Resumo: O presente artigo abordará a necessidade de fundamentação da decisão jurídica dentro de um processo judicial civil, a forma como os juízes decidem os casos demonstrando os delineamentos legais que contornam o processo de decisão, sua justificação como elemento de controle interno e externo e a importância de todo o processo decisório, para ao final estabelecer se há possibilidade de uma resposta adequada.
Palavras-chave: Decisão Judicial. Fundamentação das decisões judiciais. Processo decisório.
Abstract: The present article will address the need to justify the legal decision within a civil judicial process, the way in wich judges decide cases demonstrating the legal outlines that circumvent the decision process, its justification as an element of internal and external control and the importance of the entire decision-making process, in order to finally stablish wether there is a possibility of an adequate response.
Keywords: Judicial decision. Justification of judicial decisions. Decision process.
Sumário: Introdução. 1. Processo Decisório. 2. Processo Decisório Judicial. 3. Parâmetros Legais Com Aplicação no Processo Decisório Judicial Brasileiro. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Entender a forma como os juízes decidem interessa ao princípio democrático porque é através destas decisões que é realizado o exercício do poder jurisdicional, a solução das controvérsias.
Se decidir é escolher entre duas ou mais alternativas possíveis, em um processo judicial, em sendo o juiz a pessoa que fará a escolha ou opção entre as várias alternativas que se apresentam, é de suma importância que fundamente sua decisão a fim de demonstrar transparência e conhecimento ao discurso argumentativo, bem como conferir controlabilidade ou contestabilidade aos critérios de racionalidade para a justificação das decisões.
Isto porque “a fundamentação cumpre dupla função endoprocessual e exoprocessual, de modo que as razões de decidir devem ser passíveis de serem submetidas ao escrutínio das partes e dos demais sujeitos processuais, bem como de toda sociedade.” (KARNOPP e BRITTO, 2018).
“Nesse sentido, sob o aspecto endoprocessual, é possível às partes controlar a motivação do julgador, verificando se todas as provas foram devidamente examinadas e valoradas, bem como se o direito foi adequadamente aplicado ao caso apresentado para chegar àquele provimento final. Assim, evidenciar os fundamentos da decisão permite manejar eventual recurso, no caso de a parte se inconformar com a decisão. Por outro lado, o aspecto exoprocessual permite o controle político do poder judiciário, permitindo à sociedade verificar a imparcialidade do magistrado e a legalidade do provimento judicial”. (KARNOPP e BRITTO, 2018, p. 11).
A expectativa é a de que ao julgar, o juiz esteja convicto de sua escolha, que a decisão esteja dentro dos limites do ordenamento jurídico e seja produto das certezas construídas a partir do debate entre as partes e da instrução processual (HELLMAN e GALDURÓZ, 2022, p.2).
Desta forma, o presente artigo, elaborado através de pesquisas bibliográficas, após discorrer sobre o processo decisório de uma forma geral e a construção da decisão judicial, observará os delineamentos legais do dever de fundamentação judicial civil no direito brasileiro identificando seus elementos mínimos e sua importância para o exercício do contraditório e controle do exercício do poder jurisdicional.
2 PROCESSO DECISÓRIO
A cada dia, momento, chegamos a um ponto em que temos que optar por um caminho a seguir. Para tomar essa decisão, consideramos, dentre os fatos que conhecemos, os impactos decorrentes dessa decisão. Dentro de uma organização essas decisões se tornam cruciais porque podem impactar em seu papel no mercado de trabalho, sua expansão, sobrevivência ou estagnação.
A fim de compreender melhor o processo decisório organizacional, dentro de uma visão geral, para em seguida, nos ater ao processo decisório judicial, optamos em apresentar conceitos de diversos autores.
O processo decisório dentro de uma organização compreende a aplicação de diferentes modelos de tomada de decisão, cada um deles pertinente a uma determinada situação. (LOUSADA e VALENTIM, 2011, p. ).
