IGOR DE ANDRADE BARBOSA[1]
(orientador)
Resumo: É importante destacar que a violência doméstica contra as mulheres sempre foi caracterizada por sua incidência e por sua gravidade, a qual envolve diversos conflitos e preocupações. Além disso, as evidências sociais e políticas dessa problemática estão atualizadas, pois somente nos últimos 50 anos é que a violência sofrida pelas mulheres ganhou destaque nacional, o que ficou notório com o advento da Lei nº 11.340/06. Assim, com a chegada da pandemia da Covid-19 no país e do isolamento social, e em especial no estado do Tocantins, ocorreram mudanças significativas no âmbito social e familiar, o que potencializou o aumento de conflitos e como consequência o aumento de casos de violência doméstica contra a mulher. Observa-se que vários são os fatores que contribuem para esse aumento, como por exemplo, o maior tempo de convívio, estresse, dificuldades financeiras e o consumo excessivo de álcool ou drogas ilícitas. Desse modo, o presente artigo tem como principal objetivo debater os impactos da pandemia e do isolamento social nas mulheres vítimas de violência doméstica e sua relação com o aumento no consumo de bebidas alcoólicas e outras substâncias afins. Para alcançar os objetivos estabelecidos, o presente artigo foi desenvolvido através de revisão literária, artigos, doutrinas, jurisprudências, análise da legislação contemporânea e dados estatísticos voltados para a temática.
Palavras-Chave: Direito Penal. Lei Maria da Penha. Isolamento Social. Drogas. Violência Doméstica. Pandemia e Coronavírus.
Abstract: It is important to highlight that domestic violence against women has always been characterized by its incidence and severity, in which it involves several conflicts and concerns in contemporary society. In addition, the social and political evidence of this problem is up-to-date, as it was only in the last 50 years that the importance of violence suffered by women gained national prominence, which became evident with the advent of Law 11,340/06. Thus, with the arrival of the Covid-19 pandemic in the country and social isolation, and especially in the state of Tocantins, significant changes took place in the social and family sphere, which increased the increase in conflicts and, as a consequence, the increase in cases of Domestic violence against women. It is observed that several factors contribute to this increase, such as longer living together, stress, financial difficulties and excessive consumption of alcohol or illicit drugs. Thus, the main objective of this article is to discuss the impacts of the pandemic and social isolation on women victims of domestic violence and its relationship with the increase in the consumption of alcoholic beverages and other related substances. To achieve the established objectives, this article was developed through literary review, articles, doctrines, jurisprudence, analysis of contemporary legislation and statistical data focused on the theme.
Keywords: Criminal Law. Maria da Penha Law. Social Isolation. Drugs. Domestic Violence. Pandemic and Coronavirus.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e as Formas de Violência Doméstica Contra a Mulher. 3. Impactos da Pandemia e do Isolamento Social e seus Reflexos na Violência Doméstica Contra a Mulher. 4. Políticas de Combate e Prevenção Instituídas Durante a Pandemia. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas
1.Introdução
A violência contra a mulher é uma das principais e mais antigas violações aos direitos humanos, apresentando incontáveis vítimas ao longo de sua história, onde qualquer forma de coagir a mulher, seja física, sexual, psicológica ou patrimonial é considerada violência de gênero. No mundo, segundo dados da OMS, uma a cada três mulheres já foram vítimas de violência física ou sexual, sendo que na maioria dos casos os agressores são pessoas próximas ou conhecidas da vítima, e a própria casa é o local mais apontado como sítio de agressão (LIMA et al., 2020).
Além disso, é importante destacar que em tempos de crise, os indivíduos que constituem a sociedade são testados e podem enfrentar diversas situações degradantes, porém, é inegável que, para as mulheres, essa situação tornou-se mais delicada e precisa, pois a violência contra a mulher pode ser um reflexo dessas situações além da justificativa subjetiva da própria imagem feminina.
No atual contexto sanitário mundial, muitos países adotaram uma política de distanciamento social, a fim de reduzir a interação entre as pessoas e evitar novos casos de coronavírus. (WILDER-SMITH; FREEDMAN, 2020). Entretanto, essa medida tem impactado diretamente na vida de mulheres em situação de violência ou em relacionamentos abusivos, deixando-as mais expostas ao perigo e distantes das fontes de auxílio, como serviços de saúde, delegacias especializadas e instituições apoiadoras da causa (LIMA et al., 2020).
