RESUMO: A presente pesquisa busca conhecer como lidam os juízes e promotores feirenses com a nova perspectiva sobre penas trazida pela Lei nº 11.343/06 (nova lei de drogas) em relação às alternativas à prisão estabelecidas em seu art. 28. Para tanto, traz uma abordagem metodológica variada que se inicia com uma discussão teórica sobre o histórico da legislação sobre drogas no Brasil, a teoria da racionalidade penal moderna e tece uma análise sobre a possível mudança de paradigma do pensamento penal a partir da suposta inovação trazida pela Lei nº 11.343/06 na definição das sanções conferidas aos usuários. De forma empírica, primeiramente, faz uma exposição quantitativa através do estudo dos processos relativos ao art. 28 da lei, entre os anos de 2013 a 2015, com levantamento e descrição de dados através da tabulação. Posteriormente, e com base nos dados preliminarmente obtidos, o trabalho lança mão de entrevistas semiestruturadas com os atores jurídicos envolvidos nos processos estudados, objetivando conhecer as suas posturas e concepções, principalmente em relação às penas conferidas aos usuárias de drogas e às penas alternativas de um modo geral. Assim, este trabalho busca trazer uma discussão sobre penas e racionalidade penal e contribuir para os debates e construção de um novo pensamento penal.
Palavras-chave: Lei de Drogas; Inovação; Penas Alternativas; Pensamento Penal
ABSTRACT: This research seeks to know how judges and prosecutors from Feira de Santana deal with the new perspective on penalties brought by Law 11.343 / 06 (new drug law) in relation to alternatives to imprisonment established in art. 28. To this end, it brings a varied methodological approach that begins with a theoretical discussion about the history of drug legislation in Brazil, the theory of modern criminal rationality and weaves an analysis on the possible paradigm shift of criminal thinking from the supposed innovation brought by Law 11.343 / 06 in the definition of sanctions granted to users. In an empirical way, first, it makes a quantitative exposition through the study of the processes related to art. 28 of the law, between the years of 2013 to 2015, with survey and description of data through tabulation. Subsequently, based on the preliminary data obtained, the research uses semi-structured interviews with the legal actors involved in the processes studied, aiming to know their positions and conceptions, mainly in relation to the punishments given to drug users and the alternative penalties of one in general terms. Thus, this paper seeks to bring a discussion on penalties and penal rationality and to contribute to the debates and construction of a new penal thinking.
Key- words: Law of Drugs; Innovation; Alternative Penalties; Criminal Thought
1.INTRODUÇÃO
Vivemos em um país que enfrenta uma crise no sistema penal, com altas taxas de encarceramento, com recorrentes e recentes rebeliões[1] em presídios e com a persistência de elevados índices de criminalidade[2]. Estudiosos e críticos apontam que a prisão não é a resposta penal mais adequada, no entanto, essa ainda é a principal resposta para as condutas consideradas criminosas.
O último levantamento nacional de informações penitenciárias - Infopen[3] divulgou que entre os anos de 1995 e 2010 o Brasil obteve uma variação[4] na taxa de aprisionamento com o crescimento de 136%. Da mesma forma, houve um aumento vertiginoso da população prisional, passando de 90.000 em 1990 a 607.731 pessoas presas em 2014, ou seja, um aumento de 575%. Em relação aos crimes relacionados às drogas, os números são alarmantes: de um total de 245.821 crimes tentados ou consumados pelos quais há pessoas privadas de liberdade, codenadas ou esperando julgamento no país, 66.313 são relacionados a drogas, estando atrás apenas dos crimes contra o patrimônio (97.206) que comporta mais de treze figuras típicas[5], enquanto aqueles possuem apenas três figuras típicas relacionadas[6].
Em contrapartida a esses elevados números de prisão, não houve a diminuição do cometimento de crimes, tampouco houve o aumento da sensação de segurança na sociedade. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015[7] relata que:
Nenhum estado brasileiro conseguiu comprovar a eficácia do aumento do número de presos, para reduzir crimes, como medida principal. Quem obteve redução de homicídios, teve aumento de crime patrimonial. E a maior parte dos Estados teve aumento tanto de homicídios quanto de crimes patrimoniais no período. (pg. 84)
O que se vê, portanto, é que a resposta instantânea promovida pelo pensamento penal dominante – a punição pela prisão – não se mostra eficaz no que propõe (ou deveria propor): a proteção da sociedade e a ressocialização do infrator.
Sob essa perspectiva, respostas diferentes da prisão podem se apresentar como um caminho mais eficaz e menos doloroso para o indivíduo infrator, para sociedade e para o próprio sistema penal, por inferir números menos elevados de prisões e a expectativa de menor número de reincidência e maior probabilidade ressocializadora.
Assim, no meio de tantas tipificações penais encarceradoras, surgiu em 2006 a Lei nº 11.343/06 com um aspecto ambivalente. Embora tenha recrudescido a pena para o tráfico, a nova lei de drogas trouxe um dispositivo interessante, que causou e ainda causa estranheza e discussões no âmbito penal: a exclusão da pena prisão como resposta a uma conduta incriminada e a previsão de penas alternativas como principal e única resposta ao crime de uso de drogas.
Dessa forma, embora essa nova lei indique retrocesso no que tange ao recrudescimento da pena conferida ao traficante, foi considerada inovadora por trazer uma nova matéria de penas em relação aos usuários de drogas (PIRES, 2011). Ao conferir exclusivamente as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas de comparecimento a cursos e programas educativos àqueles que são imputados uma das figuras típicas do caput do art. 28, a lei traz a expectativa de inserir no sistema penal, como penas principais e únicas, sanções que não preveem a prisão e a multa, portanto que se afastam do seu caráter estritamente aflitivo.
Essa notória mudança no sistema legislativo, no entanto, não necessariamente acarreta uma mudança no sistema de direito, tendo em vista que a formulação da lei pode ser utilizada de diversas formas pelos atores, a depender de quem aplica e como aplicam.
Assim, a partir dessa novidade no âmbito legislativo, estudamos aqui se essa mudança foi aceita a ponto de ser estabilizada pelo sistema de direito, tendo os “operadores jurídicos” a valorizado a ponto de aceitar e aplicar tais penas, não somente nas hipóteses que dispõe a lei, mas também nas operações subsequentes (outros crimes). Ou seja, propomos estudar aqui se a semente plantada por essa mudança legislativa germinou ou não nos solos do pensamento penal.
Dessa forma, temos como objeto de pesquisa a atuação dos atores jurídicos de Feira de Santana sobre as penas do art. 28 da Lei nº 11.343/06. A atuação aqui é compreendida pela forma como os atores entendem os dispositivos e como utilizam os mesmos nos processos estudados. O objeto possui como elementos específicos os juízes e promotores envolvidos no enfrentamento do crime previsto no art. 28 da lei, na Comarca de Feira de Santana, ou seja, ocorreu no âmbito dos juizados especiais criminais feirenses.
Orientamos a pesquisa a partir da seguinte pergunta inicial: “Como os atores jurídicos feirenses lidam com as penas alternativas do art. 28 a lei de drogas?”. A partir dessa pergunta buscamos metodologias para compreender o objeto pretendido. Dividimos, portanto, esse trabalho em três momentos.
No primeiro, de forma teórica, tecemos observações importantes quanto ao histórico das legislações sobre drogas, sobre a racionalidade penal moderna e sobre o conceito e etapas da inovação penal, para oferecer uma lastro conceitual ao nosso trabalho.
No segundo momento, propomos uma abordagem quantitativa e mostramos como foi nossa ida a campo para estudar os processos de porte de drogas para consumo pessoal, como foi feito o levantamento de dados e a descrição dos mesmos, e a apresentação dos resultados extraídos demonstrados por meio de tabelas com as suas respectivas descrições.
Por fim, na terceira etapa, aproveitamos parte do resultado da pesquisa quantitativa e partimos para uma pesquisa qualitativa, na qual entrevistamos os atores jurídicos envolvidos nos processos de porte de drogas para consumo pessoal na Comarca de Feira de Santana. A partir dos resultados obtidos, podemos tecer uma análise sobre como os juízes e promotores de Feira de Santana (nos processos estudados) lidam com as questões das penas alternativas do crime do art. 28 da Lei nº 11.343/06. Percebemos que, embora apliquem os dispositivos conforme manda a lei, a inovação penal não foi aceita a ponto de ser estabilizada e o pensamento deles ainda encontra-se prevalentemente imerso na racionalidade penal moderna. Tais informações foram extraídas das entrevistas e analisadas a partir do método da Teoria Enraizada que permitem um contraponto com os resultados preliminarmente obtidos na análise da pesquisa quantitativa.
Ao relacionar a nossa pesquisa com outras realizadas no Brasil, percebemos que o pensamento que perpassa os atores entrevistados, no âmbito feirense, não se diferencia muito de outras localidades. Assim, ao menos a partir dos dados empíricos que serão apresentados, podemos afirmar que o pensamento da racionalidade penal moderna ainda predomina e se mostra como obstáculo às mudanças no sistema cognitivo.
No entanto, devemos ressaltar os “pontos luz” que pudemos identificar na pesquisa, com atores que se mostraram preocupados com a questão das penas e que representam o início de uma possível mudança de postura frente a rigidez do sistema penal.
2.METODOLOGIA ADOTADA
A presente pesquisa adota metodologia variada e, para que se desenvolvesse da melhor maneira, foi dividida em quatro etapas:
1) Pesquisa bibliográfica, com a busca e leitura de referências capazes de embasar o trabalho, através de fundamentações e questionamentos;
2) Levantamento e a coleta de dados quantitativos junto às secretarias das Varas do Sistema dos Juizados sobre os processos relativos ao crime de porte de drogas para consumo pessoal;
3) Entrevistas semi-diretivas com Juízes e Promotores que atuam nas Varas dos Juizados e sejam responsáveis pela aplicação do art. 28 da Lei de Drogas na Comarca de Feira de Santana.
4) Análise dos dados a partir do método da Teoria Fundamentada nos Dados.
Em função do assunto proposto para investigação na pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca do tema para fundamentar a ideia inicial, ter conhecimento da existência de pesquisas com objetivos e/ou desenvolvimento semelhantes, buscando métodos e levantando questionamentos.
Foi importante trazer para a pesquisa o histórico da lei de drogas para que pudesse ser visualizada a mudança legislativa ao longo dos anos e a estrutura de pensamento penal dominante que a acompanhou ao longo dessa “trajetória”.
Posteriormente, partimos para a pesquisa exploratória-descritiva. Foram levantadas informações gerais através da primeira visita às secretarias dos juizados, na qual coletamos a quantidade geral dos processos existentes em cada uma das varas dos juizados, partindo-se para a produção de amostras. Após, foram elaboradas variáveis sobre o que seria importante ser observado nos processos, sendo estas organizadas em “categorias” que englobam pareceres de transação penal, informações do termo circunstanciado, laudo pericial de constatação da droga, audiências e desfecho do processo. Tais informações foram colocadas numa tabela-geral[8] que norteou a tabulação dos dados. Com a formulação de dados representados em tabelas, quantitativamente, passamos a descrevê-los de acordo com os seus pontos mais relevantes para os objetivos da pesquisa.
Os dados preliminarmente alcançados nessa fase da pesquisa serviram de embasamento para a formulação das perguntas para as entrevistas.
2.1 A ENTREVISTA COMO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO
A escolha da entrevista como instrumento de investigação empírica se deu pela possibilidade de este instrumento oferecer informações que são trazidas e/ou esclarecidas pelo próprio ator social. É, como nos dizeres de Charles Cannel e Robert Kahn (1974) os “dados sobre experiências passadas e comportamentos futuros não podem ser obtidos por outros meios”.
A entrevista permite o contato direto entre o entrevistador e o interlocutor, que muitas vezes é o próprio objeto de pesquisa, como, indiretamente, no presente caso. Ainda nos dizeres de Connel e Kahn (1974), “percepções, atitudes e opiniões não podem ser inferidas pela observação, mas são acessíveis por meio da entrevista”. Assim, por meio das entrevistas, há a possibilidade em se obter um dado mais próximo da realidade ou do pensamento do interlocutor.
Deve-se, no entanto, ter cuidado com o sentido que o próprio ator social dá a sua ação. Danielle Ruquoy (1997) chama atenção ao conceito de “ilusão da transparência” que é o crer que o indivíduo conhece aspectos relativos à sua ação. Nas palavras da autora, “se o objetivo é compreender práticas, importam delimitar o modo como os atores as organizam subjetivamente e as valorizam, mas importa igualmente considerar relações sociais que tenham efeitos independentes da consciência dos atores”.
Assim, buscamos compreender os modos de pensar desses atores sociais, não apenas a partir das próprias percepções deles, mas também e principalmente pelos efeitos das relações sociais desses atores, materialmente na forma que eles aplicam as penas do art. 28 da Lei de drogas. Assim, por esse e outros motivos estudamos também os processos relacionados aos crimes de porte de drogas para consumo pessoal antes de iniciar as entrevistas.
O tipo de entrevista escolhida foram as entrevistas semi-diretivas ou semi-estruturadas. Nesse tipo de entrevista o entrevistador possui um objetivo de pesquisa específico, mas não necessariamente interfere nas respostas do interlocutor. Em outras palavras, é permitido que o próprio entrevistado estruture o seu pensamento em torno do objeto, cabendo ao investigador zelar pela pertinência das afirmações relativamente ao objetivo da pesquisa, aprofundando os pontos não mencionados pelo entrevistado, se necessário (RUQUOY, 2005). Nas explicações de Duchesne trazidas por Xavier (2017, p. 125) temos que:
A entrevista “semidiretiva favorece um deslocamento do questionamento, voltado para o saber e as questões próprias dos atores sociais. A principal razão de ser um método é de coletar, junto com as opiniões dos entrevistados, os elementos de contexto (social e linguístico) necessários à compreensão de tais opiniões. Essa entrevista consiste em levar a pessoa entrevistada a explorar ela própria o campo de indagação aberto pela “diretriz inicial”, em vez de ser guiada pelas questões do entrevistador. (Duchesne, 2000, p. 10).
Assim, com a criação do roteiro de perguntas - que será exposto em momento oportuno – utilizado para nortear as entrevistas, tivemos o cuidado de observar – a partir do conhecimento prévio das práticas que foram observadas nos processos – as percepções dos próprios entrevistados sobre si mesmo no momento da entrevista e a maneira como ele atuava na prática, relançando, quando necessário, alguns questionamentos.
2.2 A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS PELA TFD NA PESQUISA
Para a obtenção dos dados através das entrevistas foi utilizada, com importantes ressalvas, a Teoria Fundamentada nos Dados de Glaser & Strauss (1967) para as respectivas formulação de categorias.
A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) foi pensada por Glaser e Strauss (1967) como uma metodologia que permite a formulação de conhecimento através da observação de dados qualitativos empíricos. Foi pensada como uma crítica e alternativa às pesquisas sociológicas da época com baixo grau de teorização e essencialmente quantitativas e também às pesquisas mais tradicionais, de cunho verificativo e corroborativo de hipóteses já existentes (CAPPI, 2014).
A partir desse método é possível construir, no decorrer da própria pesquisa, uma formulação teórica com os dados obtidos através da observação. Essa formulação teórica, por sua vez, pode se tornar objeto de verificação e de discussão à luz de outras formulações já existentes. Trata-se de um método prevalentemente indutivo, ou seja, de descobertas ao longo da pesquisa. No entanto, como elucida Riccardo Cappi (2014) “não se trata aqui de sustentar que a TFD seja indutiva no sentido puro da palavra, o que seria de fato impossível, pois a observação sempre é guiada por uma pré-leitura ‘teórica’ da realidade por parte do observador-pesquisador”.
É importante ressalvar que na presente pesquisa a Teoria Fundamentada nos Dados não foi utilizada em seu sentido puro, ou seja, eminentemente indutiva. Como já exposto, a formulação do roteiro de entrevista foi elaborado a partir da observação dos processos da segunda fase da pesquisa. No entanto, o objetivo das entrevistas não se limitava a verificar as hipóteses preliminarmente construídas, mas sim e também, a descoberta de novas hipóteses e conclusões acerca das concepções dos atores jurídicos. Assim, a TDF se fez bastante viável como método para se verificar as hipóteses já existentes, e também como a descoberta de novos dados e formulações de novas hipóteses, que seriam dificilmente obtidas de maneira diversa.
Para se obter os dados a partir da observação pela TFD é necessário um processo de codificação sistemática, que parte de três etapas fundamentais: a codificação aberta, a codificação axial e a codificação seletiva.
A primeira etapa é a codificação aberta (STRAUSS & CORBIN in CAPPI, 2014), na qual são formulados conceitos sobre a realidade observada. Nesse estágio inicial qualquer elemento observado é passível de codificação. Em seguida, os conceitos formulados mais semelhantes podem ser reunidos em formas de categorias ou subcategorias. A formulação de categorias é importante porque são mais gerais que os conceitos e são enraizadas, revelando a aproximação com o dado empírico.
A codificação axial (STRAUSS & CORBIN in CAPPI, 2014), trata da confirmação das categorias previamente formadas na etapa anterior. Nesse momento há um processo de comparação entre as categorias abstraídas dos dados empíricos, suas propriedades e dimensões. Aqui busca-se a formulação de categorias mais consistentes, por meio de hipóteses que são sucessivamente testadas nos dados, buscando a maior estabilização.
E por fim, na codificação seletiva (STRAUSS & CORBIN in CAPPI, 2014), procede-se à integração da teoria em torno de uma categoria final ou uma narrativa central. É como se as categorias até então formuladas se condensassem formando uma teoria capaz de abranger todos os conceitos extraídos dos dados. A teoria produzida possui um número mais reduzido de conceitos porém uma maior abstração, podendo ser aplicada mais amplamente. A teoria encontra-se estabilizada quando novas observações não trazerem novos conceitos, mas sim apresentarem-se como exemplos da teoria, atingindo a saturação.
Assim foi formada a fonte de dados empíricos necessários para a pesquisa, para formulação e verificação de teorias que embasem os modos de pensar dos atores jurídicos feirenses.
3.DO PARADIGMA PENAL À INOVAÇÃO “ACIDENTAL”: A RACIONALIDADE PENAL MODERNA E A POSSÍVEL QUEBRA DE PARADIGMA COM A NOVA LEI DE DROGAS
Nesse capítulo será apresentado um breve histórico da legislação sobre drogas no Brasil, do momento da sua primeira criminalização do uso até a edição da Lei nº 11.343/06 e os aspectos inerentes a ela. Será apresentado, também, o conceito da Racionalidade Penal Moderna (RPM) e as implicações inerentes a esse sistema de pensamento. Por fim, o capítulo propõe apresentar a nova lei de drogas, com seus aspectos ditos inovadores no que tange às penas, bem como o conceito e as etapas da inovação.
3.1 BREVE HISTÓRICO DAS LEIS DE DROGAS NO BRASIL
O Brasil, em 1603, já estabelecia como ilícita a conduta de ter substâncias consideradas tóxicas para a venda, prevista no Título LXXXIX do Livro V das Ordenações Filipinas. O texto da ordenação previa:
Que ninguém tenha em sua casa rosalgar, nem o venda nem outro material venenoso. Nenhuma pessoa tenha em sua caza para vender rosalgar branco, nem vermelho, nem amarello, nem solimao, nem água delle, nem escamonéa, nem ópio, salvo se for Boticario examinado, e que tenha licença para ter Botica, e usar do Officio. E qualquer outra pessoa que tiver em sua caza algumas das ditas cousas para vender, perca toda sua fazenda, a metade para nossa Camera, e a outra para quem o accusar, e seja degredado para Africa até nossa mercê. E a mesma pena terá quem as ditas cousas trouxer de fora, e as vender a pessoas, que não forem Boticarios.
