NAYRA MONTEIRO DE PAIVA[1]
YASMIM NERES FRANÇA[2]
(coautores)
RESUMO: Dentro do aspecto de resolução de conflitos administrativos tributários em empate, este trabalho tratará sobre o princípio do in dubio pro contribuinte e o voto de qualidade nos julgamentos administrativos tributários. Neste trabalho, foi utilizado o método analítico-descritivo dos conceitos do direito penal como in dubio pro reo, conceitos tributários em relação ao in dubio pro contribuinte, voto de qualidade, como também as legislações e artigos científicos sobre o tema. Como objetivo geral do trabalho têm-se analisar e discorrer sobre o tema, a fim de que se tenha um arcabouço legislativo e teórico sobre os temas que tangenciam o direito tributário em relação aos empates nos julgamentos administrativos e a relação, uma hora existente, do princípio do in dubio pro contribuinte e a questão do voto de qualidade dentro dos tribunais. Por fim, pode-se concluir que o voto duplo, também chamado de voto de qualidade, como por exemplo o utilizado no âmbito do CARF, pode ser considerado é inconstitucional e ilegal pelas razões acima expostas.
Palavras-chave: In dubio pro reo; contribuinte; direito tributário; voto duplo.
1. INTRODUÇÃO
Dentro do aspecto de resolução de conflitos administrativos tributários em empate, este trabalho tratará sobre o princípio do in dubio pro contribuinte e o voto de qualidade nos julgamentos administrativos tributários.
Em relação à origem do princípio in dubio pro contribuinte, advindo do princípio do direito penal chamado in dubio pro reo. No direito tributário, dentro da esfera das normas sancionatórias é prevalecido o chamado in dubio pro contribuinte. Uma das normas sancionatórias no caso em tela pode ser exemplificada no art. 112 do CTN que será analisado posteriormente no trabalho..
O voto de qualidade, ou também chamado voto duplo, tinha o poder de desempate nos em alguns julgamentos. Porém, de acordo com o artigo 28 da Lei 13.988/2020 extinguiu o voto duplo no caso de empate em julgamentos administrativo-tributários na segunda instância e julgamento da União (BRASIL, 2020).
As dúvidas acerca do tema são referenciadas pela afronta à Carta Magna bem como ao Código Tributário Nacional; esta legislação complementar regula o lançamento e o crédito tributário, visto que o voto duplo faria a Administração Tributária decidir de forma final em relação ao crédito tributário. Porém, caso ocorresse seria uma ofensa ao princípio da igualdade visto que na possibilidade do contribuinte não ter uma decisão em seu favor poderá recorrer ao poder judiciário, atitude esta não adotada pela maioria da doutrina e jurisprudência. É possível identificar que a decisão in dubio pro contribuinte não é encontrada na legislação visto que o artigo supracitado se relaciona às sanções tributárias e não aos tributos. (ABREU, 2020)
Neste trabalho, foi utilizado o método analítico-descritivo dos conceitos do direito penal como in dubio pro reo, conceitos tributários em relação ao in dubio pro contribuinte, voto de qualidade, como também as legislações e artigos científicos sobre o tema.
Como objetivo geral do trabalho têm-se analisar e discorrer sobre o tema, a fim de que se tenha um arcabouço legislativo e teórico sobre os temas que tangenciam o direito tributário em relação aos empates nos julgamentos administrativos e a relação, uma hora existente, do princípio do in dubio pro contribuinte e a questão do voto de qualidade dentro dos tribunais.
2. IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE
O Direito Tributário, como ramo do Direito Público que dispõe acerca da instituição, cobrança e fiscalização de tributos, aplicando princípios e regras que regem as relações jurídicas entre Estado e particulares, traz diversas prerrogativas a fim de proteger os interesses da coletividade. Sendo assim, via-se o surgimento da figura do in dubio pro contribuinte apenas como estratégia de defender o cidadão contra possíveis abusos de poder por parte do Estado.
