1 INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro, especificadamente na seara penal traz a possibilidade de resolução dos conflitos por meio da conciliação. Torna-se possível no sistema penal a reparação do dano, cujo fundamento está assentado pelo princípio da subsidiariedade e da liberdade como regra no sistema jurídico.
Nesse enfoque estão os institutos despenalizadores do direto penal que tem característica socializadora, com o intuito de impedir a privação da liberdade do agente por delitos cujas ofensas são consideradas menores, bem como a instauração de um processo penal. Essa seria a concretização de que o princípio da intervenção mínima do Estado está sendo observado. Dessa forma, a carceirização seria aplicada quando efetivamente fosse necessária e não em situação em que é possível a liberdade.
2 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL
O princípio da subsidiariedade tem seu início com as propostas do liberalismo econômico, pois defende que o Estado, para ser legítimo, deve ser subsidiário, ou seja, não pode ser regulador de todas as ações. De certo, aquele princípio objetiva limitar o Estado intervencionista. Portanto, nessa concepção o estado conceberia a primazia da sociedade civil (BERCOVICI, 2015).
O referido princípio também foi recepcionado na seara criminal. O direito penal tem o dever de ocupar-se dos bens jurídicos mais importantes para a vida em sociedade, agindo em casos quando a ingerência aos bens jurídicos ocorre de forma mais gravosa. De forma que, só deve intervir quando os demais ramos do direito não conseguem protegê-lo. De acordo com o autor, esse seria o caráter subsidiário do direito penal, o qual, modernamente, tem o papel de prevenir o cometimento de delitos não só aplicar sanções penais ao agente (MASSON, 2018).
De certo, na seara penal, em termos de conflito aparente de normas penais, a norma subsidiária descreve grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, isto é, um fato menos grave. Nesse sentido, a norma primária submergirá a subsidiária. Diante disso, aplica-se o princípio da subsidiariedade quando a norma principal for mais grave que a secundária. Entretanto, para saber qual norma incidirá deve ser verificado qual a intenção do agente, sendo insuficiente fazer a comparação dos tipos penais em abstrato para decidir qual crime coaduna com o fato (SILVA, 2018).
Conforme Masson (2018) o princípio da subsidiariedade é um desdobramento do princípio da intervenção mínima do direito penal. Discorre o autor que o princípio da reserva legal não basta para salvaguardar o indivíduo. Isso porque, o Estado pode criar tipos penais iníquos e instituir penas vexatórias à dignidade da pessoa humana. Diante disso, estabeleceu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 em seu art. 8º, que a lei somente deve prever as penas estritamente e devidamente necessárias. Daí o surgimento da intervenção mínima do Estado, confirmando que é apenas legítimo a intervenção penal quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem jurídico ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do direito.
No entendimento de Masson (2018) os seus destinatários principais seriam o legislador e o intérprete do direito, àquele que estaria responsável por abster-se de incriminar qualquer comportamento. Ao operador do direito a exigência de não proceder à operação de tipicidade quando verificar que o problema seria resolvido com a aplicação de outros ramos do sistema jurídico, em que pese a existência do tipo penal incriminador. O princípio em comento vem sendo utilizado para basear a corrente do direito penal mínimo. E nesse contexto já decidiu o Supremo Tribunal Justiça – STJ, apud Masson (2018, p. 52), sobre a aplicação do aludido princípio: “A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes de lesões de maior gravidade.”
3 INSTITUTOS DESPENALIZADORES DO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Segundo Masson (2018) as modificações ocorridas na humanidade ao longo dos últimos anos, com fenômenos como a globalização, a massificação dos problemas e a configuração da sociedade de risco criou o direito penal de risco. A prevenção do delito seria um dos meios mais adequados para reduzir a criminalidade. Nos moldes do entendimento de Martín (2007, p. 45) apud Masson (2018, p. 105):
O direito penal moderno é próprio e característico da “sociedade de risco”. O controle, a prevenção e a gestão de riscos gerais são tarefas que o Estado deve assumir, e assume efetivamente de modo relevante. Para a realização de tais objetivos o legislador recorre a tipo penal de perigo abstrato como instrumento técnico adequado por excelência. Por ele, o direito penal moderno, ou ao menos uma parte considerável dele, se denomina como “direito penal de risco”.