Ou seja, já em 1603, aquele que vendesse ou ministrasse algumas das substâncias definidas no tipo penal, perderia toda a sua fazendo para a Camera e para o acusador, além de ser degredado para a África por tempo indeterminado.
Essa legislação durou até a edição do Código Penal de 1890, que passou a prever, em seu art. 159, a conduta de “expôr á venda, ou ministrar, substancias venenosas, sem legitima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários”. Para quem incidisse nesse tipo penal, seria cominada pena de multa de 200$ a 500$000.
Percebemos que, até 1890, não havia tipificação para o usuário de drogas, assim como não havia previsão de pena de prisão.
Tal quadro veio a mudar, no entanto, com a Consolidação das Leis Penais em 1932, que substituiu a expressão “substâncias venenosas” encontrada no Código de 1890, por “substâncias entorpecentes”. Tal legislação ampliou a quantidade de condutas proibidas e introduziu a pena privativa de liberdade de 01 (um) a 05 (cinco) anos a quem fornecesse tais substâncias (KARAM, 2015).
É importante ressaltar que no ano anterior à Consolidação das Leis Penais no Brasil, 1931, havia acontecido no plano internacional a Convenção de Genebra destinada a limitar a regulamentação e fabricação das drogas narcóticas (SOUZA, 2011). Estabeleceu-se nessa convenção para os estados participantes, providências para a proibição da disseminação do vício causado pelas chamadas substâncias entorpecentes. Essa Convenção foi precedida pela Primeira Conferência Internacional do Ópio, em 1912, a qual regulamentou determinadas substâncias como o ópio, a morfina e cocaína, e o Acordo de Genebra em 1925, que veio a tornar real os termos da Conferência de 1912.
Em 1940 foi editado o novo Código Penal brasileiro o qual tipificava, no art. 281, o comércio clandestino e a facilitação do uso das chamadas substâncias entorpecentes. Tal dispositivo previa a cominação de pena de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, mais multa. Em 1964 esta lei foi emendada, acrescentando-se o plantio das matérias primas para a fabricação da droga como crime, o qual incidia nas mesmas penas do tráfico. A seguir, veio o Decreto-lei 385/68 e deu nova redação ao art. 281 do código penal até então vigente, estabelecendo como crime a conduta do usuário de drogas, o qual passava a recair nas mesmas penas dos então considerados traficantes. Ou seja, foi sob a égide do regime ditatorial que o consumo de drogas passou a ser criminalizado, tornando-se tão grave quanto o tráfico (mesmas penas).
Em 1971, o presidente americano Richard Nixon recrudesceu a política proibicionista internacional de drogas com a sua declaração “war on drugs” – guerras às drogas. Essa política, que se pauta nas ideias de ilegalidade e repressão do tráfico e do uso de drogas, e de abstinência do consumo (TRAD, 2009), foi incorporada por mais de 150 países pelo mundo[9], inclusive pelo Brasil, com o intuito de reduzir a produção, fornecimento e o uso das drogas consideradas ilícitas.
Pode-se dizer que o caráter repressivo e aflitivo dessa política legislativa é reflexo do pensamento penal dominante denominado de Racionalidade Penal Moderna[10] (RPM), teoria desenvolvida por Álvaro Pires e que privilegia a pena aflitiva (privativa de liberdade e multa) em detrimento de qualquer outra.
Assim, coadunando a política repressora da guerras às drogas e a forma de pensamento penal dominante, no ano de 1971, “anos de chumbo” da ditadura militar brasileira, foi aprovada a primeira legislação sobre drogas, a Lei nº 5.726/71.
Essa legislação dispunha sobre o crime referente às drogas prevendo medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso das chamadas substâncias entorpecentes. Sob a perspectiva dessa lei, usuário e traficante continuaram recebendo o mesmo tratamento penal, e houve o aumento da pena máxima, sendo estes necessariamente encaminhados para o cárcere (01 a 06 anos de reclusão) caso não fossem absolvidos. Houve ainda a introdução da tipificação “quadrilha” para o crime de tráfico e a introdução do trancamento de matrícula para o estudante que fosse encontrado usando tais substâncias e a perda do cargo de diretores de estabelecimentos de ensino que deixassem de comunicar o fato delituoso às autoridades sanitárias (KARAM, 2015).
Percebe-se o recrudescimento penal, principalmente no que diz respeito ao caráter aflitivo da pena. Com essa legislação, usuários e traficantes poderiam ser encaminhados ao cárcere entre 01 a 06 anos de reclusão. Além disso, para usuários que fossem estudantes, estaria previsto a obrigatoriedade do trancamento da matrícula. Ou seja, prevalecia o caráter meramente repressivo e retributivo da pena.
Ainda sob o amparo da Ditadura Militar Brasileira, foi aprovada em 1976 a Lei nº 6.368/76 que revogou a Lei nº 5.726/71. Com essa nova legislação foi possível identificar uma mudança significativa em relação à lei anterior: a conduta do usuário foi apartada à figura do traficante, incidindo estes em tipificações e penas diferentes. No entanto, ainda seguindo o modelo repressor e aflitivo, as penas cominadas passaram a ser reclusão de 03 a 15 anos para o indivíduo considerado traficante, e detenção de 06 meses a 02 anos para os considerados usuários.
Essa legislação perdurou até 2002, quando foi editada a Lei nº 10.409/2002 que visava substituir a Lei nº 6.368/76. No entanto, a suposta nova legislação apresentava inúmeros vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas em seu projeto que foi vetado em sua parte penal, entrando em vigor apenas a parte processual (CAPEZ, 2006). Sendo assim, no que tange às penas, o tratamento continuou a ser o mesmo da lei anterior.
Percebe-se que houve um recrudescimento da pena de tráfico e um abrandamento da pena para usuário, no entanto ainda havia a previsão legal da prisão para ambos os casos e, quando condenados, os indivíduos necessariamente deveriam recolher-se à prisão para poder recorrer.
Somente em 2006, com a edição da Lei nº 11.343/06, veio a ser discutido um novo tratamento penal não encarcerador e não manicomial para os indivíduos considerados usuários. Embora esta lei intensifique a pena para os crimes de tráfico (reclusão de 05 a 15 anos), trouxe uma inovação ao estabelecer em um preceito secundário, penas diferentes da prisão e da multa, indo, ao menos em âmbito legislativo, de encontro ao paradigma estabelecido e ao pensamento penal dominante.
3.2 A RACIONALIDADE PENAL MODERNA
A Racionalidade Penal Moderna foi identificada como sistema de pensamento dominante que se desenvolveu em meados do século XVIII, relativo à justiça criminal. Foi construída, em partes, pelas grandes teorias da pena[11] como as formuladas e finalizadas no decorrer dos séculos XVIII e XIX (MACHADO, p. 109).
Discorrer sobre esse sistema de pensamento e a dimensão cognitiva que subtende a estrutura normativa ou jurídica é importante pois nos leva, como bem aponta CAPPI (2017, p.196), “a perceber os elementos característicos do universo cognitivos do direito penal, que contribuíram e contribuem para a valorização e a legitimação das sanções aflitivas, em particular a privação da liberdade”.
Assim, vamos primeiramente tecer algumas considerações sobre a evolução histórica desse sistema de pensamento para, posteriormente, explicar essa evolução à luz das teorias que o foram fundamentando.
Pires (1998, p. 15-18) aponta que há pelo menos três momentos estratégicos que conduzem à formação do direito penal contemporâneo como um sistema diferente do direito civil, são eles: os séculos XII, XVI e XVIII.tes do século XII, o dano de um indivíduo para com outro era considerado uma ofensa direta a este, havia uma vítima tangível e o insulto ao direito subjetivo de uma pessoa não era encarado como uma ofensa à lei ou à ordem (PIRES, 1998, 20-22). Nessa época, o sistema se caracterizava com princípios de vingança privada e autodefesa, havia a possibilidade de acordo entre os indivíduos, a reparação do dano à vítima e a reconciliação. Essas características foram se modificando com a transição dos séculos, o litígio passou a ser criminalizado e pudemos perceber a centralização lenta e progressiva do poder de governar e lutar pelo controle do judiciário.
Assim, entre os séculos XII e XVI, puderam ser identificados três tipos de jurisdição: a justiça senhorial, a justiça do rei e a justiça da igreja (ESMEIN, 1882:3 in PIRES, 1998, p. 23). Nesse período, as duas principais formas de obtenção de riqueza era por meio de guerra e por meio de assuntos judiciais (confisco, multa, taxas), o qual se tornou um poderoso meio de dominação, ocasionando a luta pelo controle judiciário (ESMEIN, 1882: 28-29 in PIRES, 1998, 23).
No caso do rei, também foi uma luta pela centralização do poder de governar. O desafio era encontrar maneiras de capturar a jurisdição dos tribunais, encontrar maneiras de julgar as disputas que ocorriam nas terras do senhor e no âmbito da cristandade e ao mesmo tempo encontrar justificativa para ser o beneficiário dos subprodutos econômicos e políticos da justiça (ESMEIN, 1882: 21 in PIRES, 1998, 24). A partir desse momento, foram criadas gradativamente teorias nas quais estavam relacionadas a ideia de que o rei representava o interesse comum, bem como listas cada vez maiores de eventos contra particulares que “ofenderiam” também ao rei. Em síntese, Pires (1998, p. 26), trazendo as lições de Berman (1983: 192) afirma “que à medida que o poder imperial aumenta a partir do séc. XIII, os tipos de comportamento para o qual a punição do rei se torna aplicável é cada vez maior, assim como a gravidade das penas”.
O século XVI, por sua vez, foi um momento interessante para as transformações que ocorreram ao longo dos séc. XII a XVI. As jurisdições senhoriais e eclesiásticas praticamente desapareceram ou foram relegadas a segundo plano, os tribunais reais definitivamente assumiram o campo do direito penal. O direito das partes de chegar a um acordo foi definitivamente excluído – aparecimento da inquisitio ex officio ou ação pública -, e a figura do promotor judicial (que representava o rei soberano) se solidificou. A pacificação é substituída pela reparação de dano ao soberano, paga por meio de multa, confisco de bens e de penas corporais - as penas corporais, inicialmente destinadas aos escravos, serão generalizadas e aplicadas também aos homens livres que não tenham como cumprir as sanções pecuniárias (PIRES, 1998, p. 22 in REGINATO, 2014, p.114) -. O homicídio criminalizado também é um indicativo importante dessa transformação, pois não se tratava mais de “uma questão de promover a reconstrução do tecido social pela pacificação’, mas punir o homicídio como uma infração de ordem pública” (ROUSSEAUX, 1996: 297 in PIRES, 1998, 28). O séc. XVI, dessa forma, abre caminho para uma justiça judicial hierárquica, cada vez mais imposta de cima, pelo soberano.
Assim, em meados do séc. XVIII, o sistema jurídico completa sua diferenciação do sistema político e a clivagem entre o direito civil e o direito penal se solidifica. Esse é o tempo forte de nascimento da racionalidade penal moderna que formado - ou ao menos renovado - pelas três grandes teorias da pena, substancia o direito penal como um sistema de justiça rígido, autônomo e fechado.
Álvaro Pires, em seus estudos, identifica que o tempo forte do nascimento da racionalidade penal moderna, no campo teórico, se deu na obra de Beccaria “Dos delitos e das penas” (1764) por ser este autor o primeiro a retratar, de forma mais forte e visível, os elementos desse sistema de pensamento (MACHADO, p. 110).
Na teoria dos fundamentos e limites do direito de punir, Beccaria defende que o ser humano vivia em um estado de natureza e eram independentes, isolados e livres, no entanto sujeitos a um estado de guerra constante. Assim, para gozar plenamente da sua liberdade, com segurança e tranquilidade, os indivíduos se juntaram e renunciaram a parte dessa liberdade, por meio do contrato social (BECCARIA, 1764 in MACHADO, 117). Dessa forma, a liberdade e a paz social era assegurada pelo poder legítimo que garantiria a proteção i) dos indivíduos em geral contra a agressão um do outro, ii) do agressor contra a reação informal dos outros ou contra as exigência de aumentar a pena incessantemente e iii) do agressor contra os impulsos, paixões e usurpações emanadas do próprio poder.
Assim, nessa visão, leis, tribunais, sanções, são extremamente importantes para a vida em sociedade, pois é o que garantiria o gozo pleno da liberdade individual que não fora renunciada.
Com a teoria utilitarista clássica, Beccaria traz em seu texto a ideia da dissuasão geral e específica como objetivo da pena criminal. O objetivo da pena, aqui, seria o de impedir que o infrator cometesse outros crimes e que servisse de exemplo para que os demais indivíduos também não cometessem delitos. Assim, Pires identifica quatro princípios dentro dessa teoria (1998, p. 111, in MACHADO, 118).
O primeiro princípio identificado por Pires foi denominado de “princípio da racionalidade e da pena como obstáculo político”. Segundo ele, o conceito da teoria utilitarista acredita que a previsão da pena faz com que o indivíduo reflita antes de cometer um crime, estando ligada à “psicologia associacionista que sobreleva o efeito do obstáculo penal” (PIRES, 1998, 127 in MACHADO, 118).
O segundo princípio é intitulado “exclusão das medidas alternativas e da crítica ao perdão”. Para Beccaria, portanto, a reparação positiva seria insuficiente. O perdão, por sua vez, seria ou uma clemência estatal - a qual deveria ser excluída de uma legislação perfeita; ou uma benevolência da vítima – que não deve ter efeito válido sobre a justiça criminal. Assim, em síntese:
Na esfera penal, a teoria da pena de Beccaria: (i) opõe-se a todas as formas de desjudiciarização ou de negociação entre as partes na resolução do litígio; (ii) atribui um papel secundário a vítima, que perde seu papel de transigir e de decidir; (iii) relega as sanções civis (indenização, advertência etc.), bem como o perdão, inclusive da vítima, ao rol de soluções incompletas, insatisfatórias, privadas ou arriscadas, até mesmo no que concerne aos delitos mais insignificantes. A punição (em sentido forte) toma-se a regra geral, e o exemplo, uma necessidade inexorável (MACHADO, ano: 119, PIRES, 1998: 130; BECCARIA, 1764,5 29: 105).
O terceiro princípio identificado por Pires foi o da obrigação pragmática e a política de punir. Nesse princípio, o referido autor reconhece três argumentos básicos que sustentam o direito de punir, são eles: a certeza da pena criminal – a qual seria condição essencial para a eficácia e legitimidade da punição, mas não a sua severidade; a ideia do legislador “brando, humano e indulgente” (BECCARIA, 1764, §46: 138 in MACHADO, 120) cujas leis e executores seria inexoráveis; e a aplicação da lei penal de acordo com o princípio da igualdade.
Aprofundando apenas no que tange ao primeiro argumento suscitado, é importante ressaltar a crítica que é elaborada por Pires à Beccaria. Ao defender em sua teoria a não severidade das penas, mas unicamente a certeza da punição, Beccaria
“forja um distanciamento crítico em relação à doutrina da severidade do antigo sistema, e ao mesmo tempo não isenta a sua teoria de um forte princípio repressivo” (MACHADO, p. 120). Isto porque ao defender a certeza da pena como requisito essencial para a eficácia da punição, Beccaria elimina outras formas de resolução de conflito – não aflitivas - como resposta ao crime, tendo tal posicionamento um viés repressivo, diverso do proposto ao defender a não severidade das penas.
O quarto e último princípio identificado por Pires na obra de Beccaria é a “analogia à pena”. Nesta, a ideia da pena é ser uma cópia ou clone aproximado do delito, por exemplo, a pena de morte para um homicida. Assim, quanto mais próximo do delito, mais justa e útil seria a pena (MACHADO, p. 121).
Se na obra de Beccaria pudemos identificar o nascimento da racionalidade penal moderna, percebemos que Kant (1797) deu continuidade com o quadro da teoria retributivista ao sustentar que a pena é um imperativo categórico (MACHADO, p.123).
Segundo a teoria retributivista, o crime é compreendido como uma ofensa à moralidade ou à justiça suprema. O poder de punir está fundamentado numa espécie de obrigação moral e é, ao mesmo tempo, direito/autorização para punir e direito/dever de punir (GARCIA, 2009,115 APUD in REGINATO, 2014, p. 115). A vítima é relegada a um papel secundário, instrumental – de produção de provas - e o Estado, como autoridade hierárquica, assume o papel de reestabelecer a ordem através do sofrimento do culpado (CAPPI, 2017, p.198). A possibilidade de perdão é afastada porque deixaria intacta a desordem causada ao passo que o castigo seria capaz de restabelecer a ordem e a retidão do universo (BERMAN, 1983 in PIRES, 1998, in REGINATO, 2014, p. 117).
Na teoria de Kant, a pena é um imperativo categórico que deve ser aplicado, pois o castigo justifica-se simplesmente porque o indivíduo, se é culpado, merece ser punido (ANITUA, 2007, p.192 APUD in REGINATO, 2014, 115). A punição é a única forma de apagar o mal e restabelecer a justiça. A ideia de retribuição de um mal por um mal causado fica bem presente e marcante nesta teoria.
Assim, com o advento dessas teorias da pena, a noção de "autorização de punir" passa a ter uma conotação de dever, tornando-se uma "autorização-comando hierárquico carente da possibilidade de privilegiar uma alternativa" (PIRES, 1998: 217). O caráter obrigatório da punição por meio da aflição emerge a partir do momento em que o saber filosófico e jurídico, por meio das teorias da pena, erige uma ‘razão punitiva’ a qual projeta uma imagem que a pena é devida (MACHADO, p.123).
Dessa forma Pires (2004) identifica, no sentido empírico-descritivo, que através da racionalidade penal moderna o sistema de pensamento penal é visto a partir de uma estrutura telescópica. O preceito primário (crime) é definido juntamente e condicionalmente ao preceito secundário (pena), sendo este necessariamente constituído por uma imposição aflitiva, que cause algum sofrimento ao infrator, como forma de retribuição ao mal por ele causado (pelo descumprimento da norma penal).
Assim, no pensamento penal da RPM, a única resposta estatal para o indivíduo que pratica alguma conduta tipificada como crime é a imposição de um mal, um sofrimento, correspondente ao suposto mal por ele cometido. Para Pires (2004), esse sistema de pensamento projeta uma autoimagem essencialmente punitiva e aflitiva, e tem como consequência a aplicação de normas de modo hostil, pois o transgressor é visto como inimigo; abstrato – em resposta a um mal concreto (crime) busca-se um bem imaterial (justiça, moralidade, dissuasão); negativo – exclui outras formas de sanção se não a aflitiva-, e atomista, porque a pena não deve se preocupar com os laços sociais concretos entre as pessoas, a não ser de forma secundária e acessória.
Álvaro Pires (2004) aponta também que um dos efeitos da racionalidade penal moderna será o de naturalizar a estrutura normativa inicialmente eleita pelo sistema penal, qual seja, a punição através pelo sofrimento.
