GRACE OSVALDINA PONTES DE SOUZA AMANAJÁS
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo visa promover a discussão sobre a Lei 13.010/2014 – popularmente chamada de “Lei da palmada”. A referida lei promoveu alterações legislativas na Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fim de considerar que a educação, dever dos pais em relação aos filhos menores, não poderia ocorrer por meio de punição de natureza física, ou por meio de tratamento cruel ou degradante. A lei determina a adoção de políticas públicas pelo Estado e estabelece certas consequências de natureza penal para os pais que o fazem em relação aos filhos menores. O dilema que buscamos desvendar é até que ponto as ações privadas entre familiares podem ser controladas pelo Estado, e até que ponto ele pode e/ou deve intervir nos direitos dessas pessoas. Busca discutir a adequação dessa norma no ordenamento jurídico, e sua aplicabilidade diante dos princípios jurídicos que regem a matéria. Portanto, a metodologia utilizada foi a teoria documental do tipo dedutivo, com análises jurisprudenciais, doutrinárias e jurídicas. Concluiu-se que a Lei da Espancagem não é inconstitucional e constitui uma alternativa para a proteção e amparo de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Lei da palmada. Lei nº 13.010/2014. TCE. Políticas públicas. Filhos.
ABSTRACT: The present study aims to promote the discussion about Law 13.010/2014 - popularly called "Spanking Law". The referred law promoted legislative changes in Law 8.069/90 - Statute of the Child and Adolescent (ECA), in order to consider that education, the duty of parents in relation to minor children, could not occur through punishment of a physical nature, or by means of cruel or degrading treatment. The law determines the adoption of public policies by the state, and establishes certain consequences of a penal nature for parents who do so in relation to their minor children. The dilemma that we seek to unravel is to what extent private actions between family members can be controlled by the State, and to what extent it can and/or should intervene in the rights of these people. It seeks to discuss the adequacy of this norm in the legal system, and its applicability in the face of the legal principles that govern the matter. Therefore, the methodology used was the documentary theory of the deductive type, with jurisprudential, doctrinal and legal analyses. It was concluded that the Spanking Law is not unconstitutional and constitutes an alternative for the protection and support of children and adolescents.
Keywords: Spanking Law. Law No. 13.010/2014. ECA. Public policy. Sons.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA. 3. PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA. 4. HISTÓRICO SOBRE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA BREVE ANÁLISE ACERCA DA CONVENÇÃO. 4.1. Os direitos das crianças e do adolescente na história. 4.2. Os direitos das crianças e do adolescente na atualidade. 5. LEI DA PALMADA. 6. PONDERAÇÕES E CRÍTICAS ACERCA DA LEI DA PALMADA. 7. DECISÕES JUDICIAIS. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 9. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Em um cenário de constante evolução social, diversas inovações circundam a sociedade com o objetivo de proporcionar aos cidadãos uma vida mais harmoniosa e promover um equilíbrio entre as relações humanas. O direito, como uma ciência que regula as ações humanas através das normas, não deixa de evoluir, acompanhando, sempre que possível, as mudanças impostas pelo meio social, criando leis que viabilizam tal acompanhamento.
Frente a essa avalanche de leis, por diversas vezes, o Estado rompe com seus limites históricos de intervenção na vida privada, interferindo em situações cuja interferência não era realizada anteriormente, vez que já havia consolidado determinado direito, sob o argumento de busca pelo alcance de uma sociedade justa e coerente com os direitos e garantias constitucionais do ser humano.
A partir das últimas décadas, pode-se observar que os preceitos defendidos pelos direitos humanos influenciaram nas principais transformações legislativas do mundo, com ênfase para os direitos dos trabalhadores, das mulheres e do grupo infanto-juvenil.
Em análise a esses grupos supramencionados, verifica-se que o direito da criança e adolescente, se mostra como o mais frágil e vulnerável pela própria condição dos integrantes de tal grupo. Nesse sentido, experimentaram um momento de grande tensão mundial que resultou em um amparo mais amplo da comunidade internacional, inclusive com a criação de uma Carta Magna a ser seguida em todo o mundo em defesa desse grupo que exige ampla proteção, a Convenção sobre os Direitos das Crianças – Carta Magna de 1989.
Após um ano, com base na Assembleia que gerou tal convenção, o Brasil criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo internacionalmente respeitado e reconhecido como um dos maiores e mais bem projetados planejamentos de proteção e defesa de crianças e adolescentes.
Em meio a várias leis criadas em decorrência das mudanças sociais, elaborou-se o Projeto de Lei (PL) de nº 2654/2003 – Bill of Law, mais comumente conhecido como Law of Slap, o qual previa a alteração do ECA e restringia algumas ações dos pais com relação aos filhos. É importante ressaltar que tal PL se efetivou na famigerada Lei da Palmada de nº 13.010/2014.
O dilema que se procura desvendar é de até que ponto as ações privadas entre os familiares podem ser controladas pelo Estado, e em que medida ele pode e/ou deve intervir para o asseveramento de direitos dessas pessoas. Busca-se, ainda, esclarecer se a referida lei é ou não inconstitucional e como conciliar a dicotomia vida privada x ingerência estatal.
Diante do exposto, o presente trabalho busca aprofundar o conhecimento sobre histórias e costumes do Brasil, no que tange às relações com as crianças e adolescentes do país.
Para tanto, fez-se uso do método de investigação teórico-documental, com análise legal, doutrinária, jurisprudencial e baseada em depoimentos de profissionais da área. O marco teórico foi à obra de Fonseca (2016).
O presente trabalho contou com seis capítulos. O primeiro deles cuidou da análise da evolução do conceito de família na humanidade, conceito este que contou com inúmeras designações, tendo em vista que o Direito de Família é muito volátil. No segundo tópico, abordou-se quais seriam os princípios que regem o Direito de Família, quais sejam, princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os filhos, melhor interesse da criança, dentre outros. Em um terceiro momento, buscar delinear os contornos da evolução histórica do direito das crianças e adolescentes no Brasil.
Posteriormente, buscou-se apresentar a Lei da Palmada, sua conceituação, bem como sua disciplina legal. No quinto capítulo, delineou-se as críticas acerca da referida legislação que a impede de ser extremamente efetiva e por fim, destacaram-se algumas decisões judiciais que demonstram o abuso de autoridade para com as crianças e adolescentes.
2.EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA
Família conceitua-se como unidade social formada por um conjunto de pessoas que se organizam e se identificam de uma forma singular e sistêmica para a manutenção saudável da vida em sociedade. Essa instituição divide pensamentos teóricos e diversos doutrinadores disciplinam de forma diferente sobre o mesmo, porém, todos os conceitos se convergem. Neste sentido, Clóvis Beviláqua conceituava família como:
Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie (BEVILÁQUA, 1976, p. 16).
Na visão de Orlando Gomes, “somente o grupo oriundo do casamento deve ser denominado família, por ser o único que apresenta os caracteres de moralidade e estabilidade necessários ao preenchimento de sua função social” (GOMES, 2004, p. 34).
Ao longo da história, vimos o conceito de família passar por vários processos evolutivos, até alcançar o que conhecemos atualmente, uma definição mais arrojada e altruísta, caracterizada por uma visão mais humanitária e solidária. Esse novo modelo, no qual importantes órgãos do Direito Civil estão cada vez mais presentes nos processos decisórios é condensada da seguinte forma, na visão de Gustavo Tepedino:
As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substancias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido a arte e a virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor (TEPEDINO, 2014, p. 52).
A partir do exposto, entende-se que a família é uma instituição na qual um conjunto de indivíduos, geralmente ligados por laços de sangue ou afetivos, compartilham de interesses em comum, dos quais geram a necessidade de convívio, dessa forma caracterizando o núcleo familiar.
Essa instituição tem um papel importantíssimo no que se refere à construção da sociedade como a conhecemos atualmente, considerando não só a unidade mais simples de sociedade, mas também a base dela como um todo. Sendo assim, podemos enxergar a fase histórica de seus conceitos, como uma forma de entender as relações de poder, assim como os paradigmas existentes no mundo atual. Faz-se necessária, então, uma análise histórica de seu conceito.
Nos primeiros esboços de sociedade, o homem primitivo, sendo esse o mais forte do grupo, detinha o poder sobre os outros indivíduos, uma vez que a sobrevivência era respaldada pela capacidade de proteção. Nesse contexto a mulher tinha um papel marcado pela submissão do grupo, aspecto esse que se estendeu por quase toda a história, sendo que atualmente ainda pode-se enxergar resquícios dessa configuração hierárquica.
A família passou a ter funções bem mais marcantes e que ultrapassavam o papel social, já que ela determinava a vida dos indivíduos, econômica, política, religiosa e juridicamente, isso no que tange à sociedade romana. Nessa época, a hierarquia dentro do núcleo familiar era marcante, com a figura bem acentuada do pater familis, situação em que o pai concentrava para si todas as tomadas de decisões relativas à família, com poder de vida e morte sobre seus integrantes. Nessa sociedade, o filho homem só adquiria o status de sui júris após a morte do pai, ocasião em poderia constituir família, visto que antes não era sujeito de plenos direitos. Nota-se, inda, que essa possibilidade era disponibilizada apenas para os filhos homens, já que a prole era tratada de acordo com o sexo.
