduta. (...) A tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade. (BRASIL, 2015).
Deduz-se do voto do Ministro que a concepção de tipicidade não se trata de uma mera análise da tipicidade legal, mas exige uma outra abordagem, qual seja, a constatação da tipicidade conglobante, fundada na investigação da proibição por meio do questionamento do abrangência proibitivo da norma, não vista isoladamente, mas sim de forma conglobada no ordenamento.
O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o tema e assim tem se pronunciado:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. RECEPTAÇÃO DE BENS AVALIADOS EM R$ 258,00. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE
DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. (BRASIL, 2011).
Do exame desse julgado pode-se extrair que a aplicação do princípio da insignificância obedece aos critérios da mínima ofensividade da conduta, da ausência de periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica.
Todavia, na avaliação de Zorzetto (2014), essas condições estão revestidas grande subjetividade, já que resultam em elevada dificuldade de verificação, diante de cada caso concreto, por parte dos Juízes, tendo em vista que, encontram-se vários casos que apresentam circunstâncias distintas e, por esse motivo, existem obstáculos na aplicação do princípio. No entanto, embora presente esta dificuldade é possível afirmar que a posição que atualmente prevalece no Supremo Tribunal Federal permite a aplicação do princípio quando presentes todos os vetores apontados desde que analisados rigorosamente no caso concreto a ser aplicado.
Encerrada a parte conceitual genérica do princípio da insignificância, bem como o exame de sua relação com a tipicidade penal, ainda é crucial detalhar alguns conceitos específicos a respeito de tal princípio, haja vista que o princípio da insignificância ou bagatela contém duas espécies, a infração bagatelar própria e a infração bagatelar imprópria, sendo o aprofundamento deste último conceito vital para esse trabalho.
5.1.2 O princípio da bagatela imprópria ou irrelevância penal do fato
O princípio da bagatela imprópria refere-se à categoria nova difundida pela doutrina do direito penal. Foi inserida no Brasil pelo doutrinador Luiz Flávio Gomes.
Discorrem sobre o conceito Alice Bianchinni, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2007, p. 305):
Infração bagatelar imprópria é a que nasce relevante para o direito penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se veria que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o da irrelevância penal do fato).
Ou seja, embora presentes o desvalor da conduta e do resultado, demonstrada que a conduta é típica, formal e materialmente, antijurídica e culpável a aplicação da pena torna-se inoportuna.
A bagatela imprópria tem como parâmetro a desnecessidade da pena prevista no art. 59 do Código Penal. Vejamos a leitura do dispositivo:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (BRASIL, 1940, grifo nosso)
Do exposto, pode-se concluir que embora seja uma construção doutrinária, o princípio da bagatela imprópria encontra fundamento legal para sua aplicação. É o que pondera Coelho (2015, p. 1) a seguir:
Trata-se, em última análise, da chamada infração bagatelar imprópria. Ao contrário da própria, vinculada à insignificância, ela nasce relevante ao Direito Penal – porque existe um efetivo desvalor da conduta e do resultado, mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresentar-se – ia completamente desconectada e irrelevante. Ressalte-se que tais observações não são produtos de invenções incoerentes e teses carentes de substratos, mas antes uma apreciação direta do texto legal do Código Penal Brasileiro, a partir de uma interpretação consonante com o espírito e postulados constitucionais vigentes. Anote-se que o substrato legal do reconhecimento dos delitos de bagatela imprópria está plasmado no art. 59 do CPB.
Em razão do princípio da desnecessidade da pena, disposto no artigo 59 do CP, o Magistrado somente aplicará a pena quando suficiente e indispensável para prevenção e reprovação do delito, não se distanciando, dessa forma, dos ensinamentos, já explorados acima, de Roxin (2006), que difunde a proximidade entre a política criminal e o direito penal, bem como coloca esse como ultima ratio. Em outras palavras, observa-se que esse princípio advém da violação a bem juridicamente relevante para o direito penal. Porém, por razões de política criminal, após verificação de todas as condições e circunstâncias judiciais, que variam desde o caso concreto até a aplicação da pena, mostra-se dispensável.
