(orientador)
RESUMO: O presente trabalho foi elaborado com o intuito de analisar o grave problema da segurança pública no Brasil, a violência gerada pelos policiais militares no exercício de suas funções, gerando violações a princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e caracterizando o abuso de autoridade previsto na Lei n° 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), dando ênfase na violência praticada principalmente contra aqueles que já são vulnerabilizados pela exclusão social. Para a realização do trabalho foi utilizado o método dedutivo através de revisões bibliográficas e por meio de artigos científicos, dados de pesquisas do governo, livros e a legislação brasileira. Tem como finalidade demonstrar como o problema prejudica a confiança da sociedade perante a Policia Militar, analisando casos de abusos de autoridade como violação a princípios constitucionais, alertando o crescimento anual da letalidade pelos policiais e identificando quais suas principais vítimas. Por fim, pode-se concluir a importância de adotar medidas eficazes para redução das práticas ilegais cometidas pelos agentes, gerando um convívio melhor com a população e mais confiança em relação à segurança pública no país, como também para uma melhor forma de diminuir a criminalidade.
Palavras-chaves: Segurança Pública. Policia Militar. Dignidade da Pessoa Humana.
ABSTRACT: The present work was prepared with the aim of analyzing the serious problem of public security in Brazil, the violence generated by the military police in the exercise of their functions, generating violations of constitutional principles such as human dignity and characterizing the foreseen abuse of authority in Law No. 13.869/2019 (Abuse of Authority Law), emphasizing the violence practiced mainly against those who are already made vulnerable by social exclusion. To carry out the work, the deductive method was used through bibliographical reviews and through scientific articles, government research data, books and Brazilian legislation. Its purpose is to demonstrate how the problem undermines society's trust in the Military Police, analyzing cases of abuse of authority as a violation of constitutional principles, alerting the annual increase in lethality by police officers and identifying the main victims. Finally, it can be concluded the importance of adopting effective measures to reduce illegal practices committed by agents, generating a better relationship with the population and more confidence in relation to public safety in the country, as well as a better way to reduce crime.
Keywords: Public security. Military police. Dignity of human person.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Segurança Pública e o problema institucional da Policia Militar. 2.1 Policia Militar. 3 Violência Policial. 4 O Principio da Dignidade Humana e a sua violação nas intervenções policiais. 5 O abuso de autoridade nas abordagens policiais. 6 Conclusão. 7 Referências.
A questão em pauta nessa pesquisa é a violência praticada por agentes da Policia Militar, que muitas vezes atuam em função de hierarquias racistas e com desigualdade referente a classes sociais em suas abordagens.
A violência quando praticada por agentes da segurança pública no exercício de suas funções é considera violência policial, atualmente é um dos principais problemas dentro dos órgãos da Segurança Pública no país, imagens e fotos de torturas e humilhação contra a população são repercutidos diariamente em mídias eletrônicas, causando grande impacto e insegurança para a sociedade.
Inicialmente, o trabalho visa apresentar o que é a Segurança Pública e explanar seu problema social perante as instituições militares, esclarecendo possíveis falhas que causam tal violência. A Policia Militar é um dos 6 (seis) órgãos tratados no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, artigo este que estabelece os órgãos constituintes da Segurança Pública no Brasil, são eles: polícia federal, policia rodoviária federal, policia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e bombeiros militares, nos parágrafos do dispositivo estão elencadas as competências e funções de cada órgão. Cada um possuem competências diferentes, porém, todos os policiais são incumbidos de cuidar, manter a ordem pública e prevenir crimes, independente de qual órgão policial pertence.
O órgão militar tem como principal função o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública nos Estados brasileiros e no Distrito Federal, trabalham em conjunto com as policias civis. A Policia Militar é tida como forças auxiliares e reserva do Exército Brasileiro que integram o Sistema de Segurança Pública e Defesa social brasileiro, por esse motivo seu comando é dado por um superior do posto de coronel, chamado de comandante-geral.
A Lei 13.869, de 5 de setembro de 2019 (Lei de abuso de Autoridade), considera abuso de autoridade condutas praticadas pelo agente público com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Portanto, o fato de serem policiais não justifica que podem usar e abusar da força física ao realizar suas missões, salvo nos casos exclusão da ilicitude, assunto elencado nos incisos do artigo 23 do Código Penal (1940).