Segundo CHIAVENATO, o processo decisório, dentro de uma organização:
A organização é um sistema de decisões em que cada pessoa participa consciente e racionalmente, escolhendo e decidindo entre alternativas mais ou menos racionais que são apresentadas de acordo com sua personalidade, motivações e atitudes. Os processos de percepção das situações e o raciocínio são básicos para a explicação do comportamento humano nas organizações: o que uma pessoa aprecia e deseja influencia o que se vê e interpreta, assim como o que vê e interpreta influencia o que aprecia e deseja. Em outros termos, a pessoa decide em função de sua percepção das situações. Em resumo, as pessoas são processadores de informação, criadoras de opinião e tomadoras de decisão. (BERTONCINI e Col. Apud CHIAVENATO, 2003, p.348).
Felipe Cruz (2016), ao discorrer sobre o tema – “Tomada de Decisão: o que os autores dizem sobre o tema?” expôs que Angeloni (2003) teria afirmado que o processo decisório é afetado de forma significativa pela visão de cada um, na medida em que diferentes pessoas diante de um mesmo fato tendem a interpretá-lo de acordo com seus modelos mentais, que as levam a percebê-lo de forma diferente. Acrescentando que o julgador deve ter a consciência de que o maior desafio não é o de obter os dados, as informações e os conhecimentos, mas sim a aceitação de que, no processo de codificação/decodificação, as distorções ocorrem e que existe forma de amenizá-las.
O mesmo autor, dando continuidade à exposição das definições do processo decisório, citou Peter Drucker (2002) que define a decisão como o desenvolvimento do raciocínio com foco na escolha entre diferentes cursos de ação onde, raramente, existe o certo e o errado. Acrescentando que uma decisão é uma escolha entre alternativas e que na melhor das hipóteses é uma escolha entre o “quase certo” e o “provavelmente errado”.
Pelos conceitos expostos do processo decisório, percebe-se que, em qualquer cenário, o procedimento para a tomada de decisão é de suma importância, que a tomada de decisão é inerente a qualquer trabalho, que os valores pessoais do responsável pela decisão estão presentes no processo decisório e que há uma busca contínua para alcançar a melhor escolha através da amenização das distorções na codificação/decodificação.
3 PROCESSO DECISÓRIO JUDICIAL
E no processo decisório judicial? Existe importância na forma como as decisões judiciais são tomadas? Se o processo decisório nas organizações se revela importante para a busca da melhor decisão, no processo judicial não há de ser diferente.
Ronald Dworkin, em seu livro: O império do direito, registrou que Learned Hand (Mão Sábia), um dos melhores e mais famosos juízes dos Estados Unidos, dizia termais medo de um processo judicial que da morte ou dos impostos.Ao discorrer sobre o assunto DWORKIN chegou a afirmar:
“A diferença entre dignidade e ruína pode depender de um simples argumento que talvez não fosse tão poderoso aos olhos de outro juiz, ou mesmo juiz no dia seguinte. As pessoas frequentemente se vêem na iminência de ganhar ou perder muito mais em decorrência de um aceno da cabeça do juiz do que qualquer norma geral que provenha do legislativo”. (DWORKIN, p.3, 1999)
Na mesma obra, DWORKIN, demonstrando a importância do processo decisório, explica que os processos judiciais são importantes em outro aspecto não avaliado em termos financeiro. Diz que existe uma dimensão moral associada e, portanto, um risco permanente de uma forma inequívoca de injustiça pública. Ao decidir, o juiz não só aponta quem vai ficar com o quê, mas quem cumpriu com suas responsabilidades e quem descumpriu. Esclarece que se o julgamento for injusto, a comunidade terá infligido um dano moral a um de seus membros por tê-lo estigmatizado.
Há de se observar, conforme ensina Carlos Alberto Menezes Direito (2000), como qualquer processo decisório, a decisão judicial não decorre simplesmente da pura aplicação da lei considerando um dado caso concreto. É uma decisão humana, em sendo assim, conforme qualquer tomada de decisão, não está, por inteiro, no domínio da ciência ou da técnica, estará sujeita às emoções, sentimentos, crenças da pessoa humana investida no poder jurisdicional. E a independência do juiz está na capacidade de julgar com esses elementos que participam da sua natureza racional, livre e social.
