RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar as teorias que regem a responsabilidade civil do Estado e sua evolução, sua responsabilização em decorrência de obras públicas, a diferença existente entre o tratamento conferido às executadas diretamente por agentes públicos e aquelas desenvolvidas indiretamente por particulares contratados, bem como a possível configuração de atos de improbidade administrativa diante das alterações legislativas recentes promovidas na Lei de Improbidade Administrativa . O estudo foi realizado de maneira a suscitar a análise do diferente tratamento conferido a agentes públicos e particulares envolvidos na execução do empreendimento público, bem como a examinar a questão da necessária existência de dolo por parte do executor – seja público ou particular – para que reste caracterizado o ato ímprobo. O método dedutivo foi utilizado no trabalho, tendo sido realizada pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o tema em foco. Ao final, observou-se que a atuação de uma gestão pública diligente e cautelosa é capaz de mitigar em boa medida os riscos inerentes a execução das obras públicas, razão pela qual é imperiosa a necessidade de adotar-se um planejamento estratégico, de longo prazo, e que observe ao compliance e ao dever de fiscalização no que se refere aos empreendimentos públicos.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Danos Decorrentes de Obras Públicas. Responsabilidade de Agentes Públicos e Particulares. Improbidade Administrativa. Conduta Dolosa. Imprescritibilidade do Ressarcimento ao Erário.
INTRODUÇÃO
Considerando que a República Federativa do Brasil possui como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e que a consecução de tal desiderato perpassa muitas vezes pelo dever do Estado em oferecer prestações positivas (direitos sociais ou direitos fundamentais de 2ª geração, segundo a doutrina de Karel Vasak[1]), serviços públicos essenciais e infraestrutura básica e de qualidade aos seus concidadãos, percebe-se a importância que as obras públicas possuem no ordenamento jurídico pátrio, sendo imprescindíveis também a efetivação de objetivos fundamentais do Estado, tais como a garantia do desenvolvimento nacional, a promoção do bem de todos e a redução das desigualdades sociais, nos termos do art. 3º, I, II, III e IV, da Constituição Federal[2].
Desse modo, percebe-se a importância que as obras públicas adquirem no ordenamento jurídico brasileiro e, como consequência, a necessidade de analisar-se a responsabilidade estatal que delas decorrem.
Isso, pois, como é sabido, a Constituição prevê, em seu art. 37, §6º, que a responsabilidade civil do Estado ocorre, via de regra, na modalidade objetiva, conceituada como sendo aquela em que o ente responde pelos danos que seus agentes públicos causarem a terceiros no exercício da função administrativa independentemente da aferição de culpa ou dolo. Bastando, portanto, que exista uma relação causal entre o ato administrativo e o dano para que se configure o dever de indenizar do Estado.
Sendo assim, o presente artigo buscará examinar as teorias que regem a responsabilidade civil do Estado e a possibilidade de responsabilização de agentes públicos pelos danos decorrentes de obras públicas, sejam elas de caráter emergencial ou não, bem como a tratativa especial conferida aos danos de caráter ambiental.
1. AS TEORIAS DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Antes de analisar-se propriamente o tratamento conferido aos danos resultantes de obras públicas, deve-se examinar a evolução histórica das teorias que regem a responsabilização estatal, salientando a que prevalece atualmente.
Inicialmente, o estados absolutistas adotavam a teoria da irresponsabilidade, segundo a qual o monarca não poderia errar, sintetizado pela máxima “The king can do no wrong”, de modo que o Estado não respondia pelos atos de seus agentes, já que esses atuavam como longa manus do rei.
Posteriormente, evoluiu-se para adotar a teoria da culpa civil comum do Estado, equiparando-o ao particular, sendo, portanto, necessário provar a existência do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para que houvesse a responsabilização do ente público.
A teoria da culpa do serviço (faute du service) ou culpa anônima, por sua vez, visa desvincular a responsabilidade estatal da culpa do funcionário público propriamente dito, atribuindo-a, ao invés, ao serviço público, sempre que houvesse nesse omissão, funcionamento intempestivo ou funcionamento ruim, independentemente de qualquer apreciação de culpa por parte do agente.
Mais recentemente, com o recrudescimento da sociedade de risco, passou-se a adotar a teoria que prevalece atualmente no ordenamento jurídico pátrio: a do risco administrativo, segundo a qual a configuração da responsabilidade do Estado prescinde da comprovação de dolo ou culpa do servidor público, bastando que haja uma conduta a ele imputável, um dano e o nexo de causalidade entre os dois para que reste caracterizada.