Durante muitos anos, conferiu-se ao tema uma visão juspositivista, onde o in dubio era regra absoluta e, por esta razão, as discussões atinentes à sua aplicação eram poucas e sem repercussão. Porém, na última década, percebeu-se uma movimentação de estudiosos e especialistas com o fito de esclarecer as divergências e reconstruir a visão de que o in dubio pro contribuinte serviria apenas para a proteção do particular. Marcos de Aguiar Villas-Bôas (2012) afirma:
O in dubio pro contribuinte surge, no sistema constitucional tributário, como uma determinação de que se proteja, o máximo possível, o direito fundamental de propriedade e demais direitos em jogo frente ao poder de tributar do Fisco. Não significa que, em caso de dúvida, o contribuinte deverá sempre vencer. Esta é uma visão antiga de in dubio pro contribuinte, bastante rejeitada pela doutrina e pela jurisprudência. (VILLAS-BÔAS, 2012)
Dessa forma, é necessário ter em mente que não há confronto entre direitos coletivos e individuais. A pauta a ser levantada diz respeito à prerrogativa do Estado de se financiar por meio da propriedade - direito fundamental assegurado no artigo 5° da Constituição Federal - dos cidadãos.
Como dito anteriormente, o princípio do in dubio pro contribuinte é equiparado ao princípio do in dubio pro reo, do Direito Penal. E, assim como esta, assegura um direito fundamental, sendo compreendido como uma norma constitucional implícita e como uma norma expressa no CTN (art. 112).
Acerca da busca da interpretação constitucional do princípio em comento, insta destacar que não há posição unificada da doutrina por não haver disposição explícita. Para construir essa ideia, extraiu-se algumas normas. Villas-Bôas disserta:
A CF/88 diz que o Estado poderá interferir na propriedade do particular para lhe retirar uma parte que deverá ser usada em benefício da sociedade em geral. O próprio particular permitiu essa retirada de parte da sua propriedade, uma vez que, teoricamente, ele redigiu o texto constitucional por meio dos seus representantes, legisladores constituintes.
Por outro lado, a CF/88 também determinou que essa retirada de parte da propriedade do contribuinte deverá acontecer de modo extremamente cuidadoso, para que não haja o mínimo resquício de excesso. A propriedade é direito fundamental muito caro, como foi dito, de modo que é preciso criar direitos e garantias que não permitam qualquer espécie de arbitrariedade quando da retirada de uma parte sua. (VILLAS-BÔAS, 2009, p.153)
Adiante, conclui:
O princípio do in dubio pro contribuinte apenas reflete esse chamado Estatuto de Defesa do Contribuinte presente na Lei Maior brasileira. Na medida em que se constata, no art. 5º da CF/88, em especial no seu §1º, a importância conferida aos direitos fundamentais, e a propriedade e a liberdade são espécies deles, e na medida em que se lê, no art. 150 da CF/88, inúmeras limitações ao poder de tributar, a conclusão pela existência de uma necessidade de proteger o contribuinte ao máximo na relação com o Fisco torna-se possível. (VILLAS-BÔAS, 2009, p.153)
No Direito Tributário, em se tratando do princípio da isonomia também assegurado no art 5°, que determina que as pessoas devem ser tratadas de forma mais igualitária possível, utilizando-se da igualdade e equidade, observa:
O sistema jurídico brasileiro reconhece a necessidade de proteção da parte mais fraca nas relações jurídicas. É assim no Direito do Trabalho, no qual a hipossuficiência do trabalhador acarreta uma série de direitos e garantias perante o empregador; é o caso do direito do consumidor; é o caso do, já referido, Direito Penal; etc. No Direito Tributário, o debate a respeito da diferenciação de tratamento entre Fisco e contribuinte sempre existiu, com argumentos para ambos os lados. A relação tributária envolve duas partes que assumem peculiaridades bem distintas, o que ocasiona a necessidade de tratamento diferenciado pelo direito. Se não há igualdade na relação, esta não pode ser tratada como se envolvesse partes com a mesma força, como explica José Juan Ferreiro Lapatza. (VILLAS-BÔAS, 2009, p. 148)