Dessa forma, o citado autor identifica e examina três problemas da estrutura telescópica e da valorização da aflição como resposta penal, são eles:
a) A definição do crime (todo) pela parte (pena). Assim, na estrutura desse pensamento, a definição de crime está imbricada com a definição de pena, sendo esta necessariamente aflitiva. Desta forma, um conceito não pode ser pensando sem o outro. Pires (2004) chama atenção para esta estrutura de sinédoque, fazendo alusão à figura de linguagem, ou seja, a definição da parte (pena) pelo todo (crime). Nas palavras do autor (2004, p.41) “A combinação entre a estrutura normativa telescópica e essa linha de pensamento que valoriza a pena aflitiva dará a impressão de que a norma de comportamento e a pena aflitiva formam um todo inseparável, o que suscitará uma série de problemas e deslocamentos de sentido”. Um exemplo empírico disso na legislação brasileira é o art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal que aduz justamente que crime é a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção. Ou seja, o crime só é assim definido pela pena de detenção ou reclusão que lhe é imposta.
b) “A ilusão de simplicidade quanto ao trabalho do legislador e do juiz no momento da escolha da sanção”. Assim, a estrutura desse pensamento faz crer que esses atores devem privilegiar a pena aflitiva em detrimento de qualquer outra por entenderem que apenas ela seria uma resposta penal eficaz frente ao cometimento de um crime. A resposta, portanto, parece evidente, negligenciando as particularidades do caso concreto e os sentimentos e singularidades das pessoas.
c) Por fim, o terceiro problema identificado por Pires se percebe na combinação entre o crime e a pena que engendrará uma necessidade e identidade em relação a uma e outra. Esta relação pode ser visualizada sob dois aspectos. O primeiro consiste na obrigação da associação entre norma de comportamento e norma de sanção, como se não pudessem se desassociar. O segundo aspecto consiste na identidade, necessariamente negativa, entre a conduta ilícita e a resposta penal. Ou seja, “como o crime é visto como uma mal (de ação), a pena também deve ser visto como um mal (de reação)” (2004).
Dessa forma, a estrutura desse pensamento penal e a forma como se apresenta e se solidifica na sociedade, é um empecilho para se pensar e aplicar diferentes respostas penais. A maneira como a racionalidade penal moderna se solidificou como sistema de pensamento rígido, autônomo e fechado, cria obstáculos para se pensar formas diversas de resolução de conflito no âmbito penal – se não pela pena aflitiva – tanto por aqueles que criam as leis (sistema político), como para aqueles que às aplicam (sistema de direito).
No entanto, em 2006, a Lei 11.343/2006 - nova lei de drogas – trouxe uma nova forma de punição como resposta a uma conduta criminalizada, diferente da consolidada pena privativa de liberdade. Dessa forma, propomos estudar a maneira como essa novidade foi recebida pelo sistema de direito feirense, bem como lidam alguns atores com essa nova perspectiva penal.
3.3 A NOVA LEI DE DROGAS E A (POSSÍVEL) QUEBRA DE PARADIGMA
A política legislativa sobre drogas no Brasil, até o ano de 2006, estabelecia como medida central para a repressão do uso, penas eminentemente privativas de liberdade como sanção ao indivíduo que fosse pego portando para consumo próprio alguma substância considerada ilícita.
Em 2006, a Lei nº 11.343/2006, conhecida como Nova Lei de Drogas, revogou as leis 10.409/2002 e 6.368/76. Prescreveu, em contrapartida às leis anteriores, aos usuários de drogas ou qualquer indivíduo que cometesse alguma das figuras típicas previstas no caput do art. 28 (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo para consumo pessoal drogas consideradas ilícitas) as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas de comparecimento a cursos e programas educativos. Em outras palavras, as penas que o art. 28 estabeleceu “fogem” do caráter aflitivo que até então a legislação sobre drogas estabelecia para os usuários, pois em nenhuma hipótese estes podem ser privados de liberdade. Tais penas apresentam-se, portanto, como alternativas à prisão e à multa e foram vistas como uma inovação penal.
Para compreendermos o que seria essa inovação penal, é importante tecermos alguns apontamentos sobre o conceito e as etapas da inovação.
3.3.1 Conceito e etapas da inovação penal
Antes de adentramos na discussão sobre a dita inovação penal na lei de drogas, é importante abrir um parêntese para explicar, de forma sucinta, o conceito e as etapas da inovação penal.
O conceito de inovação que aqui trazemos é extraído, em sua essência, de CAPPI (2017, p. 212:218) e PIRES (2011, p. 305:311). Cappi indica como referencial inicial da inovação a racionalidade penal moderna a partir de CAUCHIE; KAMINSKI 2007ª, 2007b; CAUCHIE, 2005; KAMISNKI, 2010; PIRES 1998, 2002, 2004, 2006. A inovação penal considera uma modificação quanto ao pensamento dominante da RPM, “a mudança é tida como inovadora na medida em que promove outra coisa do que a racionalidade aguerrida – hostil, abstrata, negativa e atomista -, cristalizada no sistema, desde o final do século XVIII (PIRES, CELLARD, PELLETIER, 2001 APUD CAPPI, 2017).
Assim, ao promover uma mudança que foge do paradigma dominante e sedimentado da racionalidade penal moderna, podemos dizer que essa mudança pode ser inovadora. Ou seja, se uma lei, se um tribunal ou mesmo (em sentido local) uma decisão judicial ou parecer ministerial trazerem em seu corpo uma disposição/encaminhamento diferente das penas aflitivas, como a prisão e a multa, para condutas criminalizadas, podemos dizer que houve uma novidade penal. No entanto há diferentes níveis de estruturas e estruturas com diferentes graus de consistência (PIRES, 2011, p. 305) para essa inovação.
Pires (2011) traz que as estruturas mais exigentes são os sistemas de pensamento centrais dos sistemas sociais por terem uma mais forte condensação de sentido, durar mais no tempo, terem maior capacidade de resistência à perturbação e por se situarem não apenas no plano de interação. Para explicar o sentido das estruturas, o autor traz alguns cenários de exemplos concretos.
O primeiro cenário é composto de um juiz que, em sentença, aplica uma pena de advertência ao invés de uma pena de prisão. Nesta situação, o promotor recorre e a sentença é reformada pelo tribunal. Assim, nesse primeiro cenário, a reprodução normal (da RPM) rejeita uma reprodução inovadora que aconteceu.
No segundo cenário, supõe o autor que aquele mesmo promotor propõe a pena de advertência, não oferecendo recurso na sequência, prevalecendo a sentença. Esse exemplo é consagrado por outros juízes e promotores no plano local, chegando inclusive em segunda instância, sendo alguns mantidos e outros não, tomando forma de uma reprodução normal (diferente da RPM). Esclarece Pires, no entanto, que nessa perspectiva, a duração desse cenário é incerta, a generalização e visibilidade são fracas, a capacidade de resistência à perturbações e a densidade cognitiva das comunicações são igualmente frágeis. Ou seja, não há uma mudança efetiva no conceito de pena, na legislação referente àquele crime, apenas uma aplicação inovadora no âmbito local, da qual não se consegue mensurar quanto tempo resistirá.
Dessa forma, a inovação deve ser feita em outras estruturas, em diferentes níveis. Deve ser revista pela doutrina, jurisprudência e aceita, pelo sistema político – criação/alteração de leis com caráter inovador -, e pelo sistema de direito – estrutura cognitiva e reflexiva do sistema. Para se fazer consistente, portanto, a inovação deve atingir a três etapas, que serão posterior e brevemente explicadas.
Para tanto, Pires nos chama atenção de que uma novidade puramente no campo legislativo, como acontece na lei de drogas, tem uma estrutura mais visível, talvez mais durável, porém possui uma densidade cognitiva bastante frágil e sem capacidade de resistência. Em outras palavras, a lei não explicita o sistema de pensamento, as diversas intencionalidades e motivações dos atores que irão interpretá-la e aplicá-la. Assim, “essa mudança só vai adquirir uma capacidade de resistência se ela conseguir suscitar uma reflexão teórica interna ao sistema que, por sua vez, seja também inovadora (desfazer obstáculos epistemológicos e reconstruir os conceitos e as teorias)”.
Dessa forma, como uma síntese ao exposto, CAPPI (2017, p. 215:2018) traz as três etapas da inovação, são elas: complexificação, a seleção e a estabilização.
A complexificação diz respeito ao primeiro cenário apresentado por Pires, visto acima. “É a constatação de uma multiplicação das fontes cognitivas e normativas” (CAUCHIE, 2005, p. 401 APUD CAPPI) disponíveis no âmbito da penalidade. Ou seja, são representações isoladas de eventos inovadores, mas que não são suficientes para invocar em profundidade uma inovação.
A seleção, nas palavras de Cappi, é um passo importante no sentido da consolidação da inovação. Ela acontece quando uma ideia, uma norma ou uma prática nova é adotada pelo programa normativo: podemos dizer que é o que ocorre com as penas alternativas do art. 28 da lei de drogas.
E, por fim, a estabilização ocorre quando a inovação é adotada no plano cognitivo e reflexivo até promover uma modificação da própria identidade, a ponto de ser integrado nas operações futuras do sistema e reconhecido como seu (DUBÉ, 2004). Trata-se, portanto, do momento de consolidação da inovação penal.
3.3.2 A inovação na lei de drogas
No âmbito na nova lei de drogas, Álvaro Pires e Jean-François Cauchie (2011) aduzem que houve uma novidade, que eles chamam de inovação “acidental” em matéria de penas. Isto porque a nova lei surge em contramão ao paradigma dominante da racionalidade penal moderna, acostumado com penas que impunham alguma forma de dor. Nas palavras dos citados autores (2011, p. 305), “uma ‘ação inovadora’ (ou um acontecimento inovador) é aquela que modifica uma estrutura, que produz uma reprodução inovadora da estrutura de referência”. Pensa-se, portanto, uma nova forma de lidar com o indivíduo considerado infrator.
Marcelo da Silveira Campos (2015, p. 104) aduz que é possível falar de uma inovação legislativa no que diz respeito à exclusão da pena de prisão e de multa. Nas palavras do citado autor “esta inovação, que se situa apenas no plano legislativo, produz implicações e impactos especial nas estruturas (normativa e cognitiva) do sistema de justiça criminal”. No entanto, como já foi ressaltado na seção acima, a inovação puramente legislativa não vincula a atuação do sistema de direito – atores da justiça criminal, devendo-se atentar para as etapas da inovação.
Desta forma, as penas do art. 28 da Lei foram e ainda são objeto de grande discussão e divergência na doutrina e jurisprudência. Logo após o sancionamento da lei houve o questionamento sobre a despenalização ou não na conduta de posse de drogas para consumo pessoal. O próprio STF[12] ratificou o posicionamento de que com a lei houve uma verdadeira despenalização da conduta do art. 28, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade.
De maneira semelhante posiciona-se o STJ[13]. Em julgados recentes a corte possui o entendimento de que houve uma despenalização do crime do art. 28 da Lei de drogas, estando mantido, no entanto, o status criminal da conduta.
Alguns doutrinadores, ainda, questionaram ter havido descriminalização das condutas tipificadas pelo art. 28. Essas medidas foram classificadas por aqueles como condutas sui generis (GOMES, et al, 2006, p. 5) pois não seriam nem crime nem contravenção, baseado no art. 1º da LICPB que considera crime infração penal que comine pena de reclusão ou detenção, que não é o caso das penas do art. 28.
Essas visões e posicionamentos de diversos autores e mesmo dos tribunais são justamente fruto do pensamento penal dominante que não considera as penas do artigo 28 como verdadeiras penas, tendo em vista que não prevê o encaminhamento às prisões, manicômios judiciais ou a imposição da multa, questionando, portanto, a validade das penas alternativas ou que não produzam aflição.
Embora previsto em lei, a aplicação do dispositivo legal depende, em regra, da interpretação dos atores jurídicos envolvidos - que se baseiam, além da lei, na doutrina, jurisprudência e nas teorias da pena e do direito. São as chamadas estruturas cognitivas ou de reflexão (PIRES, 2011, p. 309).
Pires e Cauchie (2011) aduzem que quando a mudança ocorre no plano cognitivo há o questionamento das estruturas dominantes. Doutrina e teorias do direito reveem de forma autocrítica as posições precedentes e encontram respostas aos argumentos que embasam(vam) a reprodução até então vigente. Há, nesses casos, a modificação central do conceito da pena. Correlacionando com a seção anterior, se atingiria a etapa de estabilização.
Como já explicitado, o mesmo não acontece com a mudança puramente legislativa. Em outras palavras, mesmo que seja mais visível e, até mesmo mais durável, a mudança puramente legislativa - como ocorreu na edição da Lei nº 11.343/2006 para a figura do usuário - possui uma densidade cognitiva frágil e com pouca capacidade de resistência. Álvaro Pires e Jean-François Cauchie (2011, p. 309) aduzem que “essa mudança só vai adquirir uma capacidade de resistência se conseguir suscitar uma reflexão teórica interna ao sistema que, por sua vez, seja também inovadora”.
Essa pesquisa se desenvolveu para observar como se dá a estrutura cognitiva do sistema de pensamento dos atores envolvidos com a aplicação do art. 28 da lei de drogas em Feira de Santana. Buscamos saber através das concepções dos Juízes e Promotores ligados às Varas dos Sistemas dos Juizados em Feira de Santana sobre o instituto da Nova Lei de Drogas, o que eles entendem sobre a função das medidas e penas alternativas e como eles aplicam esses dispositivos legais na cidade.
Ressalta-se que a aplicação da lei aqui não deve ser entendida no sentido mecânico, como efeito de causa e consequência, mas como uma aplicação da legislação, comparando a lei específica de drogas a outras leis. Ou seja, a força de influência da mudança legislativa da lei de drogas nas demais legislações criminais.
Assim, buscando entender como lidam os atores jurídicos que atuam no âmbito da aplicação do art. 28 em Feira de Santana com as penas alternativas, essa pesquisa se desenvolveu. Como já ressaltado, o objetivo não é meramente entender como é aplicado o dispositivo na cidade, mas principalmente como os atores pensam a agem a partir de então com o dispositivo e a possibilidade desta ‘inovação’ se estabilizar nessa e em outras legislações.
4.OS PROCESSOS DO CRIME DO ART. 28: ASPECTOS QUANTITATIVOS
A opção por uma pesquisa de caráter misto (quali-quanti) se deu pela possibilidade de analisar mais detalhadamente as práticas penais dos atores envolvidos no enfrentamento do crime do art. 28 da Lei de Drogas. Assim, nesse primeiro momento, foi possível visualizar como os atores atuavam e de que forma o processo se desenvolvia – se de acordo com o estabelecido legislativamente ou não.
Essa primeira parte foi muito importante não só para nos situar na pesquisa e obter dados relevantes quanto à atuação dos atores, mas também, a partir das percepções que tivemos, nos permitiu, posteriormente, verificar e comparar a prática dos atores (pelos processos) com a visão que eles possuem dessa atuação (através das posteriores entrevistas).
Desta forma, vamos trazer primeiramente o modo como a pesquisa quantitativa foi desenvolvida e descrever os dados e as percepções que obtivemos.
4.1 A CONSTITUIÇÃO DA AMOSTRA
Para iniciarmos a pesquisa foi necessário criar uma amostra para a coleta de dados.
Em um momento inicial, pensamos em estabelecer como objeto de pesquisa os termos das audiências dos processos que tramitaram em outubro de 2006 a outubro de 2015, considerando o mês e ano de entrada em vigor da Lei nº 11.343/2006 até o ano que a pesquisa se iniciou. No entanto, em virtude da impossibilidade de ter acesso aos processos físicos[14], foi elaborada uma nova proposta de amostra, a partir dos processos digitais, que vão de 2011 até 2015.
É importante mencionar que pela Lei nº 11.343/2006 o procedimento seguido nos crimes referentes ao “usuário de drogas” é o do Juizado Especial Criminal – Jecrim, de acordo com a Lei 9.099/95[15].
Em consulta processual realizada em 28 de outubro de 2015, a 1ª Vara do Sistema dos Juizados possuía 718 processos digitais; a 2ª Vara tinha 531 processos e a 3ª Vara, 619 processos. Do total de 1.868 processos foi elaborada uma amostra sob os seguintes critérios:
· Período - de fevereiro a abril dos anos de 2013 a 2015. A escolha dos meses foi feita de acordo com o período de maior incidência de Termos Circunstanciados (TCO) – os quais são lavrados no momento em que o indivíduo é encaminhado para a delegacia e compromete-se a comparecer ao Jecrim – tendo em vista as festas do carnaval, geralmente em fevereiro ou março, e da micareta – festa popular da cidade - em abril. O lapso temporal dos anos foi baseado do ano de unificação das varas (2013) para frente (até 2015), em que seria possível identificar a postura de cada um dos juízes nas decisões.
· Número de processos - A amostra passou a ter um total de 319 processos, sendo que deles 155 processos eram da 1ª Vara do Sistema dos Juizados, 86 processos da 2ª e 78 processo na 3ª Vara. Como nem todos os 319 processos tinham tido desfecho, a pesquisadora passou a considerar apenas os processos com algum desfecho, fosse esse:
1.1. a proposta de transação penal, mesmo que ainda não tivesse homologada;
1.2. sentença de homologação;
1.3. sentença de prescrição;
1.4. decisão que remetesse o processo ao juízo comum; ou
1.5. a denúncia.
Restaram assim 123 processos para a 1ª Vara, 34 processos da 2ª Vara e 50 processos da 3ª Vara, num total de 207 processos. Todavia, considerando o princípio constitucional da individualização da pena, foram levados em conta as características individuais de cada autor, e não apenas o processo em si. Como alguns processos possuíam mais de um autor a amostra se ampliou, passando a ser de 242 (duzentos e quarenta e dois) autores para 207 (duzentos e sete) processos.
Para ter acesso aos processos, a pesquisadora fez uma apresentação formal frente às secretarias de cada uma das varas do sistema dos juizados e à juíza coordenadora das Varas dos Sistemas dos Juizados em Feira de Santana. Foi apresentada uma carta-formal de apresentação, na qual descrevia o conteúdo e a finalidade da pesquisa, comprometendo-se a manter o sigilo das identidades dos autores do processo. Assim, foi disponibilizado pelas varas um usuário e senha para acesso aos processos digitais no sistema Projudi.
A partir dos processos colhidos foi elaborada uma tabela-geral[16], na qual constam inicialmente as seguintes variáveis: Informação Geral: vara, número do processo; TCO: local de apreensão, gênero do autor, cor do autor, profissão, grau de escolaridade, quantidade de droga e forma de acondicionamento, tipo de droga; Laudo: quantidade de droga, forma de acondicionamento, tipo de droga; Data: do delito e da distribuição do termo para a vara; Audiência preliminar: se aconteceu, data, comparecimento do autor e do Ministério Público; se houve necessidade de outra audiência; Transação Penal: se foi oferecida em parecer ou em audiência, qual a proposta oferecida, se foi aceita pelo autor, se foi homologada; se houve extinção de punibilidade por outro motivo; Desfecho do processo: se foi extinto por cumprimento da Transação Penal, se prescreveu, se foi remetido ao juízo comum; e por fim foi designado um espaço “outros” para o preenchimento de informações não previstas.