Outrossim, tanto o servidor público quanto o terceiro lesado são respaldados pela Teoria da Dupla Garantia, segundo a qual aquele só será eventualmente acionado em ação regressiva, devendo o particular propor ação indenizatória em face da Administração Pública. No entanto, admite-se o afastamento da responsabilização em alguns casos, quando evidenciado a exclusão do nexo causal, tais como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior.
Por fim, há ainda a teoria do risco integral, aplicável, segundo os Tribunais Superiores e disposições legais específicas, a searas particularizadas, como os danos ambientais, os danos nucleares e aqueles causados por atos terroristas contra aeronaves brasileiras – portanto, situações em que é evidente a necessidade de uma maior cautela na tratativa. Salienta-se que tal teoria não admite a possibilidade de exclusão de responsabilidade em nenhuma hipótese – diferenciando-se do risco administrativo por essa razão.
2. A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO POR OBRAS PÚBLICAS
Conforme se esclareceu, atualmente a teoria que prevalece é a do risco administrativo, na qual não há a imprescindibilidade de se comprovar a existência de culpa ou dolo por parte do agente público quando sua conduta causar um dano a determinado particular.
Todavia, quando se questiona acerca da responsabilidade estatal pelo dano decorrente especificamente de obra pública é necessário dividi-lo em duas categorias: às vezes provirá da obra propriamente dita e, em outras, de sua má-execução.
Na primeira hipótese, o dano decorre da própria existência da obra – ou seja, pelo simples “fato da obra” - respondendo objetivamente o Estado se o empreendimento causar prejuízo anormal e específico ao particular.
Nessa toada, o TJ/SP condenou a Prefeitura de São Paulo por danos relacionados à construção de elevado:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONSTRUÇÃO DE VIA ELEVADA POR PREFEITURA. PREJUÍZOS A IMÓVEL (APARTAMENTO E LOJA) LINDEIRO. OBRIGAÇÃO DA MUNICIPALIDADE DE INDENIZAR. AÇÃO PROCEDENTE. Está patente, nos autos, que o elevado Costa e Silva veio causar danos e prejuízos àqueles proprietários lindeiros do denominado "Minhocão". O ex-prefeito de São Paulo, José Carlos Figueiredo Ferraz, com franqueza aludiu, em conferência, que os elevados "deterioram as áreas por onde passam". Essa opinião, aliás, foi expendida pelo eng. Fernando Palumbo Targat, no jornal "O Estado de São Paulo de 4.2.71 ao declarar "um absurdo irrecuperável a construção do Minhocão da av. São João, em São Paulo". Consequentemente, se o Poder Público pôs em circulação o mencionado "Minhocão" pretendendo melhorar o sistema viário, por outro lado não podia se permitir o luxo de, com suas obras, causar danos a terceiros e se eximir de responsabilidades (Hely Lopes Meirelles). Também Carvalho Santos, citando Otto Mayer e Didimo da Veiga, entende devida a indenização quando as obras ficarem privadas de acesso, de passagem, de ar, de luz e de vista. Ora, é notório que o "Minhocão" veio perturbar os imóveis lindeiros, diminuindo-lhes a capacidade de uso e gozo, limitado às restrições administrativas, o que, sem dúvida, constitui um liame de causa e efeito entre a construção do elevado e as consequências prejudiciais advindas e que causaram danos" (TJSP, 4ª C., 18.7.74, maioria, RT 469/71 e RJTJSP 30/62) (grifos nossos).[3]
Nos casos de má-execução da obra há de se perquirir, inicialmente, quem é o seu executor. Isso, pois, se o Estado executá-la diretamente através de seus agentes, a hipótese subsumir-se-á perfeitamente ao art. 37, §6º, de forma que, em havendo dano decorrente de má-execução da obra diretamente pelo Poder Público, configura-se a responsabilidade objetiva do ente.
No entanto, se a obra for executada indiretamente, por um terceiro contratado pela Administração, a discussão torna-se um pouco mais controversa, conforme se verá a seguir.
2.1. Responsabilidade do Estado por danos decorrentes de imperícia da empresa privada contratada para a realização de obras públicas
Quando o dano decorrer de obra executada de maneira indireta – ou seja, pelo particular contratado – a questão deve ser analisada com mais cautela, pois implica em tratamento diferenciado no que se refere à responsabilização estatal.