No mesmo sentido, Maria Isabel Rosifini Alves Rezende (2019), em seu artigo: A teoria da decisão judicial: como os juízes julgam? Ao concluir seu trabalho, afirmou que o ordenamento jurídico é um dos elementos que influenciam na tomada de decisão, no entanto há outros fatores externos que influenciam a sua decisão, tais como sua preferência político-ideológica, opinião pública, em se tratando de um caso sujeito à influência midiática, aceitação da decisão pelos colegas dentro da instituição, experiência pessoal, possibilidade de promoção e de reversão da decisão em segunda instância ou nos Tribunais Superiores, e por fim, o próprio ordenamento jurídico.
Corroborando com as constatações mencionadas por Carlos Alberto Menezes Direito e Maria Isabel Rosifini Alves Rezende, Luis Roberto Barroso (2014), durante o seminário Teoria da Decisão Judicial: casos difíceis e a Criação Judicial do Direito realizado em Brasília, asseverou que o julgador, assim como qualquer pessoa, tem sua própria visão do mundo, as pessoas vêem o mundo de diferentes pontos de observação, em muitas matérias, não é possível produzir a verdade, nessas matérias temos que conviver, na melhor das hipóteses, com a cor da lente pela qual se está olhando. Quem trafega pelo direito tem que conviver com a circunstância de que muitas vezes não haverá certeza absoluta ou uma verdade plena.
Para se chegar à decisão, o julgador passa por algumas etapas, de acordo com DWORKIN, o processo de aplicação do direito realizado pelo juiz começa com as questões de fato (o que aconteceu?). Enquanto o magistrado não conhecer todos os fatos da causa, não estará em condições de emitir nenhum julgamento. Depois de direito (determinação das regras ou princípios jurídicos aplicáveis ao caso), em seguida as questões ligadas à moralidade (DWORKIN, p. 5 a 6, 1999).
Em outras palavras, conhecido os fatos, as circunstâncias concretas dos autos, o juiz passará para o segundo momento de sua atividade, buscará a disciplina jurídica própria, seja no rol do direito positivo, seja nas demais fontes possíveis, como os princípios gerais do direito, costumes etc.
Percebe-se, portanto, que:
“com o objetivo de se chegar ao melhor julgamento, o processo decisório tem as suas etapas próprias envolvendo a análise e a interpretação das informações colhidas no processo, por meio de provas documentais, periciais e testemunhais, dentre outras, e identificar quais são, efetivamente, relevantes para a tomada de decisão.Evidentemente, esse processo de análise dos fatos e provas ocorre consoante a percepção do julgador.” (ESTEVÃO e LEONARDO, 2020, p.12)
Para entender as etapas mencionadas, é de bom alvitre ressaltar o entendimento do que significa interpretar, Maximiliano ensina que:
“Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. Pode-se procurar e definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta; inclusive o silêncio” (MAXIMILIANO, 2017, p.21)
Reconhecendo o fato de que a interpretação faz parte do processo decisório,sendo parte primordial do julgador no processo de pesquisa da relação entre o caso concreto e a norma jurídica, e que para alcançar o sentido da regra jurídica, cuja apresentação, mesmo quando clara ou precisa em sua linguagem, são formuladas em termos gerais, é que surgiu a hermenêutica jurídica, cujo objetivo é o estudo e sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.
Dentre as principais escolas da hermenêutica jurídica citamos a Escola da Exegese que, conforme leciona Gustavo Filipe Barbosa Garcia:
“identifica o Direito positivo como a lei escrita, dando enfoque especial aos Códigos (naquela época, com destaque ao Código de Napoleão, de 1804), realizando a interpretação preponderantemente literal dos seus dispositivos, embora também tenha admitido a interpretação histórica (investigando a vontadedo legislador e as circunstâncias que antecederam a lei) e a interpretação lógico-sistemática (procurando o sentido da lei, levando em conta o lugar que ocupa na legislação). O Direito, assim, é reduzido à lei e a função judicial é concebida como um processo de dedução lógica,de subsumir fatos concretos à lei abstrata.” (GARCIA, 2015, p. 21)
Com a revolução industrial do século XIX, sobrevieram muitas alterações na vida social face aos grandes investimentos na área da física e da química, gerando muitas mudanças no sistema de produção e tornando o excessivo apego à lei codificada inadequado à “nova” sociedade. O que levou ao estudo de novas formas de adequação da lei à realidade social, necessidade que deu origem a novas teorias de interpretação, surgindo um sistema que Maximiliano denominou de históricoevolutivo ou evolutivo.