Em decorrência disso, a convocação do direito penal de forma contínua acarretou mudanças na estrutura clássica. Isso porque, acredita-se que o poder por ele transmitido mostra-se necessário para suportar os riscos da sociedade, a qual aponta a sensação de insegurança que se tornou institucionalizada ao longo do tempo aliada ao descrédito de outras instâncias de proteção. O chamamento do direito penal para resolver todos os problemas afetaria o seu caráter subsidiário (MASSON, 2018).
Conforme Lima (2018), a lei 12.403/11 ampliou de forma significativa o rol de medidas cautelares pessoais diversas da prisão, proporcionando ao julgador escolha da providência mais ajustada ao caso concreto dentro dos critérios da proporcionalidade e observância ao princípio da subsidiariedade do direito penal, levando em consideração que a liberdade de locomoção é a regra no ordenamento jurídico. Nesse sentido, entende que na busca de alternativas para o cárcere o art. 319 do Código de Processo Penal Brasileiro – CPPB passou a elencar medidas cautelares diversas da prisão preventiva. Para tanto, o juiz deve verificar se tanto a prisão quanto uma das medidas cautelares são idôneas a atingir o fim do processo.
As medidas cautelares são exemplos da tendência do direito penal moderno de priorizar a liberdade ao invés de sua prisão. Destaca algumas medidas cautelares, como o comparecimento periódico em juízo, que tem como objetivo verificar se o acusado permanece à disposição do juízo para prática de ato processual ou para prestar informação sobre algo relevante (LIMA, 2018).
Outra medida seria a vedação de comparecimento ou acesso a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado manter-se afastado daquele local. A proibição de manter contato com pessoa determinada relacionada ao fato seria outra medida, bem como, dentre outras medidas, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira àqueles que exercem cargos públicos ou função pública (LIMA, 2018).
Conforme Lima (2018), a Lei 9099/95 inseriu 4 (quatro) medidas despenalizadoras em que o consenso entre as partes pode evitar a formação do processo ou mesmo impedir seu prosseguimento, e até mesmo extinguir a punibilidade do autor do fato delituoso quando o processo já iniciou-se e as partes desejam em audiência preliminar resolver a questão. Embasado nisso, defende que a tradicional jurisdição do conflito abdica lugar para a jurisdição do consenso, buscando sempre um acordo entre as partes para evitar aplicação mais gravosa, dando lugar à pena não privativa da liberdade, evitando o processo. Nesse sentido entende:
Princípios tradicionais da ultrapassada jurisdição conflitiva, como os da inderrogabilidade do processo e da pena (não há pena sem processo), da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, são colocados em segundo plano, dando lugar a um novo paradigma processual penal, que põe em destaque a oportunidade, a disponibilidade, a discricionariedade regrada e a busca do consenso. Se, antes, só havia espaço para o conflito, com obrigatório e inevitável embate entre o Ministério Público (ou querelante) e o acusado e seu defensor, sem nenhum espaço para um possível acordo, nasce com a lei 9099/95 uma nova jurisdição, que passa permitir a busca do consenso no âmbito processual penal (Lima, 2018, p. 1450).
No tocante as medidas despenalizadores, quais sejam: composição dos danos civil onde a vítima renuncia ao seu direito de queixa e representação, extinguindo a punibilidade do agente, tal possibilidade está disposta no art. 74, parágrafo único, da referida lei 9099/95; transação penal – evita a instauração do processo quando aceita pelo acusado, permitindo o imediato cumprimento da pena restritiva de direitos (LIMA, 2018).
Além daquelas, a representação nos crimes de lesão corporal leve e lesão culposa, caso a vítima não represente o suposto autor do fato no prazo decadencial de 6 (seis) meses, a contar do conhecimento da autoria do crime, onde ocorre a decadência do direito de representação e a consequente extinção da punibilidade do agente; a suspensão condicional do processo pode ocorrer quando o juiz recebendo a denúncia submete o acusado a um período de prova onde ele vai ter que cumprir algumas condições, ao final o juiz declara extinta a punibilidade do agente, prevista tal medida no art. 89 da lei acima (LIMA, 2018).