Essas variáveis foram definidas com o escopo de orientar a pesquisa em suas análises posteriores, a partir delas foi possível fazer uma combinação de variáveis que resultaram em tabelas e gráficos para a análise, o que nos fez chegar aos resultados.
Como já dito, em um momento inicial pensamos em fazer a pesquisa apenas com os termos das audiências, acreditando que estes seriam suficientes para revelar a atuação dos atores no processo. No entanto, percebemos que a ampliação do estudo dos processos se fazia necessária e foi crucial para identificar se umas variáveis influenciavam em outras (a exemplo, se as características do autor e das drogas influenciariam ou não a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público e na Homologação pelos Juízes) o como os atores lidavam com a questão do processo no crime em questão.
4.2 A ANÁLISE DOS PROCESSOS DO CRIME DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS E A ATUAÇÃO DOS JUÍZES E PROMOTORES FEIRENSES
Como já mencionado, para a presente pesquisa foram estudados 207 processos com 242 autores do fato de acordo com a definição das variáveis descritas acima.
Optamos por fazer uma análise detalhada do processo, com a observação desde os termos circunstanciados até o desfecho do processo.
No termo circunstanciado observamos as seguintes variáveis: local de apreensão, gênero, cor, grau de escolaridade, e o tipo de droga apreendida.
Dos 242 autores, 135 foram encontrados em via pública, 96 foram encontrados no circuito da micareta, 8 foram encontrados na residência do autor, 2 em bares e 1 no presídio.
Sob uma perspectiva geral – de todos os processos, independente das varas onde tramitavam -, tem-se que a maioria dos autores é do sexo masculino (96%), de cor parda (59%) e possui pelo menos ensino fundamental (60%). Como mostram as tabelas 1, 2 e 3:
Tabela 1 - Gênero do Autor do Fato
GÊNERO |
||
Masculino |
233 |
96% |
Feminino |
9 |
4% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Tabela 2 - Cor do Autor do Fato
COR |
||
Branca |
9 |
4% |
Parda |
142 |
59% |
Negra |
48 |
20% |
Não consta |
43 |
18% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa.
Tabela 3 - Grau de Escolaridade do Autor do Fato
GRAU DE ESCOLARIDADE |
||
Alfabetizado |
14 |
6% |
Fundamental Incompleto |
58 |
24% |
Fundamental Completo |
72 |
30% |
Médio Incompleto |
17 |
7% |
Médio Completo |
33 |
14% |
Analfabeto |
3 |
1% |
Superior Incompleto |
1 |
0% |
Não consta |
44 |
18% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
No que tange ao tipo de droga foi feito o referencial a partir das drogas constantes nos laudos periciais, momento em que é comprovada ou não a constatação da droga. Somente em 2% (n=5) dos casos (n=242) não havia laudo pericial para a constatação da droga.
Tabela 4 - Tipo de Droga
TIPO DE DROGA LAUDO |
||
Inalantes voláteis |
16 |
7% |
Cocaína |
84 |
35% |
Cannabis Sativa |
92 |
38% |
Crack |
22 |
9% |
Cannabis Sativa e Cocaína |
6 |
2% |
Cannabis Sativa e Crack |
9 |
4% |
Crack e cocaína |
6 |
2% |
Cannabis e Lança |
1 |
0% |
Inalantes voláteis, crack, cocaína, maconha |
1 |
0% |
Não consta laudo |
5 |
2% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Pela Tabela 4 pode-se notar que a droga mais incidente é a Cannabis sativa (38%), seguida da cocaína (35%) e do crack (09%). Os inalantes voláteis (conhecido vulgarmente como lança perfume) e a associação com outros tipos de drogas possuem menor incidência.
Ao se observar o oferecimento da proposta da Transação Penal no Processo é importante pontuar uma questão: identificamos dois momentos. O primeiro momento da proposta é feito no início, quando o processo é encaminhado para as varas, ou seja, já chega na vara com a proposta da transação penal. O segundo momento, por sua vez, é na audiência, se acontecer - esse ponto será melhor tratado e esclarecido mais adiante.
Quanto ao tipo de Transação Penal oferecida pelo Ministério Público nos pareceu que cada promotor possui uma proposta pré-definida ou pelo menos privilegiada. Mesmo com a diversidade penal que os incisos do art. 28 da Lei 11.343/06 podem oferecer – isolados ou cumulativamente (art. 28, I; art. 28, II; art. 28, III; art. 28, I e II; art. 28, I e III; art. 28, II e III; art. 28, I, II e III) -, de maneira geral, os membros do parquet oferecem as seguintes medidas:
Tabela 5 - Tipo de Transação Penal oferecida pela Ministério Público
TIPO DE TP OFERECIDA PELO MP |
||
Art. 28, II ou pena pecuniária |
100 |
41% |
Art. 28, III |
101 |
42% |
Art. 28, I, II e III |
14 |
6% |
Art. 28, II e III |
25 |
10% |
Nenhuma |
2 |
1% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Pelos dados da tabela 5 percebe-se que a pena mais oferecida é a do art. 28, III (42%); seguida da pena do art. 28, II ou pena pecuniária (41%) e da aplicação cumulada dos incisos II e III (10%). Por uma rápida análise dos dados dessa tabela poderia se inferir que o Ministério Público tem uma maior tendência a oferecer como transação penal a medida de comparecimento a cursos e programas educativos, seguida da prestação de serviços à comunidade. No entanto, por uma análise mais detida dos dados (tabela 6), percebe-se que é possível que cada promotor tenha um “perfil” de pena, tendendo a propô-la como transação penal[17]. Assim, as penas do art. 28, III e do art. 28, II ou Pena Pecuniária são as penas dos perfis dos promotores A e D, que foram os que mais atuaram nos processos:
Tabela 6 - Tipo de Transação Penal oferecida por Promotor
TP POR PROMOTOR |
||
A |
101 autores - art. 28, III* |
103 |
2 autores - art. 28, II + multa** |
||
B |
14 autores - art. 28, I, II, III cumulativamente - invariavelmente |
14 |
C |
25 autores - art. 28 II*** ou III**** |
25 |
D |
98 autores - art. 28, II***** ou pena pecuniária****** |
98 |
não consta TP |
|
2 |
*palestra no CAPS-AD; |
||
** prestação de serviços por 6 meses, 8h/semana + 01 salário min |
||
*** prestação de serviços por 2 meses |
||
**** palestra no CAPS-AD |
||
***** 2 meses, 2h/semana |
||
****** 1 salário min |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Retomando ao ponto das transações penais, é importante frisar que, no tocante ao rito seguido pela lei de drogas e ao comparecimento das partes na audiência, a Lei nº 11.343/2006 determina, para o usuário, o tratamento conferido pela Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099). De acordo com o procedimento desta lei (art. 72) é designada a audiência preliminar na qual, presentes o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima, é esclarecida pelo juiz a possibilidade de aceitação da proposta de aplicação imediata da pena não privativa de liberdade (transação penal) - neste caso as penas do art. 28, I, II, III -, expedindo-se o termo de audiência.
Embora a previsão legal acima descrita, observamos na amostra que 43% das TP foram oferecidas em parecer, e os 57% restantes não foram oferecidas devido a não ocorrência de audiência (56%) ou porque a TP não chegou a ser oferecida (1%) (tabela 7). Foi detectado que o Ministério Público não compareceu a nenhuma audiência preliminar a qual o autor também tivesse comparecido[18], vindo a estar presente em apenas 14 (n=242) audiências, nas quais o autor do fato não compareceu (tabela 8). Além disso, como já mencionado, foi observado que as propostas chegam às varas juntamente com os termos circunstanciados, em forma de parecer.
Tabela 7 - Momento de Oferecimento de Transação Penal
TP: OFERECIMENTO EM AUDIÊNCIA |
||
TP oferecida em parecer |
103 |
43% |
TP oferecida em audiência |
0 |
0% |
TP não oferecida |
3 |
1% |
Não houve audiência |
136 |
56% |
TOTAL |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Tabela 8 - Presença do Ministério Público em Audiência
PRESENÇA DO MP NAS AUDIÊNCIAS(por autor)[19]: |
||
MP e autor compareceram |
0 |
0% |
MP e autor não compareceram |
103 |
43% |
MP compareceu; autor não compareceu |
14 |
6% |
MP não compareceu; autor compareceu |
105 |
43% |
S/ marcação de audiência* |
20 |
8% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Parece-nos, com isso, que tal procedimento é utilizado para dar maior celeridade ao processo, por não necessitar da presença do parquet. No entanto, se assim o for, fere a intenção da negociação justa[20] da Transação Penal, tornando-a uma verdadeira imposição, na qual o autor se vê obrigado ou a aceitar a pena “oferecida”, ou a seguir com a instrução processual e ser denunciado.
A pesquisadora considerou ainda as formas de desfecho do processo. Observou-se que, de maneira geral, a forma de finalização processual mais recorrente é pela prescrição (31%), seguida da homologação da Transação Penal[21] (29%) e da denúncia[22] (16%). No entanto, grande parte dos processos estariam sem informação (s/i)[23] (11%) por não terem ainda chegado nessa fase processual. Há também aqueles que, embora com a Transação Penal homologada, vieram a prescrever (5%).
Tabela 9 - Forma de Desfecho para o Processo
DESFECHO DO PROCESSO |
||
Prescrição |
76 |
31% |
TP Homologada |
70 |
29% |
Denúncia |
40 |
17% |
Deslocamento |
3 |
1% |
Decisão homologação + Prescrição |
11 |
5% |
Denúncia + Prescrição |
7 |
3% |
Deslocamento + Prescrição |
4 |
2% |
Deslocamento + Denúncia |
4 |
2% |
Prescrição + Denúncia + Deslocamento |
1 |
0% |
S/I |
26 |
11% |
Total |
242 |
100% |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Como a pesquisa objetiva conhecer como lidam os juízes e promotores envolvidos com a aplicação das penas do art. 28 da Lei de drogas com as penas alternativas, foi importante observar, de maneira particularizada – para cada vara do sistema dos juizados – cada variável acima descrita.
De modo a condensar as elucidações, suprimiu-se as implicações das características físicas e sociais dos autores do fato e das drogas em cada Vara, tendo em vista que, como exposto acima, parecem não influenciar na escolha da transação penal e na homologação pelo juiz, motivo pelo qual foi posta a verificação nas entrevistas. Da mesma forma, dispensou-se a observação pormenorizada do momento do oferecimento da Transação Penal (se em parecer ou em audiência); e a presença do Ministério Público na audiência e do tipo de transação penal oferecida pelo MP.
Importante destacar que, pelo princípio da unicidade e indivisibilidade que regem o Ministério Público, todos os quatro promotores atuaram em processos tanto da 1ª, da 2ª e da 3ª vara.
Quando observada a quantidade de ocorrência das audiências, percebemos que, na 1ª Vara, o número de audiências que não ocorreram (68%) é superior ao número que ocorreram (32%). No entanto, tanto na 2ª, quanto na 3ª Vara, percebe-se que um maior número de audiências ocorreram (66%) e (61%), respectivamente, é de se notar, ainda, que a diferença é expressiva:
Tabela 10 - Realização de Audiências nas Varas
AUDIÊNCIA PRELIMINAR |
|||
|
1ª Vara |
2ª Vara |
3ªVara |
Audiências não ocorreram |
101 (68%) |
13 (34%) |
22 (39%) |
Audiências que ocorreram |
47 (32%) |
25 (66%) |
34 (61%) |
Total (n=242) |
148 (100%) |
38(100%) |
56 (100%) |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Notamos que houve um número maior de audiências realizadas na 2ª e 3ª Varas do que na 1ª Vara. Percebemos, com isso, que há uma maneira diferente de condução do processo em cada uma das varas. Os motivos para isso, no entanto, não puderam ser analisados na pesquisa.
No que se refere ao desfecho do processo, temos que:
Tabela 11 - Formas de Desfecho do Processo nas Varas
DESFECHO DO PROCESSO |
|||
|
1ª vara |
2ª vara |
3ª vara |
Prescrição |
70 (47%) |
0 |
6 (11%) |
TP Homologada |
34 (23%) |
14 (37%) |
22 (39%) |
Denúncia |
15 (10%) |
11(29%) |
14 (25%) |
Deslocamento |
2 (1%) |
1 (3%) |
0 |
Decisão homologação + Prescrição |
11 (7%) |
0 |
0 |
Denúncia + Prescrição |
7 (5%) |
0 |
0 |
Deslocamento + Prescrição |
4 (3%) |
0 |
0 |
Deslocamento + Denúncia |
4 (3%) |
0 |
0 |
Prescrição + Denúncia + Deslocamento |
1 (1%) |
0 |
0 |
S/I |
0 |
12 (32%) |
14 (25%) |
Total |
148 (100%) |
38 (100%) |
56 (10%) |
Fonte: coleta de dados da pesquisa
Na 1ª Vara a maioria dos processos prescreveu (47%), levando-se ainda em consideração que 7% dos processos, embora com a transação penal homologada, também prescreveram. Já na 2ª Vara do Sistema dos Juizados, percebemos que nenhum dos processos prescreveu, no entanto 32% deles está sem informação. O número de transações penais homologadas é de (37%) e em 29% dos processos o MP denunciou. Percebe-se que, na 3ª Vara do Sistema dos Juizados, o número de prescrição de processos é menor do que os da 1ª Vara, e maiores do que os da 2ª, totalizando 11%. O número de transações penais homologadas também é o mais expressivo (39%):
A partir desses dados foi constatado que:
a) Critérios como tipo/quantidade de droga e circunstâncias sociais/raciais/de gênero parecem não influenciar a transação penal a ser oferecida pelo ministério público e homologada pelos juízes.
b) Na maioria dos processos não há participação do ministério público na audiência e as propostas de transação penal são feitas, em maioria, por parecer (manifestação escrita) antes mesmo da distribuição do processo nas varas.
c) Cada promotor oferece um tipo de pena e a frequência dessas na amostra aqui estudada está claramente relacionada à quem atuou no processo.
d) Em cada uma das varas os processos “caminham” de diferentes maneiras, o que ocasiona desfechos diferentes.
5.AS CONCEPÇÕES ATRAVÉS DAS ENTREVISTAS: OS MODOS DE PENSAR DOS JUIZES E PROMOTORES FEIRENSES EM MATÉRIA DO CRIME DE USO DE DROGAS
A pesquisa até aqui, do ponto de vista metodológico, teve um caráter mais quantitativo e descritivo. No primeiro momento da pesquisa, nos ativemos aos dados observáveis nos processos de porte de drogas para consumo pessoal, descrevendo os dados relevantes os quais nos permitiram algumas percepções e constatações.
A partir de agora, caminhamos para a parte qualitativa. Serão apresentados os modos como foram realizadas as entrevistas, a maneira como foram obtidas as informações e as ideias que puderam ser abstraídas das falas dos entrevistados.
A análise das entrevistas foi feita a partir do método da Teoria Fundamenta nos Dados e serão feitas a partir de categorias elaboradas em virtude desse método. Após, apresentaremos alguns discursos que puderam ser apreendidos das falas dos atores.
5.3 A CONSTRUÇÃO DAS CATEGORIAS
O instrumento de investigação empírica escolhido foi a entrevista semiestruturada[24]. O roteiro das entrevistas foi constituído primeiramente com base nos dados obtidos a partir da observação dos processos pesquisados e, posteriormente, por perguntas abertas que permitissem à pesquisadora conhecer os modos de pensar dos entrevistados em relação ao crime e principalmente às penas do art. 28 da Lei nº 11.343/06.
A intenção da pesquisadora era entrevistar todos os atores que atuaram no processo dentro do recorte feito (meses de fevereiro-abril, 2013-2015), constituindo 04 (quatro promotores) dentre titulares e substitutos, e 03 (três) juízes titulares de cada um uma das varas. No entanto as entrevistas só puderam ser realizadas com 03 promotores (um deles não se disponibilizou para conceder a entrevista) e 02 (dois) juízes (um deles foi promovido para outra comarca). Assim, foram entrevistados 05 (cinco) atores jurídicos que atuaram nos processos estudados na primeira etapa da pesquisa.
Como os atores envolvidos na pesquisa possuem algumas particularidades - juízes e promotores - foram criadas perguntas gerais (que valessem tanto para juízes quanto para promotores) e perguntas específicas (perguntas propriamente direcionadas aos juízes e perguntas propriamente direcionadas aos promotores). A necessidade de se fazer essa distinção se deu justamente pelas diferentes formas de atuação desses atores jurídicos: enquanto os primeiros oferecem as propostas de transação penal, os segundos homologam ou não essa proposta, sendo necessário saber, na presente pesquisa, de que forma eram feitos esses procedimentos.
Fruto das inquietações suscitadas e hipóteses levantadas, foram construídos os roteiros a seguir:
ROTEIRO ENTREVISTA PROMOTOR
I – Qual (is) os critérios que V. Exª utiliza para a definição da proposta de Transação Penal a ser oferecida?
II – Como é oferecida a Transação Penal, em parecer ou em audiência? Por que? Quais os benefícios e as dificuldades de se utilizar de uma maneira ou de outra?
III – Além das penas do art. 28 da Lei nº 11.343/06, V. Exª utiliza outros tipos de penas alternativas? Qual(is)? Por que?
IV - Caso o autor não compareça para audiência preliminar, qual o procedimento adotado por V. Exª?
V – Como V. Exª encara a importância da negociação da Transação Penal no Processo?
VI – Como V. Exª caracteriza as penas do art. 28 da Lei de Drogas?
VII – Para V. Exª, quais as repercussões das penas alternativas do art. 28 da Lei de Drogas para o mundo jurídico?
VIII – Para V. Exª, quais as repercussões da aplicação das penas alternativas do art. 28 para sociedade e para o usuário-infrator?
ROTEIRO ENTREVISTA JUIZ
I – V. Exª costuma participar das audiências preliminares? Como V. Exª considera a participação do juiz de direito na audiência preliminar?
II – Como é feito o processo de homologação das Transações Penais?
III - Caso o autor do fato não compareça para a audiência preliminar, qual o procedimento adotado por V. Exª?
IV – Como V. Exª encara a importância da negociação da Transação Penal no Processo?
V – Como V. Exª caracteriza as penas do art. 28 da Lei de Drogas?
VI – Para V. Exª, quais as repercussões das penas alternativas do art. 28 da Lei de Drogas para o mundo jurídico?
VII – Para V. Exª, quais as repercussões da aplicação das penas do art. 28 para sociedade e para o usuário-infrator?
As primeiras perguntas, tanto do roteiro de entrevista do promotor quanto do roteiro de entrevista do juiz, possuem a intenção de saber e entender como esses atores jurídicos atuam nos processos. Embora a pesquisadora já tivesse uma noção da maneira como aconteciam os processos a partir dos dados colhidos na primeira fase da pesquisa, esse momento foi necessário para se ter conhecimento da importância que esses atores sociais atribuem a cada etapa da atuação deles no processo.
No intento de conhecer o pensamento dos atores entrevistados, a gradação de perguntas foi uma etapa necessária para se chegar às perguntas mais diretas, sobre as penas do art. 28 da Lei de drogas. Buscamos, portanto, conhecer como os atores jurídicos lidam com as penas atribuídas ao crime do art. 28 e como as compreendem, sobretudo a partir da possibilidade de estas representarem mudanças para o mundo jurídico.