Gomes (2009, p. 30) esgotando o tema, expõe:
Os princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato, a propósito, não ocupam a mesma posição topografia dentro do Direito Penal: o primeiro é causa de exclusão da tipicidade material do fato (ou porque a conduta não é juridicamente desaprovada ou porque há o desvalor do resultado jurídico); o princípio da irrelevância penal do fato é causa excludente da punição concreta do fato, ou seja, de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto). Um afeta a tipicidade penal (mais precisamente, a tipicidade material); o outro diz respeito à (desnecessidade de) punição concreta do fato.
Vendo de outro modo, o princípio da insignificância, ou princípio da bagatela própria, recai na teoria do crime. Já o princípio da bagatela imprópria ou irrelevância penal do fato fazem parte da teoria da pena, mais especificamente sobre a análise da culpabilidade o que nos força a explanar sobre a matéria.
De acordo com Greco (2009, p. 224):
A culpabilidade cuida-se de pressuposto de aplicação da pena. Culpabilidade é juízo de censura e de reprovabilidade que recai sobre a conduta do agente, com o propósito de observar a necessidade da imposição da pena. Reunindo- se, pois, as circunstâncias do fato bem como as condições pessoais do agente favoráveis, pode-se vislumbrar no caso concreto a desnecessidade da aplicação da pena.
Consequentemente, deduz-se, que a culpabilidade é parâmetro limitador da pena e que o princípio da bagatela imprópria encontra-se diretamente ligado com a insignificante culpabilidade do autor, devendo-se guiar em sua aplicação pelas circunstâncias particulares de cada fato concreto. Trata-se de oferecer a cada agente apenas a pena que suporta e é suficiente à reprovação do delito praticado.
Visto essas considerações sobre o princípio da bagatela imprópria, podemos avançar no estudo da aplicação deste princípio no contexto da violência doméstica em crimes de Ação Pública incondicionada, bem como analisar como o assunto vem sendo abordado e decidido nos Tribunais Superiores.
6.A LEI MARIA DA PENHA E O PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA
A aplicação do princípio da bagatela imprópria na Lei Maria da Penha é estratégia de defesa totalmente nova que surge na busca por mecanismos que concretizem e tornem a pena adequada ao fato concreto.
Destacando, algumas matérias já estudadas acerca dessa rigidez da lei Maria da Penha, após o ano de 2012, por meio do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 4424, se afirma o entendimento de ser dispensável a representação da vítima, nos delitos de lesão corporal leve e culposa, cometidos no contexto da Violência Doméstica, determinando que, a partir de então, a natureza da Ação Penal Pública é incondicionada.
Essa medida afastou definitivamente a aplicação de medidas despenalizadoras da lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995), conforme se pode verificar no dispositivo legal da Lei 11.340/2006 em seu art. 41, que dispõe: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.” (BRASIL, 2006).
A consequência de tornar incondicionada a ação penal, em crimes de lesão corporal leve e culposa, retira da vítima a possibilidade de avaliar a necessidade da intervenção estatal em sua vivência familiar. É que Cunha e Pinto (2008, p. 205), afirmam ser no caso concreto, difícil de sustentar. Vejamos:
Fica na prática, um tanto complicada a defesa do argumento no sentido de que a representação é desnecessária. A deflagração de um processo crime, contra manifesta vontade da ofendida, resultará, decerto, em uma medida ineficaz. Isso porque a vítima, que não tem simpatia pelo processo e que, antes, não o deseja, tratará de dificultar a obtenção da prova, invocando situações fáticas que conduzam à absolvição do agente.