A forma brutal e desumana que a polícia realiza as abordagens, caracterizam violações graves ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana com redação dada no inciso III do artigo 1° da Constituição Federal/1988. O princípio ressalva que todo individuo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc.
Dessa forma, o objetivo principal do trabalho é demonstrar como a prática das violências policiais tem afetado a confiança da sociedade nos órgãos policiais principalmente com relação a Policia Militar, analisando alguns casos que fizeram o assunto ter maior visibilidade, principalmente por ter vitimado pessoas inocentes, também irá dar ênfase no perfil das vítimas e por fim destacar possíveis soluções para o combate de tal violência.
2 SEGURANÇA PÚBLICA E O PROBLEMA INSTITUCIONAL DA POLICIA MILITAR.
A Secretária Nacional de Segurança Pública define Segurança Pública como “uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o objetivo de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei”, ou seja, é o exercício da segurança de ordem pública, é dever do Estado é um direito e responsabilidade de todos, de preservação da ordem pública. As instituições policias são encarregados para realizar esse trabalho na sociedade.
O assunto é tratado no Capítulo III, “Da Segurança Pública” do Título V, “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, o artigo 144 é o único deste capítulo, e trata sobre a definição do conceito de segurança pública no Brasil, nele está todos os órgãos constituintes e suas competências perante a sociedade, tendo como definição principal a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Em 2010 ocorreu o julgamento de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), determinando a taxatividade do rol dos órgãos da segurança pública.
ADI 3469 / SC - SANTA CATARINA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 16/09/2010
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional nº 39, de 31 de janeiro de 2005, à Constituição do Estado de Santa Catarina. 3. Criação do Instituto Geral de Perícia e inserção do órgão no rol daqueles encarregados da segurança pública. 4. Legitimidade ativa da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL-BRASIL). Precedentes. 5. Observância obrigatória, pelos Estados-membros, do disposto no art. 144 da Constituição da República. Precedentes. 6. Taxatividade do rol dos órgãos encarregados da segurança pública, contidos no art. 144 da Constituição da República. Precedentes. 7.Impossibilidade da criação, pelos Estados- -membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no art. 144 da Constituição. Precedentes. 8. Ao Instituto Geral de Perícia, instituído pela norma impugnada, são incumbidas funções atinentes à segurança pública. 9. Violação do artigo 144 c/c o art. 25 da Constituição da República. 10. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente.
O julgamento da ADI foi crucial para o entendimento que apenas os órgãos elencados no artigo 144, pode realizar funções da segurança pública no Brasil.
Para o autor Álvaro Lazzarini (1995, p. 53) a segurança pública é elemento e causa da ordem pública: “temos entendido ser a segurança pública um aspecto da ordem pública, ao lado da tranquilidade e da salubridade públicas. [...] Cada um de seus aspectos é por si só a causa do efeito ordem pública, cada um deles tem por objeto assegurar a ordem pública”. Ou seja, o doutrinador entende que a segurança pública é um tipo de manutenção da ordem pública.
Nos últimos anos, a questão da segurança pública passou a ser considerada problema fundamental e é um dos principais desafios para o estado de direito brasileiro. O assunto ganhou maior visibilidade por problemas relacionados com o aumento da violência policial e consequentemente gerando a alta sensação de insegurança, entre outras dezenas de falhas no sistema brasileiro.
Alex Agra, preceitua que:
Para estudar os problemas do modelo das polícias no Brasil, é preciso entender que as contradições que o modelo de segurança pública apresenta vão além de obstáculos individuais, ou seja, questões de caráter ou formação de um policial (ou um grupo de policial) especifico(s). Trata-se de um empecilho sistemático muito bem colocado por um sistema criado para não funcionar. Visto isso, o objetivo dessa reflexão não será condenar ou isentar o policial enquanto individuo, mas entender que há em volta dele um contexto histórico, social e estrutural para que as limitações atuais existam. (2016)
O aumento da criminalidade é um dos motivos para a desestabilidade da segurança pública, infelizmente o Brasil é um país em que as pessoas de certa forma se acostumaram com a violência mesmo gerando tanta indignação da sociedade, ainda tem muito o que fazer para que a segurança pública seja de fato estruturada para a modernização da sociedade.