Quanto à responsabilidade do contratado, a doutrina majoritária entende-a como subjetiva, eis que exige culpa ou dolo para sua caracterização, conforme art. 70, da lei 8.666:
Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado. (Grifos nossos)
Ou seja, minimamente dever-se-á comprovar que o contratado agiu com “culpa do executor”, revelando imprudência, negligência, ou imperícia para que possa vir a ser responsabilizado.
A natureza jurídica da responsabilidade da Administração nesse caso, no entanto, não é pacífica, havendo quem a tome como objetiva e solidária, como colaciona Hely Lopes Meirelles[4]: “Quanto aos danos provenientes de ato culposo do construtor respondem êste e o Poder Público, conjunta e solidàriamente, como co-autores da lesão indenizável ao particular, estranho à relação contratual de que se originou a obra pública”.
Todavia, a corrente doutrinária mais moderna entende que, nos casos de má-execução da obra pelo terceiro contratado, o Estado responderá apenas subsidiariamente, quando constatada a insolvência do devedor original. Nesse sentido, aduz Carvalho Filho (2006, p. 153).
Sustenta-se, ainda, que além de subsidiária, a responsabilidade será subjetiva, desde que comprovada a omissão da contratante no dever de fiscalização do contrato – ou seja, a violação a um dever específico de fiscalizar, nos termos da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Assim entende Matheus Carvalho (2020, p. 376).
2.2. Danos causados a terceiros não usuários dos serviços públicos
Finalmente, quanto ao dever de indenizar terceiros não usuários dos serviços e vias públicas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido de que a responsabilidade subsiste, ainda que o dano eventualmente atinja a terceiros não usuários do serviço.
A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado”[5]. (Grifos nossos).
Sendo assim, no caso de empreendimentos públicos executados de modo indireto, observa-se que, em um primeiro momento, o ente público não pode ser responsabilizado objetivamente pelos danos que deles advierem se forem causados por imperícia da empresa privada contratada para este fim, já que, primeiramente, dever-se-á acionar essa última, a qual responderá subjetivamente.
O ente, por sua vez, responderá subsidiariamente, se insolvente o devedor originário, e mediante comprovação de sua omissão quanto ao dever de fiscalização do contrato administrativo. Restando comprovada esta, o Estado responderá pelo dano, ainda que causado a terceiro não usuário dos serviços públicos.
Por fim, ressalta-se que o particular, seja ele usuário ou não dos serviços e vias públicas, terá que observar ao prazo prescricional de 05 anos para propor ação de reparação civil contra a Administração Pública, conforme art. 1º do Decreto 20.910/32 e art. 1º-C da Lei 9.494 de 1997. Decorrido o lapso temporal, será considerado incabível o pleito ressarcitório.
3. A RESPONSABILIZAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS POR ATOS ÍMPROBOS DECORRENTES DE OBRAS PÚBLICAS DIANTE DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Inicialmente, cumpre esclarecer que os agentes políticos estão sujeitos, via de regra[6], a múltiplas esferas de responsabilização, de modo que podem responder cumulativamente por atos de improbidade e crimes de responsabilidade, bem como nas instâncias penal, civil e administrativa. Nesse sentido, aduz Hely Lopes Meirelles (2003), segundo Guandaline (2015, p. 01):
“A responsabilidade do prefeito municipal será analisada sob o tríplice aspecto penal, político-administrativo e civil, visto que no desempenho de suas funções poderá incidir em qualquer desses ilícitos, dando ensejo à respectiva sanção, aplicada em processos distintos e independentes.” (Grifos nossos)
De igual modo asseverou o STF quando fixou, no bojo do Recurso Extraordinário 976566[7], a seguinte tese de repercussão geral: “O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias”.
Superada a controvérsia inicial, esclarece-se que a Lei de Improbidade previa anteriormente quatro espécies de atos que geravam a inserção da cominação em atos de improbidade administrativa, sendo eles os atos ou omissões que importavam em enriquecimento ilícito (art. 9º); os que causavam prejuízo ao erário (art. 10); os decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A); e os que atentavam contra os princípios da administração pública (art. 11).
Sobre tais atos, impende destacar que o Superior Tribunal de Justiça entendia[8] que, à exceção daqueles que geravam lesão ao erário, para configuração da conduta ímproba deveria necessariamente haver dolo por parte do agente.