Da ênfase autoritária à um viés mais fraterno, essa foi a mudança ocorrida durante a era pós-romana, cujo conceito de família recebeu interferência do Direito Alemão, e o núcleo familiar, sofreu grandes influências do cristianismo, adotando um visão sacra ao casamento e centrando a família entre pais e filhos.
Na Idade Média, o Direito Canônico influenciou de forma significativa no domínio que a Igreja Católica detinha sobre a família e suas relações de poder, a igreja utilizava-se, dentre outros, de delegar atribuições à família eu detinha, a título de exemplo, a responsabilidade de educar os filhos e ensinar-lhes os princípios religiosos. Os costumes também ditavam as regras, e era o Direito Consuetudinário, que por sua vez divergia da tradição romana, que previa algumas alterações no tratamento familiar, e Virgílio Rocha extraio diversas mudanças no: “a) o exercício do pátrio poder é temporário, por isso que condiciona ao interesse do filho; b) a função do pátrio poder é também atribuição da mãe, na falta do pai; c) o pátrio poder não obsta a que o filho tenha bens próprios” (ROCHA, 1960, p 33).
Durante a Idade Média, com a decadência das casas de ofício e com a migração das pessoas do campo para a cidade, eclodiu a Revolução Industrial, a qual descaracterizou a família como núcleo básico de produção frente aos grandes mercados de capital que surgiram no momento, em que consistia o método assalariado de empregar os trabalhadores. Dessa forma, as funções familiares foram alteradas e com elas a idéia de família do medievo se desfaleceu e se desintegrou da esfera doméstica.
Nesse momento de grande desenvolvimento econômico e produção exacerbada nas fábricas, o homem começa a trabalhar nela, e não dispensavam-se a mão de obra feminina nem infantil. Essa condição que inseriu a mulher e os demais integrantes no mercado de trabalho, tinha a finalidade de fazer com o grupo familiar detivesse mais condições de vida. É impossível entender como, na últimas décadas do século XX, ampliou-se significativamente a pesquisa sobre a história da família, sem levar em consideração as profundas mudanças que afetaram a historiografia do período com o nascimento da chamada Nova Histórica Social. Na França, na Inglaterra, nos estado unidos e, em menor escala, na Itália, numerosos estudiosos estabeleceram um contraponto entre a forma convencional e limitada de escrever história e uma mais ampla, que levasse em conta toda a população, de todos os estratos e setores da sociedade. [...] Conhecer o passado de uma população com estes instrumentos conduziu naturalmente à busca de referenciais quantitativos, derivando na construção e no uso de métodos estatísticos para realizar análises sociais, abrindo espaço para um novo tipo de pesquisador: os historiadores-demógrafos e sua vasta produção bibliográfica. Foi a partir desta nova metodologia de pesquisa que emergiram os estudos históricos sobre a família, nos quais se destacou pela primeira vez a importância social das mulheres (CORRÊA, 2009, p. 16).
O trabalho das crianças nas fábricas sofreu leves alterações, já que a Lei das Fábricas de 1833 buscou restringir o trabalho das mesmas e procurou inserir duas horas obrigatórias de escolarização para elas. No entanto, verifica-se que é no século XIX, que a família ganha uma nova roupagem em decorrência do progresso industrial.
A ótica do poder patriarcal ainda era tangível nas obras dedicadas ao Direito de Família no Código Civil de 1916. Nesta senda, verifica-se que o marido era o chefe da sociedade conjugal, ostentava-se como detentor do direito de ingressar em juízo e tinha poder de mando e desmando no que tange a autorização da mulher para trabalhar, permissão esta que era concedida pelo homem, chefe de família e a mulher era atribuída como auxiliar do marido.
Por volta do século XX, começou a ter diversas mudanças no que tange ao molde de família tradicional, com o povoamento das grandes cidades, movimento em que as famílias migravam do interior para as grandes cidades industriais. A mulher daquele período começou a trabalhar fora, tendo, dessa maneira, o seu próprio provento, concebendo, assim, sua independência, envolvendo do orçamento doméstico. Outro fato crucial para a evolução familiar se caracteriza quando as mulheres começaram a usar a pílula anticoncepcional, inspecionando, dessa forma sua natalidade.
Em decorrência desses adventos ergueu-se a Lei 4.121/62, também chamada de Estatuto da Mulher Casada, que trouxe consigo diversas inovações, as quais, atualmente, se consubstanciam como um atraso, no entanto, para a época era considerada uma permissão para que as mulheres exercessem profissão diversa da do seu marido, sem a necessidade de autorização dele. A mulher, então, deixou de ser dependente, passando a ser auxiliar da sociedade conjugal. A mulher passou a gerenciar os seus próprios bens e assim então, pode incorporar livremente em juízo.
Essa enorme alteração experimentada pelas mulheres no que concerne a família acabou de certa forma incentivando alterações da Constituição da República de 1988 (CF/88) equiparando de certo modo o homem e a mulher. A CF/88 engendrou, no Direito de Família, três sustentáculos modificativos: a igualdade em a mulher e o homem na sociedade conjugal, com a consequente erradicação do pátrio poder exercido pelo marido, originando, assim, o poder familiar. Com isto, passa-se a decidir de forma igualitária acerca das questões familiares, como por exemplo, a decisão sobre a vida dos filhos. Nesse meandro, destaca-se que houve uma modificação de forma a extinguir a diferença existente entre filhos legítimos (havidos do casamento) e filhos ilegítimos (havidos fora do casamento), que no Código Civil de 1916 chegava a conceituar de forma discriminatória os filhos ilegítimos, inclusive estabelecendo uma hierarquia entre eles; e, o reconhecimento de formas de famílias, além do casamento, exemplificando, no próprio corpo constitucional, mais dois exemplos de família como sendo a família havida da União Estável e a família monoparental.
A partir do momento que começou-se a ter liberdade na constituição de família, a pluralidade de modelos e a igualdade de todos os filhos, surgiu a “nova família”, não sendo mais o casamento o único elemento agregador, mas, também, a afetividade. Nesse sentido, o Estatuto da criança e do adolescente dispõe que são parentes do menor adotado, os decorrentes dos vínculos de afetividade; a família passou a ser o meio social de promoção pessoal de seus membros.
Hoje a família é protegida por disposição expressa da Constituição Federal, na pessoa de cada um dos seus membros. Tem-se a plena liberdade de constituir a família da forma que a pessoa escolher e quiser, tendo proteção do Estado no artigo 226, §§ 7º e 8º da Constituição Federal, como segue:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).
A Carta Magna também estabelece que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, não podendo existir interferências no modelo de escolha da união que se quer adotar; além disso, o Estado deve fornecer a proteção na pessoa de cada um de seus integrantes e não mais no núcleo familiar formal e obrigatório como era no passado.
3.PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA
Primeiramente conceitua-se princípio como sendo um regramento básico aplicável a um determinado instituto jurídico, sendo retirado das normas, da doutrina, da jurisprudência, de aspectos políticos, econômicos e sociais; conforme Miguel Reale “os princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”.
A Carta Magna consagrou um rol de princípios fundamentais que norteiam as relações familiares; dentre eles, destacam-se os mais relevantes para esse trabalho monográfico, que são: princípio da dignidade da pessoa humana; princípio do pluralismo das entidades familiares; princípio da igualdade jurídica de todos os filhos; princípio da solidariedade familiar; princípio da convivência familiar; princípio do melhor interesse da criança e o princípio da afetividade.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem como objetivo a garantia mínima da dignidade humana de que seu “mundo” seja garantido. Está voltado para o Direito de Família, como a necessidade de que a entidade familiar tenha a dignidade minimamente protegida e tutelada pelo Estado. Está atrelado ao princípio da intervenção mínima do Estado, no sentido de que esse não pode intervir na formação da entidade familiar. Esse princípio alcançou proteção da Constituição Federal, em seu artigo 1º, segundo o qual: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988).
Tal garantia não é uma criação constitucional, apesar de ser respeitada e protegida por esta, mas foi transformada em um princípio fundamental para a ordem jurídica democrática (CELINA 2012). Nessa linha, Junqueira (2002) descreve este princípio como sendo fundamento da República, exigindo ser pressuposto à subjetividade da vida humana; se não houver vida não há pessoa, não havendo pessoa, não há assim o princípio da dignidade da pessoa humana. Sarlet (2005, p. 24) conceitua este princípio como sendo a proteção inatingível do ser humano; não significa a impossibilidade de ser estabelecidas restrições aos direitos e garantias fundamentais, porém não pode ultrapassar a linha intocável atribuído pela dignidade da pessoa humana, merecendo o respeito por parte do Estado e da sociedade, para evitar discriminação e prejuízos ao indivíduo.