Além desses institutos despenalizadores há também uma medida que tem a mesma característica. De certo, se o autor, após a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, do fato comparecer ao Juizado Especial para prestar o compromisso e comparecer aos atos processuais necessários não pode ser preso em flagrante nem pode ser exige fiança (LIMA, 2018).
Tais institutos despenalizadores são inspirados pelo princípio da subsidiariedade do direito penal e importam em expressiva transformação do sistema penal e processual brasileiro, pois são instrumentos destinados a viabilizar juridicamente processos de despenalização. Esse seria um novo modelo de Justiça criminal, a qual privilegia o consenso entre as partes autor do fato e vítima, valorizando a adoção de soluções fundadas na vontade dos sujeitos do processo (LIMA, 2018).
Segundo Reis e Oliveira (2017), a delação premiada seria também um instituto despenalizador, já que consiste em denúncia que resulta em uma recompensa para quem contribuir com a Justiça no sentido de descobrir a verdade dos fatos. No presente caso, o co-réu em troca de sua liberdade ou mesmo diminuição de pena fornece informações importantes para o deslinde do caso. Entretanto, esclarecem, que o referido instituto só pode ser aplicado em certos tipos penais.
O consenso é o ponto em comum entre vários dos institutos despenalizadores. De fato, há necessidade de aceitação pelo suposto autor do fato da proposta apresentada. Por sua vez, o Direito Penal com as medidas descarcerizadoras passa a adotar as tendências mundiais hodiernas, que seria utilizar a prisão como ultima ratio, ampliando-se o rol das medidas alternativas diversas da prisão. O procedimento sumaríssimo da lei 9099/95 tem como um de seus pontos positivos o uso das medidas despenalizadores, mas caso não seja possível sua aplicação no caso concreto acaba por prejudicar o autor do fato, pois em se tratando de procedimento sumaríssimo a produção probatória tende a ser mais simples (PINHEIRO, 2013).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que os institutos despenalizadores são essenciais para garantir a efetividade e observância do princípio da intervenção mínima do direito penal. Como analisado, a aplicação das sanções penais como a pena e medida de segurança só devem ser aplicados em situações que realmente as exigem. Isso porque, o direito penal não tem um caráter meramente penalizador, mas também preventivo.
Diante disso, a liberdade do agente deve ser sempre a regra, sendo que a legitimidade dos referidos institutos encontra substanciada na própria lei que não admite a aplicação desproporcional e desnecessária da carceirização. Tem-se vários exemplos no sistema jurídico, a saber: medidas cautelares diversas da prisão, monitoramento eletrônico de pessoas que cumprem a pena em domicílio, a transação penal, suspensão condicional do processo e mais recente o acordo de não persecução penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERCOVICI, Gilberto. O princípio da subsidiariedade e o autoritarismo. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-nov-08/estado-economia-principio-subsidiariedade-autoritarismo. Acessado em 20 de maio de 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. V. único. 6 ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral. v.1. ed. 12. São Paulo: Método, 2018.
PINHEIRO, Roberta Azzam Gadelha. As medidas despenalizadoras dos juizados especiais criminais. 2013. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2013/trabalhos_12013/RobertaAzzamGadelhaPinheiro.pdf. Acessado em 18 de junho de 2022.
REIS, Cláudia Priscyla; OLIVEIRA, Aline Lima. A Teoria dos Jogos aplicada aos institutos despenalizadores do sistema jurídico brasileiro. 2017. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=9632&n_link=revista_artigos_leitura. Acessado em 18 de maio de 2022.
SILVA, Hellen Crisley de Barros Franco da. Conflito aparente de normas penais. Revista Âmbito Jurídico. 2018. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12203. Acessado em 17 de maio de 2022.
Bacharel em Direito pela Christus Faculdade do Piauí – CHRISFAPI; pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela faculdade CHRISFAPI; pós-graduada em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTENELE, Maria Letícia de Brito. Um ensaio sobre a relação do princípio da subsidiariedade do direito penal e os institutos despenalizadores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58838/um-ensaio-sobre-a-relao-do-princpio-da-subsidiariedade-do-direito-penal-e-os-institutos-despenalizadores. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.