Tem de se destacar que tal endurecimento na aplicação do dispositivo penal, não dirimiu, por completo, a problemática em torno da subtração do poder de decisão da ofendida em, optar ou não, pelo prosseguimento da ação penal, trazendo à baila outros questionamentos de ordem prática e jurídica, como, por exemplo, quando houver reconciliação do casal, ou quando os interesses da vítima não tenham como matriz a exclusiva punição penal do agressor. Karam (2006, p. 06) vai além e ressalta:
Quando se insiste em acusar da prática de um crime e ameaçar com uma pena o parceiro da mulher, contra a sua vontade, está se subtraindo dela, formalmente dita ofendida, seu direito e seu anseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar-lhe o direito à liberdade de que é titular, para tratá-la como se coisa fosse, submetida à vontade de agentes do Estado que, inferiorizando-a e vitimizando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar — e sua escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é ou não um “agressor” — ou que, pelo menos, não deseja que seja punido.
Conclui Karam (2006), que o enfrentamento da violência contra a mulher, a superação dos resquícios patriarcais, o fim desta ou de qualquer outra forma de discriminação não se darão através da sempre enganosa, dolorosa e danosa intervenção do sistema penal.
Possibilitou também, a Lei Maria da Penha, a prisão preventiva quando o crime envolve violência doméstica e familiar contra a mulher quando acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 42, ampliando as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, a fim de garantir a execução das medidas protetivas de urgência, revogando esse artigo expressamente o art. 4º da Lei 12.403/2011 determina: “Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.
Na contramão dessas tendências de endurecimento, a Lei Maria da Penha inova e abre espaço para outra forma de desconstrução de uma cultura patriarcal, quando em seu artigo 45, que altera o art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), determinando que nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
Contempla-se que o dispositivo, incluído pela Lei, é criado para apresentar uma alternativa capaz de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de uma gradual mudança de pensamento e, consequentemente, de comportamento, de toda a sociedade perante as mulheres, buscando não apenas ações repressivas, mas almejando, também, direcionar estímulos preventivos, que ultrapassem a esfera do Direito Penal, capazes de estancara violência, bem como a reincidência do agressor. No entanto, de acordo com Dias (2012, p. 81), nem o Código Penal e nem a Lei de Execução Penal apresenta qualquer providência no sentido de ser obrigatório o acompanhamento de tais atividades. Ademais, não é prescrita nenhuma pena para o caso de descumprimento, não sendo, portanto obrigatória a participação do réu.
Além disso, embora o art. 35, V da Lei, aqui em destaque, determine a criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores, sua implementação é uma distante realidade. A justificativa? A sempre recorrente desculpa de falta de recursos por parte do poder público.
Nesse contexto de ausência do Estado na concretização das políticas públicas, necessárias ao combate da violência de gênero, acompanhada da manifestação de vontade constante das partes em reconstruírem a vida familiar, após a judicialização de seus conflitos, bem como o crescente rigor da lei, não se oferecendo justiça ao caso concreto, surge como tese de Defesa e, também interesse de interesse da vítima o pedido de aplicação do princípio da bagatela imprópria no contexto da Lei Maria da Penha, a fim de tornar clara a desnecessidade da aplicação da pena em alguns casos concretos.
Utilizar o princípio da irrelevância penal do fato na Lei em debate é, atualmente, razão para muitas divergências doutrinárias. De um lado, os que ressaltam o rigorismo penal, como único meio apto a reduzir a violência contra o gênero feminino. A exemplo de Diniz e Angelim, (2003), que defende a intervenção do Estado e da Justiça, sob pena de sua abstenção desencadear um círculo vicioso de violência. Assim expõe:
A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência do Estado e da Justiça, sempre fez com que a violência se tornasse invisível, pois é protegida pelo segredo. Agressor e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de uma basta faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Como a ação não gera reação exacerbada a agressividade. Para conseguir dominar, para manter a submissão, as formas de violência só aumentam.
Do outro lado, parte da doutrina, sendo fiel a ao funcionalismo penal de Claus Roxin, já estudado nesse trabalho, reconhece a importância da aplicação do princípio aos casos concretos, já que o direito penal deve se ater ao cotidiano e às especificidades de cada processo, bem como à defesa de bens jurídicos relevantes, não podendo fazer uso do direito penal máximo, quando este se apresenta desnecessário, de acordo com a linha doutrinária de Gomes (2004).