O Fisco, portanto, é o polo mais forte da relação, tendo em vista que se trata de Administração Pública dotada de prerrogativas e responsável pela fiscalização e arrecadação dos tributos a serem pagos pelos particulares. Por esta razão, admite-se que o in dubio pro contribuinte é uma tentativa de trazer a isonomia para a relação. Villas-Bôas reforça:
O contribuinte, como parte indiscutivelmente mais fraca que é, deve ser protegido. O Fisco, parte da Administração Pública, pode impor inúmeras restrições aos direitos dos contribuintes, caso queira, devendo estes receber uma atenção especial. O Estado realiza o lançamento de forma unilateral e depois ele mesmo decide acerca da legalidade ou não deste ato por via administrativa e/ou judicial. A fragilidade do cidadão perante o Estado nos parece indiscutível. (VILLAS-BÔAS, 2009, p. 148)
Como medida arbitrária para forçar o pagamento do tributo, existem as indevidas sanções políticas, tendo o STF já se posicionado no sentido de proibi-las. As Súmulas n.º 70, 323 e 547 dispõem ser inadmissível e ilícito certas cobranças, in verbis:
Súmula n.º 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
Súmula n.º 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”
Súmula n.º 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte adquira estampilhas, despache mercadorias e exerça suas atividades profissionais.”
Vale lembrar, também, que o STF, em julgamento do RE 565.048/RS, submetido ao rito da repercussão geral, firmou o entendimento de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, no qual é assegurado ao devedor o devido processo legal.
Acerca do reconhecimento jurisprudencial, Marcos Villas-Bôas esclarece que o Poder Judiciário, como intérprete dos textos normativos e dos fatos jurídicos, é quem pode reconhecer a sua existência, como detentor da última palavra a respeito do ordenamento jurídico, ficando à mercê do tal reconhecimento e da aplicação por parte do nosso Supremo Tribunal Federal.
Villas-Bôas (2009) argumenta que o in dubio pro contribuinte determina que as interpretações de proteção aos direitos fundamentais ao cidadão sejam extensivas. Por esta razão, as normas tributárias são construídas limitando o poder estatal de tributação. Sendo assim, as normas que permitem excesso de poder estatal não serão admitidas no ordenamento jurídico. E posiciona:
O in dubio pro contribuinte colabora para explicar, por exemplo, o porquê de, geralmente, os textos e fatos que envolvem imunidades tributárias serem interpretados extensivamente; ajuda a explicar também a inconstitucionalidade do art. 111, II, do CTN, que determina que as isenções devem ser interpretadas literalmente. Estes e outros temas serão estudados logo em seguida. (VILLAS-BÔAS, 2009, p. 171).
Para finalizar o tópico, insta destacar que o princípio do in dubio pro contribuinte não é aplicável a todo julgamentos, e sim quando há dúvidas acerca da interpretação, seja ela legislativa, jurisprudencial ou fática, para construção de uma norma aplicável que proteja o direito do contribuinte de boa fé.
3. VOTO DE QUALIDADE
3.1. Voto de qualidade no STF e STJ
O Supremo Tribunal Federal é composto por 11 ministros (art. 101, CF/88) que são divididos em duas turmas compostas por 5 integrantes cada (art. 2° e 4° do Regimento Interno do STF - RISTF).
Apesar de ser uma quantidade ímpar, por vezes algum ou alguns dos ministros afirmam suspeição, dão-se por impedidos, o que acaba tornando o quórum de julgamento em algum número par e o resultado acaba empatado.