Considerando o caráter atípico da situação que a humanidade enfrenta, é importante indagar quais são as consequências da pandemia COVID-19 baseada no combate a violência contra as mulheres e para onde se dirige o problema.
Destarte, o foco do presente artigo recai em analisar o aumento no número de casos de violência doméstica contra a mulher durante a pandemia da covid-19 em razão do isolamento social e do aumento no consumo de substâncias.
2.Conceito e as formas de violência doméstica contra a mulher
Atualmente, a desigualdade de gênero é a principal causa de violência contra a mulher, no qual se destaca uma relação de incompatibilidade de poder, em que os comportamentos e escolhas são limitadas para a figura feminina. Sabe-se que, em muitos casos, as mulheres ficam ao lado do agressor por falta de recursos financeiros, medo, e até mesmo para proteger os filhos.
Marli da Costa e Quelen de Aquino (2011) analisa o tema da seguinte perspectiva: “a violência contra a mulher é um problema de relevância social, pois se refere não só às questões de criminalidade, como principalmente destaca-se como verdadeira afronta aos direitos das mulheres”.
À vista disso, refletindo um vasto problema social, criminal e de saúde pública, interpreta-se que a violência, ao longo de muitos anos atinge principalmente as mulheres, no qual ocorre de forma oculta, minuciosa e subentendida, estando presente em gestos, palavras, assim como no silêncio, de maneira que desrespeita princípios e direitos da figura feminina.
Os tipos de violência doméstica contra a mulher se manifestam de várias formas possíveis, e geralmente se produzem de maneira sequencial e cumulativamente. Sendo assim, o artigo 7º da Lei 11.340/06 estabelece alguns critérios para classificar esses tipos de violência, vejamos:
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Segundo Cavalcanti (2007), “a violência física refere-se aos ataques físicos ao corpo das mulheres por meio de chutes, tapinhas, queimaduras, mordidas, facadas, estrangulamento, mutilação genital, tortura, assassinato, etc.”
Nesse sentido, Féres-Carneiro (2003) leciona que a violência física é a atribuição de força com a intenção de causar dano, ou causar marcas insignificantes. Comumente usados são socos e chutes, ataques a objetos diversos e queimaduras por objetos ou calor líquidos, enquanto a violência psicológica se refere a ações ou ações destinadas a interromper ou impedir comportamentos, crenças e decisões por meio de intimidação, manipulação, ameaças, humilhação, isolamento ou qualquer outro tipo de dano atitudes de inação que agridam a saúde mental, evolução pessoal e autodeterminação.
Por outro lado, a violência sexual é considerada qualquer atividade sexual não autorizada, incluindo assédio sexual. Seu infortúnio é muito comum em 17 conflitos armados, como o resultado do tráfico internacional de mulheres e crianças para fins sexuais ou pornográficos. (CAVACANTI, 2007).
Assim, a violência sexual é caracterizada por comportamentos que incluem atitudes que se enquadram no conceito legal de estupro e agressão físicas às partes sexuais do corpo de uma pessoa, além de demandas sexuais excessivas que incomodam o parceiro e podem ser caracterizadas como sexo consentido desconfortável (CABRAL, 2008).
Quanto à violência moral, ela se manifesta como assédio moral, ou seja, violações por meio de palavras, gestos ou ações, bem como crimes de calúnia, injúria e difamação contra a mulher. (CAVALCANTI, 2007).
Já com relação a violência patrimonial, Delgado (2016) descreveu que a violência contra a propriedade mais frequentemente citada em casos de conflito conjugal é no caso de separação de fato, pela destruição de bens materiais e ferramentas pessoais ou retendo-os indevidamente para intimidar as mulheres para restaurar ou continuar a relação entre marido e esposa. Outro exemplo dado pelo autor é que o cônjuge deduz ou oculta o patrimônio, utiliza exclusivamente o patrimônio e ainda estipula que a pensão alimentícia correspondente é reservada para a mulher, ou seja, a pensão alimentícia não é paga.
Não se deve esquecer que a legislação acima mencionada estipula que qualquer situação de violência doméstica é crime e deve ser investigada pela polícia e enviada ao Ministério Público. Portanto, tais crimes são julgados nos tribunais especializados de violência doméstica contra a mulher, que teve início logo após a promulgação de Maria da Penha, ou em tribunais criminais em cidades onde esses tribunais não existem.