2.1 Policia Militar
A Policia Militar é um dos órgãos da segurança pública no Brasil, está previsto no inciso V, do artigo 144 da Constituição Federal de 1988. A PM foi padronizada na Constituição em 1946, ano este que todos os Estados brasileiros passaram a adotar o termo “Policia Militar”, mas, a história da polícia teve origem no século 19, com a chegada de Dom João VI no Brasil em 1908, daí em diante foi criado uma corporação militar no Estado do Rio de Janeiro equivalente a Guarda Real de Polícia, com o passar dos anos e com o aumento populacional foram divididas as guardas das policias militares, criados assim instituições policiais em outros estados brasileiros.
As PMs eram consideradas pequenos exércitos, atuavam para obter a proteção do Estado desde o início da República. Até no período da ditadura militar (1964-1985), as Policias Militares, a nãos ser quando empregadas a serviço da razão do Estado, eram marcadamente aquarteladas e acentuadamente ociosas (SILVA, 2003), nesse período ocorreu de fato a intensificação da militarização do órgão.
A transição para a democracia no Brasil- como em toda a América Latina pós-ditaduras militares – procurou desmilitarizar a polícia, levando os militares a se concentrar em sua atividade profissional extroversa: a defesa das fronteiras do Estado (ZAVERUCHA,2001: 76). Apenas com a promulgação da Constituição de 1988 foi estabelecido um novo modelo de Segurança Pública, e consequentemente ocorreu a retirada do controle das PMs pelo exército, passando a ser gerida administrativamente pelo governo federal. Apesar disso, ainda são forças auxiliares e reservas do Exército Brasileiro, isso quer dizer que, quando necessário o exército pode requisitar a atuação da PM.
Rogério Greco, leciona sobre os deveres do Policial Militar:
Talvez um dos fardos mais pesados, criados pelo Direito Penal, seja a posição de garantidor. Para os policiais militares, esse fardo se torna ainda mais pesado, uma vez que, de acordo com o Estatuto da Polícia Militar de quase todos os Estados da federação, o policial militar, mesmo fora do seu horário normal de trabalho, ainda continua com esse status, ou seja, ainda é considerado como garantidor, tendo, mesmo nas horas e nos dias de folga, o dever de agir para impedir os resultados previstos nos tipos penais. (2020, p.207)
O parágrafo 5° do artigo 144 da CF/88, elenca as principais atribuições do órgão, são eles: o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, os agentes tem a missão de fiscalizar, realizar rondas, coibir atividades ilícitas de forma imediata, prevenindo o aumento da criminalidade e consequentemente deixando a sociedade segura.
Mas, ao contrário do que se espera dos agentes militares, a realidade é totalmente oposta, a missão de deixar a população segura e manter a confiança dos mesmos com a polícia muitas vezes se torna impossível pelo comportamento agressivo dos agentes públicos, uma pesquisa do Datafolha divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em 2019, apontou que os paulistanos temem mais medo do que confiança na polícia militar, os moradores disseram que os militares passam mais temor do que segurança em seus patrulhamentos e abordagens.
Silva relata a caracterização da violência praticada pelos Policiais Militares:
“O policial militar, que convive com os recursos da violência arbitrária, pode aprender essa prática e passar a gostar desse convívio. Desumano, preposto, arbitrário, sempre pronto à adoção do expediente violento, usando a arma e a lei como suportes do atendimento dos seus impulsos, conscientes ou inconscientes, de agressividade ou periculosidade, o policial militar torna-se um marginal amparado e resguardado pela lei. É um delinquente mais perigoso, porque usa da sua credencial, do seu título e de sua farda, para a prática da violência. Ele integra uma minoria da PM e a sua impunidade contamina a própria Instituição”. (1989, p.7)
Essa violência indica a continuidade de padrões e condutas autoritárias ilegais dentro das instituições policiais, representam que as práticas arbitrárias e ilegais do regime autoritário ainda são as condutas da ditadura militar instauradas em 1964, desrespeitando as garantias constitucionais e direitos individuais.