Por isso, conforme art. 13, IX, do RISTF, uma das atribuições do Presidente é proferir o voto de qualidade nas decisões do Plenário, para quais o Regimento Interno não preveja solução diversa. (VILLAS-BÔAS, 2009)
Conforme essa norma, o voto de qualidade do Presidente do STF no Plenário só ocorre quando:
1. A composição do Tribunal contiver claros, seja por ausência de nomeação, seja por problemas de saúde ou agenda;
2. Quando algum Ministro não puder julgar em face de impedimento ou suspeição;
3. Não se possa aguardar a recomposição do quórum do Tribunal em face da urgência da matéria em julgamento.
Assim, o voto de qualidade só poderá ser considerado nas votações em que for necessária maioria simples, pois, nas que for necessária maioria absoluta, o voto de Minerva não pode ser utilizado.
Aponta Villas-Bôas (2009) que, nas votações que dependerem de maioria absoluta “considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta”. Como maioria absoluta é requisito para a declaração de inconstitucionalidade da norma (art. 97, CF), o ato normativo será considerado válido se não houver maioria absoluta para declará-lo inconstitucional.
Outra hipótese de manutenção do ato inquinado de inválido ocorre nos casos de Mandado de Segurança contra ato do Presidente do STF (art. 205, parágrafo único, II, do RISTF).
Para resolver as votações em que o placar encontra-se empatado, deve-se aplicar o art. 146 do Regimento Interno, que prevê:
Art. 146. Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.
Parágrafo único. No julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas corpus proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente. (BRASIL, 2016)
No caso do Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe o artigo 104 da CF, pode ser composto por no mínimo 33 ministros. É composto por um Plenário, pela Corte Especial (integrada por 15 ministros mais antigos), por três Seções, cada qual composta por duas Turmas especializadas. E cada Turma é composta por 5 Ministros, conforme art 2° do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ).
Cabe ao Presidente proferir o voto de desempate no Plenário e na Corte Especial (art. 21, VI, do RISTJ). Ressalvando que no caso da Corte Especial, o Presidente não proferirá voto, salvo exceções, quais sejam:
Art. 175. O Presidente não proferirá voto, salvo:
I - nos casos em que o julgamento depender de quorum qualificado para apuração do resultado;
II - em matéria administrativa;
III - nos demais casos, quando ocorrer empate. (BRASIL, 2021)
Nestes casos, os Presidentes da Corte Especial e das Seções ficam mais próximos da regra de Minerva. Isto se torna lógico em face de que a composição plena das Seções é realizada por um número par de Ministros (duas Turmas, cada qual com cinco membros). Logo, o papel do Presidente da Seção, nesse mister, é apenas o de desempatar. Todavia, e se nem todos os componentes comparecerem? Mesmo assim, conforme a regra escrita, o Presidente da Seção tem um voto, o de desempate. O mesmo se pode dizer da Corte Especial, composta por 15 membros. (VILLAS-BÔAS, 2009).
Isso também ocorre em casos de julgamento de uniformização jurisprudencial, quando o Presidente da Corte Especial e das Seções somente proferirá voto de desempate (art. 119 do RISTJ).
Conforme dispõe o artigo 181 do RISTJ, as decisões das Turmas, compostas por cinco Ministros, deve ser tomada pela maioria absoluta de membros, sendo que seu Presidente participa dos seus julgamentos com as funções de relator, revisor e vogal.
No caso de esta maioria não ser alcançada, (i) o julgamento é adiado a fim de ser tomado o voto do Ministro ausente (art.181, §2°, RISTJ); (ii) e persistindo a ausência, ou havendo vaga, impedimento ou licença, por mais de um mês, convocar-se-á Ministro de outra Turma (art. 181, §3°, RISTJ); e (iii) sendo que, no habeas corpus e no recurso em habeas corpus, houver empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente (art. 181, §4°, RISTJ). (VILLAS-BOÂS, 2009)
3.2. Voto de qualidade nas Cortes Administrativo-tributárias
Preliminarmente, é importante pontuar que Cortes não compõem o Poder Judiciário, porém são extremamente necessárias para a organização estatal, reduzindo os litígios judiciais e conferindo celeridade aos processos.