Especificamente no que tange aos atos que importavam danos aos cofres públicos, prescindia-se da análise do dolo, bastando a prova de ocorrência da lesão imputável ao agente, ainda que por simples culpa.
No entanto, recentemente, a Lei de Improbidade Administrativa foi significativamente alterada através da Lei nº 14.230, excluindo-se a categoria de atos decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A), bem como estabelecendo-se a atual impossibilidade de responsabilização por ato ímprobo a título de culpa, ainda que decorra da mera lesão ao erário.
Desse modo, caso inexista o imprescindível elemento subjetivo doloso, a responsabilidade deve ser devidamente apurada nas demais searas cíveis ou administrativas: “Art. 17-C (...) § 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade.[9]”.
Sendo assim, percebe-se que, a despeito de a configuração de atos de improbidade administrativa decorrentes de obras públicas que gerem danos ao erário ter sido dificultada a partir das modificações legislativas – já que agora a análise perpassará necessariamente pela comprovação do dolo por parte do agente público – ainda se faz possível a responsabilização dos servidores nas demais searas, inclusive no que se refere às ações reparatórias, as quais são imprescritíveis, importa destacar.
Isso porque são decorrentes de condutas ímprobas e dolosas, nos termos do art. 37, §5º da Constituição Federal - o qual, ao dispor sobre a prescrição dos atos de improbidade, ressalvou as ações de ressarcimento ao erário, para torná-las imprescritíveis - bem como do entendimento do STF no RE 852475[10], segundo o qual são imprescritíveis as ações de ressarcimento decorrentes de ato de improbidade administrativa doloso.
Diante de todo o exposto, entende-se que agora o agente público só pode ser acionado judicialmente à título de improbidade administrativa decorrente de obra pública – seja pela violação a princípios da Administração Pública quando conduzir o empreendimento público com ineficiência, conforme art. 11 da Lei 8.429, ou pela ocorrência de lesão ao erário desse resultante, nos termos do art. 10 da mesma lei – quando restar comprovado cabalmente nos autos a existência de conduta dolosa.
4. A RESPONSABILIZAÇÃO DO PARTICULAR RESPONSÁVEL TÉCNICO DA OBRA POR ATO ÍMPROBO DOLOSO
A Lei nº 8.429 apresenta, em seus artigos introdutórios, um rol de sujeitos ativos dos atos de improbidade bem amplo, dispondo que estes podem ser praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta, fundacional ou autárquica de qualquer dos Poderes dos três entes federativos e de empresas incorporadas ao patrimônio público.
Os artigos 2º e 3º ampliam ainda mais esse rol quando estabelecem o seguinte:
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Diante disso, percebe-se que a intenção legislativa foi englobar o máximo de agentes possíveis, viabilizando até mesmo a punição de particulares por atos de improbidade administrativa, desde que os induzam ou concorram para suas práticas ou deles se beneficiem.
Todavia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem restringido a legitimidade passiva do particular para figurar como réu em ação de improbidade administrativa, tendo decidido, no Recurso Especial nº 1.460.532 - DF (2014/0143255-2), que “Os atos de improbidade somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem a cooperação de terceiros. Inadmissível, portanto, ação de improbidade ajuizada somente contra particular.”[11]
No mesmo sentido, o Tribunal fixou, em sua 38ª edição de Jurisprudência em Teses, a seguinte tese: “É inviável a propositura de ação civil de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.”[12]
Desse modo, comprovada a falha técnica na obra, decorrente de conduta dolosa de engenheiro responsável técnico da empresa contratada, poder-se-á responsabilizá-lo por ato de improbidade administrativa que causou danos ao erário, desde que se prove, de igual modo, que atuou em conluio com agente público, induzindo ou concorrendo para a prática do ato ou dele se beneficiando, e propondo-se a ação contra os dois em conjunto, salvo se a responsabilidade dos agentes públicos estiver sendo apurada em outra demanda conexa[13].
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se que o tratamento conferido à responsabilidade civil do Estado evoluiu ao longo dos tempos, de maneira a definir-se, atualmente, a teoria do risco administrativo como a que prevalece. No entanto, no que se refere especificamente à responsabilidade estatal por obras públicas, há uma diferenciação no tratamento quanto ao que decorre do próprio empreendimento e ao que resulta de sua má-execução.