Em razão desse movimento na direção de reiterados pedidos de aplicação do princípio da bagatela imprópria no contexto da Lei Maria da Penha, os Tribunais passaram a terem de, constantemente, decidir sobre o tema até a matéria aportar nos Tribunais Superiores, conforme poderemos analisar no tópico que segue.
6.1 Posicionamento Jurisprudencial quanto à aplicação do Princípio da Bagatela Imprópria no contexto da Lei Maria da Penha
Gomes (2009) aponta que a jurisprudência dos Tribunais Superiores ainda é tímida no acolhimento de teses despenalizadoras e a favor da defesa, não sendo diferente quanto ao tema da bagatela imprópria. Contudo, em vista aos crescentes pedidos realizados nessa linha, os julgados avaliando a desnecessidade da pena tem sido cada vez mais frequente.
Tribunais divergem quanto à aplicação do princípio da irrelevância penal do fato na Lei Maria da Penha, conforme pode-se verificar dos julgados que seguem, iniciando-se por esse acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal em sede de apelação:
APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INVIÁVEL. AUTORIA COMPROVADA. PALAVRA DA VÍTIMA. LAUDO DE LESÃO CORPORAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCABÍVEL. CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DOMÉSTICO. RELEVÂNCIA PENAL. EXPRESSIVIDADE DA
CONDUTA. RECURSO DESPROVIDO. 1. As provas dos autos são suficientes para embasar um decreto condenatório pelo crime de lesão corporal no âmbito doméstico familiar (art. 129, §9º, CP), pois compostas pelos relatos da vítima (na seara policial e em juízo), corroborada pelo laudo de exame de corpo de delito. 2. Conforme entendimento deste egrégio Tribunal, a palavra da vítima, especialmente em crimes ocorridos na seara doméstica, possui relevante valor probatório, mormente porque tais delitos são praticados, via de regra, às escuras. 3. Nas situações de violência doméstica familiar, há uma extrema ofensividade social (mesmo que a lesão seja de natureza leve) não havendo como considerar a conduta de quem ofende a integridade física de sua companheira como penalmente irrelevante. Inaplicável, portanto, o princípio da insignificância no que se refere aos crimes praticados com violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas. Precedentes. 4. Recurso desprovido. (DISTRITO FEDERAL, 2016, grifo nosso).
Deduz-se que na lição desse acórdão preponderou como parâmetro para análise da aplicação do princípio que nas situações de violência doméstica familiar, a ofensividade social, embora a lesão seja de natureza leve permite considerar o comportamento do agressor como penalmente insignificante, não podendo se aplicar, dessa forma, o princípio da bagatela.
O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, também entendendo nessa linha já decidiu:
APELAÇÃO CRIMINAL – VIAS DE FATO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA – IMPOSSIBILIDADE – SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – PRETENSÃO ACOLHIDA – REVOGAÇÃO DO SURSIS DA PENA – DESACOLHIMENTO – RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. Os elementos de convicção coligidos durante a persecução processual são tranquilos no sentido de demonstrar a materialidade e a autoria do fato delituoso, pelo que deve ser mantida a condenação. Não têm aplicação às infrações penais praticadas com violência à pessoa, no âmbito das relações domésticas, tanto o princípio da insignificância (bagatela própria), que importa no reconhecimento da atipicidade do fato, como tampouco da bagatela imprópria, pelo qual se reconhece a desnecessidade de aplicação da pena. A violência e a ameaça impeditivas da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos são aquelas relacionada aos crimes, ou seja, às condutas de maior gravidade, não alcançando a vedação abstrata do art. 44 , I , do CP , como no caso, a contravenção de vias de fato. A aceitação ou recusa do sursis é matéria que deve ser deliberada na audiência admonitória, nos termos do art.
160 da LEP. Recurso parcialmente provido, contra o parecer. (MATO GROSSO DO SUL, 2015).