Anteriormente, em caso de empate nessas Cortes, a questão era resolvida com o voto de qualidade proferido pelos presidentes das turmas e câmara julgadores, ocupados por representantes da Fazenda Nacional, nos termos do §9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72, in verbis:
§ 9o Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
A posição em que os representantes da Fazenda estavam era muito questionada, uma vez que poderia ofender o princípio da isonomia, defendido na Carta Magna Federal. Mesmo assim, Scaff explica, no caso do CARF:
Ou seja, no Carf, em caso de empate, aplica-se a regra do voto de qualidade, também chamado de voto de Minerva, cuja origem foi acima relatada, com uma característica: trata-se de um voto duplo, pois a mesma pessoa vota duas vezes. Observe-se que esta situação semelhante, mas não idêntica à descrita, pois no caso mítico, Minerva apenas votaria em caso de empate; se a deusa grega da sabedoria fosse membro do Carf ela poderia votar duas vezes. Eis a diferença: o voto de qualidade (ou de Minerva), puro e simples, se refere ao voto de desempate; quando tal conceito é trasladado para o Carf ele muda sua conotação e passa a ser um voto duplo, pois a mesma pessoa vota duas vezes. (SCAFF, 2014, p. 27)
O TIT - Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (Lei estadual 13.457/2009) e o Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Estado do Pará (Decreto 3.578/1999) adotaram, por usa vez, a mesma estratégia do CARF.
Acerca da ocupação de representantes da Fazenda na presidência do Conselho, Anselmo Zilet Abreu aponta:
A previsão de voto de qualidade para solucionar os casos de empate, quando os presidentes de turmas e câmaras sejam exclusivamente representantes do Fisco, causa um desequilíbrio na relação processual, ferindo o princípio da isonomia, já que não há paridade de tratamento.
Essa questão da paridade de tratamento entre as partes no processo administrativo-tributário é um problema de nível nacional, transbordando o julgamento administrativo-tributário da União, e abrangendo Estados e Municípios, pois, mesmo quando há a paridade entre representantes do Fisco e dos contribuinte, na maioria dos entes, em caso de empate o voto de minerva cabe ao representante da Fazenda. (ABREU, 2020)
Outra questão a se esclarecer é que o voto de qualidade na verdade seria um voto duplo, de caráter ordinário e extraordinário, o que se conclui que o segundo voto não poderia divergir do primeiro.
3.2.1. Os efeitos do voto duplo
O voto duplo ou de qualidade reforça a dubiedade do caso, onde não há certeza, sequer da maioria dos votantes, de que o contribuinte é obrigado a lidar com as despesas tributárias.Outra questão a ser trazida é a dúvida quanto ao correto enquadramento da conduta na legislação tributária. Scaff disserta:
Por exemplo, se é aplicável a alíquota X ou Y de uma determinada classificação fiscal. Não se discute a materialidade da conduta, apenas seu correto enquadramento para fins de quantum debeatur. Neste caso, havendo empate, seria validada a conduta do réu/contribuinte, afastando a pretensão fiscal. (SCAFF, 2014, P. 38)
Portanto, o Estado não foi capaz de constatar a materialidade desta obrigação, razão pela qual o in dubio pro contribuinte deveria ser a primeira solução no caso de empate.
4. OS ARGUMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE.
A aplicação do in dubio pro contribuinte tem sido regra perante o comportamento do Poder Judiciário, construído com base no art. 112 do CTN, de modo que afaste sanções imputadas aos contribuintes, quando houver alguma dúvida, que dispõe:
Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I - à capitulação legal do fato;
II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III - à autoria, imputabilidade ou punibilidade;
IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação. (BRASIL, 1966)
Os direitos fundamentais do contribuinte, conforme preceitua Villas-Bôas (2009) devem ser protegidos em qualquer questão tributária, de modo que, em caso de dúvidas, fáticas ou jurídicas, o ônus argumentativo deverá ser maior para os julgamentos que determinem a limitação, pelo poder estatal, da liberdade, da propriedade ou de qualquer outro direito fundamental, para que estejam em conformidade com a CF/88.