Quanto ao momento das entrevistas, é válido mencionar que este é um passo importante no qual devemos tomar alguns cuidados[25]. É preciso ser gentil, claro, mostrar empatia, estabelecer uma conversa introdutória ambientando o entrevistado na pesquisa; estar confortável e deixar o outro confortável; não interromper e não falar demais. É importante mostrar interesse nas respostas, saber relançar as perguntas - quando necessário, prestar atenção nas respostas não verbais, no comportamento do entrevistado, que grande parte das vezes diz muito além do que o entrevistado fala, por fim, não devemos fazer julgamentos.
Alguns entrevistados sentiram-se mais confortáveis respondendo às perguntas sem o gravador, de modo que as respostas foram redigidas no mesmo momento da fala, pela pesquisadora. Já outros não tiveram problemas em conceder a entrevista por meio de gravação.
Após as entrevistas houve o momento de transcrição e análise do material obtido que, conforme já explicitado na metodologia[26], foi realizada seguindo o método da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD).
Cabe ressaltar que pelo método da TFD o processo de leitura do material empírico deve ser constante e repetida nas diversas fases da análise. Assim, a cada releitura do material foi possível condensar mais conceitos em uma mesma categoria, de forma que esta se tornasse mais geral e abstrata, atingindo a saturação, isto é, quando as observações apenas suscitam exemplos que componham as categorias já existentes, sem que haja necessidade de remanejá-las. Nesse momento, “a teoria emergente encontra-se estabilizada: o pesquisador entende que as categorias construídas, bem como as relações que as interligam, têm plausivelmente um caráter de generalidade, pelo menos em relação aos dados observados”.
Assim, as categorias foram desenvolvidas com base no objeto de estudo. É importante pontuar que houve categorias extraídas diretamente das perguntas e outras que foram criadas a partir das respostas espontâneas dos atores. As categorias, que serão explicadas e trabalhadas adiante, foram as seguintes:
A) Critérios utilizados pelos promotores para oferecimento da Transação Penal;
B) Envolvimento do ator com o processo
C) Percepção da Transação Penal no Processo
D) Natureza e caráter das penas do art. 28 da Lei de Drogas
E) Eficácia, Efetividade e Rigor penal das penas do art. 28 da Lei de Drogas
F) Repercussões das penas do art. 28 para o mundo jurídico
G) Repercussões das penas do art. 28 para a sociedade e para o infrator
H) As repercussões das penas alternativas para o mundo jurídico
I) Figura do legislador na tipificação do crime
A partir dessa estruturação, passamos a analisar os discursos dos entrevistados através das categorias formuladas.
5.4 ANÁLISE DOS DISCURSOS À LUZ DAS CATEGORIAS
Passamos agora para a análise das entrevistas, relacionando as categorias criadas com as falas dos atores. Aqui, serão apresentadas as ideias que puderam ser abstraídas das falas dos atores entrevistados, sem atribuição direta de quem fala. No entanto, será possível notar os contrastes que ora aparecem em virtude das semelhanças e diferenças das ideias de cada entrevistado.
A) Critérios utilizados pelos promotores para oferecimento de TP
A primeira categoria apresentada diz respeito aos critérios estabelecidos pelos promotores para o oferecimento da transação penal. Essa foi uma categoria criada pela pesquisadora que buscou saber se os promotores possuíam algum critério para estabelecer a transação penal a ser proposta.
Identificamos que os entrevistados adotam como critério de oferecimento da proposta de transação penal a ideia de eficácia da pena e da a interpretação conforme à lei:
“A medida do inciso III é mais esclarecedora, não há aspecto punitivo no juizado, sendo a mais consentânea das três penas.(...) Não há a interferência de outros critérios como quantidade de drogas. (...)É um critério de eficácia da pena, tendo em vista que a advertência tem eficácia nula, a prestação de serviços à comunidade é mais punitiva e a medida de comparecimento a cursos e programas educativos é mais eficaz”.
“Não vejo sentido em criar critérios para oferecer a TP, como quantidade de droga, já que a Lei de Drogas não deixou nada explícito”.
Notamos que, como sugerido anteriormente, não aparece a interferência de critérios como tipo e quantidade de droga, nem gênero, cor, condição social do autor do fato para o estabelecimento da proposta, confirmando o que preliminarmente foi observado na fase quantitativa da pesquisa. Os critérios que definem o oferecimento da transação penal, são, portanto, a eficácia da pena e interpretação conforme à lei.
B) Envolvimento do ator com o processo
Essa categoria foi elaborada com o intuito de saber a forma como esses atores jurídicos oferecem a transação penal no processo e a importância que eles atribuem a sua participação efetiva nas audiências.
De modo geral, percebemos que os entrevistados oferecem as transações penais por meio de manifestação escrita. Os motivos para tanto, todavia, são diferenciados. Perpassam pela otimização do tempo do promotor de justiça, celeridade do processo e a racionalização de recursos. Apenas na fala de um dos entrevistados apareceu a ideia de que o autor do fato teria direito a ter conhecimento prévio do oferecimento da transação penal:
“é encaminhada uma manifestação pedindo pra certificar sobre os antecedentes e, no caso de não ter, já é proposta a transação penal. (...) na prática o ministério público recebe o termo circunstanciado e já manda o termo circunstanciado para o juizado com a proposta”.
“é escolhida essa medida porque ganha-se tempo, é mais célere, para já chegar na audiência e ter a transação penal. Tem como benefício a celeridade, a racionalização de recursos”.
“Porque no momento o noticiado (...) é intimado para comparecer em audiência, ele tem ciência de que já tem uma proposta oferecida, então ele já tem uma proposta, já vai sabendo que tem aquela proposta ou se insurgir, dizendo que não quer aquela proposta”.
Quanto à participação na audiência preliminar, de maneira geral, percebemos que existe a ideia de que não há a necessidade da presença do promotor de justiça e do juiz de direito no feito. Dessa forma, a transação penal, que já teria sido oferecida no processo, seria apresentada ao autor do fato por meio do conciliador ou juiz leigo e a negociação da transação penal, embora “salutar”, resulta ser “inexistente” ou “limitada” e “mitigada”. A ideia da necessidade de participação na audiência preliminar e de que este seria o momento para se negociar a transação penal, como “uma maneira de humanização do processo penal”, só apareceu em uma das falas, sendo excluída para as demais.
“Não, na audiência preliminar é só entre autor do fato e conciliador. A princípio não há necessidade de o juiz de direito participar dessas audiências porque ela já tem um fim, que é o propósito da conciliação, mediação”.
“não existe negociação numa audiência criminal, é uma aceitação ou não, ‘ou você aceita ou responde ao processo’. É uma proposta fechada que o ministério público faz, na qual a parte deve aceitar ou não, se não aceitar é denunciado”.
“As possibilidades de negociação são muito poucas, assim o autor do fato não teria muitas opções para a escolha, no caso a negociação restaria mitigada”.
“e nessa audiência é feita a proposta, a gente explica quais são as consequências da aceitação, da não aceitação, qual o período, se fosse um caso, por exemplo, de prestação de serviços à comunidade, durante tanto tempo, por tal período, toda a explicação de como é, é feito ali, é necessário que tenha um advogado, óbvio, pelo direito de defesa dele, então o advogado concorda ou não juntamente com ele, com a questão dos termos da proposta. Pessoalmente a gente sempre teve a oportunidade de ouvir o outro lado”.
C) Percepção da Transação Penal no Processo
Esta terceira categoria foi criada a partir das falas dos atores ao longo das entrevistas que, de forma espontânea, pontuaram qual a visão deles sobre a transação penal no processo.
Para um dos atores, a transação penal foi questionada, como sendo uma forma de flexibilização de garantias, já que ainda não há processo para o autor do fato se defender. No entanto, de maneira geral, podemos perceber que a transação penal é encarada como um benefício e uma oportunidade para o autor do fato, assim como um mecanismo que auxilia na otimização do funcionamento do judiciário:
“é interessante porque ela (a lei 9.099/95 )lida com um processo, sem você ter um processo penal, daí porque questionável se você de alguma forma não flexibiliza garantias, porque você se defende de um processo, de uma ação, de uma ação que inicia-se com uma denúncia, na transação penal, no Jecrim, você não tem uma denúncia, você tem um termo circunstanciado”.
“(...) homologado, a gente tem o cuidado de verificar se o autor do fato tem antecedentes criminais, se ele já fez jus a homologação, porque se ele já respondeu a um processo, um termo circunstanciado em que ele teve o benefício da transação penal, ele fica durante um período sem poder renovar esse benefício. Então tem um prazo de 05 cinco anos em que ele não pode ter um novo benefício da transação penal”.
As entrevistas revelam que há uma inclinação para o convencimento do autor do fato quanto à aceitação da transação penal que, embora os atores entendam ser um benefício para o autor do fato, entendemos também ser um benefício para o judiciário que passa a não ter o elevado custo de se prosseguir com o processo.
D) Natureza e caráter das penas do art. 28 da Lei de Drogas
A partir desse momento vamos passar a observar mais direcionadamente a visão que os promotores e juízes entrevistados possuem sobre as penas do art. 28 da lei de drogas. Essa categoria foi construída a partir de uma pergunta criada pela própria pesquisadora para saber como os atores entendem as penas do art. 28 da lei de drogas e qual o caráter que os atores atribuem à elas.
As respostas quanto à natureza das penas foram variadas. Alguns atores entendem as penas do art. 28 como medidas administrativas que são tratadas, porém, no âmbito do direito penal; outros como penas que possuem resposta penal insignificante e não possuem efetividade no plano concreto, já que em caso de descumprimento não há a previsão de “penas verdadeiras”; outro as entende como penas não encarceradoras e benéficas para o mundo jurídico, por prever sanções diversas da prisão. É possível perceber, ainda, no meio da fala de todos, a ideia da função reabilitativa da pena, aquela com o intuito de recuperar o usuário-infrator e “trazê-lo para a realidade”:
“Como não há disposição sobre detenção, reclusão, seria um ilícito penal que encontra sanção no âmbito do Direito Administrativo”.
“Acredito que as penas do art. 28 não tenham efetividade alguma no plano concreto, porque em caso de descumprimento não há nenhuma consequência prática para o autor, porque não há a possibilidade de aplicar uma pena privativa de liberdade em momento algum, não há coercibilidade da medida. As penas, na verdade, acabam se configurando como conselhos aos quais o autor do fato deveria seguir, sendo melhor descriminalizar ou criminalizar com penas verdadeiras”.
“Para o modelo que nós temos de legislação, não deixa de ser uma evolução, então é muito mais alentador imaginar que o legislador em 2006 conseguiu ao menos imaginar que essas pessoas não precisam ter o cárcere como resposta”.
“Então uma pena alternativa traz ele a uma realidade, de que ele faz parte de uma comunidade, de que ele faz parte de uma sociedade e ele tem responsabilidades a cumprir e muitas vezes o usuário não sabe o que é responsabilidade, porque ele não tem responsabilidade consigo mesmo, porque ele faz um mal, um mal ao seu corpo, a seu organismo, a sua saúde e também faz um mal a sua família e a sua comunidade”.
A questão que primeiramente se traz é que, se não há a previsão de pena privativa de liberdade, as penas do art. 28 não devem ser consideradas como sanção penal, mas sim como uma sanção administrativa que é tratada no âmbito penal. Como veremos mais adiante, muitos consideram que não houve coragem do legislador para descriminalizar, motivo pelo qual foram impostas essas sanções alternativas.
Outra questão importante de ser notada na colocação de alguns dos entrevistados, é que, caso o autor do fato descumpra a sanção a ele imposta, não é previsto pela legislação uma ação coercitiva do Estado para obrigá-lo a cumprir, como no caso de uma previsão de pena privativa de liberdade, mesmo que em último momento. A intenção é, portanto, de se ter a certeza quanto à punição. Ou seja, na visão deles, se por trás das penas alternativas previstas no art. 28 houvesse a previsão de uma pena mais severa (leia-se: prisão), aí sim as penas do art. 28 teriam validade, haja vista que haveria a ‘certeza’ da punição em algum momento. Mais uma vez, é como se as penas do art. 28 não fossem verdadeiras.
Apenas um ator considerou as penas do art. 28 benéficas por fugir do padrão encarcerador comum das respostas penais. É importante destacar isso, pois, ao mesmo tempo que identificamos, em um todo, atores processuais com uma postura mais tradicional em relação à pena, observamos que alguns elementos indicam a apresentação de novos horizontes na concepção tradicional das penas.
Por fim, um ponto que pareceu ser comum a todos foi justamente a função reabilitativa da pena, pois “para o autor do fato as medidas alternativas previstas em lei tem grande efeito a depender do próprio autor do fato, se ele for aberto à medida e quiser de fato mudar, a medidas apresentam-se um convite para a mudança”.
Outro aspecto marcante nas entrevistas foi a noção dos entrevistados quanto à descriminalização ou não, por um lado, e da despenalização ou não, por outro, do crime e das penas do art. 28. Notamos que, segundo o entendimento deles, o fato do art. 28 da lei de drogas não prever em nenhum momento a privação da liberdade como sanção para o crime de uso de drogas, desqualificaria a conduta como crime e desqualificaria os três incisos do art. 28 como pena.
“É claro que houve uma descriminalização, porque não houve previsão de detenção, reclusão, prisão, internação compulsória, e em sede de condenação, seja em sede de transação penal”.
“Como lidar com essa nova possibilidade dos usuários de drogas que a gente não tem a perspectiva de uma pena”.
Com isso, temos que a questão da descriminalização e da despenalização da conduta tipificada no art. 28 da lei de drogas é muito marcante entre os atores jurídicos entrevistados. Mesmo passado mais de 10 anos da edição da lei, quando houve acaloradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a questão, é visível que este ponto ainda não se encontra estabilizado entre os atores jurídicos envolvidos na aplicação do art. 28 da lei de drogas em Feira de Santana.
É possível identificar ainda que esta “confusão” quanto à definição de crime e de pena é sempre condicionada à questão da previsão ou não da privação de liberdade como sanção para o crime. Mesmo para aqueles atores que consideram as penas do art. 28 como “penas verdadeiras” e com resposta penal relevante, há ainda uma dificuldade de se conceituar tais medidas, ao menos de forma imediata, como pena. Em outras palavras, o modo como compreendem e o sentido que atribuem às penas gira em torno da privação de liberdade, que, por sua vez, condiciona a existência ou não do crime, em um simples esquema: se há prisão, há pena e se há pena, há crime.
Vale dizer, nesse sentido, que os próprios atores jurídicos encontram-se aprisionados pelo conceito de pena atrelado necessariamente à prisão.
E) Eficácia, Efetividade e Rigor penal das penas do art. 28 da Lei de Drogas
Essas categorias surgiram a partir das falas dos atores no decorrer das entrevistas, de forma espontânea, ou seja, sem nenhuma pergunta direta a seu respeito.
Nos pareceu que, para os entrevistados, a efetividade e a eficácia das penas do art. 28 estão diretamente ligadas a existência de uma fiscalização e a um instrumento coercitivo, que garantam a certeza do cumprimento da medida:
“Acredito que as penas do art. 28 não tenham efetividade alguma no plano concreto, porque em caso de descumprimento não há nenhuma consequência prática para o autor”.
“Eu acho que uma das coisas que mais reforça o não acreditar na eficácia dessas penas é a falta de estrutura e fiscalização também, porque se a gente for pensar, ‘restrição de final de semana’, ok, você diz que você não vai poder, quem vai fiscalizar isso? O cumprimento a entidades tal, quem vai fiscalizar que ele está indo”.
Também foi identificado na fala dos atores jurídicos, mais especificamente dos promotores, a questão do rigor de cada uma das penas constantes nos três incisos do art. 28 da lei de drogas. Para eles, o rigor das penas seria característica que estaria diretamente ligada à eficácia ou não da pena, ou seja, se a pena tivesse o rigor necessário, ela seria capaz de surtir efeitos no infrator.
Percebemos, dentre as respostas, a necessidade de se propor penas coerentes com o crime e com a realidade do autor do fato. Para estes, a pena de advertência, seria totalmente dispensável e sem sentido, pois não deveria ser atribuição do juiz e promotor de justiça, já que estes não teriam a função de educar/conscientizar os infratores. Já a prestação de serviços à comunidade não seria uma resposta adequada ao crime de porte de drogas para consumo pessoal, pois não tem relação lógica do crime com a pena e por isso, seria mera retribuição penal. A pena do inciso III, por sua vez, seria a mais positiva e com possibilidade de ser eficaz, por ter relação com o crime e uma repercussão mais positiva para o usuário. Vejamos:
“(...)advertência nunca é proposta, porque informação está disponível para todos e eu não vejo eficácia numa medida de advertência. A medida prioritariamente formulada é a do inciso III, a prestação de serviços à comunidade é como se fosse subsidiária, caso o autor do fato não aceite a medida de comparecimento a cursos e programas educativos. A medida do inciso III é mais esclarecedora, não há aspecto punitivo no juizado, sendo a mais consentânea das três penas (...). A prestação de serviços à comunidade é mais punitiva”.
Assim, identificamos que a pena mais proposta é a do inciso III, que é o encaminhamento a cursos e programas educativos. As propostas de transação penal, no entanto, variam a depender do promotor que as propõe, como percebemos pela categoria critérios para oferecimento de transação penal. Assim, embora todos concordem que dentre as penas do art. 28 há uma gradação de rigor das penas, cada um dos entrevistados justifica a sua aplicação de maneira diferenciada, adotando os critérios que foram elucidados na categoria A.
F) Repercussões das penas do art. 28 para o mundo jurídico
Buscamos saber como esses atores veem os efeitos no mundo jurídico da previsão legal de uma pena não privativa de liberdade na cominação principal para um crime.
Encontramos, em algumas entrevistas, a ideia de que o estabelecimento das penas do art. 28 foi um importante passo para se chegar à total descriminalização do crime de uso de drogas. No entanto, existe a noção de que não houve um avanço em matéria de penas, já que a resposta penal prevista seria insignificante, por estar desprovida de uma coerção ulterior:
“É um avanço no sentido que descriminalizou, não acredito que houve um avanço penal, pois não existe crime sem previsão de pena de reclusão ou detenção e não existe contravenção se não há prisão ou multa, mas há uma inovação no sentido de que não se trata mais o viciado em drogas como criminoso”.
“No caso especifico da lei de drogas a lei não dá a resposta, em alguns casos, quando não há a TP há a denúncia, o efeito prático é somente potencial de gerar (...) a resposta penal é insignificante, qual a opção do legislador: fingir que está punindo ou descriminalizar”.
Notamos que, na visão de alguns dos entrevistados, é melhor tirar a conduta de porte de drogas para consumo pessoal do rol dos crimes do que punir com as penas que estão estabelecidas, tendo em vista que estas tornam o direito penal sem efetividade.
A preocupação com o direito penal em detrimento do crime é clara: é como se atribuirmos ao Direito Penal uma pena que não seja “verdadeira” (uma pena não privativa de liberdade) fosse um malefício para a sua efetividade, devendo-se, portanto, descriminalizar logo para “cortar o mal pela raiz”. Para estes atores, portanto, não há um avanço penal justamente por não se tratar de penas, mas sim uma resposta insignificante ou pouco eficaz no que tange ao direito penal.