3.Impactos da pandemia e do Isolamento social e seus reflexos na violência doméstica contra a mulher
Segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual perpetrada por um parceiro íntimo. Menos de um mês após ser declarado o estado de pandemia, a Organização Mundial da Saúde alertou que a violência contra mulheres durante períodos de emergência é uma grande ameaça à saúde pública global e tende a aumentar.
Segundo o The Guardian (2020), o aumento de casos de violência doméstica, durante a pandemia da COVID-19 tem sido observado como um padrão repetido globalmente, apontando para números alarmantes (Graham-Harrison, 2020). Embora os dados sejam ainda preliminares, já existem relatos em vários países que sugerem aumento nos casos de violência doméstica desde o início do surto de COVID-19. A exemplo disso, a Espanha registrou um aumento de 20% de chamadas para linha de apoio à mulher; no Reino Unido, as chamadas para a Linha de Apoio à Violência Doméstica aumentaram 25% uma semana após o anúncio de medidas de distanciamento social (Kelly & Morgan, 2020) enquanto na França o aumento foi de 36% (RFI, 2020). Já na área de Jingzhou, na China, o número de casos de violência doméstica relatados foi três vezes maior em fevereiro de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado (Allen-Ebrahimian, 2020).
No Brasil, o compartilhamento de espaço com um perpetrador de violência durante o confinamento acende um alerta, pois é sabido que no país, a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física (Violence-Clocks, 2020) e, entre 2012 e 2017, os homicídios de mulheres dentro de casa cresceram 17,1% (IPEA, 2019). Após o início da pandemia, evidenciou-se um aumento de 40% ou 50% dos casos de violência reportados no Brasil (BBC, 2020). Uma queda substancial nos registros de lesão corporal dolosa, foi evidenciada em diversos estados brasileiros no comparativo entre março de 2019 e março de 2020, provavelmente por conta da necessidade da presença física das vítimas para registrar o boletim de ocorrência.
É provável que o isolamento social, necessário nesse momento, favoreça os abusadores a se utilizar de estratégias de controle, vigilância e coerção, com mais facilidade (van Gelder et al., 2020). Ressalta-se, também, que restrições rigorosas de mobilidade e de acesso aos serviços de proteção impedem a busca por ajuda e vias de fuga, o que gera uma limitação na possibilidade de prover auxílio às vítimas, podendo exacerbar a exposição à violência (Bradbury-Jones & Isham, 2020). Junto a isso, é preciso considerar que alguns fatores de risco para a violência doméstica como o estresse, desemprego, renda reduzida, recursos limitados e suporte social limitado podem contribuir para esse aumento e persistir por algum tempo após o término da pandemia (Campbell, 2020).
Ainda, identifica-se que o estresse adicional pelas possíveis perdas econômicas ou de emprego, ao exemplo do que aconteceu em crises passadas, os efeitos econômicos tiveram ressonâncias na saúde mental e na intensificação do consumo de drogas (de Goeij et al., 2015; Dom et al., 2016; Ornell, Moura, et al., 2020; Uutela, 2010). É importante destacar que a relação entre o consumo de álcool e substâncias psicoativas com a violência doméstica já está bem estabelecida. O uso de drogas pode provocar alterações no pensamento, julgamento, tomada de decisões e comportamento, deixando a pessoa mais impulsiva e violenta.
No contexto da atual pandemia, observou-se que o isolamento favoreceu a intensificação do consumo de álcool dentro do ambiente familiar (Campbell, 2020). Na Austrália, com a implementação de medidas de distanciamento social, as vendas de álcool aumentaram em mais de 36%. O fechamento de estabelecimentos como bares e pubs potencializou o uso de substância em casa (Commbank, 2020). Esses fatores contribuíram para uma vulnerabilidade maior para a ocorrência de violência doméstica, seja verbal, física, sexual, sobretudo, em mulheres que encontram-se em relacionamentos abusivos (Yang et al., 2020).
Outro fator importante de ser mencionado é que, durante a pandemia, o acesso aos tratamentos tradicionais para usuários de substâncias estão mais escassos e modificados, aumentando as chances de recaídas que podem levar ao desequilíbrio do ambiente familiar (NIDA, 2020; Ornell, Moura, et al., 2020).