É possível observar em diversos julgamentos do STF a importância de se voltar uma atenção especial aos direitos fundamentais do cidadão-contribuinte. Segue entendimentos recentes a respeito do tema:
EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU E TAXAS. MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA. PRELIMINAR. DECADÊNCIA DO CONTRIBUINTE. INAPLICABILIDADE. DIREITO DE AÇÃO. MÉRITO. ALÍQUOTA APLICÁVEL. IMÓVEL NÃO EDIFICADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. O direito de ação é um direito público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV, pelo que nada obsta ao contribuinte ajuizar ação requerendo a desconstituição do crédito tributário no qual é executado, não havendo exigência de que a ação judicial seja precedida de reclamação administrativa. 2. O princípio, "in dubio pro contribuinte", encontra-se materializado no artigo 112 do CTN, o qual diz que em caso de dúvida deve ser tomada a interpretação mais favorável ao contribuinte. Recurso não provido. Mantida a sentença.
(TJ-MG - AC: 10145130679791001 MG, Relator: Carlos Roberto de Faria, Data de Julgamento: 06/06/2019, Data de Publicação: 17/06/2019). (grifo nosso)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO EMBARGOS À EXECUÇÃO. DECRETO MUNICIPAL N. 017/2003. ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA VEDAÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO CONTRIBUINTE- SUPRESSÃO DA PENALIDADE FISCAL APLICADA. I- Verifica-se que, quando da ocorrência do fato gerador (2005/2010), o Decreto Municipal n. 17/2003 reduziu a alíquota do ISSQN de 3% (três por cento) para 2% (dois por cento) em favor das empresas prestadoras de serviço para empresa apelante, portanto, esta realizou a retenção na fonte do ISSQN de seus fornecedores nos termos do art. 1º e 2º do Decreto supracitado. Assim sendo não deve imputada à apelante o pagamento da diferença de alíquota e multa tributária pela retenção do ISSQN em percentual divergente às Leis Municipais 1.687/2004 e 1.798/2009, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária. II- Assim, o mesmo ente Municipal não pode autuar a empresa apelante diante um Decreto exarado pelo mesmo ente público, o qual o fiscal de tributos representa, sob pena de ofensa aos princípios da segurança jurídica e da vedação de comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium). III- Além disso, o apelante, desde a edição do Decreto 017/2003 vinha cumprindo suas determinações até a lavratura do auto de infração emitido pelo agente municipal no ano de 2010. Portanto, verifica-se a existência de dúvida razoável e, no mínimo, expectativa gerada ao contribuinte, ante a prática da retenção e repasse do ISSQN na alíquota de 2% (dois por cento), o que lhe insere dentro da hipótese de "dúvida quanto às circunstâncias materiais do fato e a extensão dos seus efeitos" (art 112, II, CTN), o que autoriza aplicação do princípio in dubio pro contribuinte, e, por conseguinte, a supressão da penalidade fiscal aplicada. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.
(TJ-GO - APL: 03672682520128090010, Relator: AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 26/06/2019, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 26/06/2019). (grifo nosso)
O argumento sistemático-jurisprudencial costumava ser desfavorável ao princípio constitucional elencado neste tópico. Entretanto, nos últimos anos, tem sido possível observar que a preocupação com a preservação dos direitos fundamentais do contribuinte se tornou cada vez mais presente, favorecendo o in dubio pro contribuinte.
5. VOTO DE QUALIDADE NO CONSELHO DE RECURSOS FISCAIS: INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE
A discussão acerca do voto duplo e do in dubio pro contribuinte voltaram à tona quando a Lei 13.988/2020 que regulamenta a negociação de dívidas tributárias com a União foi publicada no ano de 2020. A parte mais discutida pelos juristas em relação à lei diz respeito à validade da extinção do voto de qualidade previsto na legislação (OLIVEIRA, 2020).