Esse princípio é identificado como sendo o princípio dos princípios; é o pilar do Direito de Família assegurando a todos os integrantes da mesma, a devida proteção para um bom desenvolvimento da vida humana agregada ao respeito mútuo.
O princípio do pluralismo das entidades familiares, estabelecido na Constituição Federal de 1988, reconheceu que não é só através do matrimônio que pode ser constituída uma entidade familiar.
Nasce da garantia constitucional do reconhecimento de entidades familiares fora do “padrão” entre homem e mulher, podendo se dar entre amigos, irmãos, pessoas do mesmo sexo, dentre outros, com o intuito de constituir família. Tem-se novas constituições familiares, de acordo com a concepção da afetividade, no que tange a de ter pessoas próximas que superam o vínculo de gostar e convivem de maneira afetiva ensejando no dever de cuidado.
Neste sentido, Dias (p. 80) assegura que “o princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares”.
Este princípio processa-se da modificação do conceito de família, inserida pela Constituição Federal, abrindo margem para a formação de novas entidades familiares, como a família advinda da União Estável, famílias monoparentais, famílias homoafetivas, famílias paralelas, famílias unipessoais, multipartais ou as famílias mosaico.
Por sua vez o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, solidificado no artigo 227, § 6º da Constituição Federal, dispõe que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988).
Para Gonçalves (2015, p.23) é cristalino a absoluta igualdade entre todos os filhos, não sendo de forma alguma permitida a distinção entre filiação legítima ou ilegítima, sendo os pais casados ou não, e os filhos adotivos. Hoje tem-se apenas filhos, sendo uns havidos na constância do casamento e outros fora do casamento, porém com iguais direitos e qualificações, proibindo-se que conste no assento do nascimento qualquer alusão à filiação ilegítima, vedando assim discriminações relativas a filiação.
Paiano (2017, p. 36) leciona que:
Por meio deste princípio o ordenamento jurídico brasileiro não admite a discriminação ou a categorizarão de filhos, como era feito anteriormente. Hoje não mais se pode falar em filhos adulterinos, ilegítimos, adotivos, etc. Filho é filho, sem ser possível tal qualificação, pois são todos iguais perante a lei (PAIANO, 2017, p. 36).
Portanto, este princípio consagra a máxima de que não há distinção entre os filhos “legítimos”, “ilegítimos” e “adotados”, filho é filho. Todos os direitos e deveres inerentes aos filhos deverão ser respondidos e representados de maneira igualitária.
Sobre o princípio da solidariedade familiar, esclarece Lôbo (2011, p.63) que, a solidariedade da entidade familiar deve ser recíproca aos cônjuges e companheiros relativos a assistência moral e material. Com relação aos filhos, a solidariedade diz respeito ao direito da pessoa ser cuidada até atingir a idade adulta.
Menciona Paiano (p. 35) que este princípio salienta a ajuda recíproca que os integrantes da família devem ter uns com os outros. Um exemplo ilustre tal princípio seria o pagamento de pensão alimentícia para os integrantes da família quem necessitam.
Para Dias (p. 79) a solidariedade familiar quer dizer o que um deve ao outro. Este princípio originou-se dos vínculos afetivos, compreendendo de certa forma a fraternidade e a reciprocidade da entidade familiar. Ressalta ainda que ao produzir deveres recíprocos entre os membros da entidade familiar, é afastado do Estado o compromisso de providenciar toda a série de direitos que são assegurados de forma constitucional a cada cidadão, porque em se tratando de crianças e adolescentes, é outorgado primeiro à família, depois a sociedade e logo após o Estado o dever de garantir os direitos inerentes ao cidadão em formação. É o que diz o artigo 227 da Constituição Federal:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).
O princípio da convivência familiar está ligado ao que diz respeito à relação afetiva imutável pelas pessoas que compõem o grupo familiar, advindo de laços de parentesco ou não (LÔBO, p. 74).
Este princípio traduz-se da comunhão de vida entre os integrantes da entidade familiar, estabelecendo que através da convivência familiar é que derivam os laços afetivos e da solidariedade.
Para Lôbo (p. 27) essa convivência familiar não se refere a um lugar físico, como a casa, mas é, no entanto, “o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas”.
O princípio do melhor interesse da criança está presente tanto na Constituição Federal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Determina este princípio que quando houver um choque de princípios, será utilizado o melhor interesse da criança ou menor para resolver determinadas questões conflitantes entre os pais desta criança. Nesta perspectiva, esse princípio é basilar e tem aplicação na prática de maneira superior, no sentido de que o Estado vai proteger esses menores que não conseguem se representar sozinhos, vendo de que forma o menor pode ser privilegiado em determinada situação.
Neste sentido, Gama (2008) expõe que:
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo das relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade, comparativamente aos demais integrantes da família que ele participa (GAMA, 2008, p. 80).
No ano de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu na legislação brasileira uma série de mudanças com relação aos menores. Se comparado com o Código menorista que só privilegiava aqueles que estivessem em situação irregular. O ECA abrange a todas as crianças e adolescentes e com a doutrina da proteção integral, a criança passa a ser protegida desde a concepção, no ventre da mãe, tendo direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer e todos os demais direitos elencados, tanto no ECA quanto na Constituição Federal.
Portanto a doutrina da proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente elenca que a criança e o adolescente passam a ser sujeitos de direito, que crianças e adolescentes são destinatários de absolutas prioridades e é respeitada a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.
O princípio da afetividade familiar é um dos princípios formadores do direito de família, uma vez que após a implantação da Constituição Federal de 1988, transformou o afeto em algo imprescindível para a constituição da entidade familiar, como sendo um vínculo afetivo, algo que supera o mero gostar e cria uma relação de proximidades. Não se trata de amor, porque o amor por si só não se confunde com afetividade, pode sim estar atrelado a afetividade, porém não são idênticos.
Para Paiano (2017, p. 32-33 apud AZEVEDO, p. 62-62) a mudança sofrida pelos elementos formadores da família moderna, é que hoje a família não está mais comprimida ao pilar da dependência econômica, porém está atrelada a cumplicidade e solidariedade mútuas e no afeto existente entre os integrantes da entidade familiar. Percebe-se, pois, que o princípio da afetividade é que constitui o direito de família
A afetividade enseja no dever de cuidado, sendo distinto do amor, tanto que existe as ações de indenização pela ausência de afetividade, desse cuidado, não só do fator financeiro, e sim ter essa presença e cuidado na vida dos filhos.
É essa ajuda e respeito mútuos que fazem com que as novas famílias sejam criadas e permaneçam.
Menciona-se aqui o posicionamento do Tribunal de Justiça do Piauí, no que diz respeito ao abandono afetivo é possível indenização pela falta do dever de cuidado que deve fazer-se presente nas entidades familiares.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o conseqüente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia  de cuidado  importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes  por demandarem revolvimento de matéria fática  não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. Recurso Conhecido e Provido. 7. Votação Unânime.
(TJ-PI - AC: 00017611820078180140 PI 201200010014128, Relator: Des. José James Gomes Pereira, Data de Julgamento: 04/09/2013, 2ª Câmara Especializada Cível, Data de Publicação: 17/09/2013)
A decisão supra analisada do Tribunal de Justiça do Piauí, e demonstra a importância que o reconhecimento familiar tem para a vida de uma pessoa. In casu, que é possível a indenização por abandono afetivo, demonstrando o dever dos pais para com seus filhos.
A função essencial da família é assegurar a felicidade dos integrantes da mesma, como sendo a afetividade um dever posto aos pais com relação aos filhos, e dos filhos com relação aos pais mesmo que não haja amor e afeição entre eles (LÔBO, 2011, p.71).
4.HISTÓRICO SOBRE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA BREVE ANÁLISE ACERCA DA CONVENÇÃO
Antes de adentrar no mérito quanto ao ECA, necessário se faz um breve delineamento histórico no que tange à evolução das garantias das crianças e adolescentes. Na Antiguidade não havia uma preocupação, tampouco cuidados para com as crianças. As mesmas não eram consideradas como sujeitos de direito e, por vezes, sofria maus tratos, camuflados pelo argumento de boa educação. Dessa forma enuncia Tavares “entre quase todos os povos antigos, tanto do Ocidente quanto do Oriente, os filhos durante a menoridade, não eram considerados sujeitos de direito, porém, servos da autoridade paterna” (TAVARES, 2001, p. 46). Ainda no que diz respeito ao tratamento a esse grupo na Antiguidade, percebe-se que o mesmo assumia responsabilidades de adulto, deixando à margem todos os prazeres e encantos da infância.
No Brasil, o tratamento para com o referido grupo refletiu técnicas adotadas na Europa, especificamente em Portugal. A título de exemplo cita-se a “roda dos expostos”, a qual pautava-se no enjeitamento de crianças que eram sujeitadas aos cuidados das instituições de abrigo, e cujas famílias não tinham interesse em ser evidenciadas.
Após esse período e diversas mudanças ocorridas, elaborou-se o Código de menores em 1970, o qual previa algumas medidas de tentativa de proteção às crianças e adolescentes, mas que se mostrou um tanto quanto precária, já que o legislador não se preocupou muito em criar soluções viáveis a resolver o problema existente na época, no que concerne a essas pessoas.