Para o Desembargador Ruy Celso Bandeira, as condutas ocorridas em contexto de violência doméstica são consideradas de maior gravidade. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Habeas Corpus recente, também negou a aplicação a aplicação do princípio quando o delito foi praticado no contexto da violência de gênero:
Inadmissível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos praticados em situação de violência doméstica. Com base nessa orientação, a Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pleiteava a incidência de tal princípio ao crime de lesão corporal cometido em âmbito de violência doméstica contra a mulher (Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha). (BRASIL, 2016).
A Suprema Corte entendeu por não ser cabível a aplicação do principio da insignificância bagatela aos crimes praticados em situação de violência domestica, afirmando que não podem considerar a gravidade do fato, visto que o delito, por si só, gera grande reprovabilidade social e moral, não podendo ser falado nesse caso em irrelevância penal do fato.
Já na linha de admissão da aplicação do princípio da irrelevância penal do fato, segue julgado, também do Mato Grosso Sul, que se diga, é destaque na análise e aplicação do princípio no país.
APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VIAS DE FATO - PRELIMINARES - NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DO ART. 16 DA LEI MARIADA PENHA - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - REJEITADAS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA -
PARCIALMENTE PROVIDO. [...] Quanto à autoria, no caso em análise, o delito é de vias de fato e a vítima expressou em juízo, na audiência de instrução e julgamento que retornou a conviver maritalmente com o acusado e não quer vê-lo condenado. Assim, é uma situação em que se deve buscar uma forma de pacificação que não passa pela punição, sob pena de ameaça ao equilíbrio da estrutura familiar. Reconhecer a irrelevância penal do fato, no caso concreto, não deve ser confundido com uma tolerância ou incentivo às condutas ilícitas, mas admitir que, na situação exposta, a intervenção do direito penal não é oportuna ou suficiente. Registre-se que o fato ocorreu em outubro de 2010 e passado mais de um ano e meio dos fatos, ouvida a vítima em juízo relatou que convive pacificamente com o réu e desde então não houve mais nenhum incidente entre eles. Deste modo, em face da desnecessidade concreta da pena, aplico o princípio da bagatela imprópria ao réu. (MATO GROSSO DO SUL, 2014).
No julgado em questão a Câmara Criminal entendeu que a situação em análise, requeria por parte do judiciária uma forma de pacificação que não passasse pela punição, visto que a estrutura da família já se encontrava equilibrada. Acentua ainda, que o reconhecimento da irrelevância penal do fato, na situação concreta, não pode ser confundido com tolerância ou incentivo às condutas ilícitas, mas trata-se de reconhecer que, no caso analisado, a intervenção do direito penal não seria oportuna ou suficiente.
O mesmo Tribunal de Justiça do Mato do Grosso do Sul já havia proferido acórdão em 2009 acolhendo a tese da aplicação do princípio da bagatela imprópria. A escolha de analisar o julgado mais antigo por último dá-se pela sua grande relevância no cenário jurídico nacional. Vejamos:
E M E N T A –APELAÇÃO CRIMINAL – LESÕES CORPORAIS E DANO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – AGENTE QUE PRATICOU OS DELITOS IMPELIDO PELO VÍCIO EM ÁLCOOL/ENTORPECENTES – RÉU RECUPERADO – CONSEQUÊNCIAS MÍNIMAS – OFENDIDA QUE NÃO DESEJA A CONDENAÇÃO DE SEU COMPANHEIRO – DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA – DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA
REPRIMENDA – PARCIAL PROVIMENTO. Tratando-se de crimes cujas consequências foram ínfimas, praticados por agente impelido pelo vício em álcool/entorpecentes, hoje recuperado, aplica-se o princípio da “bagatela imprópria”, sendo desnecessária a imposição da pena, mormente por se tratar de réu primário e a única vítima, sua atual companheira, não desejar a condenação dele.A situação atual do casal em questão sobrepõe-se à necessidade de apenamento do acusado supostamente reinserido no seio social. Impingir a ele reprimenda corporal seria contrariar a função social da pena. (MATO GROSSO DO SUL, 2009).