3 A VIOLÊNCIA POLICIAL
A violência policial é caracterizada quando os agentes da segurança pública que são os representantes do Estado responsáveis por manter a ordem púbica, agem em desacordo com a lei, usando a força física de forma ilegal, como por exemplo, praticando tortura contra os suspeitos e muitas vezes até contra a sociedade que está no local da abordagem, a maioria das vítimas são jovens, com baixa escolaridade, de classe média, negros e residentes de periferias.
A autora Railda Saraiva (1989) explica o motivo que fazem com que os agentes realizem tais condutas:
O policial em busca de promoção é facilmente conduzido ao raciocínio de que o seu dever está acima de tudo, ou seja, o cumprimento da missão é o que importa. Se precisar bater, ferir, o até mesmo matar, para obter a confissão, dispersar os agitadores, prender o assaltante, agirá sem remorsos, contanto que dê cumprimento imediato à missão, mesmo porque outras missões o esperam, o trabalho é muito e os policiais são poucos. (1989, p.159)
O aumento de casos de violência cometida pelos policiais passou a ser um dos grandes motivos de preocupação da sociedade e de grupos ligados á defesa dos direitos humanos, pois, o excesso das condutas ilegais causa violação a integridade física e à vida dos cidadãos.
O assunto tomou mais repercussão após o caso de George Floyd de 46 anos, que ocorreu em Maio de 2020 nos EUA, Floyd morreu asfixiado após uma abordagem em que os policiais imobilizaram e pressionaram o seu pescoço por 8 minutos e 46 segundos, o caso tomou proporção em vários países ocasionando manifestações de repúdio ao ato cometido pelos agentes, no Brasil o debate sobre a letalidade policial se tornou ainda mais abrangente após o caso do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos morto durante uma operação conjunta das policias federal e civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo em 2020, de acordo com os familiares, os policiais invadiram a casa em que o jovem estava e um dos presentes gritou que só havia crianças na residência e mesmo assim os policias saíram atirando atingindo João (G1, 2020), o caso mais recente que recendeu a revolta foi o de Kathlen de Oliveira Romeu, de 24 anos que morreu ao ser atingida por um disparo de fuzil durante uma ação da Policia Militar no complexo do Lins, zona norte do Rio de Janeiro, a jovem estava grávida de três meses (UOL, 2021), todos eram negros, moradores de periferias e inocentes.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021) artigo desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em conjunto com informações fornecidas pelas secretarias de segurança estaduais, em 2020, mesmo com todas as restrições para a diminuição do contagio do vírus da Covid-19, foi o ano que o país atingiu o maior número de mortes em decorrência de intervenções policiais civis e militares totalizando 6.416 vítimas, foram cerca de 17,6 mortes por dia, crescimento de 190% desde 2013, ano que o FBSP começou o monitoramento, de acordo com o artigo as PMs foram autoras de 72,7% da violências enquanto a polícia civil foi responsável por 2,8% dos casos em 2020. (FBSP, 2021, p. 59).
No Brasil, os órgãos policiais desenvolveram uma cultura de agressividade institucional, na qual os agentes antes mesmo de entrarem nos órgãos policiais acreditam que para garantir a ordem social e combater a criminalidade a única solução é a pratica da violência, a ignorância principalmente se os suspeitos forem pobres e marginalizados.
4 O PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA E SUA VIOLAÇÃO NAS INTERVENÇÕES POLICIAIS.
O ser humano tem como garantia fundamental estabelecida pela Constituição Federal (1988) em seu artigo 1°, inciso III o Princípio da Dignidade Humana, que pode ser entendido como garantia das necessidades vitais de cada indivíduo. De acordo com o conceito elaborado por Ingo Wolfgang Sarlet, que estabelece todo o rol de proteção estabelecido por esse princípio:
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (2002, p.60)
Ou seja, é papel dos órgãos do Estado garantir um respeito com a vida da sociedade, são incumbidos para dar esse exemplo e seguir o que a Constituição Federal estabelece. A dignidade humana é algo sagrado e inviolável, todo e qualquer desrespeito, tortura retira do cidadão essa garantia constitucional.
De acordo com Oliveira (2016, p.558) “qualquer tentativa de reduzir a pessoa a um nível subumano viola a sua dignidade e o seu valor. A dignidade humana é um patrimônio sagrado e inviolável, pois a pessoa é a imagem divina na terra, segundo a tradição judaico-cristã”.