Inicialmente é importante identificar que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais foi criado pela Medida Provisória n. 449/2008 (posteriormente tornou-se a Lei n. 11.941/2009). Foi nesse dispositivo legislativo, artigo 25, que o voto de qualidade foi introduzido, como forma de desempatar futuros casos problemáticos, cabendo-o ao presidente da turma. Ele é chamado de duplo visto que é o resultado de um acúmulo do voto ordinário que causou o empate e o voto do presidente para o desempate. (OLIVEIRA, 2020)
Para Oliveira (2020) o empate no julgamento é a materialização da dúvida, ou seja, há incerteza no julgamento; portanto, nos casos de incerteza o correto seria obedecer o in dubio pro contribuinte e não deixar as decisões para o órgão julgador, visto que ele não poderia decidir em favor da tese fiscal nos casos seguindo o princípio.
Constitucionalmente falando, Oliveira (2020) afirma sobre a inconstitucionalidade da forma de desempate:
[...] é possível, como decorrência do Princípio da Legalidade, extrair da Constituição Federal a máxima do in dubio pro contribuinte, que impõe a adoção do entendimento mais favorável ao contribuinte em casos de dúvida quanto à validade de certa exigência tributária. Isso porque, a Administração Pública, por força do Princípio da Legalidade, encontra-se vinculada à lei, de modo que somente pode formalizar o lançamento quando restar verificado, acima de qualquer dúvida, que a conduta adotada pelo contribuinte adequa-se perfeitamente à hipótese legal. Sendo assim, se não há certeza quando a essa identidade entre a conduta praticada e a hipótese legal, torna-se impossível a formalização de uma exigência em face do contribuinte. Por conta disso, a incompatibilidade identificada entre o voto de qualidade e o in dubio pro contribuinte traduz-se em verdadeira inconstitucionalidade da forma de desempate empregada no âmbito do CARF (OLIVEIRA, 2020, p. 17)
Esta mesma autora discorre sobre a violação ao princípio do in dubio pro contribuinte e do princípio da legalidade:
Aceitar que, no caso de empate, a tese fiscal reste vencedora equivale a aceitar a imposição de obrigações e penalidades ao contribuinte nos casos em que há dúvida a respeito da prática de irregularidades por ele; equivale, ainda, a aceitar a formalização de uma exigência sem que haja certeza a respeito da verificação dos requisitos legais. Configura, portanto, efetiva violação do in dubio pro contribuinte, e, por consequência, configura também violação ao Princípio da Legalidade. (OLIVEIRA, 2020, p. 8)
Oliveira (2020) também traz um segundo ponto acerca da impossibilidade do uso do voto de qualidade para desempate; a ilegalidade do voto estaria presente na não aplicação dos casos de dúvida/empate nos julgamentos como previsto no artigo 112 do CTN, que deveria ser seguido. (BRASIL, 1966). Entretanto, diversos autores da doutrina atual divergem ao dizer, em contrapartida, que o artigo supracitado deve apenas ser utilizado na esfera do direito tributário sancionador, ou seja, quando é envolvido com penalidades ao contribuinte.
Por isso que, toda vez que a Autoridade Fiscal acusa o contribuinte de não ter pagado determinado tributo que era devido, ela está imputando a ele a prática de uma infração, e o art. 112 do CTN torna-se aplicável. Isso não significa que o próprio tributo nasceu da prática da infração, pelo contrário, o tributo surgiu em momento anterior, com a prática do ato lícito fato gerador.