Esse julgado merece maior importância, tendo em vista que norteia, até dias atuais, vários pedidos e decisões a nível nacional, em função da sua detalhada explanação sobre o tema aqui proposto. O Desembargador Romero Osme Dias Lopes assim inicia sua fundamentação a respeito da aplicação do princípio da bagatela:
Este princípio serve exatamente para limitar a injusta intervenção do Estado na dignidade da pessoa humana, única forma viável de, no processo de conhecimento, prevenir o crime, impedindo que um jovem recuperável se transforme num meliante escolado e perigoso para a própria sociedade que o quer condenado.
O acórdão do nobre Desembargador coaduna exatamente com o posicionamento do doutrinador Roxin (2006), amplamente debatido em linhas acima, quando afirma que o princípio bagatela impróprio destina-se unicamente a minoração dos números de reincidência penal e a valorização da dignidade da pessoa humana, como meio efetivo e concreto de prevenção penal, já que trata-se de princípio com fins de política criminal. Não por acaso, esta é a razão pela qual o Desembargador Romero Osme Dias Lopes pondera, meritoriamente, na decisão em questão:
O princípio bagatelar impróprio dentre outras causas, surgiu como conseqüência da falência do sistema carcerário, a desestruturar a aplicação do conhecimento pedagógico acerca da pena prisional, perdendo o seu sentido ressocializador.
Para o jurista citado, o papel do Direito Penal é buscar a melhor punição para o acusado, devendo ser esta adequada para a reprovação de sua conduta criminosa, satisfazendo a ofendida e a sociedade não para consertar o sistema legal vigente. Mas ressalta, também o Desembargador, que indubitavelmente a inovação despertará grande inconformismo, visto que a novidade e a prevenção, muitas vezes podem ser confundidas com impunidade.
No que tange à manifestação de vontade da vítima na não penalização do agressor, declara o Desembargador:
Se a palavra da ofendida foi levada em consideração para acusar o réu, por que não permitir que a mesma exerça a faculdade de suplantar a acusação cuja continuidade servirá apenas para conturbar o ambiente doméstico (que, ao que tudo indica, encontra-se pacificado) e atrapalhar a já consumada reconciliação e estabilidade do casal?
O apontamento do Meritíssimo encontra-se em consonância com estudos também já abordados de Cunha e Karam, quando frisam que a vontade da vítima não pode ser desconsiderada nos julgamentos, primeiramente em razão da sua plena capacidade, e consequentemente, por esta ser parte interessada no melhor deslinde do conflito, não devendo ser obrigada necessariamente á desejar punição criminal ao parceiro.
Por último, arremata Romero Osme Dias Lopes, que os critérios para a dispensa da pena têm guarida em diversos aspectos, quais sejam, mínimo desvalor da culpabilidade, não reincidência, indenização dos danos, entre outros devem ser analisados pelo magistrado caso a caso.
Dessa maneira, o caso em concreto, bem como condições pessoais do agente, devem influenciar na autorização do acolhimento do princípio da bagatela imprópria, desde que seja identificado comportamento merecedor da desnecessidade da pena. Uma vez que presentes requisitos favoráveis, não assiste razão deixar de aplicar o princípio da irrelevância penal do fato.
A despeito de tudo isso, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça consolidou, em sentido diverso, o entendimento contido no enunciado da súmula 589 do Superior Tribunal de Justiça, a saber, “é inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas, à vista da relevância penal da conduta, que não implica no reconhecimento da atipicidade material da conduta ou na desnecessidade da pena o fato do casal ter se reconciliado.
Assim, nota-se que, a pretexto de fornecer proteção jurídica à mulher, reforça-se a violação da sua autonomia, deconsiderando sua manifestação de desinteresse na aplicação da pena ao companheiro naquele caso concreto, o que signifca, além da mitigação de sua autonomia, a transcedência da pena à todo o núclo familiar.