Neste sentido tem-se:
O Código de Menores, uma das primeiras estruturas de proteção aos menores, em nosso sistema pátrio, foi produto de uma época culturalmente autoritária e patriarcal, portanto, não havia preocupação com o problema do menor em compreendê-lo e atendê-lo, mas sim com soluções paliativas, o principal objetivo do legislador era “tirar de circulação” aquilo que atrapalhava a ordem social (FONSECA, 2015, s. p.).
Cumpre ressaltar, que anos depois, houve uma assembleia que resultou na Convenção sobre os direitos da criança e do adolescente, a qual será tratada em tópico específico, e que resultou na elaboração do ECA.
A Convenção supra referida, foi instituída em 1989 em assembleia com diversos países, com objetivo de assegurar a dignidade e promoção de uma vida saudável e honrosa para as crianças, garantindo-lhes essencialmente o direito à identidade, à saúde, à educação, dentre outros. Tal convenção foi resultado de reflexões e análises detidas a respeito das condições de vida de crianças que mereciam uma atenção maior e mais dedicada para que se pudessem alcançar meios adequados de vida para tais pessoas.
Dessa forma, verifica-se que a Convenção buscou delinear formas de melhorar as situações fáticas das crianças, proporcionando-lhes uma infância sadia, e um ambiente adequado para que possam se desenvolver com qualidade e construir uma estrutura firme, consolidada e honrosa. Para isto os países que adotaram a referida Convenção puseram-se dispostos a observar os preceitos impostos.
Neste sentido tem-se:
Art.2º. 1 – Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2 – Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares (BRASIL, 1989).
Depreende-se, ainda, da leitura da carta supracitada que houve uma preocupação considerável no que diz respeito à uma adequada estrutura familiar, vez que a família é o instituto basilar para o bom desenvolvimento da criança, seja físico, mental e social e tem o dever de proporcionar às crianças um ambiente saudável, harmonioso e alegre, respeitando obviamente a disponibilidade financeira de cada família. Para tanto, veja-se o que dispõe o art. 27 da Convenção:
Art. 27. 1 – Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2 – Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com as possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessária ao desenvolvimento da criança (BRASIL, 1989).
Nota-se, contudo, que a família não é a única instituição responsável por oferecer, às crianças, os meios adequados para seu desenvolvimento adequado e saudável. Ao Estado também cumpre subsidiar meios eficazes para a promoção de uma vida digna e feliz, o que é realizado através de políticas públicas pertinentes e previsões legislativas consistentes.
A procura, nesse sentido, tem de ser constante a fim de colocar os proveitos de crianças e adolescentes como preferência do Estado, bem como da sociedade.
Confluindo para esse objetivo, o art. 7º da referida Convenção estabelece os ditames para a legítima anotação do nascimento da criança. Nota-se que, em observação ao que preceitua o dispositivo supramencionado, o Brasil instaurou o livre acesso à certidão de nascimento e preservação do direito da criança ao nome e ao registro civil.
Neste sentido, tem-se:
Art.7º. 1 – A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles.
2 – Os Estados Partes zelarão pela aplicação desses direitos de acordo com a legislação nacional e com as obrigações que tenham assumido em virtude dos instrumentos internacionais pertinentes, sobretudo se, de outro modo, a criança tornar-se-ia apátrida (BRASIL, 1989).
Insta salientar que além da observância ao direito da criança ao nome e registro civil, é assegurado a elas o direito a manter relações saudáveis com a família e ter amparo e zelo dentro do seio familiar, visto que se constitui como o melhor instrumento para formação e direção da criança, para que a mesma venha a ser conduzida na sociedade obedecendo à estrutura social e tendo suas condutas balizadas em respeito aos costumes vividos.
Analisando sob esta ótica, verifica-se que a Lei nº 13.010/14, comumente chamada de Lei da Palmada, que à família é proibida qualquer conduta que vá infringir os direitos da criança, bem como proíbe castigos físicos destinados a elas. Porém, é importante estabelecer que muitas vezes a família não pune com o objetivo de maltratar o menor, mas apenas de lhe corrigir e educá-lo, o que não é visto pelo legislador que estabelece inclusive a perda do poder familiar em razão dessas atitudes.
Remover o poder familiar dos responsáveis pela criança e passá-lo ao Estado se configura como um ato muito gravoso para a sociedade e para o desenvolvimento adequado da criança, tendo em vista que a sociedade é responsável solidariamente pela educação das crianças do país e, na medida em que estes seres se veem sem amparo familiar, ficam sujeitos a várias agressividades e inconstâncias do mundo, que ainda não estão preparadas. Verifica-se, pois, um equívoco e um extremo rigor, visto que é preciso diferenciar espancamento de leves castigos dados para correção dos filhos.
A Convenção antevia em sua redação, indicadores educacionais, legislativas, sociais e administrativos partindo dos Estados-partes, com o fito de cuidar das crianças, preservando-as de abusos, arbitrariedades ou maus tratos, contudo tem de se estabelecer melhor a concepção de maus tratos, já que a Lei da Palmada criminaliza até a mais sutil atitude de advertência aos filhos.
A medida de encaminhamento aos lares de adoção dita pelo Art. 20 da Convenção nesses casos é de grande divergência entre os psicólogos, pois devido o conhecimento estudado através de milhares de casos concretos, demonstram que a quebra do relacionamento familiar é muito mais nocivo que algumas advertências em forma de palmada, notam-se:
Art. 20. 1 – As crianças privadas temporária ou permanentemente do seu seio familiar, ou cujo interesse maior exija que não permaneçam nesse meio, terão direito à proteção e à assistências especiais do Estado. 2 – Os Estados Partes garantirão, de acordo com suas leis nacionais, cuidados alternativos para essas crianças. 3 – Esses cuidados poderiam incluir, inter alia, a colocação em lares de adoção, a Kafalah do direito islâmico, a adoção ou, caso necessário, a colocação em instituições adequadas de proteção para as crianças. Ao serem consideradas as soluções, deve-se dar especial atenção à origem étnica, religiosa, cultural e lingüística da criança, bem como à conveniência da continuidade de sua educação (BRASIL, 1989).
Para que a criança desenvolva melhor a sua personalidade ela necessita crescer no seio familiar em um ambiente com harmonia, ensino, amor, compreensão e felicidade.
Deve-se ensinar a criança a ter uma vida independente em meio à sociedade e agir com respeito ao próximo e as leis, sendo solidário, tolerante e apto a atitudes de paz.
Estes ditames são fruto de uma participação de nações em buscar de melhorias para as crianças em todos os seus países.
4.1 Os direitos da criança e do adolescente na história
Para o presente trabalho, abordar-se-á o sistema de séculos para que se possa situar com mais clareza acerca da evolução histórica tratamento das crianças e adolescentes.
Perspectivas até 1900 – criação da Santa Casa de Misericórdia: Até o começo do século XX, a criação de políticas públicas de cunho social voltados para crianças pelo Estado brasileiro, não existia, ou ao menos não se tem registro de nenhuma delas. Sabe-se que as crianças provenientes de famílias de baixa renda estavam sujeitas aos cuidados e zelos da Igreja Católica, por meio de instituições cooperativas, dentre elas a Santa Casa de Misericórdia. No Brasil, a Santa Casa situada na Capitania de São Vicente, foi à pioneira, sendo inaugurada em 1543 (CAMPOS, 1943, não paginado).
Tais instituições exerciam a solidariedade e caridade com enfermos e órfãos desfavorecidos que ficavam a mercê da sorte. O sistema de Roda das Santas Casas, já elucidado anteriormente, objetivava zelar pelos órfãos abandonadas e levantar doações para o sustento e manutenção da Casa. A Roda era feita de um cilindro de madeira em um tubo vertical que girava em seu próprio eixo, com uma fenda aberta em uma das faces, para que os nenéns fossem depositados. A estrutura física do instrumento foi criada com o fito de proteger e garantir o anonimato das mães solteiras que não podiam se expor na sociedade (LORENZI, 2010).
Em 1927 o primeiro Código de Menores foi inaugurado e vedou o funcionamento das Rodas, estabelecendo que o anonimato poderia se manter, desde que as crianças fossem confiadas abertamente às pessoas das instituições encarregadas para tal cargo. O novo procedimento também previa o cadastro das crianças que entravam.
Cumpre registrar, anteriormente, o regulamento excludente do ensino em 1854. A regulamentação mencionada era excludente, pois não se aplicava a todos, sendo vedada a sua aplicação para os escravos. Aqueles que estavam contaminados por doenças transmissíveis e os não vacinados também eram vedados ao acesso da regulamentação. Tais vedações impactavam em especial as crianças que tinham o acesso à saúde muito restrito. Nota-se, com isso, que as políticas públicas de cunho social se faziam necessárias, na medida em que sua ausência causava uma exclusão dupla para esses menores, vezes que não tinham acesso amplo à saúde e também não tinham o direito de frequentar as escolas.