A teoria preconizada por essa Escola, cujo maior representante foi Savigny,
sustentava a necessidade de se buscar o verdadeiro direito nos usos e costumes, bem como na tradição dos povos.
César Augusto Luiz Leonardo e Roberto da Freiria Estevão (2020), ao citarem BETIOLI, no que tange aos principais postulados dessa teoria, afirmaram serem:
“a) a lei precisa ser interpretada como realidade histórica e, pois, submeter-se à progressão do tempo, desprendendo-se do legislador após sua entrada em vigor e adquirindo vida própria, de sorte a adequar-se às mudanças sociais decorrentes da evolução histórica; b) a interpretação do texto legal deve ser atualizadora, vale dizer, deve ser efetivada de modo a adaptá-lo às realidades e às exigências sociais posteriores à sua elaboração, e, para isto, seria importante buscar não avontade do legislador durante o procedimento legislativo, mas investigar que vontade aquele legislador teria em face da nova realidade social; c) o intérprete, porém, não podia criar umnovo direito à margem da lei, mas tão-somente atualizá-la.” (ESTEVÃO e LEONARDO, 2020, p.18)
Foi a partir do historicismo que se encaminhou para um cientificismo.
“Os cientistas do direito elaboravam conceitos bem definidos, para tornar possível sua segura aplicação em variados lugares e épocas. Nisto consistia a atividade dos chamados pandectistas, do que surgiu o formalismo jurídico alemão, com o emprego de um sistema fechado, fruto do método lógico sistemático, que acabou servindo de fundamento ao positivismo jurídico no final do século XIX. (ESTEVÃO e LEONARDO, 2020).
“O Positivismo Jurídico (ou Escola do Direito Positivo) procura afastar a Ciência do Direito de valores morais, políticos, religiosos, filosóficos (como o relativo à justiça), bem como do Direito natural, defendendo a neutralidade do conteúdo do Direito, o qual passa a ser visto como o conjunto de normas (sistema normativo, ordenamento jurídico), cabendo à ciência do Direito o conhecimento e a descrição das normas jurídicas.”(GARCIA, 2015, p. 21).
Importante lembrar que a interpretação jurídica no período positivista, embora caracterizado pelo formalismo jurídico, em que os fatos eram subsumidos à norma, para que se produzisse o silogismo que produzia a decisão judicial. A norma era a premissa maior, os fatos a premissa menor e a sentença, a conclusão, não se pode deixar de considerar que o direito é um saber argumentativo, o que envolve os valores, a moral, a ética e os princípios.
A existência, no entanto, de problemas jurídicos, decorrentes da complexidade de um mundo mais moderno, plural, que não podiam ser encontrados prontos na lei, integralmente previstos nas normas jurídicas (casos difíceis ou hard cases), levando o juiz em busca de respostas em outro lugar, aproximando o direito da filosofia moral (teoria da justiça), da filosofia política (legitimidade democrática) e a busca do dever de realizar os fins públicos previstos constitucionalmente, demonstra que o modelo tradicional era insuficiente, fazendo com que o formalismo fosse superado dando lugar ao advento de uma cultura pós positivista atribuindo normatividade aos princípios. A norma já não traz mais em si a solução para as controvérsias, mas um início de solução.
Se os fatos não ficam esperando para serem subsumidos na norma e o juiz assumiu outro papel na tomada de decisão, deixando de ser um aplicador de normas, mas sendo um autor da própria criação do direito, é de suma importância que ele deva demonstrar a trajetória intelectual que percorreu, apontando as razões pela qual aquela decisão que tomou é constitucionalmente adequada a fim de convencer aos destinatários que esta seria a melhor solução para o caso.