Esse quadro pode gerar inúmeras consequências a curto e médio prazo nas mulheres e seus filhos, afetando diferentes níveis de sua saúde física, mental, sexual e reprodutiva (infecções sexualmente transmissíveis, HIV e gravidez indesejada). Mulheres vítimas de violência podem apresentar reações psicológicas imediatas que envolvem medo extremo, culpa, vergonha, raiva, baixa autoestima que conduzem a um afastamento das famílias e rede social, contribuindo ainda mais para a invisibilidade do problema. A longo prazo, as consequências são mais pervasivas e profundas, afetando inúmeras áreas de funcionamento como, por exemplo, incapacidade de estabelecer relações de confiança; baixa capacidade social; comunicação prejudicada; comportamento autodestrutivo; exclusão social; transtornos por uso de substâncias; distúrbios alimentares; TEPT e tentativas de suicídio (Kachaeva, Dozortseva, & Nutskova, 2020), o que demanda uma escuta diferenciada por parte dos profissionais (Aakvaag et al., 2016).
A identificação do aumento recente da violência doméstica em nível mundial, evidencia a necessidade da proposição de ações específicas de proteção desta parcela da população, cuja vulnerabilidade tende a aumentar neste período. Sobretudo, pela invisibilidade do contexto privado e distanciamento de familiares e amigos, que poderiam fornecer apoio e proteção na esfera informal. É fundamental que os sistemas de saúde e segurança implementem respostas rápidas e estratégias que apontem para duas linhas de ação: preventivas e protetivas.
4.Políticas de combate e prevenção Instituídas durante a pandemia
Desde 1990, a violência contra a mulher é designada como problema de saúde pública e reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem efetivamente enfrentado e prevenido esse incidente (PAIVA et al., 2014).
Vale ressaltar que é determinado como uma violação dos direitos humanos e também é um problema de saúde pública, pois afeta a qualidade de vida e a saúde das mulheres, além da sua vida social e, portanto, tem impacto também psicológico.
Nesse caminho, as políticas públicas são ações formuladas pelo Estado que objetivam buscar prioridades em recursos humanos e financeiros vitais para sua implementação, representando o compromisso do governo com as necessidades sociais, confirmando-se como o elemento definidor da introdução do tema no plano de ação nacional (SOUZA, 2007).
Vale destacar que, nesta etapa, o combate à violência contra a mulher requer uma combinação de fatores políticos, jurídicos e, principalmente, culturais, para que a sociedade possa olhá-lo sob uma nova perspectiva. Para tanto, o Brasil promulgou a Lei nº 10.778 / 2003 (Notificação Compulsória às Instituições de Saúde), que estipula que as instituições públicas ou privadas de saúde devem notificar todos os tipos de violência contra a mulher, sejam suspeitos ou confirmados.
De acordo com a lei, as pessoas físicas em geral, especialmente os profissionais de saúde e entidades públicas ou privadas, bem como as instituições que prestam assistência às vítimas (hospitais, postos de saúde, instituições médicas, clínicas) devem notificar esses casos. (LIMA, 2009).
Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados.
Art. 1º Constituem objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. (Redação dada pela Lei nº 13.931, de 2019) (Vigência)
§ 1o Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado. (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência)
§ 2o Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica e que:
I – tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
II – tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e
III – seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
§ 3o Para efeito da definição serão observados também as convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil, que disponham sobre prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.
§ 4º Os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher referidos no caput deste artigo serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos
Para Souza (2015), a política de enfrentamento à violência contra a mulher ainda não foi implementada, por isso os profissionais que atuam com vítimas de violência têm encontrado dificuldades na realização de seu trabalho. Da mesma forma, faltam teorias e técnicas para orientar os psicólogos nessa área.
Nessa discussão, existem algumas prioridades e avanços no combate à violência contra a mulher, como reavaliar e analisar a legislação nacional para garantir a implementação dos tratados nacionais ratificados, e promover atenção à saúde da mulher em casos de violência.
4.1 Lei 14.022 de 2020
Mesmo com todo o crescimento do estudo e da ênfase em relação à temática da violência doméstica, a concepção de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ainda é um obstáculo a ser enfrentado e ultrapassado. Muitos ainda têm essa percepção de que a intimidade do casal não deve ser “invadida”, mesmo quando se está presente a violência. E, com a ocorrência da pandemia, a incidência desses conflitos teve um crescimento exponencial.