No que tange à regulamentação trabalhista, foi instituído em 1891, um decreto que disciplinava acerca da idade mínima para o trabalho, qual seja, 12 anos de idade (Decreto nº 1.313/91), tal regulamentação não tinha muito valor prática, na medida em que nas indústrias e no campo o trabalho infantil era usado sem nenhum norte ou limite.
Voltando ao século XX, nota-se que o mesmo foi assinado, pelo levante de lutas sociais de ordem trabalhista, impulsionadas pelos ideais marxistas do proletariado nascente. Vê-se, aqui, a criação do Comitê de Defesa Proletária (CDP), governado por empregados urbanos, concebido em meio a greve geral em 1917. “O Comitê reivindicava, entre outras coisas, a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do trabalho noturno de mulheres e de menores de 18 anos” (LORENZI, 2007, s. p.).
O juiz incipiente da América Latina, intitulado como Juiz de Menores foi Mello Mattos, instituído na função com a criação do Juizado de Menores, datado de 1923. Como já mencionado, em 1927 o primeiro Código de Menores foi instituído. Tal codificação era restritiva, uma vez que não era estabelecida para todas as crianças, mas tão somente aquelas que se encontravam em situação de irregularidade. Em seu artigo 1º previa que "O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código" (BRASIL, 1927).
O Código de Menores de 1927 tinha como objetivo principal estabelecer parâmetros de tratamento de crianças e adolescentes no país, estatuindo acerca do trabalho das mesmas, sobre a tutela, menores infratores, pátrio poder, dentre outras variáveis. É importante registrar que o Código de Menores de 1927, foi instaurado em uma fase em que o processo era pautado pela ideologia socialista de procedimento, com a centralização da figura do juiz em detrimento das demais partes, com isso, o Código privilegiava de forma sobrenatural o poder do juiz, de modo que as crianças que fossem submetidas a algum processo judicial tinham que ficar à mercê dos entendimentos de cada magistrado.
Durante o período compreendido de 1930 a 1945 vigorava o Estado Novo, que surgiu após o término das oligarquias brasileiras fortemente implementadas conhecidas por política do café com leite, com o revezamento, no poder, de dois Estados, quais sejam Minas Gerais e São Paulo, dominadores do mercado de café e leite, respectivamente. Com o Estado Novo, instaurou-se uma espécie de ditadura e não vigorava um plano político estruturado para o país, o que acabou por admitir a criação de políticas públicas como forma de manipulação e manutenção do poder.
Nesse contexto, em 1942, foi estabelecido o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), regulado pelo Ministério da Justiça e que tinha deveres muito semelhantes aos do sistema penitenciário, com a diferença de que era um sistema ajustado, adaptado para menores infratores. Tal sistema estabelecia tratamentos diferenciados para crianças e adolescentes infratores, bem como ao menor abandonado.
Alguns outros programas foram criados baseados na figura da primeira dama. São eles:
· Legião Brasileira de Assistência (LBA) - agência nacional de assistência social criada por Dona Darcy Vargas. Intitulada originalmente de Legião de Caridade Darcy Vargas, a instituição era voltada primeiramente ao atendimento de crianças órfãs da guerra. Mais tarde expandiu seu atendimento.
· Casa do Pequeno Jornaleiro: programa de apoio a jovens de baixa renda baseado no trabalho informal e no apoio assistencial e sócio educativo.
· Casa do Pequeno Lavrador: programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e adolescentes filhos de camponeses.
· Casa do Pequeno trabalhador: Programa de capacitação e encaminhamento ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda. Casa das Meninas: programa de apoio assistencial e sócio educativo a adolescentes do sexo feminino com problemas de conduta (VITAL, 2005, p. 16).
No período compreendido entre 1945 a 1964, houve o que se chamou de redemocratização, um retorno do Estado Democrático de Direito, instauração de uma nova Constituição e restabelecimento do sistema dos três poderes. Tal período enfrentou uma crise social muito grande e privilegiou setores que não as políticas públicas de âmbito social.
Durante 1964 e 1981 vigorou no Brasil, a ditadura militar, que, como esperado de regimes autoritários, investiu em projetos sociais a fim de estabelecer a ordem e manipular as classes menos desenvolvidas. Após esse período de extrema opressão, emergiu a Redemocratização da República, por meio de eleições diretas e a promulgação de uma Constituição Cidadã. Tal Constituição, a CF/88 representou um grande avanço após o retrocesso social, civil e político passado pela população brasileira. Para o setor de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, a promulgação de tal texto foi a demonstração de um início de solução adequada para os problemas enfrentados por elas.
Surgiu-se, assim as bases para criação do Estatuto. Em relação à defesa de direitos das crianças, observou-se que haviam dois grupos de defesa, os minoritários e os estatutistas. Os minoritários acreditavam na eficácia do Código de Menores, e na possibilidade de regularização de crianças desamparadas e irregulares na sociedade, e por isso defendiam a sua manutenção. Os estatutistas, por sua vez, defendiam a criação de políticas de proteção integral à criança de forma que o Código deveria ser revisto e reformulado de maneira ampla, com o fito de promover uma maior proteção para esse grupo. “O grupo dos estatutistas era articulado, tendo representação e capacidade de atuações importantes” (VITAL, 2005, p. 20).
Antônio Carlos Gomes da Costa argumenta que:
Para conseguir colocar os direitos da criança e do adolescente na Carta Constitucional, tornava-se necessário começar a trabalhar, antes mesmo das eleições parlamentares constituintes, no sentido de levar os candidatos a assumirem compromissos públicos com a causa dos direitos da infância e adolescência (COSTA, 2014, p. 198).
Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a CF/88, marcada por participação ativa da sociedade, bem como por avanços na área social e um modelo de gestão de políticas públicas contundentes. Nesse cenário, ergueu-se a ampla proteção da criança e adolescente, surgindo no ano posterior a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
4.2 Os direitos da criança e do adolescente na atualidade
Após mais ou menos onze anos, decorrente da assembleia e da Convenção adotada por ela, bem como depois de dez anos do Código de Menores de 1979, o Brasil adotou em seu texto os preceitos estabelecidos no âmbito internacional, conforme assinado e validado pelas nações na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a qual diz em seu preâmbulo que “a criança, em virtude de sua falta maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” (1959).
A validade do ECA estabeleceu-se julho de 1990 e com ela surgiram inúmeros direitos às crianças e adolescentes e medidas inovadoras para fazer valer as garantias já salvaguardadas a eles e que se mostram de serventia indispensável para se bom desenvolvimento.
Podemos dizer que a Política de Atendimento assegurada no ECA tem a preocupação com a proteção dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes através, primeiramente, de políticas sociais básicas. Essa previsão ratifica este estudo mostrando o caráter histórico, social e econômico como fatores de grande relevância na determinação dos problemas enfrentados por meninos e meninas, que só poderão ser modificados e resolvidos definitivamente através de uma ação intensiva e emancipatória, destinada à transformação da totalidade da nossa realidade de país em desenvolvimento e de gritantes desigualdades sociais. […] Entende-se por outro lado, que a proposta desse Estatuto é justamente de uma atuação assistencial que extrapole o individualismo que antes predominava, lançando propostas de caráter emancipatório não apenas para a criança e para o adolescente, como também para todos os que estão ligados a eles: família, escola, comunidade, entre outros (VITAL, 2005, p. 23).
Nesse ambiente de observação da melhor qualidade de vida é que, com a criação de novas diretrizes e de uma tendência em coibir castigos físicos a essa população, verifica-se o elevado índice de que é no lar familiar que possuem as maiores ocorrências de crueldade em face de crianças e adolescentes, que chega ao Brasil a um percentual próximo dos 70%. Neste diapasão é que as Organizações não Governamentais (ONGs), a sociedade e o poder público se preocupam em ajustar e criar uma lei que proteja a criança em seu meio social, protegendo-o de castigos físicos e psicológicos decorrentes do lar, da escola, do poder policial e de todo aquele que de alguma forma exercer autoridade sobre as mesmas.
Porém, o pedido da sociedade está sendo maior do que o almejado com a criação da Lei da Palmada, que converte atos de alerta e de melhor direcionamento dos filhos com crimes punidos de multa, perda de poder familiar ou até mesmo a cadeia.
Nesse contexto veremos nos capítulos a seguir os meios já existentes de guarita à comunidade infanto-juvenil e como já se fazem completos sem haver a necessidade de novas normas que compliquem a convivência no ambiente familiar e que se coloquem em prática as leis já consolidadas na ordem jurídica brasileira.
5.LEI DA PALMADA
O primeiro estudo completo acerca da violência e maus tratos contra crianças e adolescentes advieram da pesquisa empreendida por Paulo Sérgio Pinheiro, brasileiro e doutor em ciência política. O autor elaborou um relatório que retrata as diversas formas de violência contra a criança e exibiu o documento para a ONU, com o objetivo de determinar aos Estados o desenvolvimento de um sistema de estratégias, planos e políticas relacionados ao problema, de forma a respeitar os direitos humanos através do uso de compreensão científica e técnicas disponibilizadas no meio atual.