O agente ao tratar o possível suspeito com discriminação racial ou com tortura física está violando de forma direta tal princípio constitucional. Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.09), ressalta que a violação de um princípio constitucional é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comando [...].
Além das violações contra a integridade física, as agentes também agridem a integridade psicológica por meio de injuria racial, a Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) define o crime de injúria no § 3o do artigo 140, para caracterizar o crime deve haver ofensa à dignidade de alguém utilizando elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou com deficiência, o código traz como pena de reclusão de um a três anos e multa.
Outra forma de violência é a pratica de racismo, o crime está previsto na Lei 7.716/1989 e no inciso XLII do artigo 5° da Constituição Federal/ 1988, também aparece sendo um grande problema social e que de acordo com David Marques (2020), coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, isso acaba refletindo nas instituições policiais, gerando um racismo estrutural, "Estudos sobre como a polícia escolhe seus suspeitos mostram que a polícia tem muito mais facilidade para dizer que abordam mais pobres do que dizer que abordam mais pretos, sem entender a relação entre racismo e pobreza".
Em 2020, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou que 78,9% das vítimas eram negras, a taxa de letalidade é de 4,2 a cada 100 mil habitantes, já entre brancos ela é de 1,5 a cada 100 mil, ou seja, a letalidade policial entre negros é 2,8 maiores que a taxa entre brancos (FBSP, 2020, p.67), é importante lembrar que negros representam 56,3% do total da população brasileira.
5 O ABUSO DE AUTORIDADE NAS ABORDAGENS POLICIAIS.
A abordagem policial é uma ação usada pela polícia ostensiva preventiva, com o objetivo de abordar suspeitos e manter a ordem pública, o artigo 244 do Código de Processo Penal deixa claro para o abordado que tal pratica é obrigatória por lei. De acordo com Capez a ação será realizada quando “houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida” ou outros objetos. É realizada na pessoa (incluindo bolsas, malas etc.) e em veículos que estejam em sua posse (automóveis, motocicletas etc) (2009, p. 341).
A legislação brasileira dispõe procedimentos legais de abordagens que os agentes devem seguir sem que seja caracterizado Abuso de Autoridade, que de acordo com a Lei 13.869/19 é crime e tem caráter privilegiado, ou seja, para cometer tal crime é necessário que exista uma característica profissional, e pelo uso excessivo de poder que lhe tenha sido atribuído no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Esse tipo de abuso é uma prática na qual, o policial ostenta do seu poder de policiamento de forma que restringe à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo da correspondência, à incolumidade física do indivíduo, como outros atentados que estão dispostos nos artigos 3º e 4º, da Lei nº 13.869/19 (Cosenza, 2019).
O Artigo 23 do Código Penal e o artigo 42 do Código Penal Militar estabelece as “excludentes de ilicitude”, ocorre quando não se configura crime, mas o agente é responsabilizado pelo excesso, ou seja, quando o policial pode fazer ou não o uso da força física para cumprir seu dever legal, é necessário averiguar se a situação, se por um exemplo, for caso de resistência armada a uma abordagem, a lei protege, nos limites da legitima defesa e do estrito cumprimento do dever legal. De acordo com a legislação penal, quando o agente da segurança púbica emprega a força para cumprir suas funções, os mesmos estão resguardados pelo “estrito cumprimento do dever legal” quando ao agir o a conduta de força ilegal. As condutas que excederem quaisquer pratica autorizada pela legislação penal, será considerada ilegal e poderá ser gerado denúncia através das corregedorias dos órgãos policiais.
O problema consiste em averiguar como o agente fez o uso da força física, se realmente usou o excesso, mas, de acordo com oque a lei permite ou excedeu os limites legais, de acordo com muitos casos de violência policial é o que legitima a ação policial e a diferencia das ações criminosas cometidas por bandidos.
As policias militares e civis possuem as corregedorias com o intuito de receber denúncias e consequentemente corrigir as más ações policiais investigando crimes e infrações administrativas praticadas pelos mesmos. A PM por ser a polícia que tem maior convívio com a população gerando os maiores números de abordagens no Brasil é também reconhecida por ser a que mais registra a pratica de abuso, apenas no Estado de São Paulo em 2019 foram registradas cerca de 848 denúncias contra policiais, foram 714 denúncias apenas contra PMs (84,5%) e 113 contra policiais civis (11,3%) (UOL,2020).