Não há, portanto, qualquer incompatibilidade entre a definição de tributo contida no art. 3º do CTN e a aplicação do art. 112 na forma aqui defendida, de modo que eventuais críticas nesse sentido não nos parecem adequadas. (OLIVEIRA, 2020, p. 16)
Por fim, é possível identificar o conflito com a legislação complementar entre o voto de qualidade e o artigo 112 do CTN visto que há uma imposição da adoção da interpretação mais benéfica ao contribuinte quando ocorrem casos de dúvida. Importante salientar que nos casos de dúvida, não serão utilizados apenas nos casos que exigem multas e sim em todos que exigem tributos.
6. CONCLUSÃO
O trabalho foi elaborado numa perspectiva analítica-descritiva dos conceitos do direito penal como in dubio pro reo, conceitos tributários em relação ao in dubio pro contribuinte, voto de qualidade. Foram utilizados como fontes primárias legislações como a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional e artigos científicos sobre o tema de autores como Maria Eugênia Mariz de Oliveira e Marcos Aguiar Villas-Bôas, como fontes secundárias temos jurisprudências e decisões de Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores.
A finalidade do trabalho foi cumprida ao analisar e discorrer sobre In dubio pro contribuinte e o voto de qualidade nos julgamentos administrativos tributários, obtendo um arcabouço legislativo e teórico sobre os temas que tangenciam o direito tributário em relação aos empates nos julgamentos administrativos e a relação, uma hora existente, do princípio do in dubio pro contribuinte e a questão do voto de qualidade dentro dos tribunais.
Por fim, pode-se concluir que o voto duplo, também chamado de voto de qualidade, como por exemplo o utilizado no âmbito do CARF, pode ser considerado inconstitucional e ilegal pelas razões acima expostas. Caso o STF julgue favoravelmente às ações de inconstitucionalidade em relação ao artigo 28 da Lei n. 13.988/2020, o uso do voto de qualidade nos mesmos moldes anteriores acarretará afronta aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais que integram o nosso ordenamento jurídico.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SCAFF, Fernando Facury. In Dubio pro contribuinte e o voto de qualidade nos julgamentos administrativo-tributários. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. ja, 2014, p. 21-38, 2014.
BRASIL. LEI Nº 13.988, DE 14 DE ABRIL DE 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Acesso em: 19 de out. de 2021. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.988-de-14-de-abril-de-2020-252343978>.
NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. – 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
ABREU, Anselmo Zilet. O Voto de Qualidade nos Tribunais e Conselhos Administrativos de Julgamento Tributário e Questões Correlatas. 2020. Acesso em: 21 de out. de 2021. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-voto-de-qualidade-nos-tribunais-e-conselhos-administrativos-de-julgamento-tributario-e-questoes-correlatas/https://www.conjur.com.br/2015-dez-21/villas-boas-in-dubio-pro-contribuinte-aumenta-eficiencia-estatal>.
OLIVEIRA, Maria Eugênia Mariz de Oliveira. O voto de qualidade no conselho administrativo de recursos fiscais: considerações acerca de sua inconstitucionalidade e ilegalidade. Revista Direito Tributário Atual. ISSN: 1415-8124. e-ISSN 2595-6280.
VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. In dubio pro contribuinte. Salvador, 2009.
TJ-MG - AC: 10145130679791001 MG, Relator: Carlos Roberto de Faria, Data de Julgamento: 06/06/2019, Data de Publicação: 17/06/2019.
TJ-GO - APL: 03672682520128090010, Relator: AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 26/06/2019, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 26/06/2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Recurso Extraordinário 565.048 RIO GRANDE DO SUL
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal do Amazonas.
[2] Graduanda em Direito na Universidade Federal do Amazonas.
Graduando em Direito na Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, JOAO GERALDO MORAES DE. A relação entre a (in)constitucionalidade do voto de qualidade nos julgamentos administrativo-tributários e a inteligência do in dubio pro contribuinte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2022, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58728/a-relao-entre-a-in-constitucionalidade-do-voto-de-qualidade-nos-julgamentos-administrativo-tributrios-e-a-inteligncia-do-in-dubio-pro-contribuinte. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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