Em contraposição à Teoria Pura do Direito, surgiram outras escolas que se inserem no denominado Pós-Positivismo. Do Movimento do Direito Livre surgiu a Jurisprudência dos Valores reconhecendo a cultura como uma das principais referências do direito, com adeptos como Radbruche Karl Larenz.
Outra escola pós positivista é a Lógica do Razoável, de Luis Recaséns Siches, foi ele “quem desferiu o ataque mais vigoroso à influência da Lógica Formal no setor do Direito.” (NADER, 2018, p.43).
“Na obra “Panorama del pensamiento jurídico em el siglo XX” (1963, vol. 1), Recaséns Siches propõe um método de interpretação jurídica em que parâmetros da lógica tradicional não podem ser aplicadas às normas de direito positivo. A lógica do razoável leva à aplicação das normas de direito de forma adequada às realidades da vida humana, pois os fatos verificados nessa realidade é que influenciam e dão sentido às normas.” (ESTEVÃO e LEONARDO, 2020, p. 22).
“Siches, com segurança, pondera que o processo lógico-dedutivo não é suficiente para a decisão a respeito da aplicação de determinada norma no julgamento do conflito num caso concreto, uma vez que o problema não está em se extrair, pela inferência, conclusões de determinados conceitos jurídicos. “Pelo contrário, é um problema que se pode resolver somente ponderando, compreendendo e estimando os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinadas situações reais” (SICHES, 1973, p. 265), o que se concretiza por meio da argumentação”.”(ESTEVÃO e LEONARDO, 2020, p. 22).
Das várias escolas de hermenêutica existentes que, por um ou outro método a ser adotado, influencia na maneira de se interpretar um caso, os elementos de convicção e as disposições normativas aplicáveis, percebe-se um ponto em comum: a necessidade de argumentação se insere nos contornos de todas elas.
Em sendo assim, foi com a finalidade de aprimorar a qualidade decisória dos órgãos judiciais, garantindo o devido processo legal, que alguns princípios e regras de interpretação e decisão, aqui no Brasil, foram tornado expressos, servindo de parâmetros legais a serem observados no processo decisório e em cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados.
4 PARÂMETROS LEGAIS COM APLICAÇÃO NO PROCESSO DECISÓRIO JUDICIAL BRASILEIRO
“O processo é regido por uma série de normas que derivam de uma norma em especial: o devido processo legal, previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, LIV. A garantia do devido processo legal assegura ao jurisdicionado que qualquer intervenção ordenada pelo Poder Judiciário no âmbito da sua individualidade deva ser em atenção às regras do jogo, o que gera segurança jurídica e previsibilidade e, mais do que isso, preserva a liberdade.” (HELLMAN e GALDURÓZ, 2022).
O art. 5º, LIV da Constituição Federal prevê o devido processo legal nos seguintes termos:
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
A partir desse dispositivo, como já mencionado, as partes terão garantidas que todas as etapas do processo previstas em lei sejam cumpridas antes da decisão final, só sendo possível a privação da liberdade ou restrição de direitos se forem garantidos o juiz natural, o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a isonomia e a motivação das decisões.
A motivação, portanto, é parte integrante do devido processo legal, dela surge a necessidade da apresentação da argumentação na tomada da decisão judicial, exigência que pode ser observada, também, a partir da leitura da Constituição Federal em seu art. 93, inciso IX, quando menciona que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (Brasil, 1988).
O dever de fundamentar segue sendo previsto na legislação ordinária, cujo teor repete a norma constitucional, o art. 11 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, afirma, sob pena de nulidade, que todos os julgamentos do judiciário devem, não só ser públicos, mas fundamentado.
Isto porque a sociedade não é mais simples e soluções para problemas complexos frequentemente são criadas a partir do processo interpretativo de normas genéricas e, a fim de evitar o excesso no processo decisório, em um Estado Democrático de Direito, faz-se necessário evitar o maior inimigo do ordenamento jurídico fundado em princípios e normas genéricas: a ausência de motivação.