Dessa forma, Pinheiro recomendava aos Estados a proibição de “todas as formas de violência contra crianças em todos os ambientes, inclusive castigos corporais, [...] e outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes” (PINHEIRO, 2006, p. 30).
No caso brasileiro, a Lei nº 13.010/14, conhecida como Lei da Palmada, foi aprovada com o objetivo de homenagear o garoto Bernardo Boldrini assinado pela madrasta, pelo pai e mais dois amigos, por uma super dosagem de sedativo, no mesmo ano da criação da Lei.
Percebe-se que a Lei da Palmada nasceu, desde o seu esboço, em meio a muitas discussões e polêmicas, vez que seu surgimento se deu em um espaço que tolera, de forma bastante pacífica, a violência (Santini & Williams, 2011).
Foi realizado um estudo em julho de 2010 pelo Instituto Datafolha, em que foram entrevistadas 10906 pessoas com idade superior a 16 anos, observou-se da pesquisa que mais de metade dos participantes foram contra o projeto de lei que instituiu, anos depois, a Lei da Palmada, sendo que apenas 36% dos entrevistados consideraram a Lei uma boa alternativa para a prevenção de violência com esse grupo. Notou-se que, 56% dos entrevistados que tinham filhos concordaram com a proposta apresentada. Dentro da totalidade dos participantes do estudo, 72% apanharam dos responsáveis, pais ou não.
A referida Lei acrescentou à Lei 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) o parágrafo 9º ao artigo 26, marcado pela inclusão de matérias ligadas aos direitos fundamentais do homem, aos direitos humanos e matérias de combate a quaisquer tipos de violência praticados em desfavor de crianças e adolescentes, na grade de estudos escolares.
O ECA também sofreu alterações, já que houve a implementação dos artigos 18-A, 18-B e 70-A, que reforçou o acesso das crianças à educação e cuidado, protegendo-as dos modos de disciplina cruéis e desumanos por pessoas que têm, por sua vez, o dever de preservar-lhes a boa saúde, integridade física e educação.
A Lei traz em seu corpo a definição de castigo físico, considerando-o uma “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão” (BRASIL, 2014). Define-se, por outro lado, tratamento cruel ou indigno como modos de tratamento que ridicularize a criança, ameace-a ou causa um dissabor muito grande à vida da mesma. A Lei prevê diversas maneiras de punir o infrator dela, como o encaminhamento da criança a um tratamento no conselho tutelar, advertências e direcionamento a planejamentos de proteção e preservação à família, incluindo cuidados psicológicos, psiquiátricos e físicos.
Além disso, nota-se que a Lei 13.010/14 estipula diversas ações, as quais devem ser desenvolvidas pela União e todos os demais entes federativos. Essas ações são, por exemplo, campanhas educativas e o desenvolvimento sólido de profissionais, dentre outros, de saúde, educação e assistência social.
Insta salientar, que a maneira pela qual se conceitua o castigo físico não se mostra muito eficiente, abrindo margem para interpretações múltiplas. Inicialmente, existem defensores convictos de que a Lei da Palmada não inibe a famosa “palmada educativa”, mas tão somente as ocasiões em que o excesso se faz presente e acaba por prejudicar a vida da criança ou adolescente (RODRIGUES; TOMÉ, 2014). Contudo, percebe-se que tal questão permanece sem resposta concreta e segura até os dias atuais. Isso decorre, precipuamente, pela subjetividade da conceituação apresentada pela Lei e que deixa diversos questionamentos a seu respeito.
Percebe-se que o conceito dado pela Lei para tratamento cruel e degradante, abre margem para interpretações variadas, constituindo-se, também, como muito subjetivista. Por outro lado, no Brasil já havia legislação pertinente que cuidasse de tal assunto, aqui entendida como o ECA e o Código Penal (CP), que já instituía as diretrizes de combate à violência infantil e que davam conta, em tese, do combate aos casos abusivos (MACEDO, 2012; PEREIRA, n.d.; Silva, 2014). Um terceiro ponto a ser considerado se consubstancia na ideai de importância e facilidade da palmada para o combate à desobediência dos filhos, pois embora tenha “algumas consequências negativas”, a palmada deve continuar permitida para a utilização dos pais ou responsáveis, vez que se trata de um recurso prático e fácil de coibição de maus comportamentos, principalmente para os pais que levam uma rotina exaustiva (FONSECA, 2014).
Tem-se que, de fato, a palmada se constitui como um recurso prático, fácil e de consequências. Realmente, a palmada é um recurso fácil e de resultado imediato na maioria das vezes, porém, não é obrigatoriamente um modo adequado e eficaz de educar. Essas opiniões acerca da Lei serão tratadas de forma mais detida no tópico que se segue.
6.PONDERAÇÕES E CRÍTICAS ACERCA DA LEI
Há um grande problema no que concerne à eficácia dessa Lei que é a fiscalização. Fonseca afirma que a fiscalização por parentes e vizinhos poderia se constituir como um modo eficaz de combate à violência infantil, porém a “cultura da delação” não é muito bem vista e por esse motivo não é empregada com tanta frequência (FONSECA, 2014). Percebe-se, porém, que embora existam esses e outros argumentos em desfavor da Lei 13.010/14, alguns argumentos, que foram, inclusive, expostos no presente trabalho, demonstram a importância da referida Lei como uma maneira de complementação da legislação existente.
Tomando como base a Lei como um todo colocando em prática as ações pré-estabelecidas, a Lei 13.010/14 se constitui como um instrumento valioso e de verdadeira serventia para ajudar na proteção e garantia dos direitos e interesses da criança e do adolescente, atuando como protetor e incentivador dela na educação, saúde, lazer, demais garantias que devem ser a elas preservados, como punição dos infratores da Lei. Também é imprescindível delinear as dificuldades que podem insurgir ao delimitar o abuso e o castigo físico. Weber et al. indicam que o nível de estresse e cansaço dos pais e/ou responsáveis, quando da correção da criança pode representar um risco muito grande para a mesma, na medida em que, quando estão irritados demasiadamente, têm uma probabilidade maior de não se conterem e de usarem níveis altíssimos de violência contra a criança com a tentativa de punição, até mesmo por atos considerados desnecessários de correção (WEBER ET AL. 2004, p. 34). O “aspecto educativo” do castigo físico se desfaz, sendo substituído pela violência, agressão e perda de controle.
Nota-se que determinada situação auxilia na dificuldade de determinação de um limite evidente entre castigo físico, abuso ou violência. Frias-Armenta aponta que o fato de não ter bem delineado o conceito de abuso infantil e castigos físicos que gera a ausência de um limite evidente entre os dois (FRIAS-ARMENTA, 1999, p. 109). De acordo com a autora, mundialmente, o castigo físico não adquire o aspecto de abuso, tendo em vista que tem um caráter disciplinador a disposição dos pais. Sendo assim, tal tipo de violação aos direitos da criança se torna algo normal e socialmente aceito, sendo visto como um direito do responsável pela formação da criança.
Contudo, a autora também disciplina que o castigo físico aborda a utilização proposital da força como forma de causar dor e dano à criança. Disciplina, ainda, que a fiscalização das atitudes de crianças e adolescentes por meio do castigo físico deveria ocasionar a meditação das pessoas sobre quando termina o castigo e inicia o abuso.
Cumpre ressaltar que com relação a fronteira entre abuso e castigo é normal distinguir pais que abusam fisicamente dos filhos de pais que dão palmadas de forma a discipliná-los como se fossem de naturezas diversas (WEBER et al. 2004, p. 56). Contudo, as autoras disciplinam que não é correto distinguir a violência pelo por sua intensidade, mas sim pelo seu caráter de ocasionar dano ao outro. De igual maneira, Simons et al. dispõem os maus-tratos como atos contínuos de punição física e psicológica que impossibilitaria uma delimitação claro e objetivo entre abuso e castigo, pois os dois constituem-se como espécies do mesmo gênero (SIMONS et al., 1991).
Instituições e pessoas preocupadas com a questão da violência física à crianças e adolescentes, criaram a rede “Não Bata, Eduque” (NBE), que tem como objetivo principal acabar com o uso de castigos degradantes de forma a punir a criança, bem como incentivar as famílias a manterem relações saudáveis e harmoniosas, respeitando os direitos da criança e do adolescente. Dessa forma, a NBE elenca uma sequência de justificativas usadas frequentemente contra a Lei 13.010/14, bem como seus contra-argumentos. Além disso, indica tal lei como “um marco moral e ético de princípios e valores” (n.d., p. 01).
Nota-se que a NBE dispõe, também, o controle poderá ser incorporado ao comportamento e cultura das pessoas, constituindo-se como algo normal no cotidiano das mesmas. Aborda que a Lei da Palmada não foi criada com o fito de punição dos pais a qualquer custo, como uma forma de perseguição dos mesmos, mas sim estimular os pais a observarem os filhos, dando-lhes atenção e programando formas de educá-los sem que para isso seja necessário espancá-los, ou seja, criá-los de forma adequada sem a presença de violência.