Após os autos índices de denúncias alguns Estados tomaram atitudes para que a violência institucional pudesse de alguma forma ser controlada, em São Paulo por exemplo, o Deputado Jorge Caruso do PMDB foi autor do projeto de Lei 578/2016 na qual determinava a implantação do uso de câmeras para realizar a captura de vídeo e áudio nas abordagens e assim proteger os direitos individuais da sociedade no Estado de São Paulo. Em 2020 o governo do Estado retomou o investimento nos equipamentos tecnológicos para dar transparência às ações policiais. Assim, as medidas adotadas além de fiscalizar as condutas ilegais dos policiais também têm o objetivo de registrar os atos de violências contra os agentes, que muitas vezes causam o descontrole dos agentes para agirem com excesso.
O Rio de Janeiro, Estado este que concentra um dos maiores números de vítimas das intervenções do país, teve como forma de controle no período da pandemia uma ação ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) conhecida como Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 635, com a pretensão de que fossem reconhecidas e sanadas graves lesões a preceitos fundamentais constitucionais, decorrentes da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro marcada pela "excessiva e crescente letalidade da atuação policial". (MPRJ, 2021).
Ambas ações tem o intuito de diminuir os casos de violência nas ações policiais, controlando condutas ilegais e analisando o que deve ser melhorado nas instituições que formam o policial, dando ênfase na importância do aprendizado sobre a garantia dos direitos humanos e do controle da criminalidade sem que a população em geral se sinta ameaça pelos agentes.
6 CONCLUSÃO
Com base no que foi apresentado, os agentes de segurança pública têm a exclusiva responsabilidade de garantir o direito de segurança da sociedade, sem qualquer distinção ou violação com a dignidade humana.
Com os autos índices de excessos provocados nas intervenções policiais, os moradores de periferias lidam com dois tipos de medo, o medo da criminalidade bastante persistente nesses locais e ainda o medo dos policiais que deveriam dar a essas pessoas a confiança de estarem sido protegidas pelos mesmos. Neste caso, os resultados começaram a ser positivos desde a aplicação da ADPF no RJ que limitou as operações policiais nas comunidades, as mortes tiveram uma queda de 31,8%.
A implementação do uso de câmeras pelos agentes em SP também demonstrou eficácia fazendo que o número de letalidade diminuísse muito em relação aos anos anteriores, em outros Estados brasileiros em que o uso já havia sido testado os números registrados também demonstraram melhora tanto quanto o comportamento dos policiais quanto ao comportamento da população com a polícia.
Pequenas mudanças no pensamento da própria sociedade podem ocasionar a melhoria do sistema, como por exemplo, de acordo com doutrinadores, o problema de os perfis das vítimas serem a maioria jovens negros, pode ser considerado um problema estrutural, pois, a sociedade em si demonstra ser preconceituosa, sendo eles moradores ou não de periferias, os policiais ao iniciar a carreira já entram nos órgãos com esse preconceito generalizado e acabam transmitindo para a sua prática profissional.
O fato da desmilitarização das PMs é um dos assuntos mais discutidos nos Tribunais Superiores e instituições policiais, como forma de controlar tais violências, pois ocorrendo a unificação da civil com a militar ou agentes militares não seriam tão influenciáveis pelas condutas da época da ditadura, espera-se que os órgãos e agentes passassem por um processo de redemocratização, ou seja, se aperfeiçoar para agir de modo legitimo na sociedade, já que a sociedade atual não é mais como a de antigamente.
Dessa forma, conclui-se que as propostas de controle são formas de os Estados diminuir os casos de violência, o assunto ainda é passível de aprimoramento, mesmo com os resultados positivos das mudanças ainda há muito o que se fazer para que a sociedade não sinta de forma alguns seus direitos violados pelos agentes e volte a ter total confiança na segurança gerada pelos agentes.
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Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Gabriella de Souza. A violência na atuação da polícia militar: o abuso de autoridade e a violação ao princípio da dignidade humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58867/a-violncia-na-atuao-da-polcia-militar-o-abuso-de-autoridade-e-a-violao-ao-princpio-da-dignidade-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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