Apareceu, contudo, na mesma categoria, entre alguns entrevistados, a ideia oposta à supracitada: de que as penas do art. 28 da lei de drogas repercutem no mundo jurídico de modo positivo. O motivo para isso, no entanto, são diferentes: uma entrevista aponta ser positivo, haja vista ser uma forma de o direito penal dar uma resposta ao crime, mas sem o elevado custo do cárcere; e outra, por sua vez, aponta que as penas do art. 28 apresentam o caminho que se busca de cada vez mais, de se apostar em alternativas penais:
“Bom para o mundo jurídico foi uma alternativa que se teve para que despenalizando para aqueles menores, aqueles crimes de menor potencial possa ser dada uma resposta do judiciário, mas sem o custo tão grande como é o de manter o preso em cárcere privado. Então a pena alternativa te esse benefício em não trazer esse custo tão grande como é o de manutenção do preso”.
“Então de alguma forma eu acho que isso aqui no mundo jurídico vai de acordo com os princípios mais despenalizadores que se busca, de cada vez mais se apostar nas penas alternativas”.
G) Repercussões das penas do art. 28 para a sociedade e para o infrator
Essa categoria objetivou descobrir como os atores enxergam a eficácia das penas para o usuário-infrator e para a sociedade.
Dentre as falas, foi possível identificar um consenso de ideias quanto às penas do art. 28 serem positivas se influenciar positivamente na vida do usuário (impedir que ele cometa o crime novamente) e que repercutem positivamente a depender da pena aplicada. No entanto, foi marcante a existência de uma preocupação de que a previsão de tais penas pode ensejar para a sociedade uma visão de injustiça e impunidade:
“Se ele cumprir uma das medidas previstas em lei e, inclusive, deixar a droga, participando de programas educativos e até dando palestra contra o uso das drogas e os efeitos nocivos, é claro que há um efeito positivo da pena sobre a sociedade. Mas insisto que se ele não cumprir nenhuma das medidas do art. 28 e voluntariamente não há nenhuma consequência penal e moral, pode passar a impressão para a sociedade de impunidade e ineficácia das medidas”.
“Mas em relação à comunidade a percepção que eu tinha, naquele momento, não só em relação ao 28, mas em relação a todos os crimes do jecrim, é que existe essa sensação muito grande, porque a vítima ainda é acostumada a ter como resposta a punição “se ele não sofrer tanto quanto eu não teve um retorno, não teve um efeito”, infelizmente nossa cultura ainda é de encarcerar, infelizmente”.
Percebemos, com isso, de que mesmo que a pena possa ser positiva para o usuário, existe uma preocupação dos atores com a resposta a ser dada em virtude do que a sociedade espera que, ainda, passa longe de ser uma resposta alternativa à prisão.
H) As repercussões das penas alternativas para o mundo jurídico
Embora não tenha sido objeto diretamente de pergunta, em todas as falas foi possível identificar a opinião dos entrevistados quanto às penas alternativas de um modo geral. As penas alternativas foram consideradas importantes, mais efetivas para a ressocialização, porém que deveriam ser utilizadas a depender do crime ao qual se aplica e quando há uma garantia de cumprimento (por meio da “coerção”).
“Existe na sociedade brasileira muito direito penal – direito penal simbólico, acionado para tudo, perdendo a força de contenção, a ultima ratio do direito penal fica mitigada. As penas alternativas são maravilhosas, no entanto são aplicadas para crimes que nem deveriam ser crimes, como os de menor potencial ofensivo (ameaça, lesão leve, vias de fato, injúria, difamação...). Crimes de ação privada, crimes contra o patrimônio e que não envolvam violência ou grave ameaça, crimes com possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade para as restritivas de direito não deveriam ser tratadas pela justiça comum criminal e sim pelos juizados”.
“Uma pena alternativa de prestações serviços à comunidade num crime de lesões corporais, por exemplo, se o autor do fato não cumprir, o processo volta para ele cumprir outra pena coercitivamente. O mesmo não acontece com as penas do art. 28 da lei de drogas”.
Percebemos, com isso, que embora a pena alternativa devesse ser privilegiada em alguns casos – como nos crimes de menor potencial ofensivo -, ela assim só deveria ser considerada se houvesse a previsão legal de uma pena privativa de liberdade em caso de descumprimento, como no caso da medida alternativa no crime de lesões corporais.
Um ponto que nos chamou atenção é a maneira como a maioria dos entrevistados aborda a ideia de coerção, se limitando à privação de liberdade. Mesmo que a coerção propriamente dita sirva para garantir o cumprimento da pena por obrigar alguém a fazer algo, observamos nas falas dos entrevistados que a única medida coercitiva suficientemente capaz de fazer com que o usuário infrator cumpra a pena é a previsão, ao menos subsidiariamente, de uma medida privativa de liberdade.
Ou seja, a ideia de coercibilidade, que em sua definição original possui uma dimensão de obrigatoriedade - podendo abarcar medidas como as próprias penas alternativas, previsão de responsabilização civil e outras medidas igualmente coercitivas mas não necessariamente privativas de liberdade -, no sentido trazido pela maioria dos entrevistados, está intrinsecamente ligada à ideia aflitiva da previsão, ao menos subsidiária, da prisão.
Portanto, nessa dimensão, somente a privação da liberdade garantiria o cumprimento da sanção alternativa doravante imposta.
Por fim, percebemos ainda que a pena alternativa não seria considerada adequada para infrações mais severas com latrocínio e homicídio.
I) Figura do legislador na tipificação do crime
Essa categoria foi criada por termos identificado na fala dos atores a recorrente questão da figura do legislador de 2006 no momento da tipificação do crime do art. 28.
É possível perceber, entre os atores, uma certa insatisfação com esta figura legislativa: i) ou por este ter tipificado a conduta de porte de drogas para consumo pessoal como crime; ii) ou por este ter estabelecido penas “sem coercibilidade” como respostas penais para um crime; iii) ou por este ter estabelecido a conduta de porte de drogas para consumo pessoal como crime e cominado penas diversas à prisão.
A maioria dos entrevistados trataram a questão como se, na verdade, tivesse havido uma “confusão do legislador” na tipificação do crime do art. 28 ou uma “falta de coragem” desta figura para descriminalizar a conduta de uso das drogas, ou mesmo que tenha sido uma postura “proposital para ser um avanço gradual” e não se descriminalizar a conduta por completo. Por isso, ter imposto penas diversas da prisão, foi visto como uma forma de compensação à sua omissão:
“A gente sempre comenta que o legislador não teve talvez a coragem necessária de enfrentar a questão de descriminalizar o uso da droga, então ele manteve um crime, o art. 28 da lei 11.343/06, mas ao mesmo tempo ele não previu uma pena como a gente tem, nos moldes, no padrão da pena restritiva de liberdade da legislação anterior, por exemplo”.
É possível observar a estranheza com a qual os atores enxergam as penas do art. 28 da Lei de Drogas. Todos acreditam que, na verdade, o legislador caiu em equívoco (confusão) ou foi uma ‘medida estratégica’ (uma saída para não descriminalizar a conduta) ao instituir como penas a advertência, a prestação de serviços à comunidade e as medidas de comparecimento a cursos e programas educativos.
No entanto, ao mesmo tempo em que dizem e demonstram não concordar com o posicionamento “do legislador” na tipificação do crime do art. 28 ou com as penas que este impôs, percebemos que os mesmos sempre agem de acordo com essa vontade legislativa em relação ao crime e às penas do art. 28:
“(...) essa sensibilidade no sentido da gente ter que buscar alguma coisa que tivesse mais, que pudesse respeitar aquela opção daquele indivíduo no uso da droga, mas que também contemplasse o que a legislação disse, a legislação disse “olha, não disse que não é mais crime, continua sendo crime, agora eu disse que a resposta a isso vai ser diferenciada”.
É, portanto, possível perceber que, embora digam pensar de uma maneira (não concordam com a atitude legislativa), atuam de maneira diversa, justificando suas posturas principalmente na vontade do legislador de 2006.
3.3 OS DISCURSOS-TIPO
De uma maneira resumida, as categorias e as modalidades atribuídas a elas em nossa análise podem ser visualizadas através do seguinte quadro:
CATEGORIAS |
RESPOSTAS DOS ATORES |
|
A) Critérios utilizados pelos promotores para oferecimento de TP |
Aplicação do que está posto em Lei |
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Eficácia da pena (mais instrutiva) |
||
B) Envolvimento do ator no processo |
|
|
Modo de oferecimento da TP |
Parecer |
|
Audiência |
||
Motivos utilizados pelos promotores para oferecimento em parecer |
Otimização do tempo do promotor de justiça |
|
Celeridade/racionalização de recursos |
||
Direito do autor do fato em ter conhecimento previamente do oferecimento de uma tp |
||
Participação do juiz na Audiência Preliminar |
Não participa, apenas supervisiona |
|
Não participa |
||
Importância da participação do juiz de direito na audiência preliminar |
Dispensável, suprimida pelos conciliadores |
|
Dispensável, único juiz para várias audiências |
||
É uma atribuição desnecessária para o juiz de direito |
||
Processo de Homologação das TP |
Sempre homologa as TP, mas analisa os atos do MP |
|
Sempre homologa as TP |
||
Negociação da Transação Penal |
Inexistente |
|
Limitada e mitigada |
||
"Salutar", mas o juiz não integra a negociação |
||
Limitada entre autor do fato e conciliador |
||
Importante para se dar significado a pena |
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Momento de ouvir o outro - humanizar o processo penal |
||
C) Percepção da Transação Penal No Processo |
Oportunidade/benefício para o autor do fato |
|
Otimização do judiciário |
||
Racionalização de tempo do Promotor |
||
Forma de flexibilização de garantias |
||
D) Natureza e caráter das penas do art. 28 da Lei de drogas |
Medidas Administrativas |
|
Penas com resposta penal de menos rigor |
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"Penas-conselho" -sem efetividade no plano concreto |
||
Penas com função reabilitativa do usuário-infrator |
||
Penas não encarceradoras |
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Descriminalizador |
||
Incriminador |
||
Despenalizador |
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Penalizador |
||
Questão de saúde pública |
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E) Efetividade, Eficácia das Penas do art. 28 e Rigor penal das penas do art. 28 da Lei |
Desprovidas de eficácia por não haver coercibilidade |
|
Eficaz porque existe um órgão fiscalizador |
||
Eficaz a depender da pena aplicada |
||
Advertência é dispensável |
||
PSC é muito punitiva |
||
MCCPE mais eficaz para o usuário e para o sistema |
||
O próprio ator jurídico não é capaz de advertir por não ter expertise sobre o assunto |
||
PSC não tem sentido de aplicação para o crime de uso de drogas |
||
F) Repercussões das penas do art. 28 para o mundo jurídico |
Desprovidas de eficácia por não haver coercibilidade |
|
Eficaz porque existe um órgão fiscalizador |
||
Eficaz a depender da pena aplicada |
||
G) Repercussões das penas do art. 28 para a sociedade e para o infrator |
Positivas se influenciar positivamente na vida do usuário-infrator |
|
Sensação de impunidade e injustiça |
||
Negativo para o D. Penal pela ineficácia das medidas |
||
Diminuição dos efeitos negativos do D. Penal encarcerador |
||
Importante para o autor do fato pela rapidez na resposta penal, pelo efeito pedagógico da pena e por evitar o encarceramento |
||
Sem efeito para a sociedade pela deficiência do sistema |
||
Repercute a depender da pena aplicada, se a do inciso I, II ou III do art. 28 |
||
H) As repercussões das penas alternativas para o mundo jurídico |
Sanção para crimes mais brandos |
|
Válida quando há imposição de uma pena severa caso haja descumprimento |
||
Mais efetiva para a ressocialização |
||
Necessários, porém dependentes de reflexão e maior aceitação (amadurecimento) das instituições jurídicas e da própria sociedade |
||
Necessidade de fiscalização das medidas para dar maior credibilidade a esse tipo de pena |
||
I) Figura do legislador na tipificação do crime |
Confusão do legislador ao elaborar as penas do art. 28 |
|
Falta de coragem do legislador em não descriminalizar de imediato a conduta tipificada no art. 28 |
||
Condiciona as ação dos atores jurídicos envolvidos |
A partir das respostas dos atores, principalmente na categoria I, é possível perceber que a vontade do legislador de 2006 é o principal norte da postura desses atores. Assim, é possível destacar dois discursos diferentes, observando de que forma a lei permite ou não permite as condutas dos atores a partir do ponto de vista de cada um.
Embora o material empírico estudado tenha um corpo limitado – cinco entrevistas – apostamos que por ser uma análise qualitativa poderíamos apreender, de maneira simplificada, os discursos que mais se destacaram na fala dos atores. A elaboração desses discursos nos auxiliarão na análise geral dos resultados da pesquisa. Dessa forma, se destacaram os seguintes discursos:
a) Discurso (des)criminalizador: esse discurso pode ser identificado nas falas que sustentam que a conduta do uso de drogas não mais deveria ser considerada crime – descriminalizar e não mais atribuir qualquer pena a essas condutas –no entanto, ao mesmo tempo, continuam aplicando ao crime as penas que foram pela lei estabelecidas. Esse discurso pode se subdividir em:
· “Falso descriminalizador” - embora diga ser contra a criminalização de diversas condutas que considera menos ofensivas à sociedade, como o uso de drogas, não se preocupa em reduzir os efeitos da lei (oferecendo uma pena mais leve), ou mesmo extingui-la, como no caso de arquivamento por falta de justa causa, por exemplo. Pelo contrário. Conforme é possível visualizar na primeira parte da pesquisa e ratificado na entrevista, um dos atores oferece as três penas do art. 28, cumulativamente, ou seja, o autor do fato deve ser advertido em audiência, prestar serviços à comunidade e ser encaminhado a cursos e programas educativos, pois segundo a interpretação do entrevistado, “a lei é clara ao estabelecer a aplicação das três penas conjuntamente, por entender que se completam”. Dessa forma, embora diga ser a favor da descriminalização, o ator, através de sua atuação jurídica, em nada contribui para promover esta ou diminuir os efeitos desta.
· “Descriminalizador limitado” – embora demonstrem ser contra a criminalização do uso de drogas, alguns dos atores tem uma grande preocupação em atender ao estabelecido pela lei de 2006 e aplicar as medidas do art. 28. Para tanto, estabelecem as penas que entendem ser mais eficazes para o autor do fato e mais consentânea com o crime. O que vemos, portanto, é que mesmo que entendam não ser crime e apliquem a pena que considerem ser mais benéfica para o autor do fato – visando minimizar os efeitos da incriminação, ainda encontram-se sob as amarras da lei de drogas, tendo em vista que não mobilizam uma ação diferenciada que promova uma inovação no plano local.
b) Discurso da eficácia jurídica: nesse discurso não identificamos necessariamente uma preocupação com a conduta do uso de drogas para consumo pessoal como crime, mas sim com a resposta penal a ser dada e com a otimização do processo no direito. Esse discurso pode se subdividir:
· Eficácia do Direito Penal: neste discurso a preocupação com o direito penal é clara. Os atores não se importam necessariamente com o crime do uso de drogas, mas sim com a resposta do Direito Penal, devendo esta ser ou punitivista e punir mais (com “penas verdadeiras” – alguma previsão legal de pena de prisão) ou abolicionista e não punir, deixando a conduta de ser tutelada pelo direito penal. Ambos os atores consideram que a conduta do art. 28 não deveria ser criminalizada, no entanto, assim sendo, deveria ser penalizada com uma resposta penal significativa, a qual fosse possível a certeza do cumprimento, através da certeza da punição. O grande limitador das condutas dos atores novamente é a lei, já que, considerando as penas do art. 28 ineficazes para dar uma resposta ao direito penal os atores, por exemplo, poderiam classificar a conduta do suposto autor do fato para o crime de tráfico, no qual tem-se a certeza do cumprimento pela previsão legal privativa de liberdade.
· Eficácia para o Judiciário (e o sistema penal): embora demonstre ser favorável à descriminalização do crime de uso de drogas e às penas não aflitivas do art. 28 da Lei de Drogas, destacando, inclusive, os aspectos negativos da pena privativa de liberdade, percebemos nesse discurso uma preocupação efetiva com o autor do fato. Os atores dispensam integrar na negociação da transação penal e o contato com o autor do fato. Nesse perfil, é possível perceber uma preocupação com a otimização do judiciário primeiramente com a homologação da transação penal, sem os custos da continuação com o processo e posteriormente com a diminuição de indivíduos presos, diminuindo o custo do cárcere. Assim, as penas alternativas aqui tem um aspecto muito mais importante por diminuir os custos do judiciário do que por ser uma resposta diferente da pena privativa de liberdade.
6.COMPARATIVO QUALI-QUANTI E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Os dados obtidos empiricamente - quantitativa e qualitativamente -, permitiu que encontrássemos alguns resultados. Passaremos agora a comparar as informações que obtivemos a partir do estudo dos processos do crime do art. 28 da lei de drogas, bem como as que extraímos das entrevistas semidiretivas. Após faremos uma análise do resultado de toda a pesquisa à luz da teoria da racionalidade penal moderna.
6.1 COMPARATIVO
A parte empírica da pesquisa se dividiu em dois momentos: primeiro um estudo quantitativo dos processos do crime do art. 28 da lei de drogas, com o levantamento e descrição de dados tabelados, o que nos permitiu chegar a alguns resultados. Após, iniciamos um estudo qualitativo por meio de entrevistas com os atores jurídicos que atuaram naquele primeiro momento da pesquisa. A análise das entrevistas foi feita pelo método da teoria enraizada com a criação de categorias abstraídas daquelas.
A utilização dos dois métodos foi muito importante, pois uma parte complementou a outra. As primeiras percepções que tivemos nos orientou a criar parte do roteiro das entrevistas, com a qual verificamos certas hipóteses e descobrimos novas informações.
Como resultado da pesquisa quantitativa nós percebemos, primeiramente, que critérios como tipo/quantidade de drogas, circunstâncias sociais/raciais/de gênero pareciam não influenciar na proposta de transação penal a ser oferecida. Essa percepção se confirmou quando entrevistamos os atores. Através da categoria A, identificamos que os critérios utilizados são a eficácia da pena e a aplicação conforme a lei, não tendo os critérios acima mencionados influência no tipo de pena a ser proposta via transação penal. É importante mencionar aqui, que o critério para o tipo de transação penal a ser oferecida não se confunde com critério de classificação do crime em uso ou tráfico. Esse ponto não foi objeto da pesquisa e não teria como ser analisado, haja vista que não foram estudados processos referentes ao crime de tráfico de drogas.
Outro ponto que chamou nossa atenção na pesquisa quantitativa foi que na maioria dos processos estudados não houve participação do ministério público na audiência e as propostas de transação penal eram feitas por manifestação escrita antes mesmo da distribuição do processo. Verificamos, nas categorias B e C, que a maioria dos promotores entrevistados de fato não participavam das audiências e não atribuíam importância a essa participação, tendo em vista que já haveria o parecer com o oferecimento da proposta de transação penal e a presença seria suprida com o conciliador. Tal mecanismo foi visto como uma forma de otimizar o processo penal, haja vista as diversas atribuições do promotor de justiça. Quanto à negociação da transação penal, percebemos não existir, e na palavra da maioria dos entrevistados ela ou não existiria, ou seria bem limitada. Apenas um ator ressaltou a importância da negociação da TP, assim como justificou o oferecimento prévio em parecer.