O Direito, como ciência social aplicada, deve acompanhar as demandas sociais e a realidade dos acontecimentos que impactam diretamente a sociedade. E essa atuação diz respeito a diversas formas de aplicação de instrumentos que visem proteger os direitos individuais e fundamentais resguardados pelo sistema normativo interno.
Como forma de instituir mecanismos de acesso célere da vítima de violência doméstica à justiça, foi publicada a Lei n. 14.022, em 07 de julho de 2020, responsável por combater de forma mais incisiva esse tipo de violência, não apenas contra a mulher, mas no que tange ao público mais vulnerável, como crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.
Art. 5º-A Enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019:
I - os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a concessão de medidas protetivas que tenham relação com atos de violência doméstica e familiar cometidos contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência serão mantidos, sem suspensão;
II - o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher e de crimes cometidos contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deficiência poderá ser realizado por meio eletrônico ou por meio de número de telefone de emergência designado para tal fim pelos órgãos de segurança pública;
Parágrafo único. Os processos de que trata o inciso I do caput deste artigo serão considerados de natureza urgente (BRASIL, 2020).
A legislação trouxe uma prioridade processual e de tratamento em relação aos processos, medidas protetivas e apuração de casos que envolvem violência doméstica. Assim, estabelecendo esse tipo de violência como questão de ordem pública e ressaltando a necessidade de celeridade no seu tratamento.
Nesse sentido, essa agilidade deve se pautar tanto no atendimento presencial, como também no atendimento online, por meio de instrumentos digitais de comunicação, com o intuito de facilitar o acesso para as mulheres que tem dificuldade de sair das suas residências durante o período de isolamento social.
A Lei nº. 14.022 também especificou o atendimento presencial para os casos De violência doméstica que envolvem delitos graves, como é o caso da lesão grave e gravíssima, feminicídio e estupro de vulnerável.
Assim sendo, a Lei 14.022/2020 teve o relevante papel de regulamentar o funcionamento dos órgãos competentes para o trâmite de medidas que visem a conferir proteção específica para mulheres, crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, adaptando o procedimento das respectivas normas aplicáveis para deferir-lhes uma mais adequada proteção de seus direitos. Os principais pontos da lei se referem à possibilidade de solicitação e concessão de medidas protetivas por meios eletrônicos, prorrogação automática das medidas até o final da pandemia e, ainda, o estabelecimento da necessidade de realização de campanha informativa sobre tais questões (CALMON,2020).
5.Conclusão
A partir desse estudo, observa-se a importância do debate sobre a violência contra a mulher e a necessidade de reforçar iniciativas já instituídas e criar medidas inéditas e criativas que atendam e acolham essas vítimas.
A prioridade do cenário atual é salvar vidas, seja no combate ao COVID19 ou no combate a violência doméstica. O objetivo da nossa sociedade é o fim da violência contra as mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiências e todo o grupo mais vulnerável.
A aprovação da Lei 14.022/2020, veio como um grande avanço no combate a violência contra mulher em tempos de isolamento social, permitindo as autoridades competentes novos instrumentos para o acolhimento das vítimas e punição dos agressores. Em conjunto com as leis já criadas como a Lei Maria da Penha, por exemplo, é importante reforçar o combate desse ilícito de forma mais efetiva.
No entanto, ainda há um grande caminho a ser percorrido na efetivação das leis desenvolvidas na prática. Entende-se que, a pandemia do COVID-19, gerou um verdadeiro colapso na saúde pública e certamente há como consequência um grande número de mulheres em estado de vulnerabilidade econômica.
Essa vulnerabilidade, conforme já citado, gera uma grande dependência das vítimas da violência doméstica a seus agressores resultando na dificuldade no rompimento desse ciclo de violência.
Portanto, é válido o investimento da política pública no empoderamento feminino voltado para o empreendedorismo e economia, trazendo as vítimas uma nova perspectiva para seguir os seus caminhos, rompendo esses laços de dependência e recuperando o amor próprio.
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[1] Professor de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Cândido Mendes. (email: [email protected])
Acadêmica de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, GERCIANA ALVES DE. Reflexos da Pandemia do Coronavirus na Violência Doméstica Contra a Mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58741/reflexos-da-pandemia-do-coronavirus-na-violncia-domstica-contra-a-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
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