Quanto aos danos causados a particulares – sejam eles terceiros usuários ou não das vias e serviços públicos – por particulares contratados para execução de obra pública, o ente público pode responder subsidiariamente, se insolvente o devedor original, e mediante comprovação de sua culpa quanto ao dever de fiscalização do contrato administrativo, razão pela qual deverá escolher com cautela tanto o contratado, como o responsável pela fiscalização do empreendimento.
Se o agente público, ao agir de forma ineficiente ou gerar lesão aos cofres públicos, atuar com dolo comprovado, poderá ser acionado até mesmo por ato ímprobo. Em todo caso, a ação de ressarcimento ao erário será imprescritível, embora a ação de improbidade administrativa não o seja.
Do mesmo modo, o particular responsável técnico pela obra também poderá responder por ato de improbidade administrativa, desde que se prove que atuou em conluio com agente público, induzindo ou concorrendo para a prática do ato ou dele se beneficiando.
No mais, em vistas de todo o apurado, faz-se necessário alertar para a importância que o planejamento pormenorizado de obras públicas traz consigo, visto que muitas das falhas constatadas rotineiramente podem ser facilmente evitadas se houver um plano estratégico por parte da gestão, com análise prévia pelos setores competentes e uma fiscalização diligente e eficaz das atividades realizadas pelos particulares contratados para execução indireta dos empreendimentos públicos – visando mitigar lesões ao erário e evitar possíveis responsabilizações subsidiárias do Estado.
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[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p.1169. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.
[2] BRASIL. Art 3º, I, II, III e IV, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 07 de junho de 2022.
[3] MOLIN NETO, Walmor Francisco. Responsabilidade Civil e Execução de Obra Pública, p.09. Revista Digital de Direito Administrativo, vol. 5, n. 1, p. 267-280, 2018. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdda. Acesso em: 15 de julho de 2020.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. A Responsabilidade Civil Decorrente da Obra Pública. Revista de Direito Administrativo, 1960. Disponível em: bibliotecadigital.fgv.br. Acesso em: 12 de julho de 2020.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, STF. Recurso Extraordinário nº 591874. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. DJe 26/08/2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2635450. Acesso em: 18 de julho de 2020.
[6] A exceção do Presidente da República, que está sujeito tão somente às cominação da Lei dos Crimes de Responsabilidade, não respondendo a título de improbidade administrativa.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, STF. Recurso Extraordinário nº 976566. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno, DJe 25/09/2019. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c5c3d4fe6b2cc463c7d7ecba17cc9de7?categoria=2&subcategoria=23&assunto=100. Acesso em: 04 de outubro de 2020.
[8] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, STJ. Recurso Especial nº 980.706/RS. Relator: Ministro Luiz Fux, Primeira Turma. DJe 23/02/2011. JusBrasil, 2011. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18396107/recurso-especial-resp-980706-rs-2007-0210742-0-stj. Acesso em: 04 de outubro de 2020.
[9] BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, alterada pela Lei nº 14.230, de 2021. Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm. Acesso em: 08 de junho de 2022.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, STF. Recurso Extraordinário nº 852475. Relator: Ministro Edson Fachin. Tribunal Pleno. Dje 058 – 22/03/2019. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioTese.asp?tipo=TRG&tese=5873. Acesso em: 04 de outubro de 2020.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, STJ. Recurso Especial nº 1.460.532 - DF (2014/0143255-2). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJe 04/08/2017. JusBrasil. 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/485821829/recurso-especial-resp-1460532-df-2014-0143255-2. Acesso em: 10 de outubro de 2020.
[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, STJ. Jurisprudência em Teses. Ed. Nº 38: Improbidade Administrativa – I. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp. Acesso em: 10 de outubro de 2020.
[13] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É viável o prosseguimento de ação de improbidade administrativa exclusivamente contra particular quando há pretensão de responsabilizar agentes públicos pelos mesmos fatos em outra demanda conexa. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/bd33f02c4e28615b5af2d24703e066d5>. Acesso em: 08 de junho de 2022.
Advogada e servidora pública. Formada em Direito pela Universidade Federal do Pará e pós-graduada em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Possui atuação cível, penal, consumerista e administrativa.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDA SILVA MARCIãO, . Responsabilidade Civil do Estado por Obras Públicas: condutas de agentes públicos e privados e a possível configuração de ato de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58689/responsabilidade-civil-do-estado-por-obras-pblicas-condutas-de-agentes-pblicos-e-privados-e-a-possvel-configurao-de-ato-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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