Diversos fatores históricos, sociais e culturais de subjugação do sexo feminino contribuíram e continuam a concorrer para conservação de uma cultura patriarcal. O caminho percorrido, pela legislação brasileira, para afirmação dos direitos fundamentais das mulheres se deu de forma lenta e complexa. A proteção oferecida às mulheres em outros tempos era violentamente negada e de difícil projeção positiva para o futuro, já que, por séculos, a relação entre homens e mulheres foi de hierarquização e dominação daqueles para com estas.
A Lei Maria da Penha, registre-se, criada no Brasil tardiamente sob pressão internacional e de movimentos feministas, foi criada com fins de política afirmativa, entendida esta como a produção de ações que buscam por em patamar igualitário, quem, por alguma circunstância, tem sido tratado de maneira desigual
A Lei, sem dúvidas, produziu vários efeitos positivos, conseguindo oferecer às mulheres vários mecanismos em defesa da sua integridade física, sexual e psicológica. No entanto, após esse estudo, percebe-se que, em dez anos de existência, a Lei Maria da Penha não conseguiu excluir, ou sequer, diminuir os índices de violência, muito menos exterminar com a cultura patriarcal-machista que sobrevive ardilosamente em dias atuais.
Por outro lado, esse estudo possibilitou perceber, que nesse contexto de busca por mudanças de comportamentos e cultura, a Lei Maria da Penha mostra cada vez mais uma tendência em enrijecer no seu campo de atuação, sob o fundamento de que utilizar-se do rigor penal é prevenir condutas típicas indesejáveis. Assim, a Lei traz alterações penais implacáveis, como a exemplo, tornar a Ação Penal Pública Incondicionada mesmo em delitos de lesão corporal leve.
As consequências desse rigorismo geram desfechos positivos e negativos. Positivos quando alcançam vítimas inseridas em ciclos de violência duradouros, onde já se encontram fragilizadas e aprisionadas por uma relação de submissão e dependência que retira da mulher a autodeterminação e certeza do prosseguimento na persecução criminal, sendo plausível, nesse momento, que a titularidade da Ação Penal Pública pertença ao Estado. Visto que alguns crimes cometidos no âmbito familiar, em função da sua gravidade, necessitam da aplicação de penalidade mais rígida, como a privação de liberdade, para impedir a banalização da violência doméstica.
No entanto, essa situação de violência cíclica não retrata todos os casos que desaguam no judiciário. Cada caso revela peculiaridades a serem apreciadas separadamente. Em algumas situações, a violência praticada nunca havia ocorrido, a vítima não deseja a prisão do agressor, apenas deseja que cesse e não se repita a prática de violência na família. Portanto, em algumas ocorrências, se faz fundamental a adoção de meios diferenciados de enfrentamento, suficientes a coibir a violência e reparar os danos sofridos, sem ocorrer o encarceramento do agressor.
Não se pode esquecer que a recomendação da intervenção do Direito Penal é última e mínima, devendo ser aplicado apenas em casos que oferecem gravidade aos bens jurídicos mais importantes, conforme foi compreendido do estudo do princípio da bagatela.
Quanto à aplicação da pena, o fim último da pena não é o de perpetuar e tampouco acerbar a situação do apenado. Uma vez que a finalidade da pena é de que ele seja reintegrado, ou reinserido ao meio social, o fundamental seria fomentar um tratamento prisional estimulador para que o homem apenado retorne preparado pra não mais delinquir.
Assim, pode-se concluir que, por vezes, são insuficientes as medidas penais rigorosas para coibir a violência de gênero nas suas inúmeras formas. Assim, nos faz refletir, o presente estudo, que a e execução das políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha é imprescindível nessa busca as mudanças de valores e práticas estabelecidos cultural e socialmente, superando a banalização de prisões preventivas, sendo imprescindível um enfrentamento amplo da violência, por meio da educação e da luta contra estereótipos, que se mostre como meio adequado para essa modificação.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, JULIA GRACIELLE REZENDE DE. Princípio da bagatela imprópria em delitos de ação penal pública incondicionada praticados no contexto da Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58683/princpio-da-bagatela-imprpria-em-delitos-de-ao-penal-pblica-incondicionada-praticados-no-contexto-da-lei-maria-da-penha. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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