A exigência é explicada porque é através do dever de fundamentação instituído nas normas que se possibilita a efetivação do controle pela observância do discurso argumentativo utilizado na tomada de decisão, de forma a evitar que o julgador escolha livremente sua decisão, respeitando o sistema jurídico, cumprindo seus deveres de integridade e tendo atenção aos precedentes quando decide.
Além disso, conforme explica Ronald Kochem, é pela fundamentação que o processo decisório passa assumir uma feição extrínseca:
“Isso ocorre, porque, uma vez sendo reconhecido o direito de influência na decisão judicial – com o correlato dever de o juiz considerar os argumentos dos participantes do processo – e os deveres do magistrado de dialogar com as partes sobre o material processual, a fundamentação das decisões judiciais deve passar a refletir o exercício de tais direitos e deveres, como forma de possibilitar o controle sobre a atuação estatal, garantindo a efetiva participação noprocesso.”(KOCHEM, 2015, p. 4)
Existe também outro aspecto a ser observado do dever de fundamentação, quando concretizado traz confiabilidade, clareza e previsibilidade às pessoas do exercício jurisdicional.
Segundo o código de processo civil, diz-se fundamentada uma decisão quando está presente o conteúdo mínimo previsto no art. 489 do código de processo civil:
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” (Brasil, 2015).
“Assim, não se tem como motivada, a título de exemplo, a decisão que não apresentar a relação de alguma reprodução ou paráfrase de ato normativo com a causa em julgamento, ou a que empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem apontar sua relevância para o caso, ou a invocação de motivos genéricos, isto é, que se prestem a justificar qualquer outra decisão, ou também a que não enfrentar todos os argumentos apresentados no processo e que tenham potencialidade para infirmar a conclusão adotada pelo julgador, ou a que invocar precedente ou enunciado de súmula sem a necessária identificação dos similares fundamentos para a adoção de um ou outro.”(ESTEVÃO e LEONARDO, 2020, p. 22).
Portanto, ao mencionar que o juiz deve fundamentar sua decisão analisando as questões de fato e de direito e estabelecer as circunstâncias em que a decisão estará sujeita à nulidade, o código de processo civil restringe a liberdade do julgador, evitando o arbítrio estatal, e passa a exigir uma decisão racionalmente motivada, conferindo à fundamentação importância destacada.
Por meio do dever de fundamentação, busca-se a minimização da discricionariedade, da subjetividade do juiz inerentes as suas crenças, opiniões pessoais, sentimentos e visão de mundo, sendo este o momento em que acolherá ou refutará os argumentos trazidos ao seu conhecimento, permitindo controle da solução ofertada.
Pode-se perceber, portanto, que o dever de fundamentação confere uma forma de controle por meio da linguagem:
“A fundamentação, como se sabe, tem dupla função: uma interna e outra externa.
Expor, o juiz, os motivos do seu convencimento, o que significa possibilitar que as partes saibam qual foi o caminho percorrido por ele na compreensão e interpretação dos fatos da causa, das provas e do direito aplicado ao caso. Com isso, as partes têm condições de fazer o controle da qualidade formal e substancial da decisão. Por outro lado, essa exposição aliada à regra da publicidade do processo, permite que a sociedade em geral possa conhecer como decidem os magistrados e, pelos meios democráticos, fazer críticas à atividade jurisdicional.”(HELLMAN e GALDURÓZ, 2022).
Assim, é por meio da fundamentação que se percebe a racionalidade de uma decisão judicial, e ante os parâmetros normativos, pode-se perceber que:
“A racionalidade das decisões judiciais é entendida como a possibilidade de realizar uma recognição analítica da decisão, isto é: a possibilidade de reconhecer na decisão judicial, analiticamente, as diferentes operações realizadas (ou melhor: justificadas) pelo intérprete e, tendo em conta o método de cada uma dessas operações, de aferir a correção das operações. É por isso que a exigência constitucional de motivação das decisões judiciais deve ser lida como verdadeira exigência de fundamentação jurídica, i. e., de justificação racional da determinação dos fatos e da interpretação e aplicação da norma jurídica ao caso. Somente dessa forma a imputação de consequências jurídicas por meio do processo pode ser tida como não arbitrária”(KOCHEM, 2015, p. 5).