Como bem-disposto por Weber et al., disciplinar não é mesmo que punir, mas tão somente uma tentativa de correção das atitudes inadequadas, mostrando aos filhos quais devem ser as ações realizadas em consonância com a adequação social (WEBER et al., 2001, p. 61). (2004). Sendo assim, os pais deveriam auxiliar os filhos a desenvolver a independência, a autoestima, o senso crítico, o respeito e não violentá-las. As autoras demonstram que é totalmente possível, na verdade é o mais recomendável, ensinar aos filhos que não se solucionam os problemas com o emprego da violência, muito pelo contrário, o mundo precisa de paz para continuar seguindo e se desenvolvendo. Também não é recomendável que as crianças aprendam a viver unicamente para não receber punições, elas devem ser educadas, pois, para respeitar o outro independentemente das consequências.
Sendo assim, a promulgação de uma lei ao estilo da Lei da Palmada serve como “estímulo para que sejam desenvolvidos programas universais de treinamento para pais sobre como educar seus filhos sem o uso da violência” (SANTINI e WILLIAMS, 2011, p. 429), colaborando para o processo de mudança social e cultural e, a possível erradicação da violência infantil, que só pode ser realizada a longo prazo.
7.DECISÕES JUDICIAIS
O presente capítulo cuidará acerca de decisões judiciais que merecem visibilidade no que tange de seu conteúdo. A seguir, tem-se a decisão de apelação de um Juizado Especial, que trata acerca de violência de uma professora contra um aluno em razão do mesmo não obedecê-la quando da realização da fila para entrar em sala de aula. A educadora chutou, empurrou, apertou o braço da criança e a arranhou.
Juizado Especial Criminal. Apelação. Lesão Corporal Culposa. Coesa a prova testemunhal. Declarações da vítima corroboradas pelo Auto de Exame de Corpo de Delito. Redução da Pena de Multa. Deve-se manter o quantum correspondente com a pena privativa de liberdade. Sistema Binário. Multa não se confunde com restritiva de direitos. Provimento em parte. VOTO 1. Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso. Verifica-se tempestivo, legítima a parte recorrente, sendo igualmente adequada a via, para a apreciação do meritum recursal. DO MERITO 2. Menor com 08 anos. Causa espécie que ainda nos tempos de hoje precise o educador - aprovada a Lei da Palmada - empreender contato físico com o menor para fazer valer um castigo. A verdade é que arranhões, empurrões, são absurdos originados de quem confere a norma o dever de cuidado. Culpar a criança de ter sido agredida "sem querer" é um discurso negativo que serve a qualquer agressor, tendo como vítima pessoa idosa, criança, mulher, homossexual. "Bati porque a idosa não queria comer". "Bati porque esta criança é terrível". "Bati porque a mulher estava me irritando". É o mesmo discurso de quem maltrata, e, até mata, sob o argumento de que a criança é levada e precisa de um corretivo e, assim. Vai. Pensa-se, contudo, que nunca se vá ouvir isto de um educador, de quem é preparado para lidar SEM O EMPREGO DE VIOLENCIA FISICA. A questão é que o "EDUCADOR" NÃO PODE E NÃO DEVE SEQUER "TOCAR COM FORÇA" EM UMA CRIANÇA. Então, se a criança não forma fila, EMPURRA? CHUTA? SEGURA COM FORÇA OS BRAÇOS? ARRANHA? LESA? O Exame de Corpo de Delito confirma isso. E a culpa é da criança porque é bagunceira? Estarrece este discurso que legitima a violência. E que, repentinamente, fez surgir porque nunca antes tinha a Ré dito que estava o menor em risco sob o bebedouro - um comportamento de risco para justificar a sua ação sobre o braço da vítima. Discurso que sequer se manter na medida em que só vem à tona em seu interrogatório quando perguntado pela Defesa sobre o risco "ele está sofrendo algum risco?" Vem então um "sim" que mal se explica. Percebendo isso, RENOVA o juiz a pergunta o que teria levado ela a agir - pegando-o a força com no braço - e então vem a verdade: ".pegou ele pensando estar ele fazendo alguma coisa que não era o momento de fazer e a afrontando porque pediu primeiro para ele sair e ele não quis sair." Evidente que o menor não foi seguro com força para sair do bebedouro por causa do risco, mas, porque a estava AFRONTANDO. Exatamente, como já tinha iniciado a sua versão, ou seja, de que "como ele veio SE OPONDO A SENTAR e querendo se desviar dela, SEGUROU SEU BRAÇO. foi COLOCAR ELE À FORÇA E ELE SE SOLTOU." Ouvindo isso, encerra o magistrado suas perguntas, e, aí, fica a clara impressão de A LESÃO SE DEU porque estava a professora, obrigando o menor a SENTAR A FORÇA ao seu lado. DA PROVA 3. Perfeita a análise da prova contida na r. sentença, reconhecendo a narrativa da vítima. Impõe-se que se pontue que a conduta em julgamento foi a de ter o menor sido: ". ARRANHADO PELAS UNHAS DA PROFESSORA NA MÃO.DEPOIS QUE ESTA O SEGUROU PELO BRAÇO COM FORÇA OBRIGANDO A SENTAR AO SEU LADO". E múltiplos são elementos de prova que atestam a veracidade da narrativa da criança. Vejamos: PRIMEIRO, o Auto de Exame de Corpo de Delito descreve ESCORIAÇÃO LINEAR AVERMELHADA. NA FACE POSTERIOR da mão direita; ESCORIAÇÃO LINEAR. NA FACE POSTERIOR da mão direita, PARALELA A ESCORIAÇÃO ANTERIORMENTE DESCRITA. (ao nível do 2º e 4º quirodáctilos) E ESCORIAÇÃO LINEAR VERTICALIZADA. NA FACE POSTERIOR DO TERÇO PROXIMAL DA FALANGE PROXIMAL DO POLEGAR DIREITO. Lesões compatíveis com a de quem tem segura sua mão com força e é atingido pelas unhas do seu opressor. Evidente que houve o toque da professora - aliás, ela mesma confessa que o segurou - e, que, ao contrário, do que alega, PRODUZIU MARCAS PORQUE EXCESSIVA A FORÇA EMPREGADA. E não foi para retirá-lo de cima de um bebedouro - versão que só aparece em juízo - porque ia quebrar o braço, mas, sim, para FORÇÁ-LO A SENTAR. A verdade é que, as lesões descritas são sim compatíveis com a narrativa da vítima que afirma ter sido lesionado quando foi agarrado pela mão pela Ré para que sentasse ao seu lado e que quando está o puxava com força, apertando sua mão, tentou se desvencilhar e sofreu os arranhões. (fl.05) Imaginem uma "CRAVADA DE UNHA" no terço proximal da falange do polegar direito, sem dúvida. DEIXARIA DE 08 A 10 MM DE MARCA VERTICALIZADA NA PELÉ CONSIDERANDO O TAMANHO MÉDIO DE UMA UNHA. Basta medir. Compatível a lesão com a narrativa. Estranho a Diretora Wanilde não ter visto o que o Perito atestou. ou seria para ela normal tais lesões em crianças "levadas"? SEGUNDO a mãe faz um RELATO DETALHADO DA NARRATIVA DO MENOR SEM NENHUMA INDICAÇÃO DE EXAGEROS, a fazer crer que pudesse estar mentindo ou querendo prejudicar a Ré. Narra o comportamento do filho, assume a sua hiperatividade, quando vai a Delegacia, mas, se indigna como qualquer mãe, quanto à forma como seu filho foi tratado. Por que a mãe mentiria? Observe-se que a mãe - que é merendeira - estava trabalhando e foi chamada pela avó que fica com a criança. E narra ainda que Simone a moça que foi pegá-lo o recebeu chorando e abalado. Estranho que tenha a Ré afirmado - ao ser ouvida perante a Promotoria de Infância e Juventude - que tudo não passou de uma implicância da mãe - aliás que conhece apenas de vista - porque percebia que esta queria que seu filho recebesse mais atenção dos que os demais alunos. (fl.80) Evidente que não há mãe que não queira que seu filho receba atenção. Mas, daí, a afirmar isso, conhecendo a mãe apenas de vista. é um contrassenso. E nem se diga - como sustenta a Ré - que a lesão teria se dada na escola que a vítima frequenta, na parte da tarde, quando se verifica que a avó imediatamente chamou a mãe e poucas horas depois já estavam na Delegacia. TERCEIRO, a própria testemunha trazida pela Defesa Viviane Miranda de Carvalho confirma a versão da vítima de que ele ARRANCOU A MÃO DA ACUSADA NUM ATO VIOLENTO. ".assim que retirado do bebedouro ele foi se esperneando, falando coisas, que não queria, se debatendo; que a acusada foi e segurou na mão dele e o levou pela mão e colocou ele sentado lá; que quando a acusada estava segurando, ele mesmo, todo "estressadinho" arrancou a mão da acusada num ato violento; "STRESSADINHO" ? Por que estava sendo seguro com força? Por que deve achar normal ser agredido? Chega a CHOCAR a narrativa da testemunha;" ele não ficou chorando, ficou normal como se nada estivesse acontecido porque "criança não se estressa muito com essas coisas" porque eles já estão acostumados a levar bronca; ele não gostou de ficar lá pensando, ficou bem "revoltadinho". A verdade é que, a testemunha de Defesa no afã de depreciar a vítima, acabou por CONFIRMAR A DINÂMICA NARRADA NA DENUNCIA. Por que então desacreditar em sua versão? Por que de uma criança? Por que MERECE SER AGREDIDA? Autoriza a prova o juízo de condenação DA CULPA 4. "Culpa é a prática voluntária de uma conduta, SEM A DEVIDA ATENÇÃO OU CUIDADO, da qual deflui um resultado previsto na lei, como crime, não desejado, nem previsto, mas, previsível". 