Identificamos também, ainda na primeira etapa, que cada promotor oferecia um tipo específico de pena e que a frequência desse oferecimento estaria intimamente relacionada a qual promotor atuou no processo. Através da categoria A, percebemos que o tipo de pena oferecido estaria sim relacionada a cada promotor que atuou no processo e esse oferecimento estraria atrelado ou ao critério de eficácia da pena – sob o entendimento de cada ator sobre qual seria a pena mais eficaz, ou o critério de aplicação conforme a lei – a interpretação de um dos atores foi a de que a lei estabeleceu o oferecimento cumulativo das penas, sendo esta a forma segundo a qual ele as oferece.
Por fim, constatamos que os processos, a depender das varas onde tramitam, possuem movimentações e desfechos diferentes. As razões para isso, no entanto, não foram verificadas nas entrevistas, tendo em vista que para se analisar tal fato é necessário, além do pensamento dos magistrados e promotores, saber como tramitam os processos nas secretarias de cada vara (número de servidores, demanda de cada vara, dentre outros aspectos).
Além desse processo de verificação, as entrevistas nos possibilitaram a descoberta de diversas novas informações que foram transformadas em categorias para serem analisadas.
Assim, pudemos acessar a visão dos atores quanto à natureza e ao caráter das penas do art. 28 da lei de drogas; tivemos conhecimento da ideia de efetividade, eficácia e rigor das penas do art. 28 e as implicações disso na atuação dos entrevistados; percebemos a opinião deles quanto a repercussão das penas do art. 28 da lei de drogas para o mundo jurídico, para a sociedade e para o infrator e como essa repercussão, no entendimento de cada um, influencia ou deixa de influenciar a atuação dos mesmos, assim como a repercussão das penas alternativas – de maneira mais generalizada – para o mundo jurídico; e, por fim, percebemos que a figura do legislador na tipificação do crime é objeto de insatisfação dos atores mas ao mesmo tempo ‘condiciona’ a atuação deles no processo.
Conforme explicitamos mais detalhadamente na metodologia, utilizamos, para a extração das informações a teoria fundamentada nos dados. Essa metodologia foi utilizada com algumas ressalvas, haja vista que o processo aqui descrito foi utilizado tanto para verificação como para descoberta de dados, ou seja, não foi plenamente indutivo como o método exige em sua pureza.
Dito isto, passamos à constatação de outros resultados e a análise desses pelas categoria elaboradas. A TFD é interessante, pois, permite que a partir dos dados obtidos sejam formuladas hipóteses, as quais podem dialogar com as teorias já existentes.
6.2 ANÁLISE
As primeiras categorias formuladas tiveram o intuito de saber como os atores lidam com os processos de uso de drogas e qual a importância que atribuem aos mesmos e às atividades deles nos processos.
De início, logo percebemos que os atores tem uma preocupação com a aplicação da pena conforme a legislação e com a sua eficácia. Como demonstrado no tópico 3.2, esse posicionamento enseja dois problemas identificados por Pires (2004) na discussão sobre a racionalidade penal moderna. O primeiro, diz respeito à ilusão de simplicidade entre a aplicação da pena e o papel do juiz e legislador – o qual faz parecer que o papel destes atores seria meramente a aplicação da pena como a lei manda, desprezando-se as singularidades do caso concreto. E a segunda diz respeito ao ideal utilitarista trazido por Beccaria da pena com o papel dissuasivo – servir de exemplo, tanto para o próprio infrator não cometer outros delitos, como para fazer com que os outros na sociedade não o façam.
Outro ponto a ser notado é que há entre os atores uma preocupação muito grande com a otimização e racionalização do processo, do tempo do promotor de justiça e do judiciário. Pouco apareceu a preocupação com o autor do fato e com as possibilidades de ele cumprir a transação penal. Conforme verificamos, a negociação da transação penal, que deveria ser um momento importante no processo, quando o autor do fato e o titular da ação penal, com supervisão do juiz, negociariam a proposta oferecida pelo ministério público, buscando as possibilidades de o autor do fato cumprir a medida, não é efetivada. Apenas um entrevistado considerou participar das audiências preliminares, reforçando a importância desse momento para o autor do fato e para o judiciário. Assim, a negociação da transação penal no processo acaba sendo quase inexistente, um meio apenas de dizer ao autor do fato: “aceite ou será denunciado”.
É interessante notar que, em contrapartida a essa postura, a maioria dos atores não consideram as penas do art. 28 da lei de drogas como “penas verdadeiras”. Isto porque essas penas “seriam desprovidas de coercibilidade”, possuem “resposta penal insignificante”, e seriam, portanto, “medidas administrativas” pelo fato de não se incidir penas de detenção ou reclusão. Um contrassenso, portanto, é percebido: embora parte dos atores considere as penas do art. 28 ineficazes porque não há a garantia do seu cumprimento – por meio de lei -, estes não se preocupam em comparecer às audiências, para negociar a melhor forma de cumprimento da transação penal pelo autor do fato. Ou seja, conhecer o autor do fato, a sua realidade, as melhores formas de este cumprir a pena, para eles, não seriam formas de garantir o cumprimento da pena. Assim, somente a previsão de uma sanção mais severa – prisão – poderia cumprir esse papel. Notamos, dessa forma, que a ideia aflitiva da pena está bem marcante e as penas verdadeiras seriam somente aquelas “que mostram a intenção da autoridade de infligir um sofrimento” (PIRES e CAUCHIE, 2011, p. 303).
Assim, em um primeiro momento, a maioria dos entrevistados demonstra não se importar com o cumprimento da pena proposta pelo autor do fato (não participação na audiência preliminar), no entanto, em um segundo momento, para esses, o cumprimento das penas do art. 28 passa a ser critério imprescindível para a eficácia da medida. A questão de que não há uma sanção efetiva (punida com prisão) em caso de descumprimento é a grande justificativa para não se considerar as penas do art. 28 como penas de fato. Tem-se, portanto, que a problemática não diz respeito ao cumprimento ou não da pena aplicada, mas sim a certeza de a punição estar lastreada numa pena aflitiva.
A discussão sobre a despenalização ou não e descriminalização ou não do crime de porte de drogas para consumo pessoal esteve bem presente na fala dos entrevistados e demonstra que a questão ainda não se encontra estabilizada entre os mesmos. Percebemos, também, que o conceito de pena para os atores está intrinsecamente ligado à previsão de privação da liberdade e o conceito de crime está inter-relacionado com a pena ao qual se aplica. Os atores jurídicos, ao menos em um primeiro momento – para alguns - afirmaram ter havido uma despenalização para a conduta do uso de drogas, mesmo que depois fosse reconhecido que as penas do art. 28 possuem um caráter penalizador. Em outras palavras, para os atores sociais entrevistados - mesmo aqueles que se mostraram mais assentes com as penas alternativas -, não há crime sem pena que inflija dor e sofrimento ao corpo do infrator. É, portanto, como se os próprios atores estivessem aprisionados no conceito de crime pela pena e de pena pela prisão, em um muro de ideia construído pelo pensamento dominante.
Identificamos ainda que a fiscalização e a existência de instrumentos que garantem o cumprimento da medida pareceu um critério necessário para a eficácia e efetividade das penas alternativas. O motivo para tanto, seria, principalmente pela necessidade de dar uma justificativa para a sociedade para aplicação de instrumento não aflitivo.
Para a maioria dos atores entrevistados, não foi vislumbrado que as penas do art. 28 da Lei de Drogas constituíram um avanço para o direito penal. Pelo contrário. Para alguns, as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas de comparecimento a cursos e programas educativos, na verdade, teriam efeitos negativos no âmbito do direito penal porque traz a este um aspecto de inefetividade, de resposta insignificante. Ou seja, a imposição de penas como as do art. 28 da Lei de Drogas descredibilizaria o Direito Penal. Apenas um ator pontuou que estas penas seriam um progresso para o direito penal em matéria de penas, por estabelecer para condutas criminosas respostas diversas da prisão.
Foi possível notar, ainda, que os atores consideram as penas do art. 28 benéficas para o autor do fato se houver realmente uma mudança positiva de comportamento deste, ou seja, há entre os atores uma visão de reabilitação do indivíduo. No entanto, embora pontuem esse potencial benefício das penas do art. 28, a maioria chama atenção que a sociedade e mesmo as instituições jurídicas não estão preparadas para oferecer como resposta a um crime penas alternativas à prisão, demonstrando que estas podem causar na sociedade uma sensação de injustiça e impunidade.
Percebemos que há uma legitimação e uma deslegitimação das medidas estabelecidas como pena através do ‘rigor’ que são atribuídos a elas. Ou seja, as penas só passam a ser oferecidas caso entendam que possuem o rigor necessário para a reprimenda, no entanto esta “avaliação” não é feita para cada caso concreto, respeitando o princípio da individualização da pena, mas sim de forma generalizada de acordo com o que acreditam ser, de modo geral, “mais eficaz”.
Percebemos, portanto, que para os entrevistados, a imposição de penas alternativas para crimes seria: i) uma opção mais benéfica para a ressocialização do infrator, no entanto somente ii) a depender do crime (em regra para crimes mais brandos), iii) válida quando houvesse uma sanção em caso de descumprimento (punição pela privação da liberdade), sendo que há a necessidade de se iv) trabalhar com a sociedade a aceitação a esses tipos de sanções e também os próprios atores jurídicos aceitar as alternativas ao cárcere como penas, v) devendo o rigor penal ser validado por aquele que a aplica.
Quanto a previsão de medidas alternativas para o crime previsto no art. 28 da lei de drogas, percebemos que os entrevistados dizem pensar de um modo, mas atuam de outra forma, justificando a atuação pela vontade do legislador de 2006. Assim, ao mesmo tempo em que há uma verdadeira insatisfação com a figura legislativa de 2006 por esta ter i) ou tipificado a conduta de porte de drogas para consumo pessoal como crime; ii) ou por ter estabelecido penas “sem coercibilidade” como respostas penais para um crime; iii) ou por ter estabelecido a conduta de porte de drogas para consumo pessoal como crime e cominado penas diversas à prisão; os atores atuam em estrita obediência à essa regra legislativa. Sobre essa “confusão” dos próprios entrevistados entre aplicar de acordo com as suas concepções e aplicar de acordo com a “vontade do legislador” é importante nos remeter ao argumento para o qual Álvaro Pires (2011) nos chama atenção:
o próprio sistema de direito enxerga a legislação como ‘exprimindo a vontade do legislador’ e como uma ‘fonte do direito’, ou seja, como uma fonte para fazer emergir um direito pelo direito (...). Mas, ao mesmo tempo, a teoria dos sistemas lembra que é o sistema de direito que determina, no contexto de suas comunicações e decisões, qual é, efetivamente, em cada caso concreto, essa vontade do legislador. (p. 312)
De acordo com a teoria dos sistemas trazida por Luhmann através de Pires, as estruturas podem mudar em razão de sua relação com o tempo. Assim, mesmo que o texto legal expresse uma determinada “vontade”, o sistema cognitivo, através de sua atuação, pode alterá-la. Segundo Álvaro Pires (2011) as estruturas mais exigentes são as estruturas de pensamento centrais dos sistemas sociais, que são as estruturas do sistema cognitvo ou de reflexão do próprio sistema de direito. Essa estrutura teria maior condensação de sentido (dimensão histórico-cultural), duraria mais no tempo e teria maior capacidade e resistência à perturbação. Ou seja, quando os ‘aplicadores do direito’ atuam de forma diversa ao estabelecido legislativamente, o que ocasiona uma inovação no plano concreto.
Em outras palavras, a teoria dos sistema nos mostra que, na verdade, sendo de interesse dos entrevistados ir de encontro às estruturas que o dispositivo legal estabeleceu, eles assim o fariam. Dessa forma, na verdade, nos parece que “a vontade do legislador” é utilizada pelos entrevistados para justificar as suas próprias ações dentro do processo, sendo feita de forma consciente ou mesmo inconsciente, por tal postura já estar enraizada no pensamento penal, pela ilusão de simplicidade, tendo em vista a limitação de se fazer exatamente o que foi proposto legislativamente.
Assim, embora todos os entrevistados tenham demonstrado considerar que o uso de drogas não deveria ser crime, quando o legislador estabeleceu como penas principais e únicas para a conduta de uso de drogas a advertência, a prestação de serviços à comunidade, e as medidas de comparecimento a cursos e programas educativos, incidiu em “confusão legislativa”, em “falta de coragem para descriminalizar, optando-se por despenalizar”. É como se as penas tivessem sido imputadas a este crime por equívoco, afinal, como o DIREITO PENAL poderia prever penas alternativas como respostas principais para um crime?
Dentro do que pudemos apreender dos discursos e falas dos atores percebemos que as concepções dos entrevistados ainda revestem-se sob o manto da racionalidade penal moderna.
Pudemos identificar a ilusão de simplicidade, elencada por Pires como um dos problemas da estrutura telescópica da norma e da valorização da aflição como resposta penal. Observamos também o critério da eficácia da pena bem presente, como uma representação da teoria utilitarista, na qual se atribui à pena uma ideia de utilidade para que o indivíduo não mais cometa o crime e sirva de exemplo para que os demais também não o cometam.
Identificamos, ainda, que a estrutura sinédoque apontada por Pires (2004) se encontra bem presente na concepção dos entrevistados. A definição do crime (todo) pela pena aflitiva (parte), faz pensar que um esteja obrigatoriamente atrelado ao outro, sendo muito difícil se pensar, ao menos em um primeiro momento, que as penas que foram impostas ao crime do art. 28 da lei de drogas sejam realmente penas, e não que houve, na verdade, uma despenalização.
Em outros momentos, nos parece que a grande questão que envolve as discussões sobre o art. 28 não é o uso de drogas ser criminalizado ou não, mas sim as penas que são atribuídas a este crime, que dariam um ar de inefetividade ao Direito Penal. Afinal, seguindo essa lógica, esse direito tão autônomo e fechado não poderia ser responsável por prever penas insignificantes – não autônomas e não fechadas (como a prisão) - como resposta estatal.
Percebemos, portanto, que na verdade, não houve uma inovação penal propriamente dita na previsão de penas alternativas como resposta principal e única para o crime do uso de drogas. Como já destacamos[27], o processo de inovação penal se desenvolve a partir de três etapas: a complexificação, a seleção e a estabilização, respectivamente. Identificamos, assim, que embora selecionada pelo sistema normativo nacional, o sistema de direito feirense não adota, não considera, e não reproduz as penas estabelecidas no art. 28 para as operações futuras do sistema. Em outras palavras, embora utilizem as penas – por meio das proposta de TP e das respectivas homologações das “negociações penais”, o atores entrevistados só o fazem por mera aplicação penal, na frágil relação de causa e efeito a que a ilusão de simplicidade faz crer.
A inovação penal, portanto, não chega a se estabilizar, pois não é adotada, difundida e valorizada para as operações subsequentes, ou seja, para outros crimes tutelados pelo direito penal. Ressaltamos, ainda, que tais penas sequer são valorizadas por parte dos entrevistados como penas “verdadeiras”. As penas trazidas pelo art. 28 da lei de drogas não são, portanto, capazes de mobilizar uma mudança de estrutura do pensamento penal no sítio pesquisado.
Esse sistema, no entanto - e infelizmente -, não é apenas adotado no âmbito da justiça criminal feirense. Em São Paulo foi realizada uma pesquisa[28] de tese de doutorado, defendida por Marcelo da Silveira Campos que, dentre outros pontos, comparou, por meio de um modelo de série temporal interrompida, o número de incriminações por trimestre - entre os anos de 2004 a 2009 - de usuários e traficantes.
A referida pesquisa demonstrou e sustentou empiricamente que:
“O dispositivo médico criminal de 2002 e aprovado em 2006 com forte influência de uma concepção médico preventiva do usuário - a concepção de redução de danos – e também com forte caráter repressivo – a valorização e o aumento da pena de prisão – quando recebida pelas organizações e agentes que compõem o sistema de justiça criminal de São Paulo estes tendem a valorizar quase que exclusivamente a pena de prisão (o aumento do tempo do sofrimento) como forma de punição” (p. 168).
A tese teve como um dos resultados que, com a nova lei de drogas, houve um aumento da incriminação de pessoas para o comércio de drogas ao mesmo tempo em que foi diminuída proporcionalmente o número de usuários incriminados. Assim, foi confirmada a hipótese elaborada pelo autor de que “as instituições de justiça criminal, perante qualquer ideia com o mínimo potencial de inovação – acabam rejeitando-a” (CAMPOS, 2015, p. 172).
Sobre a consideração das penas alternativas da lei de drogas no âmbito da justiça criminal trazemos uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro[29] que se desenvolveu entre novembro de 2007 e julho de 2009 e analisou o impacto da nova lei de drogas em relação ao sistema de justiça criminal e os usuários de drogas. Dentre um dos resultados dessa pesquisa, percebeu-se que o sistema de direito carioca (compreendido entre juízes, promotores, defensores e conciliadores do JECrim) “alegavam que a ausência da possibilidade de encarceramento teria esvaziado as garantias de cumprimento, pelos infratores, das medidas alternativas determinadas em juízo” (GRILLO et tal 2011). Ou seja, adentramos novamente na ideia de que, as penas do art. 28 da lei de drogas não seriam “verdadeiras” por não autorizar - ao menos de forma subsidiária - uma aplicação da prisão para garantir o efetivo cumprimento da pena alternativa imposta.
A partir dessas pesquisas percebemos que o sistema de direito ainda tem dificuldades em privilegiar respostas alternativas à prisão em detrimento do encarceramento. Sobre essa dificuldade, consideramos que o grande obstáculo às alternativas penais é o pensamento produzido e sedimentado pela racionalidade penal moderna. Cauchie (2009) traz uma interessante alusão sobre o muro das prisões e muro das ideias, em que mostra que os atores apresentam dificuldades de aceitar ou ao menos estar entreabertos para que emerjam estruturas cognitivas que valorizem soluções alternativas (CAPPI, 2017, p. 206). Conforme elucida em seu texto:
“não é esse muro o adversário mais cruel das tão mal denominadas alternativas à prisão? Esse muro, que o direito criminal construiu pacientemente há 205 anos, para barrar toda sanção que não merecesse o nome de punição. Esse muro, que aparece cada vez que se tenta pensar de outro modo que em termos de retribuição, exclusão ou estigmatização; cada vez que abordam questões relativas à segurança, periculosidade, risco, dissuasão ou denunciação. Esse muro, que aparece cada vez que se questiona a associação crime/pena, a obrigação de punir, ou ainda, a naturalização de uma semântica aflitiva da pena (2009, p. 36). APUD CAPPI, 2017, 211).
Rodeados por esse muro, invisível em sua essência, mas forte em seus sentidos, o sistema reproduz o que foi gradualmente construído pelas diversas teorias da pena e sedimentado pela racionalidade penal moderna.