“de forma que, em havendo estruturas lógicas reconhecíveis na decisão, abre-se a possibilidade de controlar a validade da justificativa segundo os critérios do discurso lógico.” (KOCHEM, 2015, p. 6).
Estas, portanto, são as razões pelas quais a motivação passou a ser uma exigência das leis processuais e constitucionais. Pelo acesso à motivação garante-se o efetivo acesso à justiça, inclusive, às instâncias recursais, permitindo aos envolvidos o conhecimento de todo o processo decisório utilizado pelo magistrado para a solução do caso.
Não obstante a necessidade do cumprimento do dever de fundamentar, outros parâmetros foram delineados na lei de introdução às normas do direito brasileiro conferindo maior concretude ao princípio da motivação incluindo como requisito o detalhamento e a especificidade necessários, de modo a não restarem dúvidas do respeito do seu conteúdo à legalidade e à proporcionalidade.
O art. 20 e 21, por exemplo, determinam que as decisões nas esferas administrativa, controladora e judicial sejam tomadas não apenas com fundamentos principiológicos, mas considerando suas conseqüências práticas e, sobretudo, ponderando as alternativas possíveis. Exige, ainda, a prolação de decisões razoáveis e proporcionais, de forma que os danos delas
decorrentes sejam de extensão e intensidade adequadas ao caso concreto. (Brasil, 2018).
Os arts. 23 e 24 da mesma norma contém a clara preocupação com o respeito ao princípio da segurança jurídica. Visa a estabilidade das relações jurídicas, conferindo aos cidadãos a confiança de que, no caso de novas interpretações ou orientações sobre determinada norma que interfiram na validade de atos ou contratos, sejam preservadas situações já devidamente constituídas no tempo e garantida uma transição razoável quando inevitável a exigência do novo dever ou do novo condicionamento de direito. (Brasil, 2018).
5 CONCLUSÃO
A decisão jurídica, assim como qualquer resultado de um processo decisório, deve ser realizada após os conhecimentos dos fatos, da disciplina jurídica a ser aplicada, entretanto, independente da metodologia aplicada, para alcançar uma solução, observou-se que a decisão é afetada pela visão de cada um, isto porque está sujeita às emoções, sentimentos e crenças do julgador.
A fim de evitar que o julgador escolha livremente e minimizar sua discricionariedade, restou reconhecido a indispensabilidadeda motivação, a fim de demonstrar o desenvolvimento do raciocínio na escolha entre diferentes possibilidades de decisão, de modo a proporcionar transparência, controlabilidade e contestabilidade às decisões, razão pela qual, a legislação elevou ao patamar constitucional a motivação da decisão para sua efetiva validade, bem como foi instituído infra-constitucionalmente parâmetros legais com requisitos mínimos de validade à decisão jurídica.
Desta forma, trechos textos legais foram destacados neste trabalho objetivando exemplificar a importância do dever de fundamentar para a construção de uma decisão analítica e diretriz na interpretação de fatos e normas jurídicas.
Ainda assim, contatou-se que em um processo decisório não se chega a uma verdade ou certeza objetiva, o certo e o errado. O processo serve para amenizar distorções/divergências.
Em sendo assim, o julgador que ao decidir, com respeito ao sistema jurídico, demonstrando o desenvolvimento de seu raciocínio de acordo com a metodologia escolhida, com a análise e interpretação das informações colhidas no processo, enfrentando os argumentos apresentados, ponderando com os precedentes existentes com a identificação de fundamentos semelhantes para a adoção de um ou outro, com coerência, em resumo, apontando as razões pela qual tomou aquela decisão, dentro de sua própria perspectiva, demonstra que é possível dar uma resposta adequada.
REFERÊNCIAS
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Formada em direito pela UNICAP em 1997; Formada em administração pela UFPE em 1997; Pós Graduada em Ciências Criminais pela Faculdade CERS em 2021.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOEPERT, taciana melo. Direito e Decisão Jurídica: Possibilidade de uma resposta adequada? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58962/direito-e-deciso-jurdica-possibilidade-de-uma-resposta-adequada. Acesso em: 23 dez 2024.
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