1 E não age com imprudência a professora que sabendo que apertando a mão de uma criança pode lesioná-la? Ou ainda, de que forma displicente mantêm suas unhas sobre a pele a ponto de possibilitar que crianças se lesionem com elas? Evidente que acidente não é. Ninguém disse que o "ACIDENTE" se deu porque ela tentava tirá-lo do bebedouro - aliás, só a Defesa assim sustenta, mas, sim, porque PUXO-O COM FORÇA PELA MÃO PARA QUE SENTASSE para pensar. E NÃO PARA QUE DESCESSE DO BEBEDOURO. Repito, Nem a Ré, nas duas vezes que prestou declarações - uma na Delegacia outra perante a Promotoria da Juventude - afirmou que a vítima estava em risco. A Ré foi clara em afirmar que precisava PUNIR!!! E O SEGUROU PARA SENTAR AO SEU LADO!!! E agora as lesões estão justificáveis? Induvidoso a culpa da Ré, mormente, ante a posição que assume de garantidor da integridade física da vítima. DA PENA 5. Perfeita, igualmente, a fixação da pena privativa de liberdade no mínimo legal de 02 (seis) meses de detenção. DA MULTA 5.1. Eleita a pena de multa deve esta, contudo, guardar proporção com a pena privativa de liberdade, devendo então, ser, igualmente, fixada no mínimo legal de 10 (dez) dias multa, mantido o seu valo unitário mínimo. E se multa, evidentemente, não há que se afirmar incidente o § 4 do art. 44, eis que a multa não se constitui em pena restritiva de direitos. A interpretação do último parágrafo da r. sentença deve se dar em favor rei. Converte-se apenas o que é pena restritiva. Multa não. DA CONCLUSÃO 6. Voto no sentido de conhecer do recurso, e, no mérito, dar-lhe provimento, apenas, em parte para reduzir a pena de multa para o mínimo de 10 (dez) dias multa e excluir o preceito de conversão em caso de descumprimento do pagamento. Rio de Janeiro, 14 de novembro de 2.014. Cláudia Márcia Gonçalves Vidal Juíza de Direito 1 Costa Jr, Paulo José in "Direito Penal: Curso Completo", 8ª ed. pag.82 18 Recurso nº 0009563-10.2012.8.19.0061 - Voto do Relator II Turma Recursal.
(TJ-RJ - APR: 00095631020128190061 RJ 0009563-10.2012.8.19.0061, Relator: CLAUDIA MARCIA GONCALVES VIDAL, Segunda Turma Recursal Crimina, Data de Publicação: 09/10/2015 16:22)
O resultado da decisão foi desfavorável à educadora por entender os juízes, que a mesma agiu de forma inadequada na tentativa de fazer com que a criança a obedecesse. Asseveram ainda que a professora no papel de educadora tem o dever de se mostrar como exemplo de idoneidade para as crianças e respeitá-las.
Outra decisão no mesmo sentido ocorreu no Tribunal de Mato Grosso (TJMT) em que o tio lesionou a sobrinha que tem necessidades especiais, sob o argumento de que a criança estava incomodando seu sossego. Neste sentido, tem-se:
APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO-FAMILIAR CONTRA A SOBRINHA – ABSOLVIÇÃO – PRETENDIDA CONDENAÇÃO - PARCIAL PROCEDÊNCIA - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - NÃO CONSTATAÇÃO - ANIMUS CORRIGENDI VEL DISCIPLINANDI - DESCLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES CORPORAIS PARA O DELITO DE MAUS-TRATOS – NECESSIDADE - LEI DA PALMADA OU LEI MENINO BERNARDO - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA – APELO PARCIALMENTE PROVIDO - CONDENAÇÃO DECRETADA. O abuso do poder de disciplina e de correção da criança e do adolescente, por pais ou outros responsáveis jurídicos ou de fato, legitima a condenação por maus-tratos, a teor do que preleciona o art. 136, caput, do CP, e sua combinação com os Arts. 18-A e 18-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, na redação dada pela Lei Federal n.º 13.010/2014. Apelo provido em parte. (Ap. 117145/2016, DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 14/12/2016, publicado no DJE 23/01/2017)
(TJ-MT - APL: 00065144620158110006 117145/2016, Relator: DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 14/12/2016, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 23/01/2017).
Nota-se que a motivação do crime nos dois julgados é muito semelhante. No caso em questão, a vítima estava com dificuldades para ligar o computador e por isso chorava, o tio, impaciente com a situação, desferiu chineladas na criança para que ela ficasse quieta, causando ferimentos e pequenas lesões. Em julgamento, o autor do delito conseguiu ser absolvido do crime de lesão corporal, mas foi enquadrado no crime de maus tratos com a ajuda da Lei nº 13.010/14. Nesta senda, vê-se a importância da Lei da Palmada na preservação da integridade física das crianças e na preservação e respeito de seus direitos como cidadãs.
8.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educar as crianças é uma tarefa árdua e que muitas vezes requer o auxílio de diversas ferramentas para conseguir tal feito. São muitas as preocupações que se tem na educação dos filhos, desde saúde, educação, moradia, até a formação moral e ética. Nota-se que muitas vezes as crianças apresentam comportamentos não esperados pelos responsáveis e que fogem ao controle dos mesmos.
Com base nessa situação, percebe-se que o diálogo e os métodos de correção alternativos não se mostram muito eficazes para algumas famílias, que acabam recorrendo aos castigos físicos como forma de correção e punição da criança. Diante disso, o governo promulgou a Lei 13.010/2014, conhecida como Lei da Palmada, a qual tem o caráter intervencionista e preleciona a punição aos pais que cometerem abusos e castigos físicos contra seus filhos.
O presente trabalho contou com cinco capítulos. O primeiro deles cuidou da análise da evolução do conceito de família na humanidade, conceito este que contou com inúmeras designações, tendo em vista que o Direito de Família é muito volátil. Concluiu-se que, embora família designasse, há tempos atrás, aquela formada por mãe, pai e filhos, atualmente seu conceito é muito mais amplo, admitindo formas variadas de composição familiar.
No segundo tópico, abordou-se quais seriam os princípios que regem o Direito de Família, quais sejam, princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os filhos, melhor interesse da criança, dentre outros. Em um terceiro momento, buscar delinear os contornos da evolução histórica do direito das crianças e adolescentes no Brasil, constatando-se que houveram diversas leis que disciplinaram acerca do direito dos menores, não com tanto afinco, mas que foram evoluindo com o passar dos tempos, culminando no ECA, uma legislação completa, que visa o oferecimento de condições favoráveis e confortáveis para as crianças e adolescentes, sendo muito mais ampla que as outras legislações que já vigeram sobre o mesmo assunto.
Posteriormente, buscou apresentar a lei da Palmada, sua conceituação, bem como sua disciplina legal, verificou-se que ela estabelece o respeito à integridade física da criança e do adolescente, na medida em que busca defendê-las de toda sorte de crueldades e maus-tratos. No sexto capítulo, delinearam-se as críticas acerca da referida legislação e constatou-se que a falta de fiscalização é o principal problema que acomete e impede tal legislação de ser eficaz.
Por fim, na busca pela solução do problema apresentado na exordial, concluiu-se que a Lei da Palmada não é inconstitucional, pois embora invada a esfera particular, tal invasão se faz necessária para proteção de um grupo vulnerável, sendo dever do Estado tutelar o direito à segurança, proteção e amparo desses menores.
9.REFERÊNCIAS
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Graduada em Direito pela Faculdade Metropolitana da Amazônia (FAMAZ), atualmente, Centro Universitário Metropolitano da Amazônia é uma instituição de ensino superior integrada ao Grupo Educacional Euro-Americano com sede em Belém/PA. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário. Pós-graduanda em Direito Tributário e Aduaneiro, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAYANA MICAELE CUNHA FRÓES, . Lei n° 13.010/ 2014 – Lei da Palmada: autonomia dos pais, e a intervenção do Estado. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58725/lei-n-13-010-2014-lei-da-palmada-autonomia-dos-pais-e-a-interveno-do-estado. Acesso em: 23 dez 2024.
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