Nessa lógica é que trazemos que o sistema de ideias - nas considerações do Morin (1977), abstraídas de Xavier (2015) -, é mais do que uma teoria, pois abarca uma série de teorias que, quando analisadas isoladamente, podem parecer contraditórias, mas que em seu conjunto expressam o mesmo sentido. Assim, se um ator considera uma pena verdadeira por esta ter a função de dissuadir o indivíduo e os outros, há outrem que justifique a sua necessidade pela retribuição, outro pela denunciação ou neutralização. Embora justificativas diferentes, que expressam teorias diferentes, a substancialização é a mesma (XAVIER, 2015, p. 450).
Dessa forma, considerando a substancialização do sistema das ideias, temos que o único sistema capaz de mobilizar realmente o sistema de direito é ele próprio, através da reflexão da estrutura cognitiva sobre as questões ao seu redor.
Percebemos, assim, e empiricamente, que a afirmação trazida por Pires (2011) se confirma. Uma inovação puramente legislativa não é suficiente para alterar as estruturas, pois a prática é mobilizada por outro sistema, o dos “operadores jurídicos”. Dessa forma, mesmo que uma inovação no âmbito legislativo seja bastante interessante (e sim, podemos considerar um avanço) ela pode acabar expressando o oposto, um recrudescimento em sua prática. Conforme pudemos depreender da pesquisa de Campos (2015), a redução de incriminações por uso resultou em um aumento de incriminações por tráfico. Ou seja, para aqueles que aplicam a lei, a não aceitação dos dispositivos inovadores serviu para privilegiar ainda mais – e para alguns – a punição aflitiva.
Se percebemos, por um lado, que uma inovação, para ser aceita como tal, deve, dentre outras etapas, ser consolidada pelo sistema cognitivo, não devemos desprezar, por outro, as faíscas inovadoras que encontramos nas práticas e nos discursos apresentados.
Assim, identificamos na nossa pesquisa algumas posturas diversas das posturas tradicionais dos atores da justiça criminal e que se mostram como uma possibilidade de abertura dos atores jurídicos feirenses entrevistados em pensar uma forma diferente de usar o direito penal.
Diante de uma maioria de atores que não se faz presente nas audiências preliminares e, ainda, consideram esta participação desnecessária, tivemos a efetiva participação de um dos atores na audiência preliminar e na negociação da transação penal, considerando estas como formas importantes de se humanizar o processo penal. Tivemos, por alguns atores, que as penas alternativas podem ser pensadas como respostas que diminuam o elevado custo do cárcere para o judiciário e os efeitos negativos deste para o infrator, sendo um avanço se pensar em alternativas à prisão como resposta para o crime. E, ainda, tivemos que as penas alternativas são um potencial benefício para o infrator, caso haja mudanças positivas na vida deste. Embora este último ponto apresente uma visão corretiva do usuário, mostra-se como uma justificativa positiva para reduzir os efeitos negativos da pena de prisão.
Temos, assim, que embora a estrutura de resposta penal pelas penas aflitivas ainda domine, alguns passos diversos a esta foram dados. A legislação de drogas oferece uma abertura suficiente para se pensar penas de forma diversa ao cárcere e humanização do processo penal, sendo necessário, para tanto, efetivar essas medidas e consolidar as ações ‘inovadoras’ já selecionadas.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa, objetivamos conhecer como os juízes e promotores feirenses envolvidos com a aplicação do art. 28 da Lei de Drogas lidam com as penas estabelecidas para esse crime. Para isso, utilizamos uma metodologia variada, que, no campo empírico, utilizou métodos quantitativos e qualitativos.
A pesquisa quantitativa nos permitiu visualizar as práticas de alguns atores jurídicos, os que atuaram nos processos de porte de drogas para consumo pessoal nos anos de 2013 a 2015. Mais do que uma posição dos atores em relação a conduta do crime de uso de drogas e a transação penal oferecida e homologada, estudamos o modo de atuação deles no processo como um todo.
Percebemos, como isso, que, ao menos inicialmente, não parecia haver critérios (como o tipo e quantidade de drogas ou as circunstâncias sociais, raciais, de gênero) para o oferecimento da transação penal pelo MP e a sua homologação pelo juiz. Identificamos, ainda, que na maioria dos processos os promotores não participavam das audiências preliminares e que o oferecimento das transações penais era feito por manifestação escrita, antes mesmo da distribuição dos processos para as varas. Dos 242 processos estudados, o ministério público compareceu apenas em 14 audiências, as quais não foram realizadas devido à ausência dos autores do fato. Além disso, nos pareceu que os tipos de transações penais propostas estavam intimamente relacionadas com o promotor que atuou no processo, bem como a frequência do seu oferecimento. Diante dessas resultados, foi importante compreender qual a importância que tais atores atribuíam ao crime do art. 28 da lei de drogas, bem como a sua atuação no processo.
Assim, essas constatações foram interessantes e serviram de base para compormos o roteiro de perguntas a serem feitas aos juízes e aos promotores. Adentramos, dessa maneira, no método qualitativo a partir das entrevistas semiestruturadas. Através delas, pudemos identificar não só como os atores se percebiam dentro do processo, mas também confrontar essa percepção com os modos de atuação deles a partir das práticas identificadas nos estudos dos processos.
Através da análise dos dados que obtivemos com as entrevistas, confirmamos os resultados até então obtidos sobre o critério para oferecimento de transação penal, participação nas audiências e tipos e frequências de penas oferecidas pelos promotores. O presente estudo revelou que a maioria dos entrevistados demonstra não se importar com o crime do art. 28 em si, não participam das audiências e limitam a possibilidade de negociação da transação penal, no entanto, ao mesmo tempo, entendem que a única, ou ao menos mais eficaz, medida que garanta o cumprimento da transação penal é a previsão de uma pena privativa de liberdade ou outra medida igualmente coercitiva. Ou seja, nessa perspectiva, a pena alternativa deveria estar lastreada em uma pena de prisão.
Percebemos, ainda, que a maioria dos entrevistados, ao menos em um primeiro momento, entende que com a previsão das medidas alternativas do art. 28 da lei de drogas houve, na verdade, uma despenalização para a conduta do crime de uso de drogas. Não foi vislumbrado que as penas do art. 28 da Lei de Drogas constituíram um avanço para o direito penal e que, na verdade, acarretam prejuízos para esse direito em virtude da resposta estatal insignificante. As penas alternativas, todavia, foram consideradas benéficas para o autor do fato se houver realmente uma mudança positiva de comportamento deste, ou seja, havendo a “reabilitação”.
Através dessas constatações e dos argumentos expostos e explicados ao longo deste trabalho, percebemos nos discursos e práticas dos atores estudados a perspectiva da racionalidade penal moderna. O conceito do crime definido pela pena junto ao de pena definida pela privação da liberdade, a ilusão de simplicidade entre a lei e a sua “necessária” aplicação judicial são tão enraizados no pensamento penal que constituem um obstáculo à alteração do sistema de pensamento, por um lado, e à proposta de se estabelecer respostas penais diversas ao cárcere, por outro.
No entanto, quando pensamos em nosso sistema penal, percebemos que ele enfrenta uma crise e a resposta que é dada às condutas criminosas - a prisão -, não é mais, há muito tempo, considerada como a mais adequada. Todavia, mesmo diante dessa realizada e mesmo a lei de drogas, para a figura do usuário, tendo apresentado uma possibilidade de se pensar diferente no âmbito penal, esse paradigma dominante prevalentemente punitivo e encarcerador ainda não consegue ser quebrado, a partir do que a pesquisa nos mostra, no campo estudado. Imaginem que, se mesmo diante de uma conduta de menor potencial ofensivo (como a conduta do porte de drogas para consumo pessoal), em que a própria lei confere a aplicação de medidas exclusivamente não privativas de liberdade, há uma clara preocupação dos operadores com a coercibilidade (para os atores, leia-se o efetivo cumprimento da pena estar respaldado na previsão de uma pena de prisão), como então seria se a questão analisada nessa pesquisa fosse o crime de tráfico, por exemplo?
Poderíamos recair, talvez, no que foi identificado por Campos (2015) em sua pesquisa, e perceber que a redução nas incriminações de uso resultou em um aumento de incriminações por tráfico. Poderíamos perceber também que em contrapartida às penas alternativas previstas houve um recrudescimento na aplicação das penas para o tráfico de drogas. Esses pontos, no entanto, embora interessantes, não foram objetos da presente pesquisa, podendo ser discutidas em um momento próximo.
O fato é que, a partir dos resultados aqui obtidos, identificamos que ainda é muito difícil se pensar fora da caixa da racionalidade penal moderna e, se essa dificuldade ainda está presente em relação a crimes menores, significa que, nessa perspectiva, nossos presídios continuarão abarrotados de presos provisórios e condenados por crimes como os de tráfico de drogas, roubo, latrocínio e homicídio, dando continuidade à punição meramente retributiva e dissuasiva que as teorias da pena há muito tempo estabeleceram como únicas e necessárias respostas ao crime, sem se preocupar verdadeiramente com a ressocialização do indivíduo e prevenção social.
Nossa pesquisa, que possui um recorte local – a cidade de Feira de Santana – poderia ser reproduzida em outros locus, buscando identificar empiricamente como os “operadores” do direito, de maneira macro, lidam com a questão das penas do art. 28 e se estão igualmente submersos no pensamento penal dominante. Descobri, ao longo desses anos como uma pesquisadora iniciante, que pesquisar empiricamente é trazer a realidade para a discussão, questioná-la, de modo que nos permita tentar desconstruir o que está posto, diferentemente das meras reproduções doutrinárias dos manuais de direito, como geralmente lidam os trabalhos em nossa área.
Dessa forma, para questionar a realidade posta e mobilizar o sistema cognitivo e de reflexão, é necessário se debater sobre a questão, levantar as novas perspectivas e discutir sobre novas formas de enfrentamento penal, diferentes do tradicionalmente previsto pela justiça criminal. A lei de drogas, por exemplo, possui uma abertura suficiente para se pensar formas diversas de lidar com uma conduta criminosa. Essa pesquisa, portanto, visou contribuir para o debate sobre isso.
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Matérias na imprensa:
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G1. Brasil é o 11º país mais inseguro do mundo no índice de progresso social. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/brasil-e-o-11-pais-mais-inseguro-do-mundo-no-indice-de-progresso-social.html>. Acesso em: 03 jan. 2018.
GAUCHAZH. Veja quais foram as rebeliões e fugas em massa nas prisões brasileiras em 2017. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2017/01/veja-quais-foram-as-rebelioes-e-fugas-em-massa-nas-prisoes-brasileiras-em-2017-9388668.html>. Acesso em: 03 jan. 2018.
TERRA. Mais uma rebelião com mortes em presídio brasileiro. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/mais-uma-rebeliao-com-mortes-em-presidio-brasileiro,437b596707df238590e02a00d6547277t9xd6rxa.html>. Acesso em: 03 jan. 2018.
Relatórios e Dados:
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen. 2014.
DIRETORIA DE ESTUDOS E POLÍTICAS DO ESTADO, DAS INSTITUIÇÕES E DA DEMOCRACIA. A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas: Relatório de Pesquisa – Sumário Executivo. 2014.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2015. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf. Acesso em 14 de fevereiro de 2016.
PROGRESSO SOCIAL. IPS 2016 – RESUMO EXECUTIVO (PORTUGUÊS). Disponível em: <http://www.progressosocial.org.br/world/ips-2016-resumo-executivo-portugues/>. Acesso em: 03 jan. 2018.
[1]Apenas no início de 2017 foram registradas doze rebeliões em presídios brasileiros. Tal situação, todavia, não foi novidade na história do sistema prisional brasileiro, que possui um histórico de rebeliões e chacinas. Informações disponíveis em: <<https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2017/01/veja-quais-foram-as-rebelioes-e-fugas-em-massa-nas-prisoes-brasileiras-em-2017-9388668.html>>, <http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2017/01/1846402-saiba-quais-foram-algumas-das-maiores-rebelioes-em-presidios-do-brasil.shtml> <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/mais-uma-rebeliao-com-mortes-em-presidio-brasileiro,437b596707df238590e02a00d6547277t9xd6rxa.html> Acesso em 03 de jan de 2018.
[2] Apenas em 2014, segundo os registros do Ministério da Saúde, 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil, é o que revela o atlas da violência 2016. Disponível em: <<http://infogbucket.s3.amazonaws.com/arquivos/2016/03/22/atlas_da_violencia_2016.pdf>>. Acesso em 03 de jan de 2018. Além disso, dentre os 132 países analisados pelo índice de progresso social de 2014, o Brasil é o 11º país mais inseguro do mundo e ocupava em 2014 a 122ª posição no ranking de segurança pessoal, já em 2016, desceu para a posição 123ª. O índice é calculado pela a taxa de homicídios, o nível de crimes violentos, a percepção sobre a criminalidade, o terror político e as mortes no trânsito. Informações disponíveis em: <<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/brasil-e-o-11-pais-mais-inseguro-do-mundo-no-indice-de-progresso-social.html>>; <<http://www.progressosocial.org.br/world/ips-2016-resumo-executivo-portugues/>>. Acesso em 03 de janeiro de 2018.
[3]Departamento Penitenciário – Ministério da Justiça. Junho-2014. Disponível em: < http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em 15 de Dezembro de 2015.
[4]a variação da taxa de aprisionamento, segundo o referido relatório, mede a proporção em que a população prisional cresceu em relação à população total.
[5]As figuras típicas, determinadas pelo DEPEN, relacionadas aos crimes contra o patrimônio são: furto simples, furto qualificado, roubo simples, roubo qualificado, latrocínio, extorsão, extorsão mediante sequestro, apropriação indébita, apropriação indébita previdenciária, estelionato, receptação, receptação qualificada, outros.
[6]Tráfico, associação para tráfico, tráfico internacional.
[7]Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2015. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf. Acesso em 14 de fevereiro de 2016.
[8]Vide Anexo 1.
[9]Ending the war on Drugs: How to win the global drug policy debate. Transform Drug Policy Foundation. Mexico Unido contra la Delincuencia.
[10]Vide tópico 4.2.
[11]i) teoria utilitarista da dissuasão (ou da correção moral pelo castigo e pela disciplina); ii) teoria retributiva ou expiatória; iii) teoria da readaptação (modelo médico) e da neutralização.
[12](STF - RE: 430105 RJ, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Data de Julgamento: 13/02/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: Dje-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00069 EMENT VOL-02273-04 PP-00729 RB V. 19, N. 523, 2007, P. 17-21 RT V. 96, N. 863, 2007, p. 516-523. O presente Recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sob o argumento da extinção da punibilidade do fato baseado no art. 107, III do CP - que pugna pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso, ensejando ter havida a descriminalização da conduta do art. 28 da Lei de Drogas. Buscando julgar o caso e sanar divergência doutrinária existente no tocante à abolição criminal da conduta do usuário de drogas, O STF se posicionou afirmando que não havia o que se falar em abolitio criminis da conduta descrita no art. 28 da Lei 11.3143/06, mas sim da despenalização da conduta do usuário. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28DESPENALIZA%C7%C3O+LEI+DE+DROGAS%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yapp3w3t> Acesso em 31 de jul 2017.
[13]Cf “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, embora tenha havido a despenalização do porte de drogas para consumo próprio com o advento da Lei n. 11.343/2006, a conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 permanece criminalizada, razão pela qual a existência de condenação transitada em julgado por tal delito afasta a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, pela falta do preenchimento dos requisitos legais (réu não reincidente) Processo AgRg no REsp 1608398 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2016/0164629-7 Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento: 01/12/2016. Data da Publicação/Fonte. DJe 07/12/2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=despenaliza%E7%E3o+lei+de+drogas&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true> Acesso em 31 de jul 2017.
[14]5 Em visita preliminar às secretarias das varas, a pesquisadora foi informada os processos de 2006 a 2011 haviam sido arquivados e mandados para Salvador e outros estariam arquivados na antiga sede, sendo impossível o acesso.
[15]Na Comarca de Feira de Santana houve uma mudança de nomenclatura em razão da unificação e redistribuição dos Juizados, transformando-se em 1ª, 2ª e 3ª Vara do Sistema dos Juizados conforme a Resolução nº 19 TJ/BA.
[16]Vide Anexo I.
[17]A Transação Penal é medida alternativa que impede a imposição de pena privativa de liberdade através de sentença condenatória, no entanto constitui sanção penal, sendo uma aplicação imediata da pena, uma antecipação de punição (SALIBA, 2007).
[18]Para melhor compreensão, foi considerado pela pesquisadora, como critério para ocorrência ou não de audiência, apenas o comparecimento do autor, tendo em vista que o parecer ministerial da proposta de TP já constaria nos processos e, mesmo com a ausência do MP as audiências eram realizadas, o que não acontecia, por óbvio, som a ausência do autor do fato.
[19] Como a pesquisadora inicialmente optou por considerar os processos a partir dos autores do fato, considera-se aqui o número de audiências por autor do fato. No entanto é cediço que em um mesmo processo pode haver mais de um réu e em consequência a audiência seria a mesma, então o Ministério Público compareceu a 12 audiências às quais os autores dos fatos não compareceram.
[20]Damásio de Jesus elucida que a transação penal é um negócio entre o Ministério Público e a Defesa, possibilitando-se ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autor do fato, justa para a acusação e para a defesa. (JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. São Paulo, 1995, p. 62. In: BREGA FILHO, V., et al. orgs, A Nova Lei de tóxicos: Usuários e Dependentes – Descriminalização, Transação Penal e Retroatividade Benéfica. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 16, 2007, p.20).
[21]Considerou-se a homologação da transação penal como desfecho do processo por uma questão de tempo de pesquisa, isto porque grande parte dos processos, por serem mais recentes, não estavam tão avançados a ponto de possuir sentença extintiva de punibilidade pelo cumprimento de transação penal. No entanto, ressalva-se aqui que o processo só se finaliza com sentença extintiva de punibilidade por prescrição ou por cumprimento da TP, ou por sentença condenatória. Tanto que alguns processos da amostra da pesquisa possuem transação penal homologada e sentença de prescrição ao mesmo tempo.
[22]Mesma justificativa da nota 23, com fundamentação referente à denúncia.
[23]Os casos S/I dizem respeito aos processos em que houve audiência (precedida por conciliador ou juiz leigo) com o oferecimento da proposta da TP, mas que ainda não foram homologadas pelo Juiz.
[24] Vide tópico 2.2.
[25] Para mais informações: XAVIER, J. R. Algumas notas sobre a entrevista qualitativa na pesquisa. Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito. p. 129-135.
[26] Ver tópico 2.
[27]Vide tópico 3.3.2.
[28]Cf. Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal de são Paulo. Marcelo da Silveira Campos.
[29]Cf: A "dura" e o "desenrolo": efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro. DOSSIÊ "CRIME, SEGURANÇA E INSTITUIÇÕES ESTATAIS: PROBLEMAS E PERSPECTIVAS". Carolina Christoph Grillo; Frederico Policarpo; Marcos Veríssimo. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300010. Acesso em 24 de setembro de 2017.
Especialista em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TELES, ALANA DOS SANTOS. As penas do art. 28 da Lei de Drogas sob a ótica do sistema de justiça criminal: discursos e práticas dos juízes e promotores feirenses no âmbito dos juizados especiais criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58771/as-penas-do-art-28-da-lei-de-drogas-sob-a-tica-do-sistema-de-justia-criminal-discursos-e-prticas-dos-juzes-e-promotores-feirenses-no-mbito-dos-juizados-especiais-criminais. Acesso em: 23 dez 2024.
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